versão impressa ISSN 0102-7638
Rev Bras Cir Cardiovasc vol.29 no.1 São José do Rio Preto jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/1678-9741.20140003
As doenças cardiovasculares, principalmente associadas à aterosclerose, permanecem como uma das primeiras causas de morte ao redor do mundo.
Há fatores de risco bem estabelecidos para as doenças cardiovasculares, como os níveis elevados de lipídios séricos em combinação a infecções, dentre elas as infecções odontogênicas, que consistem nas cáries dentárias e nas doenças periodontais (gengivite e periodontite).
As doenças periodontais e as doenças cardiovasculares compartilham muitos fatores de risco, como idade, nível educacional, gênero, condições financeiras, hábito de fumar, uso de bebidas alcoólicas, hipertensão, estresse, depressão e diabetes. Vários estudos clínicos têm demonstrado que pacientes com periodontites e síndromes isquêmicas agudas têm grande número de características em comum.
Devemos levar em conta que as periodontites crônicas do tipo grave podem alterar o perfil lipídico e conduzir a eventos coronarianos agudos, como também a presença de organismos periodontais em artérias coronárias está associada ao desenvolvimento e à progressão da aterosclerose. A presença de Chlamydia pneumoniae em 35% das artérias torácica interna e coronária sugere que essa bactéria tem importante papel na progressão da aterosclerose [ 1 ].
Nos Estados Unidos, 25% dos adultos com idade superior a 60 anos perdem todos os seus dentes (edentulismo), metade deles em decorrência de doença periodontal e a outra metade, por cárie [ 2 ].
As periodontites crônicas representam infecções bucais crônicas encontradas na superfície das unidades dentárias e nos tecidos adjacentes. Clinicamente, elas se manifestam inicialmente com uma inflamação gengival e, posteriormente, com formação de bolsa periodontal, a qual promove o desenvolvimento e o crescimento de bactérias anaeróbias Gram negativas, incluindo Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia, Aggregatibacter actinomycetemcomitans e Tannerella forsythia, entre outras [ 3 ].
É convincente e evidente, por estudos experimentais, a liberação de mediadores inflamatórios provenientes dos monócitos periféricos quando retirados de pacientes portadores de periodontites e expostos "in vitro" aos lipopolissacarídeos bacterianos.
O reflexo do acúmulo de bactérias na microflora periodontal é a produção de lipopolissacarídeos liberados da membrana externa das bactérias Gram negativas.
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Consequentemente, a resposta do hospedeiro é prontamente efetivada pelo recrutamento de células inflamatórias, as quais produzem grande quantidade de citocinas pró-inflamatórias, como interleucina 6 (IL-6), prostaglandinas E2 (PGE2) e metaloproteinases da matriz (MMPS), que contribuem para a destruição dos tecidos periodontais. Em decorrência da elevada produção desses metabólitos, uma consequente resposta do fígado, na fase aguda, é a produção e a síntese de proteínas, entre as quais a proteína C reativa no soro sanguíneo de pacientes com doenças periodontais crônicas [ 4 - 6 ].
A associação entre infecção odontogênica e doença cardiovascular tem sido descrita em vários estudos, incluindo experimentais, que têm demonstrado a liberação de mediadores inflamatórios em pacientes portadores de periodontites. Assim, o diagnóstico e o tratamento das doenças periodontais são importantes para a manutenção da saúde dentária e sistêmica [ 7 ].
Nas duas últimas décadas, tem havido grande interesse no impacto da saúde bucal na aterosclerose e, por consequência, sobre as doenças cardiovasculares.
Abreviaturas, acrônimos & símbolos | |
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IL-1B | Iinterleucina 1 beta |
IL-6 | Interleucina 6 |
INF-Y | Interferon Y |
MMPS | Metaloproteinases da matriz |
PGE2 | Prostaglandinas E2 |
TNF-α | Fator de necrose tumoral alfa |
Dessa maneira, parece que a doença periodontal pode contribuir para o desenvolvimento da doença cardiovascular [ 8 ].
A resposta do hospedeiro à infecção é frequentemente acompanhada por liberação de citocinas pró-inflamatórias, como interleucina 1 beta (IL-1B), IL-6 e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que alteram o metabolismo lipídico e promovem hiperlipidemia. Os eventos comuns na evolução da doença são influenciados pelos fatores ou indicadores de risco.
Os fatores genéticos, o meio ambiente e outros hábitos adquiridos diferem no estádio e forma de uma doença para outra. As citocinas pró-inflamatórias, como a IL-1B, o TNF-α e o interferon Y (INF-Y), aumentam e induzem a produção de PGE2 e de MMPS, moléculas que provocam a destruição da matriz extracelular do tecido gengival, ligamento periodontal e reabsorção do osso alveolar [ 9 ]. Os produtos oriundos da parede celular das bactérias Gram-negativas (LPS), que são as principais causadoras das periodontites, desencadeiam uma resposta no hospedeiro, com produção e liberação de citocinas pró-inflamatórias (IL-1B, IL-6 e TNF-α), que induzem uma resposta do hospedeiro, com elevados níveis de proteína C reativa e fibrinogênio [ 5 ].
Experimentalmente, o papel desempenhado pela bactéria Porphyromonas gingivalis na formação da placa aterosclerótica prova que a periodontite causa acúmulo de gordura na artéria aorta. Portanto, as periodontites crônicas alteram o perfil bioquímico e também a contagem de células brancas, representado pela resposta imune, apresentando-se alterada (20% elevada). As avaliações clínica e laboratorial para doenças sistêmicas realizadas em pacientes saudáveis indicam um potencial de ligação entre as doenças periodontais e o perfil lipídico e glicêmico dos mesmos [ 10 ].
Dessa maneira, o diagnóstico e o tratamento das doenças periodontais são importantes não só para a manutenção da saúde dentária, mas também podem contribuir para amenizar alterações patológicas como aterosclerose e, por conseguinte, infarto agudo do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais [ 7 ].
O papel das doenças periodontais na etiologia das síndromes isquêmicas agudas tem sido alvo de atenção e esclarecimento dos possíveis mecanismos que envolvem ambas as doenças [ 11 ]. Relatos da literatura documentam associação entre as síndromes isquêmicas agudas e as infecções crônicas por bactérias Gram negativas, como a Chlamydia pneumoniae e Helicobacter pylori [ 12 ].
Assim, as doenças periodontais e suas possíveis interações não podem ser negligenciadas e deve ser investigada a associação com doenças cardiovasculares [ 13 ].
O DNA bacteriano periodontal foi observado em 10 de 17 amostras de artérias coronárias, representando aproximadamente 59,9%, onde a Porphyromonas gingivalis foi expressa em 52,9%, Aggregatibacter actinomycetemcomitans, em 35,5%, Prevotella intermedia, em 23,5%, e Tannerella forsythia, em 11,7%. A Chlamydia pneumoniae foi detectada em 35,3% das artérias coronárias e torácica interna [ 1 ].
Dessa maneira, a presença de micro-organismos periodontais em 10 das 17 artérias coronárias pesquisadas apoia o conceito que essas bactérias podem estar associadas com o desenvolvimento e progressão da aterosclerose, como observado em vários estudos epidemiológicos [ 1 , 14 ].
Diante do exposto, podemos afirmar que a presença de micro-organismos periodontais, nas artérias coronárias e nas artérias torácicas internas, pode estar associada ao desenvolvimento e à progressão da aterosclerose, bem como lesões nas valvas cardíacas.