versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.3 no.1 São Paulo jan./mar. 2020 Epub 27-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20200008
As lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (LER/DORT) compreendem 53% das doenças ocupacionais registradas na União Europeia1 e 29% nos Estados Unidos2, segundo dados de 2014 e 2015, levando grande parte dos sujeitos ao afastamento do trabalho. Os afastamentos por LER/DORT no Brasil possuem alta prevalência, o que representa cerca de 12,0% de todos os benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 20173.
Essas afecções são causadas pelo uso excessivo do sistema musculoesquelético, e se relacionam diretamente com as exigências das tarefas, com os ambientes físicos e organizacionais do trabalho4. As LER/DORT acometem homens e mulheres em plena fase produtiva de suas vidas causando dor, sofrimento e incapacidade funcional, levando ao afastamento do trabalho e à aposentadoria por invalidez5. Elas são destacadas pelo comprometimento físico funcional na vida dos sujeitos, levando a alterações nas atividades da vida diária4. Dentre os fatores de risco estão carga horária de trabalho, exigência de produção acelerada, falta de pausas para o descanso, modos de avaliação e punição para o controle da produção4,5. Quando em caráter crônico, as LER/DORT ocasionam afastamentos do trabalho por curtos e/ou longos períodos6. Existem altas prevalências de distúrbios osteomusculares em trabalhadores agrícolas, acometendo principalmente a região lombar e membros superiores7-10. Na bananicultura, devido às exigências do trabalho, existem correlações entre trabalho e a presença de distúrbios osteomusculares11,12.
O objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de DORT na bananicultura na região do município de Registro, do estado de São Paulo.
Trata-se de um estudo observacional transversal, de abordagem descritiva, que foi realizado com trabalhadores de propriedades rurais do município de Registro, localizado no Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, no período de dezembro de 2018 a abril de 2019. Foi obtida uma listagem dos sujeitos vinculados aos bairros rurais adstritos ao território sanitário à Estratégia de Saúde da Família (ESF) do Jardim São Paulo e posteriormente os trabalhadores foram selecionados, tendo como critérios de inclusão atuar na bananicultura por um período mínimo de três meses, por razões de vínculos de trabalho. Os critérios de exclusão foram: período de trabalho na bananicultura inferior a três meses e presença de DORT em período anterior ao trabalho na bananicultura.
Foram realizadas visitas aos locais de trabalho e/ou domicílios, como também contatos telefônicos e a proposta do estudo foi apresentada ao proprietário e trabalhadores, e realizado o convite para a participação voluntária. Após o consentimento do trabalhador foi aplicado, em entrevista individual, o questionário pré-elaborado contendo dados sociodemográficos: sexo, estado civil, escolaridade, renda familiar; da propriedade rural: quantidade de trabalhadores/propriedade rural, tamanho da propriedade rural em hectares no geral e na produção agrícola; e sobre o trabalho: tipo de contrato de trabalho, tempo de trabalho na bananicultura, presença de fadiga muscular, cansaço excessivo, e tarefas penosas e cansativas; e o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO), validado no Brasil13. Na aplicação desse instrumento, o sujeito relatava a ocorrência de sintomas osteomusculares considerando os últimos 12 meses e os sete dias precedentes à investigação, informando também a ocorrência de afastamento das atividades cotidianas no último ano.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, com o parecer número 2.877.092, de 05 de setembro de 2018. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os dados coletados foram analisados utilizando o programa estatístico R Development Core Team®.
Participaram da pesquisa 36 sujeitos de 10 propriedades rurais da região adstrita à ESF do Jardim São Paulo, correspondendo a 95% dos trabalhadores da bananicultura da região, pois dois trabalhadores não puderam participar do estudo. O município de Registro é responsável por mais de 60% de toda a produção de banana do Estado de São Paulo14, e o Brasil é considerado o maior consumidor de banana “in natura” e o quarto maior produtor da fruta no mundo15. Isso corresponde a 7% da produção mundial, sendo o maior exportador de bananas, com mais de dois terços da produção exportada para outros países16.
Cada propriedade rural possuía, em média, quatro trabalhadores (DP=2,8), sendo 22,2 hectares de terra (DP=7,5) dedicados exclusivamente à bananicultura. Das 10 propriedades rurais participantes, somente em três delas havia outras produções além da bananicultura, como cultivo de palmito pupunha e de plantas ornamentais. Somente duas propriedades eram de agricultura familiar, as demais eram de agricultura patronal, com patrões e empregados.
A maioria dos sujeitos (94,4%) era do sexo masculino, amasiados ou casados (86,1%), com um filho (38,7%) e escolaridade de ensino fundamental incompleto (50,0%). A maioria possuía renda familiar de 1 a 2 salários mínimos (71,4%), e 33,3% possuíam contrato de trabalho informal. A média do tempo de trabalho na bananicultura foi de 11,8 anos, tendo a maioria entre 1 e 5 anos (30,6%).
Os dados obtidos em relação aos distúrbios osteomusculares estão demonstrados na tabela 1.
Tabela 1 Distúrbios osteomusculares, divididos por regiões corporais acometidas, pelo período e pelo segmento corporal que levou a algum afastamento do trabalho
Regiões acometidas | Últimos 12 meses | Últimos 7 dias | Afastamento nos últimos 12 meses |
---|---|---|---|
Cervical | 33,3% | 30,8% | 23,1% |
Ombros | 47,2% | 52,9% | 23,5% |
Cotovelos | 13,9% | 28,6% | 0,0% |
Punhos e/ou mãos | 38,9% | 53,3% | 28,6% |
Torácica | 41,7% | 50,0% | 12,5% |
Lombar | 63,9% | 40,0% | 16,7% |
Quadris e/ou coxas | 30,6% | 50,0% | 8,3% |
Joelhos | 44,4% | 68,8% | 31,3% |
Tornozelos e/ou pés | 27,8% | 60,0% | 50,0% |
Obs.: Houve mais de uma região corporal acometida por trabalhador.
No QNSO, as principais regiões acometidas foram: lombar (63,9%); ombros (47,2%) e joelhos (44,4%). Em relação aos últimos sete dias, verificou-se maiores prevalências para os joelhos (68,8%), ombros (52,9%) e tornozelos/pés (60,0%). Em relação ao impedimento na realização de tarefas cotidianas em decorrência dos sintomas osteomusculares, evidenciou-se os afastamentos devido ao acometimento, principalmente, das regiões de tornozelos/pés (50,0%), joelhos (31,3%) e punhos/mãos (28,6%). Além disso, entre os sujeitos entrevistados, 38,9% relataram fadiga muscular, 41,7% cansaço excessivo e 86,1% se queixaram de tarefas penosas e/ou cansativas no trabalho na bananicultura.
As principais tarefas de trabalho penosas e cansativas relacionadas aos distúrbios osteomusculares estão demonstradas na figura 1.
As principais tarefas consideradas penosas e/ou cansativas foram: o corte (64,5%), o carregamento dos cachos de bananas (61,3%) e a adubação (16,1%), em geral por exigirem posturas inadequadas e movimentos repetitivos. Além disso, 94,4% dos trabalhadores eram empregados e 5,5% autônomos, porém os modos de produção eram muito semelhantes entre eles no que diz respeito às exigências físicas do trabalho.
As propriedades rurais do estudo são de pequeno porte, porém possuem importância na produção agrícola e econômica da região. A maioria dos trabalhadores rurais da bananicultura deste estudo era do sexo masculino, com faixa etária entre 20 e 49 anos, e baixa escolaridade. Segundo dados preliminares do Censo Agro 2017, apenas 14% dos trabalhadores rurais no Brasil são alfabetizados, 43% possuíam apenas o ensino fundamental e somente 14% concluíram o ensino médio17. Com relação ao contrato de trabalho, praticamente um terço dos trabalhadores possuíam contrato de trabalho informal. O trabalho informal é uma característica presente no meio rural, e é também relacionado à baixa escolaridade18,19. O tempo médio de trabalho na bananicultura foi de 12 anos. Nenhum deles relatou tempo de trabalho inferior a 12 meses.
Os trabalhadores rurais possuem um risco muito maior para o surgimento de distúrbios osteomusculares em atividades de trabalho em comparação com outras ocupações8. Neste estudo, houve predomínio de distúrbios osteomusculares nas regiões da coluna lombar, ombros e joelhos. A coluna vertebral é a região mais acometida em trabalhadores rurais, seguida pelos membros superiores e membros inferiores9. A coluna lombar é mais afetada principalmente por levantamento e transporte manual de cargas, pois realizam movimentos repetitivos com flexões e rotações do tronco20. Também foi encontrada uma relação entre os distúrbios osteomusculares e os processos de trabalho na fruticultura, com levantamento e transporte manual de carga, movimentos bruscos, flexão exacerbada de tronco e desalinhamento biomecânico-postural7,9,21-23.
Nas tarefas de corte, carregamento, adubação, pulverização costal, roçado e desbaste relacionadas à bananicultura há exigência física e de movimentos repetitivos. Por ser a banana uma fruta frágil, todo o processo de cultivo e colheita exige muita cautela, demandando maior força muscular e coordenação motora dos trabalhadores11. Na produção de melão, tomate, nozes, uvas e algodão foi evidenciada a presença de distúrbios osteomusculares principalmente nas tarefas de empacotamento, capina, colheita, poda e corte, e na operação de máquinas agrícolas9. As atividades repetitivas com utilização de ferramentas manuais, movimentos de flexão ou inclinação lateral de tronco, agachamentos, e jornada de trabalho acima de 40 horas semanais também foram associadas à maior prevalência de dor musculoesquelética crônica7,9,10,23.
Além disso, a presença de cansaço excessivo e a fadiga muscular também foram relatados pelos participantes do estudo. A fadiga muscular e o cansaço excessivo são associados usualmente ao carregamento de peso, uso de ferramentas como a enxada e a bomba costal para a pulverização de agrotóxicos, por serem pesadas8. A fadiga muscular pode significar uma condição de alerta para o corpo para que os trabalhadores não continuem desempenhando a função no trabalho24. Na bananicultura foi verificada a exposição a cargas de trabalho físicas, químicas, biológicas e ergonômicas, além de extensas jornadas de trabalho, pressão para alcançar metas de produtividade e baixos salários12.
O estudo apresentou limitações relacionadas ao tamanho da amostra e por ter sido realizado em apenas uma região que não permitiu a generalização para todos os trabalhadores na bananicultura. Entretanto, são poucos os estudos relacionados ao trabalho da bananicultura no Brasil e sobre a saúde desses trabalhadores.
Os trabalhadores apresentaram distúrbios osteomusculares predominantemente na região lombar, ombros e joelhos. Houve tarefas consideradas penosas e/ou cansativas, atreladas ao trabalho, e relacionadas às tarefas de corte, carregamento, adubação, pulverização com agrotóxicos, roçado e desbaste. Há necessidade de investigações e aprofundamentos visando a saúde dos trabalhadores na bananicultura.