versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.11 Rio de Janeiro nov. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141911.07712014
The study seeks to analyze the topic of Chronic Non Communicable Diseases (NCDs) and the role of intersectorial actions in tackling these diseases. It involved a narrative review through searches on Medline, Pubmed and Lilacs databases, and documents from the World Health Organization (WHO), the Pan American Health Organization (PAHO) and the Brazilian government. The link between the theme of intersectoriality and NCD is reviewed in the Global Conferences and Agendas on Health Promotion, and the role of other sectors in relation to effective interventions for NCDs. Some experiences of intersectorial activities for tackling NCDs are presented. The conclusion drawn is that the implementation of intersectorial action in conjunction with sectorial health policies in tackling NCDs has become a political priority, involving coordinated actions, negotiations forums, integrated planning and sustainable funding. It is necessary to seek the active participation of social actors in the advocacy, monitoring and accountability process, coupled with training processes for managers and other professionals, which will give sustainability to the social processes and required changes. Intersectorial partnerships are fundamental.
Key words: Non-communicable diseases; Intersectoriality; Equity; Health in all policies; Public health policy
Nos últimos anos, as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) têm se tornado objeto de preocupação global, não apenas do setor saúde, mas de vários setores da sociedade, em função da sua magnitude e custo social1. Globalmente, as DCNT têm gerado elevado número de mortes prematuras, perda de qualidade de vida, alto grau de limitação das pessoas em suas atividades de trabalho e de lazer, além de ocasionar impactos econômicos negativos para as famílias, as comunidades e a sociedade em geral, resultando no agravamento de iniquidades sociais e pobreza. Ampliando as desigualdades sociais1, o aumento da carga de DCNT reflete os efeitos negativos da globalização, da urbanização rápida, da vida sedentária e da alimentação com alto teor calórico, além do marketing do tabaco e do álcool1.
A epidemia de DCNT tem afetado mais as pessoas de baixa renda, por serem mais expostas aos fatores de risco e com menor acesso aos serviços de saúde. Além disso, essas doenças criam um círculo vicioso, levando as famílias a maior estado de pobreza1,2. Existem fortes evidências relacionando os determinantes sociais, como educação, ocupação, renda, gênero e etnia, com a prevalência de DCNT e fatores de risco3,4.
Os gastos familiares com as DCNT reduzem a disponibilidade de recursos para necessidades como alimentação, moradia, educação, entre outras. A Organização Mundial de Saúde estima que, a cada ano, 100 milhões de pessoas são empurradas para a pobreza nos países em que se tem de pagar diretamente pelos serviços de saúde1.
Estimativas para o Brasil sugerem que a perda de produtividade no trabalho e a diminuição da renda familiar resultantes de apenas três DCNT (diabetes, doenças do coração e acidente vascular encefálico) levarão a uma perda na economia brasileira de US$ 4,18 bilhões entre 2006 e 20155.
Existem significativas diferenças (regionais, de gênero, entre grupos étnico-raciais e de estrato socioeconômico) na distribuição da carga das doenças, incluindo as DCNT. Estas diferenças resultam em evidente prejuízo para as pessoas em condições de maior vulnerabilidade social, configurando uma situação importante de iniquidade em saúde, que necessita ser superada, e a atuação de forma intersetorial ajuda a reduzir estas situações.
No Brasil, as DCNT lideram como causa de morbimortalidade e tem ocorrido, na última década, uma redução de 20% das taxas de mortalidade de DCNT - doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, alguns tipos de câncer2,6-8. Visando ampliar o comprometimento do Brasil com o tema, após amplo processo de consulta a diversos setores, foi lançado o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022, que define e prioriza as ações e os investimentos necessários para preparar o país para enfrentar e deter as DCNT e seus fatores de risco nos próximos dez anos6. O plano de DCNT parte da premissa que ações de prevenção e controle de DCNT requerem articulação e suporte de todos os setores do governo, da sociedade civil e do setor privado, com a finalidade de obter sucesso contra a epidemia das DCNT. Existem evidências de que a ação articulada envolvendo diversos setores é essencial para o êxito das ações propostas de enfrentamento das DCNT.
Por intersetorialidade compreende-se o modo de gestão desenvolvido por meio de processo sistemático de articulação, planejamento e cooperação entre os distintos setores da sociedade e entre as diversas políticas públicas para intervir nos determinantes sociais. A intersetorialidade tem como princípios a corresponsabilidade, cogestão e coparticipação, entre os diversos setores e políticas em prol de um projeto comum9. Desta forma pressupõe-se atuar de forma integrada, que pode conduzir a melhores resultados no caso do enfrentamento das DCNT.
Diante do exposto e pela ainda reduzida oferta de revisões sobre o tema, o presente estudo visa analisar as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) e o papel das ações intersetoriais no enfrentamento das mesmas globalmente e no Brasil.
Realizou-se revisão narrativa de literatura quanto ao tema das DCNT e a ação intersetorial. Foram realizadas buscas usando os descritores: Doenças Crônicas Não Transmissíveis, Saúde em Todas as Políticas, Equidade e Intersetorialidade, e os respectivos termos em inglês: Non communicable diseases, Health in All Policies, Equity, Intersectoral. Foram utilizadas as bases de dados do MEDLINE, PubMed, Lilacs. Foram priorizadas publicações em língua inglesa, espanhola e portuguesa, entre os anos de 2000 a 2012, sendo priorizados artigos que estabeleciam análises globais. Os termos foram pesquisados inicialmente de forma isolada e, após de forma associada, inserindo-se os descritores passo a passo. Foram realizadas várias possibilidades. Como exemplo, a busca no PUBMED do termo Non communicable diseases, de forma isolada, mostrou 1969 publicações, enquanto o termo intersetorialidade, de forma isolada, somou 655 publicações. Com os termos associados: Doenças Crônicas Não Transmissíveis e intersetorialidade foram 6 publicações selecionadas; Non communicable diseases e Health in All Policies foram 367 publicações; ao se inserir Equity, foram 15 publicações, que também foram selecionadas, e ao inserir intersetorialidade e associar os 4 termos, foram apenas 2, também selecionadas. Portanto, estes 23 artigos foram analisados, buscando os temas centrais da pesquisa: DCNT e intersetorialidade. Foram ainda pesquisadas resoluções da OMS, OPAS e do governo brasileiro sobre o tema. Foram pesquisados exemplos na literatura que avançaram nesta articulação e na implementação de políticas públicas de prevenção e controle de DCNT. Foram ainda realizadas pesquisas sobre o tema de DCNT nas Conferencias Globais de Promoção da Saúde.
Segundo as publicações revisadas, os temas foram então agregados da seguinte forma: a) a intersetorialidade nas Conferências e Agendas Globais de Promoção a Saúde; b) Evidências de Intervenções Efetivas em DCNT e ações intersetoriais; c) experiências selecionadas de ação intersetorial no enfrentamento de DCNT. Por fim, se discute a implementação de ações intersetoriais em articulação com DCNT, propondo estratégias como coordenação setorial, fóruns de negociação, planejamento integrado, financiamento, participação dos interessados, monitoramento e prestação de contas, e capacitação.
Diversas medidas têm sido tomadas visando estabelecer um compromisso global no desenvolvimento de estratégias para a redução das DCNT e seus fatores de risco, com destaque, para a 53ª Assembleia Mundial de Saúde, no ano 2000, com a aprovação de resolução sobre a prevenção e o controle de doenças não transmissíveis10, que recomendava aos Estados-Membros o desenvolvimento de política nacional que considerasse "políticas públicas saudáveis que criem ambientes condizentes com estilos de vida saudáveis; e políticas fiscais de tributação diferenciadas, dirigidas para bens e serviços saudáveis e insalubres; o estabelecimento de programas para prevenção e controle das DCNT, o monitoramento do nível de exposição aos fatores de risco e seus determinantes na população, e a busca da intersetorialidade [...]". Tais recomendações foram tidas como medidas prioritárias na agenda de trabalho da saúde pública.
Seguiram-se diversas outras resoluções da OMS com ampla articulação intersetorial com destaque em 2003 a aprovação da Convençãoquadro para o controle do tabaco11; em 2004, a Estratégia global para alimentação, atividade física e saúde12, o Plano de ação para a estratégia global de prevenção e controle das doenças crônicas não transmissíveis 2008-201313 e a Estratégia global para redução do uso abusivo de álcool14.
Em Abril de 2011, ocorreu a primeira Conferência Ministerial Global sobre estilos de vida saudáveis e controle de doenças não transmissíveis, em Moscou, marco importante na campanha internacional para reduzir os impactos de cânceres, doenças cardiovasculares, diabetes e doenças pulmonares crônicas. A reunião teve como principal objetivo apoiar os Estados-Membros a desenvolver e fortalecer as políticas e programas sobre estilos de vida saudáveis e prevenção de DCNT e, como conclusão, foi aprovada uma declaração política, que foi base para declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas no mesmo ano15. Estes esforços são baseados na estratégia global para a prevenção e controle das DCNT e seu plano de ação, que incluem abordagens intersetoriais e inovadoras na prevenção e cuidado.
A realização da Reunião de Alto Nível da Organização das Nações Unidas, em setembro de 2011, foi outro destaque na agenda de DCNT. Participaram os chefes de Estado que aprofundaram os compromissos setoriais e intersetoriais, na Declaração Política de DCNT do Encontro de Alto Nível, tornando-se esta reunião um marco na agenda dos países-membros no enfrentamento dessas doenças na próxima década15.
a) A Intersetorialidade, Conferências e Agendas Globais de Promoção a Saúde.
O conceito e a práxis da intersetorialidade têm sido abordados ao longo das últimas décadas na literatura de Saúde Pública e nas diversas Conferências Globais da OMS e da ONU e suas respectivas cartas e declarações como, por exemplo, a de Cuidados Primários, as de Promoção a Saúde, a de Determinantes Sociais e a de Desenvolvimento Sustentável, e nas suas respectivas cartas e declarações:
i) O tema da intersetorialidade tem sido destacado há décadas16,17. O conceito foi mais difundido nos anos 1960 e 1970, abrangendo as necessidades básicas para a sobrevivência, como o direito à alimentação, água potável, moradia, vestuário, saúde, educação, dentre outros.
ii) A Declaração de Alma-Ata (1978)18, e a Estratégia de Saúde para Todos, destaca a prioridade dos cuidados primários em saúde, ademais, propõe o envolvimento de outros setores como agricultura e pecuária, produção de alimentos, indústria, habitação, obras públicas, comunicações e outros, requerendo esforços coordenados de todos os setores e também apoiando o propósito de equidade e da abordagem participativa.
iii) Na Carta de Ottawa (1986)19, o tema volta à pauta, com destaque para a demanda de ações coordenadas dos envolvidos na promoção da saúde: governo, setores sociais e econômicos, organizações voluntárias e não-governamentais, autoridades, indústria, mídia, assim como os indivíduos, famílias e comunidades. A Carta identifica cinco pontos para a ação: construção de políticas públicas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde; fortalecimento das ações comunitárias; desenvolvimento de habilidades pessoais; e reorientação dos serviços de saúde.
iv) Em 1988, a Declaração de Adelaide20 destaca que uma Política Pública Saudável é caracterizada por um interesse explícito por saúde e equidade em todas as áreas de políticas como agricultura, comércio, educação, indústria, e comunicação.
v) Em 2011, a Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais de Saúde (DSS)21 destaca que a cooperação e a ação intersetorial constituem enfoque promissor para ampliar a responsabilização de outros setores em relação à saúde, governança, novas arquiteturas de gestão. Aprofunda ainda que a ação sobre os DSS é crucial para o enfrentamento das DCNT. Destacam-se também as recomendações da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (CDSS) na melhoraria das condições de vida da população, e a defesa da promoção da equidade, em especial reduzindo a desigualdade no acesso a serviços. A CDSS advoga as políticas para o desenvolvimento da primeira infância, incluindo acesso a serviços como a educação obrigatória e de qualidade, moradias saudáveis, com acesso à água, saneamento e energia, com preços acessíveis, acesso a comportamentos saudáveis e seguros, como promoção de atividade física, alimentação saudável e redução da violência e criminalidade; bem como avançar na política regulatória do álcool, tabaco e alimentos. Investir no desenvolvimento sustentável, avançar nas políticas de proteção ambiental, investimento no emprego e trabalho digno. Estes pontos teriam elevado impacto na melhoria dos indicadores sociais e de saúde.
vi) Em 2012, a Rio + 2022, na Declaração referente ao Desenvolvimento Sustentável, destaca que a epidemia de DCNT leva a um substancial impacto negativo sobre o desenvolvimento humano e social. A prevenção deve ser incluída como prioridade nas iniciativas de desenvolvimento e investimento. O fortalecimento da prevenção e o controle de DCNT, também são considerados como parte integral dos programas de redução da pobreza e outros programas de assistência ao desenvolvimento. Acordos firmados na Rio + 20 declaram que o desenvolvimento sustentável só será possível mediante o alcance de um estado de bem-estar físico, mental e social e que as DCNT constituem um dos principais desafios para o desenvolvimento sustentável no século XXI. As ações para a reversão deste quadro de alta prevalência de DCNT em países desenvolvidos e em desenvolvimento só serão possíveis por meio de atuação integrada entre os diversos setores, visando o desenvolvimento sustentável, articulando ações para a promoção de estilos de vida saudáveis e o acesso a alimentos e ambientes saudáveis e envolvimento intersetorial.
vii) A Conferência de Helsinque em 2013 e o conceito Saúde em Todas as Políticas (STP) têm ganhado espaço nas agendas e destacam a ação estratégica da articulação entre a saúde e outras políticas, tais como agricultura, educação, meio ambiente, políticas fiscais, habitação e transporte. O objetivo é melhorar a saúde e, ao mesmo tempo, contribuir para o bem-estar da população, reduzir iniquidades, por meio de mecanismos e ações planejadas. Saúde em Todas as Políticas (STP) não se limita ao setor da saúde, mas é estratégia complementar com elevado potencial para melhorar a saúde da população, atuando nos determinantes de saúde23. O termo empregado, (STP), vem sendo adotado há vários anos na Finlândia e entre vários autores23-25 Existem ainda debates sobre o termo, destacando-se que não se pode compreender como hierarquia, ou liderança do setor saúde sobre os demais setores, além da similaridade ou superposição com outros conceitos, em especial a intersetorialidade ou multisetorialidade.
b) Evidências de Intervenções Efetivas em DCNT e ações intersetoriais.
As DCNT colocam novos desafios para a sociedade, entre os quais investimentos nas políticas de promoção da saúde, prevenção de doenças e intervenções curativas. Existem inúmeras evidências de que o impacto destas doenças pode ser revertido por meio de intervenções populacionais custo-efetivas de promoção de saúde, especialmente atuando de forma integrada com outros setores1.
A OMS divulgou, em 20111, as intervenções consideradas mais custo-efetivas, sendo algumas delas ainda consideradas as "melhores apostas" (best buy) no sentido de salvar vidas e prover respostas custo-efetivas. As ações se dividem em intervenções custo-efetivas de âmbito populacional (promoção da saúde) e também em relação à prevenção primária e secundária e ao tratamento. Existem outras medidas potencialmente promissoras, pois os estudos ainda estão em andamento. Cabe destacar que dentre estas medidas, as consideradas melhores apostas e com evidências definidas são na maioria intervenções lideradas por outros setores e têm maior abrangência, pois são de cunho populacional e no campo da promoção da saúde.
A OMS1 publicou ações consideradas as "melhores apostas", com evidências já estabelecidas, e em destaque para as medidas como aumento de impostos do tabaco, que são de responsabilidade do setor econômico e legislativo; a aprovação de leis de restrição do consumo, proibição de propaganda, taxações, referentes ao tabaco e álcool que dependem do poder legislativo para sua aprovação e podem ser de iniciativa dos setores saúde, área econômica, e dependem grandemente da adesão da sociedade, para sua defesa e aprovação no marco regulatório. Outras medidas como a redução do sal e gorduras dos alimentos, necessitam de mudanças pactuadas com o setor produtivo e medidas educativas quanto a hábitos saudáveis junto à população. No Brasil, vem sendo estabelecidas parcerias com a indústria para redução do sal e eliminação de gorduras trans2. Os governos são responsáveis por estimular as parcerias para a produção de alimentos mais saudáveis, bem como monitorar os acordos estabelecidos entre as partes.
As campanhas e medidas educativas sobre promoção de hábitos saudáveis são de responsabilidade da comunicação, escola, saúde, e também podem ser realizadas por iniciativas de setores da sociedade, como operadoras de planos de saúde, entidades de profissionais da área da saúde, mídia, dentre outros, contendo responsabilidade compartilhada. Destacamos aqui a campanha "O Futuro Promete, eu quero chegar bem lá"26, de iniciativa da Associação Brasileira de Propaganda (ABAP), difundindo hábitos saudáveis26, e a campanha "Salve Saúde", da Associação Médica Brasileira (AMB)27.
Consideradas evidências custo-efetivas, a promoção da amamentação adequada e alimentação complementar são de responsabilidade do setor saúde, como orientação às mães no pré-natal e primeira infância. Entretanto, a política de impostos sobre alimentos e subsídios para alimentação saudável e as medidas de restrição sobre o marketing de alimentos e bebidas com muito sal, gorduras e açúcares, cabem ao Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Fazenda e setores econômicos, Comunicação, bem como ao Legislativo. Ao setor saúde cabe promover evidências para estas medidas e atuar demandando a implementação das mesmas. As medidas referentes à aplicação das leis do álcool e direção, cabem aos órgãos de trânsito e da Justiça, como fiscalização de velocidade, álcool e direção. A legislação protetora quanto os fatores de risco ambientais ou ocupacionais, como amianto, aflotoxina, contaminantes na água potável e outros, cabe ao Meio Ambiente e ao Legislativo, cabendo ao setor saúde a promoção de evidências para a adoção destas medidas, bem como a organização da vigilância1.
Outras intervenções custo-efetivas para DCNT, voltadas para o cuidado da saúde de grupos específicos, estão diretamente a cargo do setor saúde, como medidas terapêuticas preventivas de episódios cardiovasculares agudos, tratamento da dependência da nicotina e outras doenças cardiovasculares, o aconselhamento e terapia multidrogas, incluindo o controle da glicemia para o diabetes, para pessoas com mais de 30 anos de idade, prevenindo evento cardiovascular fatal ou não fatal; o tratamento do câncer combinado com medidas de rastreamento, o tratamento de asma persistente com inalantes de corticosteroides e agonistas beta-2, dentre outras medidas, que são especificas do setor saúde1.
Consideradas evidências promissoras pela OMS, outro grupo importante de medidas também tem a participação e liderança de outros setores, como as diretrizes nacionais em atividade física que cabem ao Esporte e Saúde, os programas de atividade física para crianças com base na escola, atribuições do setor Educação e Esportes, este último também responsável pelos programas comunitários de atividade física. Os programas de alimentação saudável promovidos pelo setor saúde, em parceria com outros setores e órgãos, e o programa Academia da Saúde, têm estimulado a atividade física6. Os programas de atividade física e alimentação saudável nos locais de trabalho têm participação de atores como o Serviço Social da Indústria (SESI) e Ministério do Trabalho. A construção de ambientes que promovam atividade física conta com a participação dos Ministérios das Cidades e do Esporte, enquanto as informações nutricionais e o aconselhamento em atenção à saúde são feitos pelo setor saúde.
Os estudos de Framingan28,29 sobre os fatores de risco na gênese das doenças cardiovasculares e DCNT, e projetos de intervenção populacional no início da década de 1970, em especial na Finlândia, foram importantes para o avanço das evidências sobre as intervenções populacionais, promovendo mudanças de estilos de vida saudáveis. O primeiro grande projeto de intervenção populacional foi o North Karelia Project, iniciado no ano de 1972, em resposta a alta mortalidade precoce por doenças cardiovasculares entre os moradores do oeste da Finlândia. Os resultados do programa levaram a sua progressiva expansão como modelo de intervenção populacional25.
O projeto dedicou forte ênfase nas evidências sobre os malefícios das gorduras animais no aumento das DCV, o que resultou em legislação especifica para a restrição do teor de óleo vegetal e manteiga dos alimentos industrializados. Nos anos 80 foram aprovadas novas leis que reduziram o percentual de gordura do leite, bem como legislação sobre rotulagem de sal. Na década de 90, avançou-se com legislação abrangente que definiu o máximo teor de sal em certos alimentos e medidas sobre as mensagens obrigatórias nos rótulos dos alimentos industrializados muito salgados. Nos anos 2000 ocorreram decisões para apoiar o consumo de vegetais24,25.
Outras medidas envolveram campanhas na mídia que apoiaram intervenções para redução do tabagismo e controle do colesterol sérico. As campanhas estimularam hábitos de vida e alimentares saudáveis. Além de mudanças articuladas com políticas de saúde, agricultura e indústria e medidas regulatórias. Todas estas ações foram acompanhadas por intensa participação da comunidade e do envolvimento de várias instituições, coalizões com ONGs, colaboração com a mídia, colaboração com escolas, instituições de ensino, indústria, comércio, em intensa colaboração intersetorial24,25.
Na Finlândia foram instituídas importantes medidas no setor saúde, como a melhoria na atenção primária em saúde, serviços de saúde e capacitação dos profissionais de saúde, para atuarem estimulando os pacientes a implementar mudanças nos estilos de vida24,25.
A combinação da forte liderança da saúde, aliada a boa parceria intersetorial, comunidade e mídia, foi fundamental, na medida em que todos os parceiros verificaram a oportunidade de obter benefícios24.
Outro componente essencial do programa finlandês foi o apoio nos estudos de avaliação conduzidos a cada cinco anos, que mostraram que, ao longo do tempo, o projeto foi bem sucedido. Como exemplo, redução dos níveis de colesterol, pressão arterial e as prevalências de tabagismo na população. Com destaque, a redução das taxas de mortalidade por doença cardiovascular, em homens de 35 a 64 anos de idade, decresceram 85% no período de 1970 a 200525.
Outros exemplos mais recentes podem ser vistos na Austrália, onde o programa "Active Austrália" 2005-201031 constituiu um Fórum Intergovernamental Estratégico de Atividade Física e Saúde que, por meio de colaboração com outros setores, passou a desenvolver uma abordagem coordenada e nacional de promoção de atividade física. Foram envolvidos Ministérios (Esporte, Transportes, Planejamento, Meio Ambiente e Saúde), associações locais e ONGs (Associação Governo Australiano local, Instituto de Planejamento da Austrália). Esta parceria em ações para apoiar a atividade física e políticas públicas saudáveis, resultou em definição de códigos de apoio e normas, legislação específica, visando promover e apoiar iniciativas de transporte ativo e iniciativas desportivas, inclusive com incentivos financeiros para o tema da atividade física30.
No Brasil, as ações de controle do tabaco têm sido exitosas e mundialmente reconhecidas pelas ações desencadeadas e resultados obtidos. Dentre as medidas regulatórias, destacamos a proibição da propaganda de cigarros, as advertências sobre o risco de problemas nos maços do produto, proibição de fumo em ambientes coletivos, como transporte coletivo, repartições públicas, dentre outras. O Brasil aderiu à Convenção-Quadro do Controle do Tabaco em 200631 e, em 2011, foi publicada a Lei nº 12.546, de 14/12/2011, e regulamentada pelo Decreto da Presidência da República nº 8.262, de 31 de maio de 2014, que ampliou as advertências nos maços, estabeleceu regras de propaganda nos pontos de venda, aumentou a taxação dos cigarros para 85% e definiu o preço mínimo de venda2,6.
Estas medidas têm resultado em avanços concretos, como a redução do consumo do tabaco no Brasil, de 34,5%, em 1989, para 11,3%, em 2013, além de redução das taxas de doenças cardiovasculares em 30% nas duas últimas décadas e redução do câncer de pulmão em homens6,8,31,32.
O tema das DCNT tem ganhado prioridade progressiva e assumido liderança nas agendas globais, contudo ainda são muitos os desafios no desenvolvimento de políticas que consigam ter respostas efetivas33. Parcerias entre diferentes setores são fundamentais para apoiar as políticas de prevenção de DCNT34, seja na captação de recursos financeiros, fortalecimento de capacidades, como no apoio à pesquisa e defesa de ações de prevenção e controle de doenças não transmissíveis. A implementação da ação intersetorial é um grande desafio em função de inúmeros fatores envolvidos, dentre eles a definição de objetivos comuns a todos os setores, a prioridade da busca da equidade na agenda política, coordenação das ações e a liderança do setor saúde, definição do financiamento, o monitoramento e a prestação de contas e a sustentabilidade das ações35.
Conforme a Declaração de Adelaide, a saúde em todas as políticas deveria incluir: a compreensão das agendas políticas e imperativos administrativos de outros setores; a construção do conhecimento e base de evidências de opções políticas e estratégias; a criação de diálogos regulares com outros setores para a resolução de problemas; a avaliação dos processos e da eficácia do trabalho intersetorial e da política integrada; e a capacitação dos trabalhadores, bem como apoio a agências qualificadas em recursos humanos para apoio ao processo20.
O tema central da prática intersetorial é a definição prioritária na agenda de todos os setores, visando atingir consenso e concordância. Um dos temas centrais é a busca de agenda que priorize a equidade, a redução das iniquidades de gênero35-37.
A busca de consenso e de respostas colaborativas demanda tempo, investimento e diálogo. Assim, sintetizamos alguns pontos que podem apoiar a prática intersetorial e a busca de parcerias:
Para o andamento das ações, deve-se buscar estabelecer mecanismos e processos coordenados para desenvolver e implementar políticas em todos os setores que busquem a equidade e a inclusão social. No tema da DCNT torna-se importante que o setor saúde assuma a articulação do processo, exercendo sua liderança, compromisso político e financiamento sustentável. A coordenação do setor saúde pode articular capacidade e força de trabalho, o que é essencial para o sucesso da ação multissetorial na promoção da saúde e prevenção das DCNT. O avanço da ação intersetorial deve incluir mecanismos de articulação junto aos parceiros (governos, diversos setores, setor privado, ONGs, sociedade civil). Para a coordenação dos diversos setores, a saúde pode estabelecer mecanismos de financiamento e mobilização de recursos, capacitação dos diferentes setores e busca constante de inovação34-40.
Deve ser incentivada a criação de fóruns regulares de negociação para discutir as propostas intersetoriais e os temas de agenda comuns, criando-se uma cultura institucional de parceria e planejamento. Este movimento implica na identificação de problemas dos setores, nomeando-os de forma a identificar problemas comuns e alternativas de solução, que possam ser abordadas de forma compartilhada, ajustando-se prioridades, agendas e soluções comuns. Estas definições passam por inserir o tema na agenda política, envolvendo os dirigentes dos setores no processo decisório36.
A definição de objetivos comuns passa por um processo de negociação, no qual os setores devem expor seus objetivos e ajustar expectativas, verificando-se os objetivos propostos pelo setor saúde são compatíveis com os objetivos de outros setores. A ação intersetorial depende de ganhos e benefícios mútuos, e estas definições envolvem diferentes e complexos domínios políticos na negociação e definição de agendas comuns, estabelecendo-se compromissos e a definição de ação sustentável. Trabalha-se na perspectiva de que todos os setores tenham ganhos e avanços24.
O custo econômico da implementação da política de saúde torna-se cada vez mais elevado, em função da incorporação de tecnologias de forma crescente, implicando em custos crescentes. Avançar no sentido de compartilhar responsabilidade e custos com outros setores pode reduzir este impacto. Além disto, deve-se prosseguir no comprometimento governamental em alocar orçamentos compatíveis para implementar planos de ação nacionais para a prevenção e controle das DCNT.
A ação intersetorial precisa reconhecer a contribuição e o papel importante desempenhado por todos os atores interessados, incluindo os indivíduos, famílias e comunidades, organizações não-governamentais, sociedade civil, organizações religiosas, universidades, meios de comunicação e da indústria, em apoio aos esforços nacionais promoção da saúde e prevenção das DCNT24,36. A participação da sociedade civil é essencial, particularmente as organizações que representam as pessoas portadoras de DCNT e cuidadores, o que avança na democratização do processo, tornando os cidadãos implicados com o mesmo. A garantia da liberdade de expressão e de associação, estimulando a participação da sociedade civil nos Conselhos de Saúde e nas Comissões Locais é outro aspecto crucial.
A participação do setor privado na agenda é um tema sensível, pois ao envolvê-lo devem-se levar em conta os possíveis conflitos de interesse. Este tema já está bem estabelecido junto à indústria do tabaco, e já se tem o consenso de que não existe parceria possível. No caso da indústria de alimentos e bebidas, também os interesses podem ser diametralmente opostos.
No Brasil, alguns exemplos de parceria possível passam pela pactuação com empresas do setor de alimentos, que, conforme referido anteriormente, assinaram com o Ministério da Saúde acordos voluntários para a redução dos teores de sal e gorduras trans dos alimentos. Ainda há que se avançar no monitoramento destes acordos e no comprometimento com novas agendas como, a redução de açúcares, gorduras, dentre outros. Outra pauta fundamental consiste nos mecanismos de regulação da propaganda infantil2,36.
Para a avaliação, monitoramento e prestação de contas torna-se importante a parceria com instituições acadêmicas e de pesquisa40. Deve-se buscar o fortalecimento da capacidade de pesquisa e da ética em pesquisa, ampliando os laços entre a geração de evidências científicas e formulação de políticas e pesquisa. O processo de monitoramento avança no aspecto fundamental de prestação de contas do governo e sua relação com a sociedade civil (organizações de direitos humanos, religiosas, sindicais e organizações voltadas para crianças, jovens, mulheres, pacientes, organizações não governamentais - ONG, setor privado, e outras), dando transparência às ações. Deve-se avançar nos mecanismos de prestação de contas das ações, o que pode se dar com a criação de uma estrutura de monitoramento das metas nacionais e globais de DNCT36,41.
A capacitação dos gestores e trabalhadores dos diferentes setores para a prática intersetorial deve abordar temas como políticas públicas, negociação, advocacy, parcerias, monitoramento e avaliação. O envolvimento das Universidades e o apoio de agências qualificadas em recursos humanos é fundamental para o apoio ao processo39.
Tais aspectos podem contribuir para a sustentabilidade das políticas públicas, e possibilitar que os avanços sejam incorporados pela comunidade, governantes e assimilado como algo positivo e prioritário.
Os desafios para a garantia dos direitos de cidadania e a melhoria da qualidade de vida42,43 e de saúde das populações são imensos e evidências na produção técnico-científica apontam os benefícios de políticas públicas intersetoriais na resposta a temas complexos, em particular o enfrentamento das DCNT30.
A experiência do Brasil e de outros países tem apontado o sucesso de intervenções de saúde pública e promoção da saúde realizadas de maneira integrada com outros setores na redução de iniquidades ou disparidades em saúde1,25,39.
As DCNT tem ganhado projeção nas agendas globais, com destaque para a realização pelas Nações Unidas, em 2011 de Reunião de Alto Nível que desencadeou uma série de compromissos globais, dentre eles o estabelecimento de metas de redução de DCNT e seus fatores de risco33. As DCNT aprofundam as iniquidades sociais e constituem um obstáculo para os esforços na luta contra a pobreza e desigualdade. Por isto atuar nos DSS, de forma intersetorial é fundamental na superação das DCNT.
Para o enfrentamento das DCNT e redução das iniquidades, além da organização do setor saúde para garantir acesso às ações de assistência, promoção, prevenção e vigilância, torna-se essencial articular ações intersetoriais, em especial buscando a redução das iniquidades ou disparidades em saúde34,38. As políticas para o enfrentamento das DCNT devem ser ainda harmonizadas e alinhadas buscando ações integradas e cooperativas.