versão impressa ISSN 1806-3713
J. bras. pneumol. vol.39 no.5 São Paulo set./out. 2013
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132013000500016
O câncer de pulmão é o tipo mais comum de neoplasia no mundo em mortalidade e incidência.( 1 ) O Instituto Nacional de Câncer estima que ocorreram 27.630 novos casos de câncer de pulmão no Brasil em 2010, tornando-se, respectivamente, o segundo e quarto tipo de câncer mais comum entre homens e mulheres,( 2 ) com uma alta carga de doença atribuível a ele.( 3 )
Um grupo de autores,( 4 ) ao avaliar o efeito idade-período-coorte, afirmaram que, no que diz respeito ao efeito de idade, há um aumento do risco desde as idades mais precoces. Com relação ao efeito de coorte, os autores referiram existir um menor risco de mortalidade entre os homens nascidos depois de 1950 e um risco cada vez maior em todos os grupos de mulheres. Finalmente, os resultados em relação às gerações mais jovens indicam que a tendência atual é provável que continue; o efeito coorte entre mulheres sugere uma tendência de aumento nas taxas de mortalidade, enquanto uma diminuição nas taxas entre homens com menos de 65 anos sugere que essa tendência irá continuar.
Estudos de tendências de mortalidade por câncer de pulmão no Brasil, publicados no Jornal Brasileiro de Pneumologia,(5,6) revelaram que a taxa de mortalidade ajustada por idade entre os homens aumentou de 10,6 mortes/100.000 habitantes em 1979 para 13,1 mortes/100.000 habitantes de em 2004. Durante o mesmo período, o aumento foi de 3,0 para 5,4 mortes/100.000 habitantes entre as mulheres. Mendonça et al.(7) observaram que, embora a magnitude da mortalidade por câncer de pulmão seja maior entre homens, o aumento da taxa de mortalidade ajustada à idade em mulheres (80%) era muito maior do que entre os homens (23,6%) no período estudado (1979-2003).
Passados 5 anos após aquelas publicações, entretanto, ao se observar a tendência da mortalidade, estratificada por sexo, um comportamento diferenciado pode ser evidenciado. Na Figura 1, apresenta-se a tendência linear da mortalidade por câncer de traqueia, pulmão e brônquios segundo o sexo. No período entre 1980 e 2010, observa-se, para a tendência linear, um aumento da mortalidade para ambos os sexos, ainda que em diferentes magnitudes para a taxa e para a tendência. Entretanto, ao realizar a análise de regressão joinpoint (ponto de inflexão), que permite o ajuste de dados de uma série a partir do menor número possível de joinpoints (zero, ou seja, uma reta sem pontos de inflexão) e que testa se a inclusão de mais joinpoints é estatisticamente significativa, observamos que o comportamento da tendência é diferente para cada gênero, conforme apresentado na Tabela 1. Observa-se, após a modelagem, que a aparente flutuação para o sexo masculino é explicada por diferentes tendências no período, com aumento da mortalidade para os períodos entre 1980 e 1995 (significativo) e entre 2000 e 2005, assim como um decréscimo da mesma nos períodos entre 1996 e 2001 e entre 2006 e 2010 (significativo). Já para as mulheres, a tendência é homogênea e de aumento para todo o período linearmente.
Figura 1 Tendência linear da mortalidade por câncer de pulmão, traqueia e brônquios segundo sexo. Brasil, 1980-2010.
Tabela 1 Estimativas de tendência temporal das taxas de mortalidade específicas por câncer de traqueia, pulmão e brônquios segundo pontos de corte obtidos através de regressão joinpoint. Brasil, 1980-2010.
Variável | Sexo | Período | AAPC | IC95% | p | |
LI | LS | |||||
TME por câncer de traquéia, pulmão e brônquios | Masculino | 1980-1995* | 1,2 | 0,9 | 1,5 | 0,001 |
1996-2001 | −1,1 | −2,5 | 0,4 | |||
2002-2005 | 2,0 | −1,2 | 5,4 | |||
2006-2010* | −3,1 | −4,5 | -1,7 | |||
Feminino | 1980-2010* | 2,5 | 2,3 | 2,6 | 0,021 |
*TME: taxas de mortalidade específicas; APC: average annual percent change (variação percentual anual média); LI: limite inferior; e LS: limite superior. Diferenças significativas.
O estudo da mortalidade por análise de tendência do tempo pode ser um instrumento útil para a avaliação de câncer de traqueia, pulmão e brônquios, uma vez que fornece uma fonte de informação para apoiar a política de tomada de decisão, bem como servir como uma ferramenta para auxiliar na avaliação do impacto das medidas de prevenção já em implementação.( 8 ) Ainda, as tendências temporais podem refletir diferenças na estrutura da população (como idade), o acesso aos serviços de saúde e a qualidade de atendimento. As taxas de mortalidade também são influenciadas por risco de doença e fatores de proteção, o que pode mudar com o tempo e afetar diferentes grupos populacionais.( 8 )
Em 1996, o Brasil promulgou a lei federal 9.294/96, que restringe o uso e a propaganda de produtos derivados de tabaco em locais coletivos, públicos ou privados, à exceção das áreas destinadas para seu consumo, desde que isoladas e ventiladas (fumódromos).( 9 ) Ainda, com o objetivo de se aproximar mais do artigo 8 da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco,( 10 ) tratado internacional elaborado pela Organização Mundial da Saúde e do qual o Brasil é signatário, estados e municípios têm elaborados leis que eliminam a presença dos fumódromos e proíbem o consumo de cigarros, charutos, cachimbos e cigarrilhas em bares, restaurantes, casas noturnas, escolas, áreas comuns de condomínios e hotéis, supermercados, shoppings, etc.( 10 )
A política de controle do tabagismo no Brasil tem sido exitosa para prevenir a iniciação de jovens. Entretanto, é possível que ela atinja de forma diferenciada gêneros, classes econômicas e faixas etárias. Os dados apresentados sugerem que a dinâmica de prevalência de tabagismo no país varia em função do gênero. Nesse sentido, ações efetivas para a cessação de fumar e para a redução da iniciação entre jovens devem ser encaradas como prioridades, pois essas são realmente necessárias para reduzir o câncer de pulmão e outras doenças associadas ao tabaco.