versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.05.009
O refluxo gastroesofágico (RGE) é a condição que mais comumente acomete o esôfago, sendo uma das queixas mais frequentes em consultórios de Pediatria e de Gastroenterologia Pediátrica.1 - 3
De acordo com as últimas diretrizes da NASPGHAN (North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition) e ESPGHAN (European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition), publicadas em 2009, o RGE consiste na passagem do conteúdo gástrico para o esôfago, com ou sem regurgitação e/ou vômito.1 É um processo considerado normal, fisiológico, que ocorre várias vezes ao dia em lactentes, crianças, adolescentes e adultos, quando ocasiona poucos ou nenhum sintoma.1 Por outro lado, pode representar uma doença (doença do refluxo gastroesofágico - DRGE) quando causa sintomas ou complicações, que se associam à morbidade importante.1 , 3 Esses conceitos foram recentemente reforçados, em abril de 2013, por um novo guideline, que enfatiza importantes conceitos para o pediatra geral.3
A variabilidade das manifestações clínicas e do curso evolutivo, associada à falta de uma classificação que permita categorizar os pacientes e à carência de exames diagnósticos específicos, gera muita confusão em relação à abordagem diagnóstica e terapêutica do RGE e da DRGE em crianças. Por essa razão, é de fundamental importância, para a orientação adequada desses pacientes, a definição de conceitos básicos como o de RGE e o de DRGE, a compreensão dos diversos métodos diagnósticos e o conhecimento das diferentes opções terapêuticas. Especialmente porque os pais, comumente, procuram assistência pediátrica, pois a maioria dos lactentes regurgita nos primeiros meses de vida, sem que isso signifique que eles sejam portadores da DRGE.2 - 4
O diagnóstico de DRGE é primariamente clínico. Apesar da ampla gama de exames diagnósticos disponíveis, ne-nhum deles é considerado padrão-ouro.1 , 3 , 4 Em lactentes, com sintomas leves e nenhum sinal de alerta, a terapêutica farmacológica é desnecessária. Esses lactentes são considerados "vomitadores felizes" e, por isso, não necessitam de tratamento medicamentoso. Em lactentes e crianças menores com sintomas de DRGE, a terapia não farmacológica pode ser a opção de escolha, devido à falta de medicamentos com eficácia comprovada.3 Em crianças maiores e adolescentes, nos quais os sintomas são mais claros e específicos, o tratamento farmacológico é mais frequentemente utilizado.1
O objetivo desta revisão é estabelecer o que existe de evidências na literatura científica, à luz dos conhecimentos atuais, sobre diagnóstico e tratamento da DRGE.
Como o RGE é fisiológico e ocorre diariamente em todas as crianças, lactentes, adolescentes e adultos, torna-se difícil, em algumas situações, diferenciar este processo da condição patológica, a DRGE.1 , 5
Os exames complementares, muitas vezes, não esclarecem se o RGE é fisiológico ou patológico, pois, para determinados métodos diagnósticos, ainda não existem padrões bem estabelecidos para o diagnóstico da DRGE. De modo importante, a detecção do refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago, em um exame, não significa, necessariamente, que o paciente seja portador de DRGE. Por isso, é fundamental levar em consideração a história clínica e o exame físico. Segundo o último consenso, a história é suficiente para firmar o diagnóstico nas crianças maiores e nos adolescentes, que apresentam sintomas mais específicos para DRGE, enquanto nos lactentes os sintomas são muito inespecíficos, como choro, irritabilidade e recusa alimentar, não sendo suficientes para diagnosticar ou predizer a resposta à terapia.1
Existe um grupo de pacientes pediátricos que possui um maior risco de apresentar doença do refluxo, enfermidade crônica mais grave, e suas complicações, que são os neuropatas, as crianças com sobrepeso e obesidade, os portadores de síndromes genéticas, de atresia de esôfago operada, de doença pulmonar crônica e os prematuros.1 , 3
Através dos exames complementares, procura-se: documentar a presença de RGE ou de suas complicações, estabelecer uma relação entre o RGE e os sintomas, avaliar a eficácia do tratamento, além de excluir outras condições. Como nenhum método diagnóstico pode responder a todas essas questões, para a adequada avaliação do paciente, é fundamental que se compreenda as capacidades e as limitações de cada um dos exames diagnósticos, discutidos a seguir, para evitar submeter os pacientes a testes invasivos, caros e inapropriados.1 , 5 , 6
O RxEED é um exame de baixo custo e de fácil execução, mas inadequado para diagnóstico de DRGE.1 Avalia apenas o RGE pós-prandial imediato, não tendo a capacidade de quantificar os episódios de refluxo.2 Assim, não se justifica seu uso de rotina para o diagnóstico da DRGE.1 , 4 Seu principal papel é fazer a avaliação anatômica do trato digestório alto,4 devendo ser solicitado, com este objetivo, em pacientes selecionados.
Como o RxEED, a cintilografia gastroesofágica avalia apenas o RGE pós-prandial imediato. Suas vantagens são: identificar o RGE mesmo após dieta com pH neutro, avaliar o esvaziamento gástrico e detectar a aspiração pulmonar.4 Entretanto, a detecção de esvaziamento gástrico lento não confirma o diagnóstico de DRGE, e deve ser pesquisado apenas em pacientes com clínica de retenção gástrica. Além disso, um teste normal não exclui a possibilidade de aspiração pulmonar. Assim, esse exame também não deve ser solicitado como rotina para avaliação da DRGE, em lactentes e crianças.1 , 4
A US esofagogástrica não é recomendada para avaliação clínica de rotina da DRGE, tanto no lactente como na criança maior, de acordo com as recomendações do consenso.1 Quando se comparam os resultados da US esofagogástrica com os da pHmetria esofágica de 24 horas, a sensibilidade é de 95%, mas a especificidade é de apenas 11% para o diagnóstico da DRGE, não havendo correlação entre a frequência de refluxo, detectada pela US com doppler a cores, e o índice de refluxo, detectado pela pHmetria.7 A ultrassonografia esofagogástrica tem papel importante no diagnóstico diferencial com a estenose hipertrófica de piloro, pois esta condição pode ser diagnosticada por meio do exame ultrassonográfico.1
Recentemente, Savino et al.8 publicaram um artigo sobre US para o diagnóstico de DRGE em pediatria. No estudo, estabelecem que as funções desse exame na avaliação da DRGE são: avaliar outras causas de sintomas, como vômitos, que não a DRGE; e mensurar o comprimento do esôfago abdominal, o diâmetro do esôfago, a espessura da parede esofágica e o ângulo de Hiss, fornecendo dados anatômicos e funcionais.8 No entanto, os autores enfatizam a necessidade de definir critérios diagnósticos, da uniformização dos exames e das medidas referidas.8
O que se vê, atualmente, na prática clínica, é que a US esofagogástrica informa sobre a presença e o número de episódios de RGE durante o exame. Essa informação não acrescenta nada à investigação, pois o refluxo pode ser fisiológico, com o estômago cheio e em posição supina, após a alimentação da criança. Portanto, a US, da maneira como vem sendo utilizada, não diferencia RGE de DRGE, não auxiliando no dia a dia do pediatra e do gastroenterologista. No momento atual, portanto, não há lugar para a US como um teste diagnóstico de rotina para a DRGE na faixa etária pediátrica.1 , 5
As grandes vantagens da pHmetria são: avaliar o paciente em condições mais fisiológicas e por longos períodos, quantificar o RGE e correlacionar os episódios de refluxo com os sinais e sintomas.9 A sua principal limitação é não detectar episódios de refluxo não ácidos ou fracamente ácidos.1 , 10 , 11 Assim, especialmente em lactentes, com dieta exclusiva ou predominantemente láctea, o RGE pós-prandial pode não ser detectado, pela neutralização do refluxo ácido provocado pelo leite.
Segundo a Sociedade Norte-Americana de Gastroenterologia Pediátrica, nas suas diretrizes mais antigas, a pHmetria deve ser realizada apenas nas situações em que proporciona alterações no diagnóstico, no tratamento ou no prognóstico do paciente em questão.9 Neste contexto, as principais indicações da pesquisa de RGE por meio da pHmetria continuam sendo: avaliação de sintomas atípicos ou extradigestivos da DRGE, pesquisa de RGE oculto, avaliação da resposta ao tratamento clínico em pacientes portadores de esôfago de Barrett ou de DRGE de difícil controle, além de avaliação pré e pós-operatória do paciente com DRGE.4 , 9 , 11 Quando os sintomas são típicos ou o paciente já apresenta algum exame que comprove a DRGE, como a presença de esofagite de refluxo pela endoscopia digestiva alta, a pHmetria não é indicada.
A pHmetria representa uma medida quantitativa válida da exposição ácida do esôfago, com valores de referência bem estabelecidos.1 , 3 Entretanto, a gravidade do refluxo ácido não se correlaciona consistentemente com a gravidade dos sintomas e nem com complicações demonstráveis.1
Esse é um novo método que detecta o movimento retrógrado de fluidos, de sólidos e de ar no esôfago, para qualquer nível, em qualquer quantidade, independentemente do pH, ou seja, das características físicas ou químicas, pois mede as alterações de resistência elétrica e é realizado com múltiplos canais. Por isso, essa nova técnica poderá ter maior valor do que a pHmetria para monitorar a quantidade e a qualidade do material refluído.1 , 5 , 12
Atualmente, ela é sempre utilizada em conjunto com a monitorização do pH, chamada pH-impedanciometria ou pH-MII (Multichannel intraluminal impedance).12 , 13 A pH-MII é superior à monitorização do pH isolada para avaliar a relação temporal entre sintomas e RGE.1 As duas técnicas realizadas em conjunto proporcionam medidas úteis, mas que ainda não estão bem determinadas.1
A manometria esofágica avalia a motilidade do esôfago, estando indicada naqueles pacientes que apresentam quadro sugestivo de dismotilidade esofágica, cujos principais sintomas são a disfagia e a odinofagia.1 Pode ser útil nos pacientes que não responderam à supressão ácida e que têm endoscopia negativa, no sentido de buscar uma possível alteração da motilidade, como a acalásia ou outras que mimetizam a DRGE.1 Pode também ser utilizada para localizar o esfíncter esofágico inferior (EEI), na pHmetria.
A endoscopia digestiva alta permite a avaliação macroscópica da mucosa esofágica e a coleta de material para estudo histopatológico.1 , 3 Sendo assim, possibilita o diagnóstico das complicações esofágicas da DRGE (esofagite, estenose péptica ou esôfago de Barrett), tão importantes para a orientação da terapêutica adequada e do prognóstico do paciente.1 - 3 , 5 Apresenta, também, papel fundamental no diagnóstico diferencial com outras doenças pépticas e não pépticas, como a esofagite eosinofílica (EoE), a esofagite fúngica, a úlcera duodenal, a gastrite por H. pylori, a gastroenteropatia eosinofílica, as más-formações e neoplasias, capazes de produzir sintomas semelhantes aos da DRGE.1
Atualmente, define-se esofagite de refluxo como a presença de lesões de mucosa visíveis na endoscopia, no esôfago ou imediatamente acima da junção esofagogástrica.1 O eritema da mucosa esofágica e a linha Z irregular não são sensíveis o suficiente para diagnosticar esofagite de refluxo. Da mesma forma, os achados histológicos de eosinofilia leve, alongamento das papilas, hiperplasia da camada basal e dilatação dos espaços intercelulares (espongiose) não são adequados para fazer diagnóstico de esofagite de refluxo.1 Constituem apenas alterações reativas inespecíficas, que podem ser encontradas em outros tipos de esofagites ou até em indivíduos normais.1 Ainda que não se valorize mais a esofagite de refluxo apenas histológica, as biópsias endoscópicas são fundamentais, nesse grupo de pacientes, para diagnóstico diferencial com outras doenças, como a EoE.
Deve-se também considerar que a ausência de esofagite na endoscopia não exclui a DRGE, pois alguns pacientes apresentam a doença do refluxo endoscópico-negativa (NERD - non-erosive reflux disease).
As crianças maiores e os adolescentes com sintomas típicos de DRGE, sem sinais de alerta, podem ser submetidos a um teste empírico terapêutico com fármacos inibidores da bomba de prótons (IBP), durante quatro semanas, podendo estender esse tempo para 12 semanas, se houver melhora clínica.1 Os sintomas típicos são: azia; dor epigástrica em queimação; tosse crônica, principalmente relacionada à alimentação; náuseas e regurgitações; dor torácica; e dispepsia. Entretanto, a melhora sintomática não comprova a DRGE, pois os sintomas podem responder a placebo ou melhorar espontaneamente. O tempo de resposta também é discutível e variável de paciente para paciente. Os sinais de alerta que devem ser investigados são sangramento, emagrecimento, anemia crônica, astenia e prostração. Não há evidências para indicar um teste terapêutico em crianças menores, nas quais os sintomas são bem menos específicos.1
A DRGE e a APLV são condições comuns na faixa etária pediátrica, especificamente no lactente.14 Existe, atualmente, um grande número de crianças, no primeiro ano de vida, que são tratadas, concomitantemente, para DRGE e APLV. Existe um subgrupo de lactentes pequenos, em geral menores de seis meses, que são portadores de APLV e se manifestam com vômitos e regurgitações, indistinguível de RGE. Nesses, a retirada do leite de vaca da sua dieta ou da dieta da mãe pode melhorar os vômitos substancialmente. E pode piorar quando o leite é reintroduzido.1
As duas condições são de difícil diagnóstico, pois não existem exames comprobatórios, e podem ser confundidas com muitas outras condições, desde fome, problemas na relação mãe-bebê, refluxo fisiológico, problemas de adaptação do sistema digestivo, principalmente em lactentes, cujos sintomas são inespecíficos, como choro, irritabilidade e dificuldade para dormir. O tratamento das duas condições, simultaneamente, faz com que, muitas vezes, haja exageros, utilizando-se medicação desnecessária ou prescrevendo-se dieta de exclusão em lactentes que não necessitam disso.
Vários estudos apoiam a hipótese de que há uma relação causal entre as duas condições, sugerindo que existe um subgrupo de lactentes em que a DRGE é atribuível à APLV.14 - 19 O debate é a consequência lógica do fato de que as duas condições carecem de exames diagnósticos.14 Por esse motivo, o consenso da NASPGHAN/ESPGHAN1 sobre DRGE aconselha a fazer um teste terapêutico de duas a quatro semanas com fórmula extensamente hidrolisada ou com fórmula de aminoácidos e, para os lactentes que são amamentados no seio, com uma dieta materna sem leite de vaca e derivados.1 Excluir-se-ia então, nesses casos, a possibilidade de DRGE causada pela APLV, sem usar medicações não necessárias para a DRGE. Por outro lado, o consenso recente de diagnóstico e tratamento de alergia alimentar da ESPGHAN diz que há dados insuficientes para afirmar que o RGE possa ser a única manifestação de APLV em lactentes amamentados no seio materno.20 Esse mesmo consenso, entretanto, coloca vômitos e regurgitações como sintomas possíveis de APLV e recomenda fazer dieta de exclusão para a mãe.20
Embora já tenha sido estimado que a prevalência de DRGE atribuível à APLV seja tão alta quanto 56%, tal associação não está comprovada cientificamente.14 - 17 Há vários estudos, não controlados, com metodologias muito variadas, dirigidos a esclarecer a relação entre DRGE e APLV (tabela 1).18 , 19 Mas, até os dias atuais, essa relação ainda é obscura e há muitos pontos a esclarecer.
Tabela 1 Estudos de relação entre DRGE e APLV
Autor/ano/país | Metodologia | Resultados | Observações |
---|---|---|---|
Cavataio F et al.18 | pHmetria para distinguir | Sugere que um padrão | Outros estudos |
Cavataio F et al.19 | DRGE primária e DRGE | de pH fásico específico ocorre | não reproduziram |
Itália | secundária à APLV | nas APLV – lenta e progressiva | esses achados |
diminuição do pH após | |||
desencadeamento com leite | |||
Ravelli AM et al.22 | Eletrogastrografia | Diferença significativa entre | Os pacientes com APLV têm |
Itália | e tomografia por | os parâmetros dos lactentes | alterações de motilidade |
impedância elétrica | com DRGE (igual aos controles) | que induzem a DRGE | |
para estudar lactentes | e com APLV (disritmia gástrica e | Este estudo separou | |
com DRGE e com APLV | retardo do esvaziamento gástrico) | os pacientes em 2 grupos | |
e avaliou as diferenças | |||
(DRGE × APLV) | |||
Garzi A et al.26 | Ultrassonografia para | Melhora do esvaziamento | Todos os pacientes com DRGE |
Itália | estudar o esvaziamento | gástrico com fórmula | e APLV apresentavam retardo |
gástrico de lactentes com | hidrolisada nos pacientes | no esvaziamento gástrico | |
DRGE e APLV – e 10 controles | com DRGE e APLV | ||
normais – com fórmula e com | |||
hidrolisado proteico | |||
Nielsen et al.17 | 48 horas pHmetria | Sem diferença nos parâmetros | Inabilidade da pHmetria de |
e endoscopia | de refluxo na pHmetria, mas | detectar episódios de refluxo | |
Dia 1– dieta de eliminação | observada uma associação | não-ácido, principalmente | |
Dia 2 – desencadeamento | entre DRGE e APLV | em lactentes que mamam | |
frequentemente | |||
Nielsen et al.27 | Análise das biópsias do TGI alto | Histologia não identificou o | Crianças grandes |
– ver se havia um padrão | grupo com DRGE por APLV | com uma média | |
inflamatório diferente nos | de idade de 7, 8 anos | ||
pacientes com DRGE secundária | |||
à APLV | |||
Semeniuk J et al.28 | Manometria esofágica em | Não houve diferenças | |
Polônia | pacientes com DRGE primária | nos dois grupos | |
e secundária à APLV | |||
Semeniuk J et al.29 | Endoscopia em pacientes | Esofagite de vários graus em | |
Polônia | com DRGE primária (grupo 1) | 33% no grupo 1 e em 47% | |
e secundária à APLV (grupo 2) | no grupo 2 | ||
Semeniuk J et al.30 | Medida da gastrina sérica | Concentrações séricas foram | |
Polônia | na DRGE e na DRGE associada | iguais na DRGE | |
à APLV | primária e secundária | ||
Farahmand F et al.31 Pacientes com DRGE receberam | Um terço dos pacientes com | Estudo clínico | |
omeprazol. Os que não | DRGE responderam à dieta de | ||
responderam fizeram dieta | exclusão de leite e derivados | ||
de exclusão | |||
Borrelli O et al.15 | 48 horas pHmetria-MII | O número total de episódios | Concluem que a pHmetria |
Itália/RU | Dia 1 – fórmula de aminoácidos | de refluxo e de episódios | não mostrou nos estudos |
Dia 2 – desencadeamento | fracamente ácidos aumentou | anteriores, pois o que mais | |
com leite de vaca | no desencadeamento | ocorre são os episódios | |
de refluxo fracamente ácidos, | |||
pós-prandiais |
APLV, alergia às proteínas do leite de vaca
DRGE, doença do refluxo gastroesofágico
TGI, trato gastrointestinal.
Recentemente, Borrelli et al.15 avaliaram um grupo de lactentes com APLV e suspeita de DRGE (17 crianças, com média de idade de 14 meses), com 48 horas de pH-impedanciometria com múltiplos canais. Nas primeiras 24 horas, com dieta de exclusão de leite de vaca (fórmula aminoácidos, que já vinham recebendo anteriormente para tratar a APLV); nas 24 horas subsequentes, após desencadeamento com leite de vaca (fórmula de leite de vaca, com osmolaridade e componentes outros que não a proteína, semelhantes à fórmula de aminoácidos). Estes autores observaram que, nos lactentes com APLV e suspeita de DRGE, a exposição ao leite de vaca aumentou o número de episódios de refluxo fracamente ácidos, identificando um subgrupo de pacientes com RGE induzido por alérgenos.15 Assim, indicam a pH-impedanciometria como exame diagnóstico para alguns casos de lactentes com DRGE e APLV.15 Esses dados não estão completamente confirmados e devem ser olhados com cautela, pois ainda necessitam confirmação.
Os mecanismos pelos quais a APLV induz o RGE ainda são pouco conhecidos.15 Dados em modelos animais mostram alterações neurais da motilidade gastrointestinal secundárias às reações de hipersensibilidade imediata, induzindo retardo no esvaziamento gástrico e alterações da secreção gástrica ácida.21 Outros estudos demonstraram alterações da atividade mioelétrica gástrica em pacientes atópicos, quando expostos ao leite de vaca.22 , 23 Essas alterações ocorreriam por ativação e degranulação de mastócitos e eosinófilos, provocando liberação de citocinas e ativação de receptores nas fibras nervosas da mucosa do trato digestório, que provocariam alterações contráteis e de motilidade, desencadeando um refluxo secundário à exposição ao antígeno.14 , 15 , 21 - 23
Emerenziani e Sifrim,24 avaliando o esvaziamento gástrico e a pH-impedanciometria de alguns pacientes, observaram que, quanto mais lento o esvaziamento gástrico, maior o pH e a extensão proximal dos episódios de refluxo. Já está bem estabelecido que episódios de refluxo não ácido ocorrem durante a alimentação e nas primeiras horas dos períodos pós-prandiais.15 , 23 Por isso, Borrelli et al.15 especulam que as interações neuroimunes, induzidas durante o desencadeamento com leite de vaca, suprimem a produção ácida gástrica e alteram a atividade motora do estômago, que retarda o esvaziamento gástrico e aumenta os relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior, resultando em um aumento no número de episódios de refluxo fracamente ácidos. Esta é uma teoria que necessita de comprovação. Poderia ser a explicação de como a APLV causa RGE, mas isso não é ainda comprovado.
De qualquer maneira, como esses exames ainda são de alto custo e baixa disponibilidade, além de invasivos para os lactentes pequenos, provavelmente o mais prático no dia a dia do consultório, quando há dúvidas, é fazer um teste terapêutico com dieta de exclusão de leite de vaca e derivados por duas a quatro semanas, nos lactentes com DRGE em que se suspeita de APLV.
Há outro ponto importante nessa discussão que são as fórmulas alimentares disponíveis. A adição de nucleotídeos, LC-PUFAS, pré e probióticos tem sido apresentada com o apelo de melhorar a imunidade e diminuir os distúrbios gastrointestinais, entre eles a alergia alimentar e os distúrbios de motilidade, como RGE e constipação. Se o benefício teórico difundido pelas companhias farmacêuticas for real, deverá resultar em benefício clínico, diminuindo a prevalência dessas frequentes queixas gastrointestinais; no entanto, ainda faltam estudos que corroborem esses efeitos.14 Mas, nos dias atuais, os consensos da ESPGHAN e da Academia Americana de Pediatria dizem que não há apoio científico suficiente para colocar esses aditivos de maneira rotineira nas fórmulas infantis.25
Os estudos que discutem a possível relação entre DRGE e APLV se encontram na tabela 1.15 , 17 - 19 , 22 , 26 - 31
Os objetivos principais da terapia são a promoção do crescimento e do ganho de peso adequados, o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões teciduais, a prevenção da recorrência destas e das complicações associadas à DRGE.
Em primeiro lugar, devem-se diferenciar as crianças portadoras de RGE fisiológico daquelas com DRGE. Nas crianças menores, a DRGE resolve-se, na grande maioria das vezes, com o crescimento e o desenvolvimento da criança. A resolução espontânea é frequente e o curso, em geral, é benigno, sendo baixa a incidência de complicações. Dessa forma, nesse grupo, o tratamento clínico, com medidas anti-DRGE, modificações na dieta e, mais raramente, farmacoterapia resultam na resolução do problema. Poucas são as crianças de baixa idade que desenvolvem quadros mais graves de aspiração pulmonar, cianose e distúrbios de deglutição, sobretudo os prematuros e portadores de paralisia cerebral. De modo diferente, nas crianças maiores, assim como nos adultos, a DRGE apresenta, muitas vezes, curso crônico e recidivante, podendo evoluir para complicações. Pode haver também resolução espontânea nesse grupo.3 , 6
A decisão de tratar a DRGE é influenciada pela probabilidade de se evitar as consequências negativas para a criança. O tratamento deve ser instituído de maneira progressiva, passo a passo, iniciando-se com medidas gerais e alterações nos hábitos de vida, passando por terapias medicamentosas e terminando muitas vezes em técnicas endoscópicas ou cirúrgicas, mais invasivas.6 É sempre indispensável, na consulta inicial, demonstrar para os pais porque ocorre o RGE e a DRGE, tranquilizando-os e orientando-os adequadamente, além de acompanhar de perto a evolução do quadro de modo periódico. Cursos prolongados ou repetidos de tratamentos medicamentosos não devem ser prescritos anteriormente à confirmação diagnóstica.1
A orientação aos pais e o suporte à família são medidas necessárias, principalmente nos lactentes pequenos que vomitam e que crescem adequadamente.1 Preconizadas para todos os portadores de RGE e de DRGE, independentemente da gravidade, as mudanças dos hábitos de vida em pediatria incluem: não usar roupas apertadas; sugerir a troca das fraldas antes das mamadas; evitar o uso de fármacos que exacerbam o RGE; orientar infusões lentas, nas crianças com sondas nasogástricas; evitar o tabagismo (ativo ou passivo), pois a exposição ao tabaco induz o relaxamento do EEI, aumenta os índices de asma, pneumonia, apneia e da síndrome de morte súbita; além das orientações dietéticas e da postura anti-RGE,4 discutidas em detalhes a seguir.
Em adolescentes, as refeições volumosas e altamente calóricas devem ser evitadas. Os alimentos gordurosos não são recomendados, pois podem tornar mais lento o esvaziamento gástrico, além de diminuir a pressão do EEI.1 , 4 Alguns alimentos, como chocolates, refrigerantes, chá e café, não são aconselháveis. Não comer algumas horas antes de dormir é uma medida simples e sem controvérsias, a não ser que haja desnutrição importante. Não existem evidências, em crianças maiores, que apoiem a eliminação de rotina de certos alimentos para o tratamento da DRGE,1 como a das frutas ácidas. A recomendação de refeições menores e mais frequentes baseia-se na correlação provável entre o volume gástrico e o índice de refluxo. Todavia, esse hábito aumenta a frequência dos períodos pós-prandiais, momento que se associa a maior número de episódios de RGE fracamente ou não ácidos.15
Quanto ao espessamento da dieta, os estudos de pHmetria e cintilografia gastroesofágica demonstram que essa não é uma medida anti-RGE eficaz, embora diminua o volume e a frequência das regurgitações e dos vômitos.1 Por isso, reduz o choro e aumenta a ingestão calórica. Por outro lado, a ingestão excessiva de calorias é um problema potencial do espessamento da dieta.1 , 3 O seu efeito terapêutico não está determinado nos pacientes com RGE que não apresentam vômitos ou regurgitações.3 As fórmulas AR (anti-regurgitação e não anti-RGE) podem diminuir a regurgitação visível, mas não resultam em diminuição mensurável na frequência dos episódios de refluxo.1 Uma meta-análise mostrou que as fórmulas espessadas são apenas moderadamente eficazes no tratamento do RGE fisiológico, em crianças saudáveis.32
A posição prona é, comprovadamente, a postura anti-RGE mais eficaz.3 No entanto, sua relação com a morte súbita no lactente, assim como os decúbitos laterais, geraram muitas controvérsias quanto à melhor postura anti-RGE.1 , 3 Atualmente, recomenda-se, para os lactentes normais ou para os portadores de DRGE, posição supina para dormir, pois o risco de morte súbita é mais importante do que o benefício ocasionado pela posição anti-RGE.1 , 3 A elevação da cabeceira da cama já foi recomendada, apesar de não ter se mostrado benéfica em estudos controlados.1 - 4 A posição sentada ou semi-sentada para crianças abaixo de um ano também não se mostrou uma medida anti-RGE eficaz, devido ao tônus muscular dos lactentes.33
Para os adolescentes, assim como para os adultos, é provável que a melhor posição seja o decúbito lateral esquerdo, com a cabeceira elevada.1 , 3
De maneira geral, não se deve tratar o RGE fisiológico com medicamentos, mas somente os casos em que fica evidenciada a presença da DRGE. O tratamento farmacológico se direciona, primariamente, à supressão ácida. Os inibidores de bomba de prótons (IBP) e os antagonistas do receptor H2 da histamina efetivamente aumentam o pH gástrico e previnem o refluxo ácido que é lesivo para a mucosa esofagiana. Entretanto, atualmente, os refluxos fracamente ou não ácidos são sabidamente frequentes e causadores de sintomas.14 , 15
Não existe um algoritmo estabelecido para o tratamento da DRGE em crianças que não provoque discussões ou controvérsias, mas os fármacos recomendados são:
Antiácidos de contato, recomendados apenas como sintomáticos, para sintomas esporádicos ou diminuição da acidez noturna.1
Procinéticos, que ajudam a controlar os sintomas, principalmente de vômitos e regurgitação.
Medicamentos que diminuem a secreção ácida (antagonistas do receptor H2 da histamina ou IBPs), quando os sintomas, como dor retroesternal e azia, e/ou complicações, como a esofagite, estão associados à ação do ácido no esôfago ou em outros órgãos, como os sintomas respiratórios.
O uso dos procinéticos baseia-se no fato de aumentarem o tônus do EEI, melhorarem a depuração esofágica e o esvaziamento gástrico. Entretanto, nenhuma destas medicações mostrou-se eficaz em diminuir a frequência dos relaxamentos transitórios do EEI, principal mecanismo fisiopatológico do RGE. Não são eficazes em induzir a cicatrização das lesões esofágicas e não apresentam efeito anti-RGE comprovado, mas sim anti-regurgitação. Dessa forma, as medicações procinéticas são frequentemente utilizadas nas crianças que têm predomínio dos sintomas de alteração de motilidade e que apresentam mais regurgitações do que dor.
Atualmente, não há suficiente evidência para o uso de rotina dos procinéticos.1 Além disso, os potenciais efeitos colaterais destas medicações são mais importantes do que os benefícios por eles alcançados, no tratamento da DRGE.1
Há, na prática diária, um "costume" de se usar sempre procinético associado ao antiácido no tratamento da DRGE. Baseado nestes conceitos, cada medicação tem suas indicações precisas e não há necessidade e nem explicação plausível que justifique o uso indiscriminado de duas medicações (procinéticos e inibidores da secreção ácida), ao mesmo tempo, já no início do tratamento.
A metoclopramida melhora o esvaziamento gástrico e a peristalse esofágica e aumenta a pressão no EEI, mas a estreita margem entre os efeitos terapêuticos e os efeitos adversos no SNC dificulta o seu uso na DRGE da criança. Uma meta-análise, de sete estudos controlados, demonstrou que a metoclopramida, em crianças de um mês a dois anos de idade, reduz os sintomas diários de RGE e o índice de RGE na pHmetria, mas com efeitos adversos significativos.33 Os efeitos adversos da metoclopramida em lactentes e crianças incluem letargia, irritabilidade, ginecomastia, galactorreia e as reações extrapiramidais, que têm sido relatados em 11% a 34% dos pacientes.3 , 33
Não existem ensaios clínicos controlados que apoiem a sua utilização ou comprovem os seus benefícios. Como apresenta efeitos colaterais neurológicos, como os extrapiramidais, não se deve indicá-la no tratamento da DRGE.34 A bromoprida não é citada em nenhum dos guidelines pediátricos.1 , 3
A domperidona é um procinético que aumenta a pressão no EEI e melhora a motilidade, mas o seu uso é limitado em pediatria por falta de estudos que demonstrem sua eficácia. Uma revisão sistemática recente, de estudos com domperidona, identificou apenas quatro estudos controlados na faixa etária pediátrica, sendo que nenhum deles apresentou uma evidência robusta da eficácia da domperidona na DRGE em pediatria.1 , 3 , 35
A domperidona também causa efeitos colaterais ocasionais de alterações extrapiramidais.1 , 35 Um dos efeitos colaterais importantes é a agitação e o aumento das cólicas nos lactentes, que muitas vezes pioram o quadro clínico ou confundem mais o pediatra. O simples fato de suspender a domperidona nos lactentes pode melhorar consideravelmente os sintomas do paciente, que está apresentando efeitos colaterais da medicação. Mais recentemente, tem-se demonstrado a ocorrência de manifestações cardiovasculares associadas ao uso da domperidona, incluindo prolongamento do intervalo QT e arritmias ventriculares.36 , 37
Os antagonistas dos receptores H2 da histamina são fármacos que diminuem a acidez gástrica, por inibirem os receptores H2 de histamina nas células parietais gástricas. Uma dose de ranitidina de 5 mg/Kg aumenta o pH gástrico durante 9 a 10 horas, em lactentes.1 O pH gástrico começa a aumentar dentro de 30 minutos, o que possibilita seu uso como sintomático, para alívio rápidos dos sintomas.1 Doses de 5 mg/Kg/dose de ranitidina, de 12/12 horas, ou de 3 mg/Kg/dose, três vezes ao dia, têm sido recomendadas em crianças.2 , 38 Segundo Orenstein et al.,2 as falhas terapêuticas destas medicações podem ser atribuídas às pequenas doses, comumente utilizadas na prática clínica.
Os estudos demonstram que os antagonistas H2 (cimetidina, ranitidina, famotidina) são mais eficazes do que placebo em aliviar os sintomas da DRGE e cicatrizar as lesões da mucosa esofágica.1 A eficácia dos bloqueadores H2 na cicatrização das lesões erosivas é muito maior nos casos leves e moderados. Os IBPs são superiores nas lesões mais graves, mesmo quando comparados às altas doses de ranitidina.1
Quanto aos efeitos colaterais da ranitidina, alguns lactentes podem apresentar cefaleia, sonolência, ato de bater a cabeça e outros, que são erroneamente interpretados como sintomas persistentes de refluxo, o que pode resultar num aumento inapropriado da dose.1 Além disso, a taquifilaxia, ou diminuição da resposta, é um problema para o seu uso crônico.
Como a ranitidina apresenta fórmula líquida, deveria ser usada, quando necessário nos lactentes. Se não houver resposta satisfatória, o mais adequado seria avaliar outras possibilidades diagnósticas, antes de prescrever os IBPs.
Nos lactentes que apresentam sintomas inespecíficos, como choro e irritabilidade, os exames diagnósticos para DRGE não contribuem muito com a investigação, a não ser que seja um caso grave ou com comorbidades, como doença neurológica ou esôfago operado. O lactente saudável, que não responde a medidas conservadoras, é improvável que tenha DRGE.
Não há evidências para justificar o tratamento empírico com supressores de ácidos em lactentes e em crianças menores, uma vez que os sintomas de DRGE são menos específicos.1 Assim, esses medicamentos estariam indicados quando se estabelece o diagnóstico de esofagite de refluxo.1
Os IBPs estão indicados nos casos de esofagite erosiva, estenose péptica ou esôfago de Barrett, bem como nas crianças que necessitam de um bloqueio mais efetivo da secreção ácida, como, por exemplo, nas portadoras de doença respiratória crônica grave ou problemas neurológicos.1 As diferenças entre os vários inibidores de bomba parecem ser muito pequenas, sendo que a forma de apresentação têm um papel crítico na sua escolha.
Os IBP são superiores aos antagonistas H2, tanto para melhorar os sintomas, como para cicatrizar lesões, e ambas as medicações são superiores aos placebos.1 Em contraste aos bloqueadores H2, o efeito do IBP não diminui com seu uso crônico. Mantém o pH gástrico acima de 4 por períodos mais longos e inibe a secreção ácida provocada pela alimentação, características não apresentadas pelos bloqueadores H2. A sua potente supressão ácida acarreta diminuição do volume intragástrico nas 24 horas, o que facilita o esvaziamento gástrico e diminui o volume do refluxo.1
Os IBPs atualmente existentes são: omeprazol, pantoprazol, esomeprazol, lansoprazol, rabeprazol e dexlansoprazol.
Podem causar quatro tipos de efeitos colaterais nas crianças: reações idiossincráticas, interações com outras drogas, hipergastrinemia e hipocloridria induzidas por droga.1 Os efeitos idiossincráticos ocorrem em cerca de 14% dos pacientes pediátricos que utilizam IBPs.1 Os mais comuns são cefaleia, diarreia, constipação, náuseas, cada um deles ocorrendo em cerca de 2% a 7% dos pacientes.1 , 3 A hiperplasia das células parietais e os pólipos hiperplásicos de fundo gástrico são alterações benignas ocasionadas pelo bloqueio ácido e pela hipergastrinemia.1 Deve-se levar em consideração que vários estudos associam a hipocloridria do IBP às pneumonias adquiridas na comunidade, gastroenterites, candidíases e até enterocolite em pré-termos.1 , 39 , 40 os adultos, provocam nefrite intersticial aguda.1 Além disso, os IBPs podem alterar a flora intestinal do paciente e alguns estudos sugerem que a supressão ácida pode predispor ao desenvolvimento de alergias alimentares.1 , 41
Os IBPs têm limitações, também, como consequência de suas propriedades farmacológicas. Devem ser usados antes da primeira refeição42 e protegidos do ácido gástrico pela cobertura entérica. Um dos maiores problemas dos IBPs é que, no Brasil, não existe formulação líquida. As fórmulas manipuladas não são testadas e, portanto, não se sabe o quanto são eficazes. Abrir o comprimido ou desmanchá-lo pode inativar a medicação. Quebrar, esmagar ou amassar os comprimidos retira a proteção ácida gástrica, pois os IBPs necessitam chegar intactos no duodeno para serem absorvidos. As formulações MUPS (multiunit pellets system), por serem solúveis e conterem um grande número de microesferas com proteção entérica individual, permitem o uso do omeprazol e do esomeprazol em qualquer idade e por sonda, pois tornam possível a diluição do medicamento.42
O omeprazol pode ser utilizado na dose de 0,7 a 3,5 mg/Kg/dia.1 , 42 , 43 A dose máxima utilizada em crianças nos estudos existentes foi de 80 mg/dia, baseada em sintomas ou em pHmetria esofágica.43 A farmacocinética do omeprazol e dos outros IBPs não está bem estabelecida nas crianças abaixo de um ano de idade.1 , 43 Extrapolando os dados de adultos, parece que os IBPs podem ser eventualmente usados, "se necessário", como sintomáticos. Os IBPs são muito utilizados em pediatria, apesar de não haver tanta comprovação científica nessa faixa etária.44 , 45
Administração de um IBP em longo prazo não é aconselhável, sem investigação prévia.1 Nos casos em que supressão ácida é necessária, deve-se utilizar a mínima dose possível. A maioria dos pacientes requer uma dose única diária. Uso de rotina de duas doses ao dia não está indicado.1 Deve-se tentar, sempre que possível, parar o tratamento, pois poucos pacientes vão necessitar de longos tratamentos.38 , 40
Hassall et al.,46 em estudo recente, mostraram que 62,5% dos pacientes com esofagite erosiva que apresentaram recidiva e necessidade de tratamento crônico com IBPs eram portadores de doença predisponente, como alterações neurológicas ou atresia de esôfago. Apenas 33% dos que não tinham condições predisponentes à DRGE necessitaram tratamento prolongado.46
Após uso prolongado, deve-se diminuir gradativamente a dose do IBP. Em alguns pacientes, a descontinuação abrupta do tratamento com IBP pode ocasionar um efeito rebote na produção de ácido, o que faz com que a terapia antissecretória deva ser desmamada aos poucos, progressivamente.1 Quando se para abruptamente o IBP, a massa de células parietais que estava bloqueada é liberada de sua supressão e ocorre um rebote de hipersecreção ácida.47 Isso pode causar exacerbação dos sintomas, requerendo mais IBP,47 aspecto ilustrado em um estudo de adultos assintomáticos que receberam IBP por três meses e desenvolveram sintomas gastrointestinais quando pararam a medicação de modo abrupto.48
O RGE constitui um processo fisiológico na maioria dos lactentes. Estudos em lactentes normais demonstram episódios de refluxo tão frequentes quanto 73 vezes por dia,49 com regurgitações associadas aos episódios de refluxo em 67% das crianças no quarto mês de vida.50 Para a grande maioria dos lactentes (98%), os sintomas de RGE melhoram até o 12º ou 15º mês de idade, pois, com o desenvolvimento da criança, ocorre a maturação do esfíncter esofágico inferior, a comida sólida é introduzida, o tônus muscular aumenta e o bebê passa mais tempo na posição ereta.51 Em resumo, os sintomas de RGE são mais comuns nos lactentes pequenos, com um pico aos quatro meses de idade, tendendo a desaparecer na segunda metade do primeiro ano de vida.50 , 52 De modo diferente, a DRGE não é frequente nessa faixa etária.
As respostas dos lactentes aos diferentes estímulos, incluindo RGE e DRGE, são inespecíficas e muito parecidas, o que torna difícil, algumas vezes, estabelecer a causa da irritabilidade ou do choro do lactente. Há vários estudos mostrando que a supressão ácida não controla sintomas como irritabilidade, choro e agitação, que são interpretados como sintomas de DRGE.53 , 54 Há também algumas evidências de que o placebo melhora os sintomas de lactentes, tanto quanto os IBPs.53 , 54 No maior estudo duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, em que os lactentes com sintomas de DRGE receberam IBP ou placebo, a resposta foi exatamente igual nos dois grupos. Ou seja, os pacientes que receberam placebo, assim como os que receberam IBP (lansoprazol), por quatro semanas, apresentaram 54% de resposta satisfatória, sendo que o grupo medicado teve mais efeitos colaterais.53 Outro estudo menor, também controlado por placebo, com um IBP diferente, mostrou achados muito similares.54
Não se pode esquecer que fatores culturais afetam as práticas alimentares, e estudos mostram que os lactentes com DRGE devem ser avaliados em termos de comportamento alimentar relacionado aos costumes, problemas e crenças maternos. Os aspectos maternos que devem ser avaliados são depressão, ansiedade, problemas alimentares na mãe e insegurança na relação mãe-bebê.55 , 56 As alterações nas interações mãe-bebê, assim como os comportamentos alimentares mal adaptativos, devem também receber atenção apropriada. Intervenções podem ser necessárias antes que um reforço negativo, inclusive com medicações e exames, seja criado.55 , 56
Segundo alguns autores americanos,38 , 40 , 57 - 59 há uma epidemia de uso exagerado de IBP no primeiro ano de vida, e isso não parece ser diferente em nosso país. Em uma análise de 575.000 prescrições, nos Estados Unidos, ficou determinado que o número de medicações supressoras do ácido gástrico, para crianças abaixo dos quatro anos de idade, aumentou em 56% entre os anos de 2002 e 2006.60 Eles estimaram que 3% de todas as crianças nessa faixa etária estariam recebendo algum tipo de medicação para supressão ácida.60 O maior aumento foi nos lactentes abaixo de um ano de idade. Um outro estudo americano mostrou um incremento de mais do que sete vezes no uso de IBP, entre os anos de 1999 e 2004, sendo que uma formulação líquida para bebês mostrou um aumento de 16 vezes, durante esse período.60
Representantes do FDA (Food and Drug Administration) dos EUA publicaram um artigo no Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition,61 em janeiro de 2012, sobre os estudos encomendados à indústria farmacêutica do uso de IBP no primeiro ano de vida. Segundo esses autores, o aumento de prescrições de IBP no primeiro ano de vida foi de 11 vezes, entre os anos de 2002 e 2009.61 Eles avaliaram quatro estudos randomizados e controlados, e chegaram à conclusão de que os IBPs não devem ser administrados para tratar sintomas de RGE, em lactentes normais, sem evidências concretas de que é o ácido que causa esses sintomas.61 Esse artigo relata as seguintes conclusões:
Lactentes normais, com sintomas de RGE, devem ser tratados, inicialmente, com medidas conservadoras (orientações de dieta e posição) e avaliados para alergia à proteína do leite de vaca. A maioria desses lactentes melhora com o tempo e não apresenta doença induzida pelo ácido, não se beneficiando, portanto, com IBPs. Se as medidas conservadoras falham, assim como a busca de outra etiologia, o paciente deve ser encaminhado ao gastroenterologista pediátrico.
O uso de IBP deve ser reservado para lactentes com doença induzida pelo ácido documentada, como esofagite erosiva. Sem doença comprovada, o balanço entre riscos e benefícios dos IBPs, nessa idade, não é favorável, e os efeitos do uso em longo prazo não são estudados.
Estudos de segurança em curto e longo prazo são limitados.
Os testes diagnósticos disponíveis e os sintomas não são acurados o suficiente para indicar o tratamento com IBP nessa idade.
Mais estudos avaliando os IBPs devem ser realizados, principalmente em lactentes com esofagite erosiva, fibrose cística, intestino curto e manifestações extraesofágicas. Nas esofagites erosivas, a eficácia pode ser extrapolada dos outros estudos com adultos e crianças.61
O principal problema reside, portanto, nos lactentes, nos quais, até o presente momento, não há nenhum estudo que mostre clara eficácia dos IBPs no tratamento de sintomas inespecíficos, considerados como DRGE, como choro e irritabilidade.55 , 59 Esse exagero no tratamento da DRGE em lactentes não ocorre sem efeitos negativos potenciais, documentados na literatura. O ácido gástrico é um instrumento de defesa precoce contra infecções e é importante para a absorção de certos nutrientes.38
Hoje em dia, poucos estudos controlados e randomizados fornecem suporte, no primeiro ano de vida, para o uso de medicamentos no tratamento de sintomas compatíveis com DRGE.62 Entretanto, um estudo com 1.245 pediatras americanos observou que 82% dos entrevistados instituem supressão ácida, como terapia empírica, antes de pedir qualquer estudo diagnóstico.63
Nesse contexto, os benefícios possíveis de um tratamento não farmacológico, conservador, com mudanças de alimentação e nos hábitos, são importantes no sentido de não expor os lactentes a medicações desnecessárias, para evitar custos e efeitos adversos.64 Shalaby et al.65 apresentaram um estudo no qual uma enfermeira, experiente em orientações para RGE/DRGE, por telefone, orientava medidas conservadoras para os pais de lactentes com sintomas presumíveis de DRGE. Esses conselhos diminuíram os sintomas em 26% dos lactentes, evitando a necessidade de consulta com o gastroenterologista.65 Os pacientes foram orientados a usar fórmula espessada e/ou extensamente hidrolisada, ou a mãe a fazer dieta sem leite de vaca e soja, evitar exposição ao fumo e seguir as orientações de postura. Depois de duas semanas, 78% dos pacientes apresentaram melhora, sendo que 59% diminuíram pelo menos cinco itens de sintomas do questionário e 24% normalizaram as queixas.65
Os lactentes apresentam respostas inespecíficas aos diferentes estímulos patológicos e não patológicos: choro, irritabilidade, recusa alimentar, alterações do sono, arqueamento do corpo e aparente desconforto.66 Com o problema de se ter cada vez menos tempo para escutar os pais e pacientes, ao invés de fazer toda história, inclusive comportamental e alimentar, e acalmar os pais - além de sofrer a pressão deles para "resolver o problema" e "fazer algo", temos tentado uma alternativa mais rápida: prescrever!
Tudo indica que é menos arriscado, causa menos prejuízo aos pacientes e é mais barato tentar uma terapia mais conservadora, em vez de prescrever várias medicações desde o início do tratamento.67 , 68 À luz dos conhecimentos atuais, deveríamos orientar melhor nossos pacientes e seus cuidadores e prescrever menos medicações!
Nos pacientes com sintomas persistentes, a consulta com o especialista deveria ser uma medida indicada para avaliar, de modo criterioso e individualizado, que paciente irá requerer investigação, e, a partir daí, qual necessitará de terapêutica medicamentosa ou eventualmente cirúrgica. Os estudos que existem na literatura com IBPs em crianças estão descritos na tabela 2.46 , 51 , 53 , 69 - 80
Tabela 2 Estudos com IBP em DRGE em pediatria
Autores/ano | IBP/tempo | Desenho | Idade/n | Resultado/obs. |
---|---|---|---|---|
Tolia V et al.69 | Lansoprazol 15 ou | Aberto, multicêntrico | Crianças de 1 a 11 anos | Considerado seguro e bem tolerado 78% curaram |
30 mg 8 a 12 semanas | EE na semana 8% e 100% na semana 12 | |||
Estudo faseI/II | n = 66 | EA: cefaleia, constipação. | ||
Gremse D et al.70 | Lansoprazol 15 ou 30 mg | Aberto, multicêntrico | Crianças de 1 a 11 anos | Propriedades farmacocinéticas similares |
Estudos feitos 5 dias | Estudo faseI/II | n = 66 | aos adultos/Lansoprazol aumenta a média | |
após início do uso | do pH intragástrico nas 24 horas e a % | |||
Farmacocinética e dinâmica | de tempo que o pH está acima de 3 ou 4 | |||
Gunasekaran et al.71 | Lansoprazol 15 ou 30 mg | Aberto, multicêntrico | Adolescentes de 12 | Propriedades farmacocinéticas similares |
Estudos feitos 5 dias após | Estudo faseI/II | a 17 anos | aos adultos/Lansoprazol 15 ou 30 mg, usado | |
início do uso | 1×/dia, por 5 dias, aumenta o pH intragástrico, | |||
Farmacocinética e dinâmica | n = 63 | alivia os sintomas e é bem tolerado | ||
EA: alergias, diarreia, rash, tonturas. | ||||
Fiedorek S et al.72 | Lansoprazol 15 ou 30 mg | Aberto | Adolescentes de 12 | Lansoprazol 15 e 30 mg reduziram os sintomas |
8 semanas | a 17 anos | de adolescentes com NERD e EE, respectivamente. | ||
Estudo faseI/II | N = 64 NERD (15 mg) | Ambas as doses foram consideradas seguras | ||
Eficácia e segurança | n = 23 EE (30 mg) | EA: cefaleia, dor abdominal, náuseas e tonturas | ||
Gold BD et al.73 | Esomeprazol 20 e 40 mg | Multicêntrico, randomizado e | Adolescentes entre 12 | Esomeprazol diminuiu sintomas nos dois grupos |
8 semanas | duplo-cego não controlado | e 17 anos | ||
por placebo | n = 148 | EA: cefaleia 8%, dor abdominal 3%, náusea 2%, | ||
diarreia 2%. Nenhum EA sério | ||||
Orenstein SR et al.53 | Lansoprazol 4 semanas | Multicêntrico, duplo cego, | Lactentes 1 a 12 meses | 54% de resposta nos 2 grupos |
paralelo, controlado | EA: 62% lansoprazol; 46% placebo | |||
por placebo. | n = 162 | Sérios > lansoprazol = IVAI | ||
Tolia V et al.74 | Esomeprazol | Multicêntrico, randomizado, | 1 a 11 anos | DRGE confirmada endoscopicamente |
paralelo e duplo-cego | ou histologicamente | |||
(para dose). | n = 109 | Cicatrização de esofagite erosiva macro ou microscópica | ||
VO 5 ou 10 mg/dia < 20 Kg | ||||
10 ou 20 mg/dia >20 Kg | ||||
0,2 ou 1 mg/Kg/dia | ||||
8 semanas | ||||
Baker R et al.75 | Pantoprazol suspensão oral | Multicêntrico, | 1 a 5 anos | DRGE confirmada endoscopicamente |
de liberação tardia 0,3 | randomizado e duplo-cego. | ou histologicamente | ||
Melhora dos sintomas | ||||
n = 60 | EA não aumentaram com maiores doses | |||
0,6 e 1,2 mg/Kg 8 semanas | ||||
Winter et al.51 | Pantoprazol grânulos orais | Randomizado, duplo-cego | 1 a 11 meses | Pacientes com sintomas de DRGE |
de liberação tardia | controlado por placebo | |||
1,2 mg/Kg/dia | (tratamento e retirada) | |||
4 semanas de Pantoprazol | n = 106 | Na fase cega não houve diferenças entre a retirada | ||
e 4 semanas duplo-cego | de pantoprazol ou placebo devido à falta de eficácia | |||
Pantoprazol x placebo | ||||
Seguro e bem tolerado | ||||
Tammara BK et al.76 | Pantoprazol | Multicêntrico, aberto, | Estudo 1 – 1 mês a | Exposição aumenta com aumento da dose, |
randomizado. | 12 meses | mas há grande variação individual | ||
0,6 mg/Kg | n = 43 | |||
1,2 mg/Kg | ||||
Estudo 1 | Grânulos VO | |||
Estudo 2 | Medidas feitas pelo menos | Farmacocinética | Estudo 2 – 1 ano até | Exposição foi similar aos adultos |
após 5 doses consecutivas | < 6 anos | |||
n = 17 | Bem tolerado | |||
Ward RM et al.77 | Pantoprazol tabletes com | Multicêntrico, aberto, | 6 a 16 anos | Pacientes com DRGE apresentam mesma |
liberação tardia 20 | randomizado | exposição sistêmica dos adultos | ||
ou 40 mg/dia | ||||
Medidas feitas 12 horas | n = 38 | Sem efeitos adversos | ||
após uma única dose e 2 | sérios | |||
a 4 horas após múltiplas | ||||
doses | ||||
Farmacocinética e segurança | ||||
Sandström M et al.78 | Esomeprazol EV 1×/dia | Multicêntrico, aberto, | 0 a 17 anos | Clearance aumenta com o peso e a idade |
randomizado, Fase I | Bem tolerado | |||
31 pacientes com EA | ||||
Nenhum EA sério | ||||
4 dias | Farmacocinética | n = 57 | ||
e tolerabilidade EV | ||||
Kukulka M et al.79 | Dexlansoprazol MR | Multicêntrico, paralelo, | 2 a 17 anos | Farmacocinética semelhante aos adultos |
aberto, Fase I | ||||
n = 36 | Efeitos adversos leves (33,3%) | |||
30 ou 60 mg por 7 dias Esomeprazol | Farmacocinética e segurança | |||
Winter H et al.80 | Multicêntrico, randomizado, | 1 a 11 meses | Não houve diferença estatística na parada | |
duplo-cego controlado por | do tratamento por piora dos sintomas entre | |||
placebo (tratamento | esomeprazol e placebo | |||
e retirada) | ||||
2,5 a 10 mg/dia 4 semanas | n = 98 | |||
Hassall et al.46 | Omeprazol | Prospectivo, aberto, | 1 a 16 anos com | Remissão foi obtida com omeprazol continuado |
de longo prazo para testar | EE cicatrizada | na maioria dos pacientes | ||
a dose de manutenção | n = 32 (completaram | 60% requerem mais da metade da dose necessária | ||
o estudo) | para cicatrização | |||
0,7 a 3,5 mg/Kg/dia | ||||
21 meses |
DRGE, doença do refluxo gastroesofágico
EA, efeito adverso
EE, esofagite erosiva
IBP, inibidores de bomba de prótons
IVAI, infecção vias aéreas inferiores
NERD, doença do refluxo não erosiva