versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.2 São Paulo mar./abr. 2015
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.03.003
A voz é um instrumento essencial na vida de diversos profissionais, sendo que aproximadamente 25% da população economicamente ativa consideram a voz como instrumento de trabalho primordial.1
O conceito de "voz normal" é complexo, não existindo um consenso. Não há um padrão de "voz normal", ou seja, não existem limites definidos do que é considerado normal, e a partir de qual momento pode-se dizer que o indivíduo apresenta disfonia.2
Quando a voz muda, de forma negativa, diz-se que ela está perturbada ou disfônica.3 Disfonia, portanto, pode ser conceituada como qualquer dificuldade ou alteração na emissão vocal que não permita a produção natural da voz,4 , 5 impedindo a comunicação oral de forma momentânea ou permanente.6 Desta forma, a disfonia causa prejuízo ao indivíduo, uma vez que a voz produzida apresenta dificuldades ou limitações em cumprir seu papel básico de transmissão da mensagem verbal e emocional.5
A disfonia é um sintoma e não uma doença, ou seja, é uma manifestação que compõe o quadro de distúrbio de voz.2 A disfonia é o principal sintoma de distúrbio da comunicação oral,5 no entanto, os distúrbios da voz manifestam-se além do quadro disfônico, com dificuldade em manter a voz (astenia), cansaço ao falar, variação na frequência fundamental habitual vocal, rouquidão, falta de volume e projeção vocal, perda da eficiência vocal e pouca resistência ao falar.6
Portanto, toda disfonia é uma limitação vocal, podendo ser classificada em um dos quatro graus de intensidade: 1. grau leve - disfonia eventual ou quase imperceptível; o trabalhador consegue desempenhar suas atividades vocais habituais com mínima dificuldade, rara fadiga e sem interrupções; 2. grau moderado - disfonia percebida continuamente; a voz é audível, com oscilações; o trabalhador consegue desempenhar suas atividades vocais habituais, com percepção (por si próprio e/ou por ouvintes) de esforço, falhas, fadiga eventual a frequente e necessidade de interrupções; 3. grau intenso - disfonia constante; a voz torna-se pouco audível; o trabalhador não consegue desempenhar suas atividades, ou o faz com grande esforço, intensa fadiga e com grandes interrupções; 4. grau extremo ou afonia - é a "quase ausência" ou "total ausência" de voz; a voz torna-se inaudível, exigindo escrita ou mímica para que a pessoa se faça entender; o trabalhador não consegue desempenhar suas atividades.5
Apesar de a voz ser uma das principais formas de expressão do ser humano, sendo usada diariamente pela maioria das pessoas, existe um grupo especial de indivíduos que se destaca pela elevada demanda vocal.7 Essas pessoas são denominadas profissionais da voz: cantores, professores, operadores de telemarketing, advogados, pastores, consultores, vendedores e profissionais de saúde.7
Conceitualmente, a voz profissional é definida como a forma de comunicação oral utilizada por indivíduos que dela dependem para exercer sua atividade ocupacional.5 Ou seja, para caracterizar o uso profissional da voz, há a necessidade de que o indivíduo ganhe seu sustento por meio da voz.8
Várias são as propostas de classificação etiológica das disfonias. A classificação mais utilizada em nosso meio considera os fatores de base, sendo: disfonia funcional, organofuncional e orgânica.9 Para aprimorar o diagnóstico e o tratamento do distúrbio da voz, com o objetivo de analisar sua relação com o ambiente e a organização do trabalho, um movimento que reúne diferentes instituições está em processo para a classificação de uma nova categoria de agravo, o distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT).8 , 10
O objetivo deste artigo é realizar uma revisão de literatura sobre DVRT e a legislação trabalhista brasileira vigente.
Procedeu-se a pesquisa bibliográfica realizada na internet, nos sites Pubmed e Bireme, com os termos "distúrbio de voz relacionado ao trabalho", "disfonia ocupacional", "disfonia e legislação trabalhista", além de revisão das legislações trabalhista e previdenciárias pertinentes.
Distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT) é qualquer forma de desvio vocal diretamente relacionado ao uso da voz durante a atividade profissional que diminua, comprometa ou impeça a atuação e/ou comunicação do trabalhador, podendo ou não haver alteração orgânica da laringe.11
O DVRT manifesta-se pela presença de diversos sinais e sintomas, que podem estar presentes concomitantemente ou não, variando de acordo com a gravidade do quadro clínico.8 Os sintomas mais frequentes são: cansaço ao falar (fadiga vocal), rouquidão, garganta/boca seca, esforço ao falar, falhas na voz ("quebra da voz"), perda de voz, pigarro, instabilidade ou tremor na voz, ardor na garganta/dor ao falar, voz mais grossa, falta de volume e projeção vocal ("voz fraca"), perda na eficiência vocal, pouca resistência ao falar, dor ou tensão cervical.7 , 8 , 12
É importante caracterizar os sinais e sintomas quanto à forma de instalação, tempo de duração e fatores de melhora e piora.8
O início dos sintomas, geralmente, é insidioso.8 Aparentemente, em professores escolares a disfunção vocal aparece tardiamente, em uma média de 14 anos de trabalho.13 Em contraposição, os operadores de teleatendimento têm disfonias mais precocemente, podendo-se inferir que o estresse emocional, os fatores ambientais, organizacionais e o perfil dessa categoria favorecem a alteração precoce.13 Cabe informar que professores de educação física apresentam maior tendência de disfunção vocal aguda, pelo uso de ataque vocal brusco com elevada intensidade.13
A sintomatologia predomina nos finais de jornada de trabalho ou no fim da semana com diminuição desta após repouso noturno ou nos finais de semana.7 , 8 Aos poucos, os sintomas vão se tornando presentes continuadamente durante a jornada de trabalho ou durante todo o dia, sem recuperação, mesmo com repouso vocal. Nesta fase, dificilmente o trabalhador consegue exercer sua função vocal com a eficiência esperada, principalmente nos episódios de disfonia intensa.8
O quadro de DVRT também pode estar associado a sintomas de estresse psicológico e sofrimento mental face às exigências da organização do trabalho. A necessidade de responder a estas exigências, o medo do desemprego, a falta de informação e outras contingências do mundo do trabalho contemporâneo fazem com que o trabalhador suporte esses sintomas e continue trabalhando, até que haja um agravamento do quadro e a terapêutica adotada exija maior complexidade.8
O desenvolvimento do DVRT é multicausal e está associado a diversos fatores, que podem desencadear ou agravar o quadro de alteração vocal do trabalhador de forma direta ou indireta, podendo haver interação destes nos ambientes de trabalho. Ou seja, estes fatores podem atuar isoladamente ou de forma combinada para o desenvolvimento do distúrbio vocal.
Os fatores de risco agravantes e desencadeantes do DVRT podem ser agrupados da seguinte forma2:
Como em todo processo saúde-doença, algumas características individuais podem funcionar como fatores agravantes e/ou desencadeantes, tais como idade, sexo feminino, uso vocal inapropriado ou excessivo (prolongado), atividades extraprofissionais com alta demanda vocal (lazer ou dupla jornada), alergias respiratórias, doenças de vias aéreas superiores, influências hormonais, medicações, etilismo, tabagismo, falta de hidratação, estresse, refluxo gastroesofágico e outros.2
a. Organizacionais do processo de trabalho (da natureza de organização do processo de trabalho): jornada de trabalho prolongada, sobrecarga, acúmulo de atividades ou de funções, demanda vocal excessiva, ausência de pausas e de locais de descanso durante a jornada, falta de autonomia, ritmo de trabalho estressante (pressão para o cumprimento de metas), insatisfação com o trabalho ou com a remuneração.2
b. Ambientais (do ambiente de trabalho):
(b.1). Riscos físicos: nível de pressão sonora elevado; mudança brusca de temperatura; ventilação do ambiente inadequada; luminosidade inadequada.2
(b.2). Riscos químicos: exposição a produtos químicos irritativos de vias aéreas superiores (solventes, vapores metálicos, gases asfixiantes); presença de poeira e/ou fumaça no local de trabalho.2
(b.3). Riscos ergonômicos devido à falta de planejamento correto em relação ao mobiliário (implica em alterações posturais), aos equipamentos e recursos materiais, à acústica do ambiente, à falta de água potável e ao acesso a banheiros.2,14
O distúrbio de voz pode ser desencadeado ou exacerbado pela demanda vocal ocupacional, e, portanto, faz-se necessário estabelecer a relação com o exercício da função ou atividade.2
Acredita-se que o principal fator desencadeante de disfonia ocupacional esteja relacionado ao uso excessivo da voz (abuso vocal).1 Profissionais que utilizam a voz estão sujeitos a um processo de "colisão" frequente devido ao movimento repetitivo das pregas vocais, ocasionando trauma (atrito) destas com surgimento de um processo inflamatório agudo laríngeo.1 , 15 Concomitantemente, há tensão nas pregas vocais, geralmente como consequência da compensação incorreta em casos de laringites, principalmente virais.1
É importante ressaltar que o estilo de vida destes profissionais (tabagismo, dieta inadequada com maior risco de refluxo faringolaríngeo) também representa papel importante na gênese das alterações vocais.1
Para o diagnóstico do DVRT devem ser levados em consideração os seguintes aspectos8:
• História clínica, ocupacional/laboral e epidemiológica;
• Avaliação médica clínica (preferencialmente realizada por médico otorrinolaringologista) e, se necessário, exames complementares (sobretudo laringoscopia);
• Avaliação fonoaudiológica da voz;
• Levantamento ocupacional (laboral) (levantamento das condições e fatores de risco ambientais e organizacionais do trabalho);
• Levantamento de comportamentos e hábitos relevantes.
Especificamente, na elaboração da história clínico-ocupacional (clínico-laboral) é fundamental investigar, detalhadamente, os aspectos clínicos da doença (sinais, sintomas e exames complementares), bem como aspectos relativos ao ambiente e rotina laboral.8
A conclusão diagnóstica deve considerar o cruzamento dos subitens acima, com especial atenção à história ocupacional. É importante lembrar que os exames complementares devem ser interpretados à luz do raciocínio clínico.8
A doença é considerada ocupacional quando existe relação com o trabalho, mesmo havendo fatores concomitantes não relacionados à atividade laboral.8 O princípio da concausalidade embasa esta afirmação, considerando que podem coexistir causas antecedentes, concomitantes e subsequentes ao distúrbio da voz, sem que estas impeçam o estabelecimento de sua relação com o trabalho.16
O diagnóstico precoce e o tratamento imediato do DVRT possibilitam melhor prognóstico, mas isso depende de vários fatores, como grau de informação do trabalhador, efetividade do programa de prevenção e controle médico da empresa, direção da mesma e possibilidade de o trabalhador manifestar suas queixas de saúdesem sofrer represálias explícitas ou implícitas.8
Após o diagnóstico do DVRT, deve ser realizado o tratamento, que poderá envolver equipe multidisciplinar composta por médico, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicólogo e terapeuta ocupacional.8
Na avaliação dos DVRT, devem ser incluídos todos os fatores determinantes do estado de saúde, e o tratamento deve focar, se necessário, as modificações biológicas, ambientais e de fatores de personalidade, e não simplesmente a redução da carga ocupacional vocal.15
O programa de tratamento e reabilitação deve ser específico para cada caso, buscando-se a recuperação da saúde do trabalhador.8
Obviamente, a terapêutica instituída depende do fator etiológico detectado, podendo-se utilizar tratamento clínico medicamentoso ou cirúrgico. Quando indicado, as cirurgias devem ser realizadas. No entanto, grande parte das alterações vocais é resolvida sem intervenção cirúrgica.7
Frequentemente utiliza-se, concomitantemente, a reabilitação fonoaudiológica vocal que, comumente, possibilita uma melhor adaptação vocal e o retorno do trabalhador mais precocemente ao seu ambiente laboral.
Comumente, diante de um quadro de disfonia aguda, estão indicados higiene e repouso vocal.
A higiene vocal engloba um conjunto de medidas preventivas e curativas vocais, tais como: orientação por profissional habilitado sobre o funcionamento vocal; evitar fumo e álcool em excesso; evitar posturas corporais inadequadas; tratar doenças respiratórias infecciosas e alérgicas; utilizar alimentação adequada, com excelente hidratação; evitar ambientes com ar seco; evitar utilizar medicações sem prescrição médica; e praticar exercícios.
O paciente sempre deve aumentar significativamente a ingestão de água em pequenos goles e em temperatura ambiente. Deve-se evitar a ingestão excessiva de derivados de leite, que aumentam a produção e tornam mais espesso o muco do trato vocal.7
Aulas de canto ajudam o profissional da voz.7
Durante o tratamento, o trabalhador pode permanecer em sua função ou, havendo necessidade, pode afastar-se temporariamente para evitar agravamento do quadro vocal ou prejuízo ao exercício do seu trabalho. Este afastamento deve ser considerado afastamento de função por doença ocupacional. Nesse caso, o trabalhador pode ser readaptado temporariamente em outra função na qual a utilização da voz não ocorra tão frequentemente. Caso a readaptação não seja possível, o mesmo deve ser encaminhado ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para afastamento com benefício.8
O repouso vocal, relativo ou absoluto, é importante em qualquer tipo de laringite. Quando se fala em repouso vocal, sugere-se repouso profissional e nas atividades de lazer, pois muitas vezes é na atividade social e de lazer que o indivíduo comete mais abuso vocal.7
O repouso vocal associado ao afastamento do trabalho implica em duas situações que potencialmente podem levar à melhora da disfonia: a primeira devido à óbvia possibilidade anti-inflamatória pela redução no atrito entre as pregas vocais; a segunda estárelacionada à diminuição de uma possível condição de estresse ocupacional que pode levar à diminuição da contratura com relaxamento muscular.
O tempo de repouso é variável e dependente da etiologia e fatores associados. Comumente, não se sugere afastamento maior que sete dias para nenhum trabalhador, pois a manutenção da rotina laboral é necessária para adaptação adequada às condições reais de trabalho e tratamento efetivo.13 Mesmo nos casos de repouso absoluto, comumente deve-se evitar exceder sete a dez dias, em virtude dos riscos de atrofia muscular.7 Em geral, três dias são suficientes.7
Ortiz, Costa, Spina et al. (2004) concluíram que, se o paciente fizer higiene vocal e seguir o tratamento adequadamente, pode manter o exercício laboral durante o período de tratamento, sem risco de piora, pois sabe-se que, quando a voz está adaptada, não há comprometimento do órgão fonatório. E ainda, mesmo que haja alterações estruturais mínimas (AEM), o profissional pode exercer a função sem comprometimento orgânico e fonatório.13
Certamente, esta conduta pode, em princípio, divergir da norma legal vigente, que recomenda o afastamento do trabalhador dos agentes de risco quando ele apresenta doença desencadeada ou piorada pelo exercício do trabalho. Nas disfonias de origem ocupacional, esta regra pode evidenciar-se muitas vezes inadequada.13
No entanto, quando indicado maior tempo de restrição fonatória, o retorno precoce, limitando o tempo de recuperação, é sem dúvida um fator de risco para a laringopatia ocupacional.1
A prevenção pressupõe identificação de situação de risco à saúde dos trabalhadores. O papel do médico do trabalho, bem como dos demais membros da equipe de saúde e segurança da empresa, é fundamental no controle dos fatores de risco, na inclusão do trabalhador em um programa de promoção de saúde e prevenção, no afastamento do trabalhador, no diagnóstico precoce, na reabilitação e na readaptação de função.8
Ações preventivas deveriam ser adotadas na atenção integral dos profissionais da voz.13 Contudo, o trabalhador geralmente não recebe qualquer informação sobre o funcionamento das pregas vocais, a fim de diminuir o risco de apresentar disfonia.13Percebe-se que, comumente, muitos profissionais da voz não recebem treinamento específico (impostação vocal) ou qualquer tipo de orientação para um uso tão intensivo da voz em circunstâncias muitas vezes desfavoráveis, estando sujeito a lesões.7 Fazendo uma analogia com qualquer outra atividade física, sabe-se, por exemplo, que um atleta deve passar anos treinando os músculos específicos envolvidos em sua atividade esportiva, assim como deve realizar um preparo cardiopulmonar, a fim de ter um bom desempenho, e que atletas mal treinados ou despreparados fisicamente estão sujeitos a lesões específicas de sua atividade física.7 Da mesma forma que os cuidados com um atleta exigem conhecimentos específicos sobre sua atividade física, os cuidados com o profissional da voz também exigem esse tipo de conhecimento.7 Esses cuidados vocais são propagados entre cantores e artistas, mas, de maneira geral, não o são entre outros profissionais.13
Considerando-se que o DVRT tem grande impacto social, econômico, profissional e pessoal, é fundamental que sejam priorizadas ações de prevenção que possam evitar o aparecimento do evento. Como medidas preventivas estão incluídas a adoção de ações de proteção e a prevenção da saúde vocal, que devem atender às especificidades dos diversos ambientes de trabalho. Entre elas, podemos citar8:
Ações educativas - terapêuticas de promoção da saúde voltadas à adequada utilização da voz, através de noções sobre anatomofisiologia do aparelho fonador, cuidados vocais (higiene vocal), aquecimento e desaquecimento vocal e expressividade vocal.
Identificação e redução/eliminação dos riscos existentes à saúde vocal no ambiente e/ou organização do trabalho e ações educativas voltadas à promoção de saúde e prevenção de queixas/alterações vocais, como a participação em SIPAT (semana interna de prevenção de acidentes), palestras, campanhas, oficinas e treinamentos específicos.
Identificação precoce de queixas e alterações vocais por meio de avaliações médica e fonoaudiológica periódicas.
O exame videolaringoscópico pode revelar desde um processo irritativo de laringite, com edema das pregas vocais, a nódulos, hemorragias e pólipos.12
Na laringoscopia, a laringite (inflamação na mucosa laríngea) é o achado mais frequente.1
Há evidências de que os nódulos de pregas vocais também sejam frequentes nos profissionais que utilizam a voz. Entretanto, há uma diversidade de outras alterações orgânicas (pólipos, edema de Reinke) e funcionais na laringe e no trato respiratório que podem provocar disfonia.4
Cabe ressaltar que os quadros de disfonia funcional apresentam exame laringoscópico com morfologia laríngea normal.17
As epidemias prevalentes no mundo do trabalho mudam, assim como as técnicas de prevenção, diagnóstico e prognóstico e, no âmbito da saúde do trabalhador, estão incluídas ainda mudanças na esfera jurídica do reconhecimento das patologias ocupacionais.18
Não se pode descartar a utilização da voz no trabalho como um fator contribuinte para o desenvolvimento de disfunções vocais. Entretanto, deve-se pesquisar com maior precisão a história, o exame físico, o exame laringoscópico e a análise perceptiva da voz, a fim de estabelecer a relação com o trabalho.13
As laringopatias podem se relacionar à perda da capacidade laboral, à perda na qualidade do trabalho, ao absenteísmo, à substituição e à rotatividade do empregado com perda financeira para o trabalhador.12
A disfonia não está listada como doença profissional e nem mesmo há normas legais claramente estabelecidas que relacionem alteração vocal e o trabalho. Não existe um padrão para estabelecer a relação causal da disfonia com o trabalho, o que torna extremamente difícil relacionar a disfonia diretamente ao exercício laboral.13
Existem, até o momento, três situações legislativas mais específicas quanto a DVRT.
A primeira é a Portaria SIT / DSST nº 9, de 30/03/2007 (DOU 02 / 04 / 2007), que aprova o Anexo II da NR-17 (Trabalho e Teleatendimento/Telemarketing). Este Anexo estabelece normas sobre mobiliário, equipamentos dos postos (headset) e condições ambientais mínimas, tais como níveis de ruído, índice de temperatura, velocidade e umidade relativa do ar. Determina também que o tempo de trabalho em efetiva atividade seja de, no máximo, seis horas diárias, incluindo intervalos.19
A segunda, relativa ao brilhante pioneirismo, desde 2008, da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro (SESDEC), que reconhece o DVRT como uma questão de saúde pública, estabelecendo-o como situação de notificação.20
E a terceira é a mobilização para a confecção de um protocolo para DVRT. Em 16 de março de 2012, foi encerrada a consulta pública de sugestões para confecção de um protocolo para DVRT pela Secretaria de Vigilância em Saúde, por intermédio do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DSAST). Até esta data, este protocolo ainda não foi publicado oficialmente.
Além disso, sabe-se que, em poucos casos, como na perda auditiva de origem ocupacional, podem existir simulações.13Nas disfonias, a evidência deste fato não é clara nem objetivamente mensurável.13 Nas disfonias fictícias, os sujeitos inventam doenças e passam por vários hospitais, devido à necessidade patológica de assumir o papel de enfermo.3Esses indivíduos, comumente, têm pleno conhecimento das leis trabalhistas e deixam de simular quando a situação deixa de ser vantajosa.3
Nos últimos anos houve um aumento progressivo do número de profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho. Como consequência direta, pode ser esperada uma maior incidência de agravos à saúde relacionados à voz. Entretanto, não há dados epidemiológicos da magnitude deste agravo no Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que o distúrbio de voz não está contemplado na lista de doenças de notificação compulsória do Ministério da Saúde (Portaria GM nº 104/11).21
A notificação da doença é fundamental para que seja possível dimensionar e qualificar sua distribuição e para que o planejamento das ações preventivas e de assistência sejam eficazes.8
Embora o Ministério da Saúde não inclua o distúrbio de voz entre os agravos de notificação compulsória ao Sistema Nacional de Informações de Agravos de Notificações (SINAN), os municípios e estados podem estimular a notificação a outros sistemas de informações do SUS.21 O estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro (SESDEC), desde dezembro de 2008 é o estado pioneiro em reconhecer o DVRT como uma questão de saúde pública.20 A Secretaria de Saúde deste estado incluiu no SINAN NET o sintoma disfonia (CID 10 : R 49.0) como de interesse estadual para notificação.20
Havendo suspeita de diagnóstico de DVRT, deve ser emitida a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) (NR-7, item 7.4.8, 1994). Esta deve ser emitida mesmo nos casos em que não acarrete incapacidade laborativa, para fins de registro, e não necessariamente para o afastamento do trabalho.8
O atestado médico da CAT ou relatório médico equivalente deverá ser preenchido pelo médico do trabalho da empresa, médico assistente (serviço de saúde pública ou privado) ou médico responsável pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), contendo, entre outras informações, a descrição da atividade e posto de trabalho, a data do acidente, a duração provável do tratamento, se será necessário afastamento do trabalho para o tratamento, a descrição da natureza da lesão e o diagnóstico provável.21
Os casos de agravamento ou recidiva de sintomatologias incapacitantes deverão ser objeto de emissão de nova CAT.21
O encaminhamento da CAT pela empresa ao INSS deverá ser feito até o primeiro dia útil após a data do início da incapacidade para o estabelecimento do nexo causal, avaliação de incapacidade e definição da conduta previdenciária em relação ao trabalho. Nos casos em que a comunicação não for feita pela empresa, os prazos legais não prevalecerão.21
Recebendo a CAT, o setor de benefícios do INSS fará seu registro com verificação do preenchimento de seus campos. Caso o preenchimento esteja incompleto, deverá ser encaminhado para completá-lo, sem prejuízo da conclusão posterior da perícia médica.21
O acidente será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS (artigo 337 do Decreto nº 3.048/99), que fará o reconhecimento técnico do nexo causal entre: I - o acidente e a lesão; II - a doença e o trabalho; e III - a causa mortis e o acidente.21
Nenhuma CAT poderá ser recusada, devendo ser registrada independentemente da existência de incapacidade para o trabalho, para fins estatísticos e epidemiológicos.21
Caso haja recomendação de afastamento do trabalho por período superior a quinze dias, o empregador encaminhará o paciente ao INSS para realização de exame pericial, a partir do décimo sexto dia de afastamento.21
Em levantamento feito pelo INSS em 2012, de janeiro a novembro foram concedidos 2.013.081 benefícios previdenciários (espécie 31) e, destes, 2.622 foram motivados por CIDs relacionados a alterações vocais (CIDs: J04, J37, J38, R47, R48, R49) (0,13%). No mesmo período, foram concedidos 282.610 benefícios devido a acidentes ou doenças do trabalho (espécie 91) e, destes, 454 por alterações vocais (0,16%).22
Na presença de um distúrbio de voz, diversas categorias profissionais procuram licença médica ou afastamento em função da incapacidade para o desempenho de suas funções. Um levantamento realizado pelo departamento de saúde do trabalhador da prefeitura de São Paulo constatou que as licenças médicas e as readaptações funcionais por distúrbios de voz tiveram maior ocorrência entre os profissionais ligados à atividade de ensino (professor, auxiliar de desenvolvimento infantil e coordenador pedagógico, entre outros).10
Durante o tratamento, o trabalhador pode permanecer em sua função ou, em caso de necessidade, afastar-se temporariamente. Este afastamento deve ser considerado como sendo de função por doença ocupacional. Nesse caso, o trabalhador pode ser readaptado em outra função, na qual não haja risco na utilização da voz. Caso a readaptação não seja possível e o tempo de afastamento precise ser maior do que 15 dias, o mesmo deve ser encaminhado ao INSS para afastamento com benefício.8
O trabalho do perito médico previdenciário, conforme previsão legal, é constatar a incapacidade para o trabalho. Tal afirmação significa que se deve verificar a existência de doença, entender a profissão do segurado (todo trabalhador que contribui mensalmente para a previdência social é chamado de segurado e tem direito aos benefícios e serviços oferecidos pelo INSS) e como a sua função é executada (aspectos estes que incluem conhecimento do perfil profissiográfico, registro da profissão no cadastro brasileiro da ocupação, noções de higiene e saúde do trabalho).23
Para identificar a doença, o médico perito do INSS deve levar em consideração os relatórios médicos portados pelo segurado, deve avaliar o quadro clínico, fatores de risco de natureza ocupacional e não ocupacional e, se necessário, solicitar exames complementares, bem como a colaboração ao médico que assiste o segurado.21
Detectada a presença de doença, é verificado se esta o incapacita para a sua função. Por exemplo: um paciente cadeirante paraplégico está limitado para muitas atividades, mas este mesmo paraplégico pode ser contratado por uma empresa para exercer a função de digitador.23
Além da constatação da incapacidade, também é atribuição do perito médico do INSS a caracterização da mesma, se previdenciária ou acidentária. Para isso, são levados em consideração três parâmetros, além da própria CAT: o Nexo Técnico Profissional ou do Trabalho (NTP/T), que verifica a relação entre agravo e exposição de acordo com os anexos do Decreto 6042/2007; o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), que cruza os dados da ocupação com doenças frequentemente associadas; e o nexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalho, que é a avaliação do perito médico e sua conclusão a respeito do trabalho como fator causal da doença apresentada pelo segurado.24
Na conclusão médico-pericial da avaliação da capacidade laborativa e constatação do nexo causal entre a lesão e o trabalho, são possíveis as seguintes situações21:
I Não foi constatada incapacidade laborativa em nenhum momento,; portanto configura-se caso de indeferimento do auxílio-doença acidentário requerido, independentemente do nexo causal;
II Existe incapacidade laborativa, porém o nexo causal não foi caracterizado; logo, é concedido o auxílio-doença previdenciário (espécie 31);
III Existe incapacidade laborativa com nexo causal caracterizado, tratando-se de caso de deferimento do auxílio doença acidentário como requerido (espécie 91).
Apesar de não haver uma legislação específica para disciplinar os cuidados com o aparelho fonador, esse fato não exime o empregador de manter a saúde vocal dos profissionais da voz.12
Capacidade laborativa é a relação de equilíbrio entre as exigências de uma dada ocupação e a capacidade para realizá-las.25
Dependendo do grau de lesão e intensidade da disfonia, as laringopatias induzidas por uso profissional da voz diminuem a capacidade laboral do trabalhador, ou seja, levam à incapacidade parcial ou total.12
Incapacidade laborativa é a impossibilidade de desempenho das funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente.26
O risco de vida que a permanência em atividade pode acarretar, para si ou para terceiros, ou de agravamento, é implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível.26 Exemplo clássico desta situação é o de um motorista de ônibus que, após acidente de qualquer natureza, desenvolve crises convulsivas e não as tem controladas, podendo, nesse caso, expor a risco a vida dos passageiros.27
A existência de doença ou lesão não significa incapacidade. Várias pessoas portadoras de doenças bem definidas (como diabetes, hipertensão arterial etc.) ou lesões (sequelas de poliomielite, amputações de segmentos corporais) podem e devem trabalhar. Entretanto, se houver um agravamento deste quadro, seja de natureza anatômica, funcional ou psíquica, que impeça o desenvolvimento da atividade, aquelas doenças ou lesões não limitadoras podem se tornar incapacitantes.25
O conceito de incapacidade deve ser analisado quanto ao grau, à duração e à profissão desempenhada.26 , 27
Quanto ao grau. a incapacidade laborativa pode ser parcial ou total:
Será considerado como parcial o grau de incapacidade que ainda permita o desempenho de atividade, sem risco de vida ou agravamento maior, e que seja compatível com a percepção de salário aproximado daquele que o interessado auferia antes da doença ou acidente.26 , 27
Será considerada como total a incapacidade que gera a impossibilidade de permanecer no trabalho, não permitindo atingir a média de rendimento alcançada, em condições normais, pelos trabalhadores da categoria do examinado.26 , 27
Quanto à duração a incapacidade laborativa, pode ser temporária ou de duração indefinida (permanente):
Considera-se temporária a incapacidade para a qual se pode esperar recuperação dentro de prazo previsível.26 , 27 A incapacidade temporária é aquela que desaparece durante o tratamento, pela convalescença ou pela consolidação das lesões, sem sequelas incapacitantes ou depreciativas.
A incapacidade indefinida (permanente) é aquela insuscetível de alteração em prazo previsível com os recursos da terapêutica e reabilitação disponíveis à época.26 , 27 Decorre de acidentes ou doenças mais graves e, por isso, deixa sequelas incapacitantes após o tratamento, ou de situações não passíveis de tratamento.28
Quanto à profissão, a incapacidade laborativa pode ser:
Uniprofissional: aquela em que o impedimento alcança apenas uma atividade específica.26 , 27
Multiprofissional: aquela em que o impedimento abrange diversas atividades profissionais.26 , 27
Omniprofissional: aquela que implica na impossibilidade do desempenho de toda e qualquer atividade laborativa, sendo conceito essencialmente teórico, salvo quando em caráter transitório.26 , 27
A invalidez pode ser conceituada como a incapacidade laborativa total, indefinida e multiprofissional, insuscetível de recuperação ou reabilitação profissional, que corresponde à incapacidade geral de ganho, em consequência de doença ou acidente.26
Pela legislação previdenciária, para a caracterização do infortúnio sofrido como sendo acidente de trabalho, deverá ser estabelecido o nexo de causalidade entre o trabalho e o evento resultante (lesão ou perturbação).27
O nexo causal ou de causalidade corresponde à conexão do dano ao paciente (efeito ou doença, neste caso DVRT) devido à conduta do empregador (causa ou condição de trabalho na empresa).29 Para se estabelecer a relação causal é preciso ter certeza que o efeito (DVRT) não teria acontecido sem o trabalho, ou seja, o trabalho ou situação relacionada ao trabalho foi a condição básica para se estabelecer a doença (DVRT).14 Note que, mesmo que haja culpa e dano, não existe a obrigação de reparar se entre ambos não for estabelececida uma relação de causa e efeito.14
Existem alguns excludentes da responsabilidade do nexo causal dos acidentes de trabalho, que são: culpa exclusiva da vítima; caso fortuito ou força maior (quando o acidente ocorre devido a circunstâncias ou condições que escapam a qualquer controle ou diligência do empregador); fato de terceiro (não há a participação direta do empregador ou do exercício da atividade laboral para a ocorrência do evento).29
As provas em perícias médicas não devem ser avaliadas mecanicamente com o rigor e a frieza de um instrumento de precisão, mas com a racionalidade de um julgador atento, que conjuga fatos, indícios, presunções e a observação do que, ordinariamente, acontece para formar seu convencimento.29 Devido a isso, em se tratando de DVRT, excluindo-se o âmbito previdenciário, o perito médico deve ser otorrinolaringologista, uma vez que é o mais habilitado para avaliar esta situação. Este deve seguir uma sistematização de procedimentos padrões para que nenhum aspecto relevante seja esquecido: O que faz? Como faz? Com que produtos e instrumentos? Onde? Em que condições? Há quanto tempo? Como se sente e o que pensa sobre seu trabalho? Conhece outros trabalhadores com problemas semelhantes aos seus? Ocupação anterior?14
É importante ressaltar que, para a investigação das relações saúde/trabalho/doença, é imprescindível considerar o relato dos trabalhadores, tanto individual quanto coletivamente. Apesar dos avanços e da sofisticação das técnicas para o estudo dos ambientes e condições de trabalho, muitas vezes apenas os trabalhadores sabem descrever as reais condições, circunstâncias e imprevistos que ocorrem no cotidiano e são capazes de explicar o adoecimento. No entanto, em trabalhos periciais, é primordial que se busquem informações da outra parte envolvida no processo indenizatório, ou seja, a empresa reclamada, para as devidas validações das informações obtidas com o reclamante.14
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas por lei, e considerando que todo médico, ao atender seu paciente (no caso, o periciando), deve avaliar a possibilidade de que a causa da doença alegada, alteração clínica ou laboratorial possa estar relacionada com suas atividades profissionais, publicou a resolução CFM nº 1.488/1998, que no artigo segundo expõe: "Art. 2º - Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar: I - a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; II - o estudo do local de trabalho; III - o estudo da organização do trabalho; IV - os dados epidemiológicos; V -a literatura atualizada; VI - a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores; IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais sejam ou não da área da saúde".30
As enfermidades do trabalhador que se relacionarem com a atividade profissional compõem o gênero doenças ocupacionais e são consideradas acidente de trabalho para fins previdenciários e indenizatórios, nos termos do artigo 20 da Lei 8.213/91.31
No que tange às doenças ocupacionais, a lei adotou a classificação de Schilling para classificar o agente da doença como provocador ou contributivo. O termo "doenças ocupacionais" é um termo genérico que se subdivide em doenças profissionais e doenças do trabalho, estando previstas no artigo 20, incisos I e II da Lei nº 8.213/91.16
Schilling, em 1984, classificou as doenças ocupacionais em três grupos14:
Grupo I (doenças profissionais, ergopatias, idiopatias ou tecnopatias): doenças que são produzidas ou desencadeadas unicamente por determinado exercício profissional, como, por exemplo, silicose em mineradores expostos à sílica e intoxicação por chumbo (saturnismo) em trabalhadores expostos ao chumbo. O tipo de relação causal é dito "causa necessária" e prescinde de comprovação do nexo de causalidade com o trabalho devido a sua tipicidade16, ou seja, em tais moléstias o nexo causal encontra-se presumido na lei (presunção juris et de jure).31
Grupo II (doenças do trabalho, "moléstias ou doenças profissionais atípicas" ou mesopatias): doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, mas não necessário, ou seja, as doenças do trabalho não têm no serviço executado a causa única ou exclusiva, mas são adquiridas em razão das condições especiais em que o trabalho é realizado.31 Há um tipo de relação causal com fator de risco "contributivo" de doença de etiologia multicausal, que exige a comprovação do nexo de causalidade com o trabalho exercido sob essas condições especiais, via de regra através de vistoria no ambiente laboral.16 Neste grupo está inserido o DVRT.
Grupo III (concausa): ainda que a execução do trabalho não tenha sido a causa única e exclusiva do acidente ou da doença ocupacional, mesmo assim tais sinistros serão considerados acidentes do trabalho para efeitos de lei quando as condições de trabalho concorrerem diretamente para o advento do infortúnio.31 A essa "causa concorrente" a doutrina chama de concausa.31 Neste grupo também está inserido, muito frequentemente, o DVRT (distúrbios da voz). O tipo de relação causal com o trabalho apresenta fator "desencadeante ou agravante" de doença preexistente.14
Como diretriz básica, a resposta positiva à maioria das questões apresentadas a seguir auxilia no estabelecimento de relação etiológica ou nexo causal entre doença e trabalho14:
Natureza da exposição: o agente patogênico pode ser identificado pela história ocupacional e/ou pelas informações colhidas no local de trabalho e/ou de pessoas familiarizadas com o ambiente ou local de trabalho do trabalhador?
Especificidade da relação causal e a força da associação causal: o agente patogênico ou o fator de risco pode estar contribuindo significativamente entre os fatores causais da doença?
Tipo de relação causal com o trabalho: de acordo com a classificação de Schilling, no caso de doenças relacionadas ao trabalho do tipo II, as outras causas não ocupacionais foram devidamente analisadas e hierarquicamente consideradas em relação às causas de natureza ocupacional?
Grau ou intensidade da exposição: é compatível com a produção da doença?
Tempo de exposição: é suficiente para produzir a doença?
Tempo de latência: é suficiente para que a doença se instale e se manifeste?
Registros anteriores: existem registros quanto ao estado anterior de saúde do trabalhador? Em caso positivo, esses contribuem para o estabelecimento da relação causal entre o estado atual e o trabalho?
Evidências epidemiológicas: existem evidências epidemiológicas que reforçam a hipótese de relação causal entre a doença e o trabalho presente ou pregresso do segurado?
As patologias do trabalho não são somente aquelas causadas por um fator laboral, mas também as agravadas por um agente presente no ambiente de trabalho, ou seja, fator concausal. Observa-se então que a concausa é outra causa que, somada à principal, concorre com o resultado, não iniciando o processo causal nem o interrompendo, apenas reforçando-o.29
O princípio da concausalidade, segundo o qual não se exige que o trabalho seja a causa exclusiva do mal incapacitante, somente foi adotado pelo Decreto-Lei nº 7.036/44. Esse princípio vigora até hoje e está expresso no artigo 21, inciso I da Lei nº 8.213/91, in verbis: "O acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação".16
Dentro da teoria da concausalidade podem existir causas antecedentes, concomitantes e subsequentes.16
As primeiras preexistem ao acontecimento traumático, mas fazem com que o resultado aconteça daquela forma e naquele momento. Por exemplo: um segurado diabético que vem a sofrer um pequeno ferimento, o qual, se acontecesse em um trabalhador sadio não teria maiores consequências, nesse, contudo, determinou intensa hemorragia, levando a óbito. Esta é uma concausa preexistente, pois sem ela o resultado morte não teria acontecido.16
Causas ou fatores supervenientes ocorrem após o evento. É o caso de complicação provocada por micróbios patogênicos após um acidente, tendo como resultado final a amputação do dedo afetado.16
Finalmente, os fatores concomitantes são os que coexistem ao sinistro. Por exemplo, há uma hipoacusia que acomete um trabalhador por volta dos 50 anos de idade, e que é exposto ao ruído no seu ambiente de trabalho. A hipoacusia pode ter como causa a exposição ao ruído ambiental elevado, durante os 20 ou 30 anos de trabalho, mas ao mesmo tempo o fator etário (extralaborativo).16
O DVRT é uma situação que, atualmente, mostra-se frequente tanto como causa de absenteísmo ou reabilitação funcional, como de afastamentos prolongados do trabalho.
O médico perito, atualmente, não encontra parâmetros comparativos objetivos que direcionem a análise pericial em distúrbios vocais.
O DVRT pode causar, em determinadas situações, incapacidade laboral. Pode, muitas vezes, estar relacionado a doenças do trabalho ou fatores concausais.