versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.1 São Paulo jan./mar. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011rc978
A diverticulite do apêndice é uma afecção pouco comum, mas não extremamente rara, que, em geral, não é detectada pelos métodos diagnósticos de imagens. O quadro clínico assemelha-se ao da apendicite, mas possui algumas diferenças com implicações no tratamento e prognóstico. Relatamos um caso de diagnóstico ultrassonográfico de diverticulite perfurada do apêndice cecal em homem adulto e discutimos essa alteração.
Paciente masculino, 61 anos, previamente hipertenso, procurou atendimento médico com história de 36 horas de febre baixa (38,4°C), constipação e dor no quadrante inferior direito do abdome. Os exames laboratoriais demonstraram leucocitose (contagem de leucócitos igual a 15.700 células/μL), sem outros resultados anormais.
Foi encaminhado ao centro de imagens diagnósticas, onde foi submetido à ultrassonografia em aparelho ATL HDI 5000 (Philips Medical Systems, Erlangen) com transdutor de 7-12 MHz, de múltipla frequência em arranjo linear de alta resolução.
A ultrassonografia mostrou apêndice difusamente espessado e não compressível, com duas bolsas saculares (0,4 e 0,5 cm) projetando-se abaixo da camada muscular (Figura 1). Uma pequena perfuração e coleção líquida foi identificada adjacente ao divertículo maior. A reação inflamatória regional foi identificada pela hiperecogenicidade em “vidro fosco” do tecido adiposo e espessamento reacional do íleo terminal e ceco (Figura 2).
Figura 1 Imagem panorâmica parassagital à direita. Espessamento da parede do ceco (seta escura), com apêndice espessado e rígido, curvado anteriormente (seta aberta = base). Duas pequenas bolsas saculares podem ser vistas na margem do mesoapêndice (setas curvas). Observamos a hiperecogenicidade difusa em “vidro fosco” do tecido adiposo adjacente.
Figura 2 Imagem parassagital localizada. Pequena coleção líquida (*) adjacente ao divertículo perfurado. Outro divertículo não perfurado (seta aberta) foi identificado próximo à extremidade (T). B: base.
Foi submetido à cirurgia e o achado do procedimento foi reação inflamatória profusa em íleo distal, apêndice, ceco e cólon ascendente, associada a um pequeno abscesso. Como neoplasia maligna não podia ser excluída a partir do aspecto macroscópico, optou-se por realizar a hemicolectomia direita. O período pós-operatório não teve intercorrências, e o paciente retornou às atividades alguns dias após o procedimento. O exame anatomopatológico mostrou múltiplos divertículos do cólon, ceco e apêndice. Um dos divertículos do apêndice apresentava diverticulite supurativa com perfuração e apendicite reacional. Havia também intensos sinais inflamatórios reacionais no cólon e íleo terminal, sem evidências de malignidade.
A diverticulite do apêndice é uma doença rara, que resulta da inflamação de um divertículo do apêndice cecal.
Os divertículos do apêndice cecal podem estar associados à diverticulose colônica ou ocorrer como um fenômeno local, sendo únicos ou múltiplos, e presentes em toda a extensão do órgão(1). Os divertículos congênitos (ou verdadeiros) são extremamente raros (há menos de 50 casos relatados)(2). Os pseudodivertículos adquiridos, caracterizados pela herniação da mucosa e da submucosa por meio de um defeito na camada muscular, têm uma incidência relatada variável entre 0,04 e 2,8%(1,3).
Embora a diverticulose do apêndice possa apresentar sintomas, como episódios recorrentes de dor vaga de resolução espontânea no quadrante inferior direito do abdome(4), a maioria dos casos não apresenta sintomas até a ocorrência da inflamação aguda (diverticulite), tipicamente associada a fecalito impactado.
Os divertículos criam uma alteração estrutural no apêndice e aumentam a possibilidade de infecção. Até dois terços dos pacientes com divertículos desenvolvem diverticulite, que ocorre como um processo isolado ou associado à apendicite secundária. Alguns autores estimam que até 2% das apendicites clínicas sejam, na realidade, diverticulite do apêndice cecal com periapendicite secundária(5). Alguns casos desenvolvem complicações, como perfuração e abscesso(6).
A maioria dos pacientes apresenta formas atípicas de apendicite: paciente com mais de 30 anos de idade, dor abdominal mais leve, evolução clínica mais longa e antecedentes de crises anteriores(7,8). O paciente frequentemente não procura assistência médica até que os sintomas se tornam mais acentuados, aumentando o risco de perfuração. É importante observar que os divertículos adquiridos possuem uma parede fina, que contribui para perfuração. Na verdade, a incidência de perfuração na diverticulite do apêndice cecal é quatro vezes maior do que na apendicite comum(8).
A diverticulite do apêndice cecal é raramente identificada no período pré-operatório por exames de imagens. Alguns relatos de casos mostram que o enema de bário com duplo contraste pode demonstrar a diverticulose(3,8,9), mas não a diverticulite. A tomografia computadorizada pode não detectar os divertículos, em razão do tamanho pequeno. Por outro lado, a literatura sugere que o diagnóstico possa ser realizado com ultrassonografia, especialmente por sua alta resolução espacial(6,10).
Os achados ultrassonográficos durante a compressão graduada incluem o espessamento focal ou difuso da parede do apêndice cecal (> 3 mm) e o órgão dilatado, rígido e não compressível. Os divertículos geralmente aparecem como lesões arredondadas ou lesões nodulares ovaladas, hipoecoicas, bem definidas, localizadas ao lado da camada muscular do apêndice, em geral próximas à extremidade. O colo do divertículo pode ser identificado no nível do hiato vascular em condições ideais(6). Uma reação inflamatória adjacente pode aparecer como tecido adiposo com aspecto ecogênico de “vidro fosco” e espessamento do ceco ou íleo terminal. A perfuração é comum, podendo ser caracterizada pela descontinuidade da parede do divertículo e pela coleção líquida. Nos casos avançados complicados, o divertículo (e até mesmo o apêndice) pode não ser mais visível.
O tratamento sugerido da diverticulite do apêndice cecal é a apendicectomia precoce, sempre que possível. Os casos complicados podem necessitar de uma abordagem mais agressiva, como no nosso caso. Os divertículos descobertos incidentalmente possuem uma abordagem controversa: alguns autores recomendam a apendicectomia eletiva(9), mas esse procedimento ainda não é aceito por todos.
A diverticulite do apêndice cecal é uma doença pouco comum, provavelmente subestimada e, em geral, não diagnosticada. O quadro clínico é variável, manifestando-se frequentemente como forma de apendicite atípica, com maior risco de perfuração do que a apendicite isolada. O diagnóstico pré-operatório com exames de imagens é possível com a ultrassonografia. A intervenção cirúrgica precoce é o tratamento preferido para evitar as complicações.