versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.37 no.4 São Paulo out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150068
Recomenda-se que a creatinina sérica seja medida por kit específico com calibração rastreável em relação a padrões de referência internacionais a partir da metodologia IDMS (espectrometria de massa de diluição isotópica). De acordo com organizações envolvidas com programas de gerenciamento da qualidade de laboratórios, recomenda-se a monitorização rotineira do erro analítico total ligado ao método de dosagem da creatinina. E, finalmente, que os laboratórios forneçam a taxa de filtração glomerular (TFG) estimada por meio de fórmulas (CKD-EPI, por exemplo) juntamente com o resultado da dosagem da creatinina sérica.1
Essas recomendações visam tornar mais precisa a estimativa da TFG baseada na dosagem de creatinina, considerada como o parâmetro que melhor reflete o conjunto das funções dos rins.
Em termos práticos, quando as recomendações não são seguidas ocorrem distorções na avaliação da TFG e no julgamento clínico subsequente. Por exemplo, utilizando-se os vários métodos modificados a partir da reação de Jaffé, os valores da creatinina sérica podem ser subestimados naqueles pacientes que estão com bilirrubinas séricas elevadas, ou superestimados em até 20% em pacientes que se encontram em uso de cefalosporinas, devido a interferências analíticas.2 Possíveis consequências deletérias são esperadas nesses dois cenários, como diagnósticos incorretos de doença renal, ajuste inadequado da dose de medicações cuja excreção é renal, além de referenciamento tardio ao nefrologista.
No Brasil, desconhece-se qual é a proporção de laboratórios que seguem essas recomendações. Conforme consulta pessoal à Agência Nacional de Vigilância Sanitária [(ANVISA), protocolo 2014676521] e à Sociedade de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial [(SBPC/ML), serviço fale conosco], os dois órgãos não dispõem dessas informações.
De acordo com levantamento independente envolvendo 42 laboratórios consultados em diferentes regiões do País, 14 (33%) deles não utilizavam a metodologia rastreável a IDMS para medição da creatinina sérica (Alcântara FFP, 2010). Supomos que essa proporção seja ainda maior em cidades do interior do Brasil, considerando a larga disponibilidade de kits provenientes de fornecedores nacionais que não são apropriadamente calibrados para dosagem de creatinina. Acredita-se que laboratórios que não participam de programas de avaliação da qualidade possuam índices de erro analítico total além do recomendado.
Esse panorama torna-se preocupante por diversas razões. Primeiramente, a estimativa da TFG a partir da creatinina sérica é a base para o diagnóstico e a estratificação de pacientes com doença renal crônica (DRC) e lesão renal aguda (LRA). Além disso, a TFG é mais do que um indicador de função renal, ela tem relação direta com o risco de mortalidade cardiovascular e mortalidade global.1,3
Recentemente, o Ministério da Saúde da República Federativa do Brasil publicou lei que trata especificamente da política de atenção ao paciente portador de DRC.4
Nela, o diagnóstico de DRC e a estratificação do risco são baseados na TFG. Considerando-se que no Brasil existam 10 milhões de pessoas com algum grau de DRC ou mais, o encaminhamento e cuidados destinados a essa população podem ser negativamente afetados se baseados em dosagens inexatas da creatinina sérica.
O incentivo à padronização da dosagem da creatinina em todo o território nacional pode ser um instrumento útil no processo de diagnóstico e estratificação da DRC e LRA. Acreditamos que essa medida teria um papel importante na prevenção e redução da progressão da doença renal. Além disso, o fornecimento automático da estimativa da TFG quando o médico solicita a dosagem sérica de creatinina é um recurso que sensibiliza a detecção de déficit de função renal, expresso pela TFG.5