versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.1 no.3 São Paulo jul./set. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180048
O envelhecimento da população tem levado a um num novo perfil epidemiológico, com o aumento de doenças crônicas e degenerativas. Dentre elas está a doença de Parkinson (DP), que é uma síndrome clínica do sistema nervoso central (SNC), tipicamente associada com a perda de neurônios dopaminérgicos da porção compacta da substância nigra do mesencéfalo. Tal perda acarreta os seguintes sintomas motores: tremores de repouso, bradicinesia, rigidez muscular e instabilidade postural1.
Ela é considerada a segunda doença mais comum entre indivíduos maiores de 60 anos, surgindo 36 mil novos casos por ano no Brasil2,3. Afeta ambos os sexos, mas com maior frequência nos homens e ocorre em todos os países, grupos étnicos e classes socioeconômicas4,5.
A DP é classificada segundo estágios, de acordo com a escala de Hoehn e Yahr6, indicando o estado geral do paciente, classificando-o em estágio leve (I), no qual as pessoas apresentam manifestações unilaterais (tremor, rigidez e bradicinesia) e capacidade para viver de forma independente. Estágio moderado (II e III), no qual os sinais da doença são bilaterais, aliados a possíveis anormalidades da fala, postura fletida e marcha anormal, somados aos distúrbios do equilíbrio, contudo, os pacientes ainda são capazes de viver de forma independente. Os estágios IV e V correspondem às formas mais graves da doença, nas quais os pacientes necessitam de muita ajuda ou estão presos ao leito/cadeira de rodas7.
Esses sintomas podem levar a inúmeras manifestações orofaciais, tais como ausência de expressão facial, com uma face característica em “máscara”; redução da taxa de piscar; tremores na testa, pálpebras, lábios e musculatura da língua. A DP leva a movimentos mandibulares que afetam o ciclo mastigatório, ação importante na fragmentação de alimentos em partículas menores, preparando-as para a deglutição e a digestão. A referida doença também induz a dor orofacial8, sendo essa uma das principais alterações clínicas encontradas na disfunção temporomandibular (DTM).
A DTM é definida como um conjunto de distúrbios articulares e musculares, causada por lesões na morfologia ou funcionalidade do sistema temporomandibular, de etiologia multifatorial e dinâmica9. Suas principais alterações clínicas são dor de cabeça, dor no pescoço, dor na região da articulação temporomandibular (ATM), limitação de abertura da boca, cansaço muscular, desvio da abertura da boca e ruídos articulares10.
Por ser uma doença multifatorial, caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas, existem diferentes instrumentos para a sua avaliação, organizados sob formas de: questionários11, índices anamnésicos12 e clínicos13, e critérios de diagnósticos14. Cada um desses instrumentos apresenta vantagens, desvantagens e limitações, bem como aplicabilidades distintas para uso clínico e do pesquisador.
Com base nessas considerações, o objetivo deste estudo foi analisar os possíveis fatores associados à DTM na DP e verificar a frequência da DTM nessa população a fim de estabelecer estratégias terapêuticas.
Trata-se de um estudo de corte transversal, realizado no período de novembro de 2016 a julho de 2017, em pessoas com DP recrutadas no ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas (HC), em parceria com o Programa de Extensão Pró-Parkinson da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Para definir o tamanho da amostra foram feitos cálculos baseados nos conceitos e fórmulas disponíveis na literatura, utilizando os parâmetros: intervalo de confiança 95%; precisão 5%; alfa 5% e beta 20%.
A proporção esperada de DTM em DP foi 20,33%15. O tamanho considerado da população foi 300 pessoas cadastradas no ambulatório de Neurologia do HC. Como resultado, determinou-se uma amostra de 137 pessoas.
Os critérios de inclusão foram: 1) diagnóstico clínico de DP idiopática nos estágios de 1 a 3 da escala de Hoehn e Yahr; 2) ambos os sexos; 3) sob o efeito do fármaco antiparkinsoniano (fase “on”); 4) pessoas com dentes ou em uso de próteses dentárias; 5) pessoas orientadas e aos cuidados dos familiares.
Os critérios de exclusão foram: 1) pessoas com outras doenças neurológicas associadas à DP; 2) nível cognitivo insatisfatório; 3) pessoas desdentadas em ambos os arcos dentários e 4) que realizaram algum tipo de cirurgia na mandíbula ou cirurgia para a DP.
As variáveis estudadas foram dor, apertamento/rangido noturno, apertamento/rangido diurno, mordida desconfortável/não habitual, rigidez pela manhã e zumbido nos ouvidos foram obtidas por meio de perguntas. Já o estalido e a crepitação foram avaliados através do exame físico encontrado no Critério de Diagnóstico de Pesquisa para Distúrbios Temporomandibulares (RDC/TMD), traduzido e validado para utilização no Brasil14.
Inicialmente, foi realizado o contato com as pessoas com DP do ambulatório de Neurologia do HC/UFPE e passadas as informações sobre a pesquisa. Aos que aceitaram participar foram aplicados os critérios de elegibilidade. Em seguida, eram avaliados com o instrumento RDC/TMD14.
A avaliação iniciava pela triagem cognitiva realizada com o instrumento Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Os pontos de corte dependeram da escolaridade da pessoa: analfabetos/baixa escolaridade - 18 pontos, e 8 anos ou mais de escolaridade - 26 pontos16. Quanto à classificação dos sinais e sintomas da DP foi utilizada a versão original da escala de Hoehn e Yahr6. Essa escala permite a classificação de cada indivíduo em 5 estágios de gravidade: estágio 1 indica incapacidade leve; os estágios 2 e 3 indicam incapacidade moderada e os estágios 4 e 5 indicam incapacidade grave. Os pacientes encontravam-se em fase “on”, ou seja, fazendo uso de fármacos de rotina, levodopa e/ou agonistas dopaminérgicos, conforme prescrição médica.
Os sinais e sintomas da DTM foram avaliados utilizando a versão brasileira do RDC/TMD, que é o padrão-ouro para esse tipo de avaliação. Composto por dois eixos, permitindo uma mensuração de achados físicos no eixo I e a avaliação do status psicossocial no eixo II, incluindo a autopercepção da saúde oral17. O eixo I consiste em um exame clínico intra e extraoral, que envolve a análise dos movimentos mandibulares e dos sons das articulações, bem como a palpação dos pontos dolorosos nos músculos mastigatórios. Já o eixo II consiste em um questionário psicossocial composto por 31 itens. O diagnóstico foi determinado com a ajuda de uma chave de correção baseada em dados de ambos os eixos18.
Os diagnósticos obtidos são divididos em três grupos: grupo I- diagnósticos musculares (dor miofascial com abertura limitada); grupo II- deslocamentos de disco (deslocamento de disco com redução, deslocamento de disco sem redução com abertura limitada, e deslocamento de disco sem redução e sem abertura limitada); e grupo III- artralgia, artrite, artrose (artralgia, osteoartrite e osteoartrose da ATM). Desse modo, um único indivíduo pode apresentar múltiplos diagnósticos18.
No entanto, como regra para o diagnóstico, a um indivíduo poderá ser atribuído no máximo um diagnóstico muscular (grupo I); e no máximo um diagnóstico do grupo II e um do grupo III, para cada lado. Os diagnósticos dentro de qualquer grupo são mutuamente exclusivos. Isso significa que, em princípio, um indivíduo pode receber desde um diagnóstico zero (sem condições diagnosticáveis) até cinco diagnósticos (um diagnóstico muscular, mais um do grupo II e um do grupo III, para cada lado)18.
As avaliações foram realizadas por uma equipe formada por cirurgião-dentista, fisioterapeuta e alunos de graduação e pós-graduação, que passaram por treinamento e nivelamento. Devido às características clínicas da amostra, os questionários foram administrados em formato de entrevista. As perguntas foram sempre lidas na mesma ordem e as opções de resposta para cada pergunta foram apresentadas. Cada participante em potencial recebeu uma breve explicação sobre os objetivos da pesquisa, e os elegíveis passaram pelo questionário.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (CAAE: 59421416.9.0000.5208). Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram utilizadas estatísticas descritivas e contagens de frequência para caracterizar a amostra. Primeiro, a amostra foi estratificada de acordo com o diagnóstico de DTM para estudar a associação conforme as variáveis demográficas (idade, sexo, tempo de doença e evolução da DP). Em segundo lugar, avaliou-se a associação entre cada possível par de variáveis. O odds ratio (OR) do Qui-quadrado (X2) com intervalo de confiança (IC) de 95% foi aplicado à análise e foi utilizado o software Statistica 13.2 com nível de significância de 0,05.
Em relação ao diagnóstico de DTM foram empregadas as análises de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo (VPN) e o grau de concordância por meio do coeficiente de Kappa para avaliar a acurácia das variáveis: estalido, crepitação e dor.
A sensibilidade foi considerada como a capacidade das características clínicas (dor, estalido e crepitação) em identificar corretamente aqueles com DTM; e especificidade foi considerada como a capacidade das variáveis, quando ausentes, de afastarem a DTM. Diferente da sensibilidade e especificidade, o VPP e o VPN dependem da prevalência da disfunção na amostra. O VPP indica a proporção de pessoas com DTM entre os que apresentaram o teste positivo das variáveis; e o VPN é a proporção de sadios (sem DTM) entre os negativos ao teste das variáveis preditoras. Portanto, quanto maior a prevalência da doença na população testada, maior é o VPP e menor o VPN; quanto menor a prevalência da doença na população testada, menor é o VPP e maior o VPN19.
Para avaliar o grau de concordância entre as variáveis estudadas e o diagnóstico de DTM foi aplicado o coeficiente de Kappa, caracterizado como uma medida de associação usada para descrever e testar o grau de concordância (confiabilidade e precisão) na classificação da disfunção. Os diferentes níveis de concordância são: <zero: não existe concordância; zero - 0,20: concordância mínima; 0,21 - 0,40: concordância razoável; 0,41 - 0,60: concordância moderada; 0,61 - 0,80: concordância substancial; 0,81 - 1,0: concordância perfeita20.
Um total de 139 pessoas foram convidadas no setor de Neurologia do HC. Após a exclusão daqueles que não preencheram os critérios de elegibilidade, a amostra final foi composta por 77 indivíduos (Figura 1).
Dos 77 participantes avaliados, 60% eram do sexo masculino com média de idade de 62±9 anos. O tempo médio decorrido desde o diagnóstico da DP foi de 6±4 anos e, de acordo com a escala Hoehn e Yahr, 71% encontrava-se no estágio moderado da DP (Tabela 1).
Tabela 1 Características da amostra
Variáveis | n | Média ± Desvio padrão |
---|---|---|
Idade (anos) | 62±9 | |
Tempo de diagnóstico da DP (anos) | 6±4 | |
Sexo (homem/mulher) | (46/31) | |
Escolaridade (anos) | 8±4 | |
Renda (SM) | 10±11 | |
½ a 1 | 7 | |
1 a 2 | 35 | |
2 a 3 | 12 | |
3 a 5 | 13 | |
5 a 10 | 6 | |
15 a 20 | 1 | |
NI | 3 | |
Hoehn e Yahr | 2±1 | |
Leve (1) | 22 | |
Moderado (2 e 3) | 55 |
DP = doença de Parkinson; SM = salário mínimo; NI = não soube informar.
A frequência de DTM na amostra foi de 30%, o que corresponde a 23 indivíduos que apresentaram sinais e sintomas predisponentes ao aparecimento da disfunção, separados em grupos do RDC/TMD (Figura 2).
Figura 2 A) Frequência de pessoas nos grupos com e sem disfunção temporomandibular; B) Distribuição nos grupos de acordo com as caraterísticas do Critério de Diagnóstico de Pesquisa para Distúrbios Temporomandibulares
A distribuição da associação entre DTM e as variáveis foi em idade, sexo, tempo de doença e evolução da DP e estão expressas na tabela 2. Apesar da maior frequência da desordem no sexo feminino, na idade menor que 60 anos, no tempo de doença menor que 10 anos e no estágio moderado da DP, não houve diferenças significativas para as variáveis estudadas.
Tabela 2 Associação entre disfunção temporomandibular e as variáveis idade, sexo, tempo de doença e estágio da doença de Parkinson
Idade (anos) | Com DTM | Sem DTM | Total | Valor de p=0,077 OR = 0,98 IC95 = 0,85-7,99 |
<60 | 13 | 18 | 31 | |
>60 | 10 | 36 | 46 | |
Total | 23 | 54 | ||
Sexo | Com DTM | Sem DTM | Total | Valor de p=0,207 OR = 2,01 IC95 = 0,66-6,09 |
Feminino | 12 | 19 | 31 | |
Masculino | 11 | 35 | 46 | |
Total | 23 | 54 | ||
TD (anos) | Com DTM | Sem DTM | Total | Valor de p=1,000 OR = 0,993 IC95 = 0,20-5,45 |
1├--┤10 | 20 | 47 | 67 | |
11├--┤20 | 3 | 7 | 10 | |
Total | 23 | 54 | ||
Estágio | Com DTM | Sem DTM | Total | Valor de p=1,000 OR = 0,83 IC95 = 0,24-2,82 |
Leve | 6 | 16 | 22 | |
Moderado | 17 | 38 | 55 | |
Total | 23 | 54 |
TD = tempo de doença; DTM = disfunção temporomandibular; OR = odds ratio; IC = índice de confiança.
As associações entre as variáveis estudadas e a DTM estão expressas na tabela 3. Houve associação significativa com as variáveis dor (p=0,001, OR=10,92, IC95%=2,25-59,93), estalido (p=0,032, OR=3,21, IC95%=1,00-10,4) e crepitação (p=0,004, OR=5,3, IC95%=1,53-18,7).
Tabela 3 Associação entre disfunção temporomandibular com as variáveis estudadas
Dor | Com dor | Sem dor | Total | Valor de p=0,001*
OR=10,92 IC95=2,25-59,93 Kappa=0,33 Sens.=0,39 Esp.=0,90 VPP=75% VPN=78% |
Com DTM | 9 | 14 | 23 | |
Sem DTM | 3 | 51 | 54 | |
Total | 12 | 65 | ||
AN | Com AN | Sem AN | Total | Valor de p=0,14 OR=2,3 IC95=0,68-8,08 |
Com DTM | 8 | 15 | 23 | |
Sem DTM | 10 | 44 | 54 | |
Total | 18 | 59 | ||
AD | Com AD | Sem AD | Total | Valor de p=0,14 OR=2,3 IC95=0,68-8,08 |
Com DTM | 5 | 18 | 23 | |
Sem DTM | 6 | 48 | 54 | |
Total | 11 | 66 | ||
Estalido | Com estalido | Sem estalido | Total | Valor de p=0,032*
OR=3,21 IC95=1,00-10,4 Kappa=0,25 Sens.=0,48 Esp.=0,78 VPP=48% VPN=77% |
Com DTM | 12 | 11 | 23 | |
Sem DTM | 7 | 47 | 54 | |
Total | 19 | 58 | ||
Zumbido | Com zumbido | Sem zumbido | Total | Valor de p=0,80 OR=0,8 IC95=0,26-2,42 |
Com DTM | 9 | 14 | 23 | |
Sem DTM | 24 | 30 | 54 | |
Total | 33 | 44 | ||
Crepitação | Com crepitação | Sem crepitação | Total | Valor de p=0,004*
OR=5,3 IC95=1,53-18,7 Kappa=0,34 Sens.=0,48 Esp.=0,85 VPP=58% VPN=79% |
Com DTM | 9 | 14 | 23 | |
Sem DTM | 5 | 49 | 54 | |
Total | 14 | 63 | ||
MNH | Com MNH | Sem MNH | Total | Valor de p=0,21 OR=2,04 IC95=0,68-6,18 |
Com DTM | 13 | 10 | 23 | |
Sem DTM | 21 | 33 | 54 | |
Total | 34 | 43 | ||
RM | Com RM | Sem RM | Total | Valor de p=0,28 OR=2,22 IC95=0,50-9,71 |
Com DTM | 5 | 18 | 23 | |
Sem DTM | 6 | 48 | 54 | |
Total | 11 | 66 |
DTM = disfunção temporomandibular; AN = apertamento noturno; AD = apertamento diurno; MNH = mastigação não habitual; RM = rigidez matinal; OR = odds ratio; IC = índice de confiança; Sens. = sensibilidade; Esp. = especificidade; VPP = valor preditivo positivo; VPN = valor preditivo negativo;
*p<0,05.
A DTM engloba uma variedade de sinais e sintomas musculares e articulares, caracterizando-se por dor e/ou alteração funcional (disfunção) do sistema estomatognático9. Dentre os estudos de frequência de DTM não existe um consenso entre os autores quanto à presença em idosos. Alguns indicam frequência de sintomas similares entre várias faixas etárias21, outros apontam baixa prevalência em idosos, com incidência maior entre 20 e 45 anos22-24, enquanto que outros têm observado elevada prevalência de DTM em pessoas idosas23,25. Nesta pesquisa, não foram encontrados dados significativos quanto à associação entre a idade e a presença de DTM. No entanto, foi observada maior frequência em pessoas não idosas, com média de idade de 52 anos, corroborando pesquisa de Guarda-Nardini et al.26 que observaram um pico da frequência de DTM na idade em torno dos 52 anos.
A frequência de DTM em pessoas com DP na presente amostra foi de 30%, e mesmo não sendo encontrada uma associação significativa entre possuir a disfunção e o sexo, a maior frequência foi verificada nas mulheres. Esse resultado corrobora um recente estudo que avaliou a presença da disfunção em 42 pessoas com DP e encontrou frequência de 23,08% maior nas mulheres27. Isso é decorrente do fato de as mulheres apresentarem uma flacidez generalizada dos tecidos, aumento dos níveis de estrógenos, tornando, assim, as articulações mais flexíveis e frouxas28.
Bakke et al.29 observaram que as funções orofaciais dos indivíduos com DP podem estar comprometidas devido à gravidade dos sintomas motores, que também podem exercer uma influência sobre a ocorrência de DTM nessa população. O que corrobora os resultados desta pesquisa que observou um aumento na frequência da DTM de acordo com o estágio da doença, embora não tenha encontrado associação significativa. O tempo de diagnóstico da doença mostrou não ter associação com a presença da disfunção na população estudada. Porém, não foram encontrados estudos na literatura que tenham realizado similar associação entre essas variáveis para discussão.
A média em anos de escolaridade mostra que os sujeitos do estudo se encontram no ensino fundamental, com renda de 1 a 2 salários mínimos por mês. Tal característica enquadra a amostra no grupo de pessoas que apresentam maior probabilidade de serem diagnosticadas com DTM, tendo em vista que ao investigarem a correlação entre os dados sociodemográficos e a presença da disfunção em idosos não institucionalizados, os pesquisadores encontraram correlação significativa para sexo, escolaridade e renda30,31.
As variáveis dor, estalido, crepitação, apertamento/rangido noturno, apertamento/rangido diurno, mordida desconfortável/não habitual, rigidez pela manhã e zumbido nos ouvidos foram avaliadas quanto à sensibilidade, que indica a capacidade do teste diagnóstico de identificar corretamente os pacientes. Quanto à especificidade, que é caracterizada como a capacidade de identificação dos sadios, é um teste útil quando se pretende confirmar um diagnóstico que é sugerido por testes menos específicos19.
Os valores obtidos de sensibilidade foram menores para as variáveis estudadas em comparação com a especificidade (dor=94%, estalido=78% e crepitação=85%), sendo capazes de informar que aqueles que não apresentarem essas variáveis no teste diagnóstico, não serão classificados nos grupos da DTM. Devido à baixa frequência de DTM na amostra, o VPN (dor=78%, estalido=77% e crepitação=79%) obteve índices maiores para as variáveis estudadas em relação ao VPP, expressando maior probabilidade de uma pessoa com o teste negativo para dor, estalido e crepitação não ter a DTM. No entanto, apesar da literatura descrever que apertamento/rangido noturno, apertamento/rangido diurno, mordida desconfortável/não habitual, rigidez pela manhã e zumbido nos ouvidos são fatores associados à DTM32-35, nesta pesquisa não foi observada essa correlação.
A dor foi avaliada através do autorrelato obtido a partir da questão 3 do eixo II do questionário RDC/TMD: “Você sentiu dor na face, em locais como na região das bochechas (maxilares), nos lados da cabeça, na frente do ouvido ou no ouvido, nas últimas 4 semanas”? Foi observada associação significativa com DTM (OR=10,92, IC95%=2,25-59,93). Portanto, aqueles que apresentam dor têm 10,92 vezes maior chance de ter a disfunção. Essa variável obteve concordância razoável (Kappa=0,38) quanto a classificar a amostra com a disfunção.
Dantas et al.36, ao avaliarem pessoas na faixa etária de 41 a 60 anos, atendidos no Serviço de Controle da Dor Orofacial, observaram que a queixa principal na ATM era a dor (44%). Além disso, Torres, Campos e Fillipini10 também avaliaram a principal alteração clínica encontrada na DTM e observaram que é a dor na região da ATM e a dor muscular, seguidas de cansaço, limitação da abertura da boca, desvio da abertura e ruídos articulares. Esses dados não corroboram os achados desta pesquisa, que ao classificar a amostra com DTM nos grupos do RDC/TMD, não obteve como queixa principal a dor (30% - grupo I).
O estalido e a crepitação foram avaliados através do exame físico encontrado no eixo I, durante a abertura e fechamento em máxima intercuspidação habitual, no qual um ruído articular (estalo ou crepito) seja reprodutível em dois de três movimentos executados na mandíbula37. Observou-se associação significativa entre apresentar um estalo na ATM com a presença de DTM (OR=3,21, IC95%=1,00-10,37). Sendo assim, pessoas que apresentam estalido têm 3,21 vezes maior chance de ter a DTM em comparação com quem não apresenta esse sinal. Essa variável apresentou fraca precisão (Kappa=0,25) na classificação da disfunção, não corroborando estudos38,39 que, ao avaliarem os sons da ATM com a morfologia da articulação, confirmaram que estalidos e crepitações podem estar correlacionados aos sinais de morfologia anormal das articulações.
Além disso, o Grupo-II do RDC/TMD (deslocamento do disco), caracterizado com a presença do estalido, obteve maior porcentagem (39%) na amostra, corroborando estudos que, ao avaliarem a prevalência de sinais e sintomas de DTM em adultos40 e idosos25, observaram que a percepção de ruídos articulares na ATM representou 71,5 e 38%, respectivamente. No entanto, tais estudos não esclarecem que ruídos foram observados. Além disso, não foram encontradas pesquisas que avaliassem a temática em pessoas com DP.
A crepitação apresentou associação significativa com a DTM (OR=5,3, IC95%=1,53-18,7). Portanto, pessoas que apresentam crepitação têm 5,3 vezes maior chance de ter a DTM. Essa variável apresentou confiabilidade razoável (Kappa=0,34) na classificação da disfunção, corroborando o estudo de Guarda-Nardini et al.26, que avaliaram as diferenças relacionadas com a idade no diagnóstico de transtorno temporomandibular e observaram que, com o aumento da idade, o sintoma da DTM mais presente é a crepitação, obtendo valor médio de 27,03% para idade entre 38 e 56 anos, e 23% para acima de 56 anos. Esse achado também está de acordo com a porcentagem de 30% encontrada nesta pesquisa para o Grupo III do RDC: artralgia, artrite e artrose, que é caracterizada pela presença da crepitação.
O presente estudo possuiu as limitações próprias de um estudo transversal, que apenas permite a criação de associação, e não permite conclusões sobre casualidade, além do fato de não alcançar o n amostral calculado. Assim, trabalhos futuros devem ser redigidos com o n total para a obtenção de resultados significativos com outras variáveis, bem como estudos longitudinais devem ser realizados para determinar as relações de causa e efeito entre a DP e DTM.
Verificou-se que a frequência da DTM na amostra foi de 30% e que os fatores associados foram: dor, estalido e crepitação. Esses dados ajudam na busca de melhores estratégias terapêuticas para a população estudada.