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Doenças Cardiovasculares nas Populações Indígenas: Um Indicador de Iniquidade

Doenças Cardiovasculares nas Populações Indígenas: Um Indicador de Iniquidade

Autores:

Airton Tetelbom Stein

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.3 São Paulo mar. 2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180045

O número de artigos que abordam doença cardiovascular na população indígena é insuficiente para se desenvolver uma política de saúde. As condições mais frequentemente identificadas entre os indígenas são doenças infectocontagiosas como malária, tuberculose, infecções respiratórias, hepatite, doenças sexualmente transmissíveis, entre outras. No entanto, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) estão cada vez mais frequentes nessa população, decorrentes do processo de urbanização e estilo de vida. Ainda, existem dificuldades logísticas no manejo dessas doenças, uma vez que requerem atendimento médico continuado e ações de promoção de saúde em regiões de difícil acesso.

O estudo original e bem conduzido de Armstrong e colegas auxilia a preencher essa lacuna de conhecimento, pois enfatiza o impacto de um investimento governamental, que por um lado busca o desenvolvimento no país, e por outro mostra a exposição e os efeitos adversos da mudança no estilo de vida do indígena. O artigo apresenta uma associação entre mortalidade por doença cardiovascular com o rápido processo de urbanização, mesmo sendo um artigo com algumas limitações metodológicas.1

Este processo não acontece apenas no Brasil, e em estudo conduzido em população indígena no sudoeste da Ásia mostrou a influência da urbanização sobre a transição epidemiológica e o aumento de DCNTs.2

A expectativa de vida e as taxas de doenças diferem muito dependendo das características demográficas e geográficas de onde as pessoas vivem.3 O sistema de saúde tem um papel importante de reduzir a iniquidade, e é essencial a implementação de intervenções intersetoriais no nível de comunidade, especialmente em função do contingenciamento de recursos e necessidade de indicar intervenções efetivas.

O médico de família e comunidade em conjunto com a equipe de saúde deve buscar estimular a manutenção da cultura indígena tradicional e integrar a população indígena na sociedade, quando ocorrer urbanização no seu habitat. A atenção básica deve procurar identificar e desenvolver estratégias em relação aos determinantes sociais, que são relevantes tanto para doenças transmissíveis quanto para as DCNTs.4

O contexto que os profissionais de saúde constatam ao se depararem com situações como a descrita é que a população tem uma alta prevalência de fatores de risco de DCNTs como sobrepeso, tabagismo, alcoolismo e dieta não saudável. Essa situação, decorrente da transição epidemiológica, ainda tem um agravante em populações indígenas, as quais apresentam concomitantemente doenças infectocontagiosas.

O estudo clássico de Geoffrey Rose,5 ainda é muito atual, em que aponta a necessidade de examinar a causa das causas, especialmente quando ocorre uma rápida urbanização, sem um planejamento abrangente, e que leva a uma piora da qualidade de vida em função do estresse decorrente dos novos desafios, e da exposição de fatores de risco de doenças cardiovasculares.

Portanto, o presente estudo mostra que a população indígena se caracteriza como vulnerável e apresenta condições de saúde que requerem um planejamento pelos gestores. Esses devem considerar a dificuldade dessa população de se integrarem na sociedade e de terem acesso ao serviço de saúde, que deve estar preparado para atender suas especificidades.

O sistema de saúde no atendimento à população indígena deve estar preparado para as altas taxas de comportamento não saudável e condições sociais adversas decorrentes de ambientes não saudáveis - características que levam à iniquidade, como o que ocorre no Vale de São Francisco no nordeste do Brasil.

Um número crescente de intervenções sobre DCNTs com o objetivo de alcançar as Metas de Desenvolvimento Sustentável são descritas e a publicação de seus resultados na literatura acadêmica deve ser altamente encorajado para promover uma melhor prática.6

O papel de revistas como o Arquivos Brasileiros de Cardiologia é informar a frequência de doenças cardiovasculares, bem como seu enfoque etiológico, diagnóstico, prognóstico e quais intervenções são efetivas e que devem ser incentivadas pelos gestores. Esta informação é especialmente relevante na população indígena, a qual tem uma tendência de aumento da incidência de doenças cardiovasculares influenciadas pela urbanização. As ações desenvolvimentistas do governo, particularmente onde moram populações indígenas, devem incluir ações intersetorias para mitigar os problemas de saúde e a iniquidade nessa população.

REFERÊNCIAS

1 Armstrong AD, Ladeia AM, Marques J, Armstrong DM, Silva AM, Morais Junior JC, et al. Urbanization is associated with increased trends in cardiovascular mortality among indigenous populations: the PAI study. Arq Bras Cardiol. 2018; 110(3):240-245.
2 Phipps ME, Chan KK, Naidu R, Mohamad NW, Hoh BP, Quek KF, et al. Cardio-metabolic health risks in indigenous populations of Southeast Asia and the influence of urbanization. BMC Public Health. 2015 Jan 31;15:47.
3 Woolf SH. Progress in achieving health equity requires attention to root causes. Health Aff (Millwood). 2017;36(6):984-91.
4 Marmot. Social determinants of health inequalities. Lancet. 2005;365(9464):1099-104.
5 Rose G, Khaw KT, Marmot M. Rose’s strategy of preventive medicine. New York: Oxford University Press; 1992.
6 Pullar J, Allen L, Townsend N, Williams J, Foster C, Roberts N, et al. The impact of poverty reduction and development interventions on non-communicable diseases and their behavioural risk factors in low and lower-middle income countries: a systematic review. PLoS One. 2018;13(2):e0193378.