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Dor lombar intensa em gestantes do extremo Sul do Brasil

Dor lombar intensa em gestantes do extremo Sul do Brasil

Autores:

Vlanice Madruga Duarte,
Rodrigo Dalke Meucci,
Juraci Almeida Cesar

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.8 Rio de Janeiro ago. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018238.22562016

Abstract

The scope off this article is to assess the prevalence and identify associated factors with severe low back pain (LBP) during pregnancy among mothers living in Rio Grande, in the south of Brazil, in 2013. A standardized questionnaire was applied by trained interviewers within 48 hours after delivery. Multivariate analysis was carried out using Poisson regression. The prevalence ratio was the effect measure used. Among the 2,685 pregnant women enrolled in the study, 51.2% reported LBP and 27.3% reported severe LBP, which was more likely to occur among adolescents, with overweight/obese individuals, former smokers and those who practiced physical activity during pregnancy. Among those with severe LBP, 29.2%, 37.3% and 33.3% reported limitations for daily activities at home, had to seek medical care and had to miss work due to this problem, respectively. The prevalence of severe LBP during pregnancy is high and its impact for daily life and health services is concerning. The management of LBP should be part of routine pre-natal consultation.

Key words: Low back pain; Prevalence; Pregnancy

Introdução

A dor lombar gestacional (DLG) é a principal queixa de desconforto musculoesquelético durante a gestação e está diretamente relacionada à funcionalidade e à qualidade de vida das gestantes1. Juntamente com a dor da cintura pélvica, tem impactos negativos à qualidade de vida no período gestacional e puerperal podendo, inclusive, cronificar. Existem relatos dos impactos econômicos decorrentes do absenteísmo causado pela DLG2.

Entre os principais causadores de DLG estão as alterações fisiológicas inerentes ao período gestacional, tais como mudanças dos níveis hormonais de relaxina, estrogênio e progesterona. O aumento da flexibilidade articular, o alargamento da sínfise púbica e a acentuação da inclinação pélvica resultam em alterações biomecânicas que levam à adoção de posturas compensatórias que sobrecarregam a coluna lombar, predispondo ao surgimento da dor3.

A literatura indica que a DLG é um problema universal de prevalência variável conforme a definição do desfecho2,4. Estudos de base populacional conduzidos na Noruega, Estados Unidos e Espanha mostram prevalências de 51%, 68% e 71%, respectivamente5-7. Entretanto, um estudo que mensurou a severidade da dor estimou uma prevalência de DL intensa de 25%8-10. No Brasil, as estimativas da ocorrência deste desfecho são provenientes de estudos com amostras de conveniência e número reduzido de participantes11-13, o que evidencia a carência de estimativas sobre este tema no país.

A literatura mostra que trabalho extenuante e história prévia de dor lombar ou de dor na cintura pélvica são importantes preditores da ocorrência da DLG2. Além disso, fatores demográficos, socioeconômicos, reprodutivos e comportamentais também estão associados à DLG, a qual é mais frequente entre mulheres de cor da pele preta, que trabalham fora de casa, com nível intermediário de escolaridade, de maior paridade, maior Índice de Massa Corporal (IMC) e que praticam atividade física irregular5-7,10,14.

Apesar de ser altamente prevalente e de levar à limitação das atividades de vida diária, a DLG, sobretudo a DL intensa, é pouco avaliada em estudos de base populacional de países de média e baixa renda. O presente estudo tem por objetivos: medir a prevalência e identificar os fatores associados à DL intensa entre parturientes de Rio Grande no ano de 2013; e, descrever a proporção de parturientes com DL intensa que deixaram de realizar as lidas da casa, faltar ao trabalho e procurar por um profissional médico.

Metodologia

Estudo de delineamento transversal realizado em Rio Grande, município localizado no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul. Os dados apresentados foram coletados no ano de 2013 e fazem parte de um estudo mais amplo intitulado “Estudo Perinatal de Rio Grande, RS” que busca, a cada triênio, avaliar a qualidade da assistência à gestação e ao parto oferecida no município.

Foram incluídas neste estudo todas as parturientes residentes em área rural ou urbana deste município, cujo parto tenha ocorrido em uma das duas únicas maternidades locais (Hospital Universitário da FURG e Santa Casa de Misericórdia) entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2013. Mulheres que tiveram filhos com peso ao nascer inferior a 500g e/ou que nasceram antes das 20 semanas de gestação foram consideradas inelegíveis15.

O número de parturientes incluídas neste estudo (2.685) é suficiente para avaliar uma prevalência estimada de DL intensa de 25%, a um nível de confiança de 95%, margem de erro de 2 pontos percentuais e acréscimo de 10% para eventuais perdas. Para estudo dos fatores associados ao desfecho, houve poder estatístico mínimo de 80% para examinar a associação do desfecho com as variáveis independentes de interesse, considerando erro alfa de 0,05, razão expostos/não expostos de 1 para 5, prevalência de doença nos não expostos de 20% e razão de riscos de 1,5.

A coleta das informações ocorreu por meio de questionário padrão pré-codificado aplicado por entrevistadoras previamente treinadas que visitavam diariamente as maternidades e as enfermarias dos serviços de obstetrícia destes dois hospitais. Ao encontrar alguma parturiente proveniente do município de Rio Grande, a entrevistadora a convidava a participar do estudo. Àquelas que aceitaram participar do estudo, foi aplicado o termo de consentimento livre e esclarecido. O questionário buscava informações sobre características demográficas (idade, cor da pele, se vive ou não com companheiro), socioeconômicas (escolaridade, se realiza trabalho remunerado e renda mensal no mês anterior à entrevista), comportamentais (prática de atividade física durante a gestação e tabagismo (nunca fumou, ex-fumante, fumante), nutricionais (índice de massa corporal – IMC no início da gestação) e história reprodutiva (paridade, realização de cesarianas prévias e peso ao nascer do filho).

A DL foi caracterizada através da aplicação de uma versão modificada do questionário Nórdico16. As parturientes que afirmaram ter tido dor nas costas no último ano eram orientadas a apontar a localização exata da dor em uma figura humana de costas com as regiões cervical, torácica e lombar da coluna vertebral, cada uma delas identificadas por uma cor17,18. As parturientes que apontaram para a região lombar, área indicada na cor vermelha, foram consideradas como tendo dor lombar. Se esta dor teve início durante a gestação, ficava estabelecido o diagnóstico de dor lombar gestacional.

Para investigação da intensidade da DL utilizou-se a escala visual analógica para dor, na qual as parturientes atribuíram uma nota entre 0 e 10, considerando 0 “sem dor” e 10 a pior dor possível. Foram considerados casos de DL intensa as parturientes que atribuíram notas entre 7 a 10 para a DLG9.

A análise dos dados foi realizada no pacote estatístico Stata 11. Inicialmente procedeu-se a análise descritiva estratificada segundo o nível de DL para cada variável de interesse utilizando o teste qui-quadrado de heterogeneidade para comparação de proporções. Em seguida, foram realizadas as análises necessárias para calcular a prevalência e examinar os fatores associados à DL intensa entre parturientes com DLG. Foram realizados os cálculos das razões de prevalência (RP) com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%) através regressão de Poisson bruta e ajustada com variância robusta. A significância estatística das associações foi avaliada através dos testes Wald heterogeneidade para variáveis dicotômicas/politômicas ou de tendência linear para variáveis ordinais. Foram levadas para a análise ajustada as variáveis independentes que apresentaram valor p de significância estatística < 0,2 na análise bruta.

A análise ajustada foi realizada obedecendo a um modelo hierárquico previamente definido com três níveis19. No primeiro nível, mais distal, foram incluídas variáveis demográficas da mãe (idade, cor da pele autorreferida, estado civil, escolaridade) e socioeconômica da família (quartil de renda familiar e trabalho durante a gravidez). No segundo, características comportamentais e nutricionais (tabagismo, exercício físico na gestação e IMC antes de engravidar), e no terceiro, variáveis relativas à história obstétrica (paridade, número de cesarianas prévias, peso ao nascer do filho). Mantiveram-se no modelo as variáveis com p-valor < 0,20, sendo consideradas associadas aquelas com p-valor < 0,05.

Para avaliar a limitação por DL intensa, foi realizada análise comparativa entre as parturientes com e sem DL intensa, (nota para dor lombar ≥ 7 e ≤ 6) em relação às variáveis “deixar de fazer as lidas da casa”, ‘faltar ao trabalho” e “procurar por médico”.

O projeto Perinatal 2013 foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (CEPAS/FURG) e pelo CEPAS da Irmandade Santa Casa de Rio Grande. Todas as participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Foi garantida a confidencialidade das informações prestadas e a possibilidade de deixar o estudo a qualquer momento.

Resultados

O presente estudo incluiu 2685 parturientes, sendo que metade (50,5%) tinha entre 20 e 29 anos de idade, 66,2% eram de cor da pele branca, 85,8% viviam com companheiro, 44,7% tinham entre 9 e 11 anos completos de escolaridade e 43,6% delas trabalharam fora de casa durante a gestação. Cerca de 17% eram obesas no período pré-gestacional, 23,8% já haviam passado por pelo menos uma cesariana, 16,3% eram fumantes e 67,5% não praticaram atividade física durante a gestação (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição das parturientes que tiveram filho no município de Rio Grande, RS, em 2013. 

Variável N Percentual
Idade materna (anos)
13-19 464 17,3%
20-29 1355 50,5%
30 ou mais 866 32,2%
Cor da pele (auto-referida)
Branca 1776 66,2%
Parda 597 22,2%
Preta 312 11,6%
Viviam com companheiro
Não 382 14,2%
Sim 2303 85,8%
Escolaridade Materna (anos)
1-4 162 6,0%
5-8 902 33,6%
9-11 1201 44,7%
12 ou mais 420 15,7%
Quartil de renda familiar
1º (pior) 680 25,3%
693 25,8%
641 23,9%
4º (melhor) 671 25,0%
Trabalhou durante a gravidez
Não 1513 56,4%
Sim 1172 43,6%
Paridade
Nenhum 1271 47,3%
Um 795 29,6%
Dois ou mais 619 23,1%
Índice de Massa corporal antes de engravidar (n-2316)
Baixo 132 5,7%
Normal 1150 49,6%
Sobrepeso 645 27,9%
Obesidade 389 16,8%
Peso ao nascer do filho (g)
Menor 2500 260 9,7%
2500-3000 626 23,3%
3000-3999 1654 61,6%
Mais de 4000 145 5,4%
Ocorrência prévia de cesariana
Não 2044 76,2%
Sim 639 23,8%
Paridade
Nenhuma 1271 47,3%
Uma 795 29,6%
Duas ou mais 619 23,1%
Tabagismo
Não 1925 71,7%
Ex-fumante 321 12,0%
Fumante 439 16,3%
Fazia exercício físico na gestação 873 32,5%
Prevalência de dor lombar gestacional 1375 51,2%
Prevalência de dor lombar intensa 732 27,3%

As prevalências de DLG e de DL intensa foram respectivamente de 51,2% e 27,3%. De acordo com a análise bivariada, a prevalência de DL intensa foi maior nas parturientes com 13-19 anos e naquelas com 5 a 8 anos de escolaridade (Tabela 2). Mulheres com IMC baixo tiveram uma prevalência significativamente menor de DL intensa em relação às eutróficas, com sobrepeso e obesas. Ex-fumantes, assim como mulheres que praticaram atividade física durante a gestação tiveram maior prevalência do desfecho em relação aos seus grupos de comparação (Tabela 2). Não houve diferença estatisticamente significativa nas proporções de parturientes com DL intensa para as variáveis cor da pele, estado civil, renda, trabalho durante a gestação, paridade e número de cesarianas prévias (Tabela 2).

Tabela 2 Prevalência e fatores associados à dor lombar intensa no período gestacional entre parturientes. Rio Grande, RS, 2013. (n = 2683) 

Nível Variável Prevalência de dor lombar intensa na gestação Razão de prevalências e IC95%

Bruta Ajustada
I Idade (anos) < 0,002** < 0,020**
13-19 30,2% 1,30 (1,08-1,56) 1,23(1,01-1,50)
20-29 28,9% 1,24 (1,07-1,44) 1,22(1,05-1,41)
30 ou mais 23,2% 1,00 1,00
Cor da pele (auto-referida) 0, 502***
Branca 26,7% 1,00
Parda 29,2% 1,09 (0,94-1,26) -
Preta 27,0% 1,01 (0,83-1,23) -
Vive com companheiro 0,445***
Não 25,7% 1,00
Sim 27,6% 1,08(0,89-1,30)
Escolaridade materna (anos) 0,036*** 0,160
1-4 21,0% 1,00 1,00
5-8 30,2% 1,44 (1,05-1,97) 1,38(1,00-1,89)
9-11 26,9% 1,28 (0,94-1,75) 1,26(0,92-1,72)
12 ou mais 24,5% 1,17 (0,83-1,65) 1,20(0,85-1,69)
Quartil de renda familiar 0,440**
1º (pior) 25,9% 1,00
26,6% 1,02 (0,86-1,22)
30,1% 1,16 (0,98-1,38)
4º (melhor) 26,7% 1,03 (0,86-1,23)
Trabalhou durante a gravidez 0,33***
Não 28,0% 1,00
Sim 26,3% 0,94 (0,83-1,06)
II IMC antes de engravidar* 0,030** 0,001**
Baixo 16,7% 1.00 1.00
Normal 26,8% 1,61 (1,08-2,38) 1,69(1,15-2,50)
Sobrepeso 29,0% 1,74 (1,17-2,60) 1,92(1,29-2,85)
Obesidade 28,8% 1,73 (1,14-2,61) 2,00(1,33-3,02)
Tabagismo 0,064*** 0,040***
Não 26,9% 1,00 1,00
Ex-fumante 32,4% 1,21 (1,01-1,44) 1,22(1,02-1,47)
Fumante 25,3% 0,94 (0,79-1,13) 0,91(0,74-1,11)
Exercício físico na gestação 0,025*** 0,012
Não 26,0% 1,00 1,00
Sim 30,1% 1,16 (1,02-1,32) 1,19(1,04-1,37)
III Paridade 0,240**
Nenhum 28,1% 1,00
Um 27,5% 0,90 (0,77-1,06)
Dois ou mais 25,4% 0,98 (0,85-1,13)
Número de cesarianas prévias 0,660***
Nenhuma 27,1% 1,00
Uma ou mais 27,9% 1,03 (0,90-1,19)
Peso ao nascer do filho (g) 0,020** 0,300**
Menor 2500 26,5% 1,00 1,00
2500-3000 22,4% 0,84 (0,66-1,08) 0,78(0,60-1,02)
3000-3999 29,0% 1,09 (0,88-1,36) 0,97(0,77-1,22)
Mais de 4000 30,3% 1,14(0,83-1,57) 0,99(0,69-1,40)

*369 indivíduos sem informação ** Teste Wald de tendência linear *** Teste Wald de heterogeneidade.

Em relação à análise ajustada, as RP para mães com 13-19 e 20-29 anos de idade foram respectivamente de 1,23 (IC95% 1,01-1,50) e 1,22 (IC95% 1,05-1,41) em relação àquelas com 30 anos ou mais. Mães eutróficas RP 1,69 (IC95% 1,15-2,50), com sobrepeso RP 1,92 (IC95% 1,29-2,85) e obesidade RP 2,00 (IC95% 1,33-3,02) anteriormente à gestação apresentaram maior risco de DL intensa em relação às que tinham baixo peso. Ex-fumantes RP 1,22 (IC95% 1,02-1,47) e parturientes que praticaram atividade física na gestação RP 1,19 (IC95% 1,04-1,37) tiveram maior risco para o desfecho em relação aos grupos de comparação. As variáveis escolaridade e peso ao nascer do filho não mantiveram associação com o desfecho na análise ajustada (Tabela 2).

Entre as parturientes que tiveram DL intensa durante a gestação, 29,2%, 37,3% e 33,3% tiveram que deixar de fazer as lidas da casa, faltar ao trabalho e procurar um médico devido à DL, respectivamente. Entre aquelas sem DL intensa, estas proporções foram respectivamente de 9,1%, 11,0% e 16,1% (Figura 1).

Figura 1 Limitações e procura por atendimento médico em gestantes de acordo com a intensidade dos sintomas: dor lombar gestacional (nota < 7) e dor lombar intensa (nota ≥ 7). Rio Grande, RS, 2013. 

Discussão

De acordo com os resultados deste estudo, 51,2% das entrevistadas tiveram DLG durante a gestação e 27,3% relataram DL intensa. Parturientes adolescentes, que tinham IMC normal/sobrepeso/obesidade, ex-fumantes e que praticaram atividade física na gestação apresentaram maior risco para DL intensa. Além disso, parturientes com DL intensa tiveram maior limitação para as lidas da casa, maior absenteísmo e maior procura por médico do que os casos de DL não intensa.

A alta prevalência de DL intensa é semelhante à encontrada na literatura8 e pode ser considerada um achado preocupante, uma vez que sintomas mais severos resultam em maior limitação na realização das atividades de vida diária e aumentam o risco de cronificação após o parto1.

Uma proporção significativa das mulheres com sintomas mais severos deixou de fazer as lidas da casa e faltou ao trabalho, concordando com a literatura que mostra que 8% das gestantes com DL fica com alguma incapacidade2,8,20. Entretanto, apenas um terço das mulheres com DL intensa procurou um médico, o que pode ser decorrente do fato de que tanto gestantes quanto profissionais de saúde tendem a minimizar os sintomas e as limitações por considerarem a DL normal para o período3. Além disso, a literatura relata que existe falta de conhecimento sobre quais são as formas eficazes de tratamento que não impliquem em ameaça à gestante e ao desenvolvimento do feto2.

O maior risco de DL intensa em adolescentes e mulheres entre 20-29 anos tem consistência com um dos estudos identificados, embora este não tenha avaliado a severidade da dor7. A sobrecarga na coluna lombar, juntamente com as alterações fisiológicas das estruturas musculoesqueléticas da região lombo pélvica, pode ter maior impacto nas gestantes de menor idade, especialmente nas adolescentes, que ainda estão em fase de crescimento. Embora a associação entre menor idade e DL gestacional seja controversa por serem mais comuns resultados apontando para maior prevalência entre gestantes de maior idade1, a maioria dos estudos não avaliam a gravidade dos sintomas.

O aumento do risco de DL intensa na medida em que aumenta o IMC pré-gestacional pode ter relação com o fato de que sobrepeso/obesidade são associados à DL na população em geral21. De acordo com a literatura, o aumento do peso corporal resulta em maior sobrecarga às estruturas ósteo-músculo-ligamentares da região lombar, predispondo ao aparecimento de sintomas no período pré-gestacional. Na gestação, estes sintomas podem ser agravados devido ao aumento ainda maior dessa sobrecarga em decorrência das alterações fisiológicas da região lombo-pélvica. Além disso, existem evidências de que mulheres com DL prévia têm maior risco de desenvolver DLG2.

Na população geral, fumantes e ex-fumantes tem maior prevalência de DL em relação a não fumantes22, embora esta associação não seja unânime em gestantes.4 Neste estudo foi avaliado um desfecho de maior severidade, o que não ocorre na maioria dos estudos sobre DLG, de forma que os efeitos do tabagismo em ex-fumantes podem ter resultado em dores mais intensas devido à ação da nicotina sobre os receptores algógenos do cérebro22. Entretanto, a ausência de efeito sobre gestantes fumantes limita esta inferência e sugere a necessidade de avaliar com mais detalhes os efeitos do tabagismo sobre a DLG.

O maior risco de DL intensa entre as mulheres que fizeram exercício físico na gestação contraria alguns relatos de que gestantes submetidas à atividade física têm menos DL ou menos incapacidade devido à DLG5,23,24. Entretanto, um estudo de meta-análise mostra que há pouca evidência de que exercícios na gestação previnam a DLG, bem como reduzam os níveis de dor25. Além disso, o delineamento transversal não permite estabelecer a relação temporal entre a exposição e o desfecho. Isso ocorre porque gestantes com DL intensa podem ter sido orientadas a praticar atividade física na busca pelo alívio dos sintomas26, modificando assim seu status de exposição em decorrência do desfecho, resultando em causalidade reversa26.

Uma limitação que pode ter afetado este estudo diz respeito à definição do desfecho e a não diferenciação entre DL, dor na cintura pélvica e dor na sínfise púbica. Estas dores se sobrepõem no período gestacional, o que pode ter resultado em erro de classificação para algumas parturientes, superestimando a ocorrência do desfecho. O uso da ilustração de uma figura humana mostrando as diversas regiões das costas, dentre as quais a região lombar, está de acordo com um consenso que busca padronizar os estudos sobre dor lombar em nível populacional, e que a caracteriza como aquela dor que se inicia abaixo da 12ª costela e se estende até a prega glútea inferior27. No entanto, para estudo da DL em gestantes, é preciso melhorar a caracterização do desfecho de forma a discernir apropriadamente dois desfechos distintos, ou seja, a DL gestacional e a dor da cintura pélvica8.

Este estudo avaliou a prevalência e os fatores associados à DL gestacional intensa em 2013 no município de Rio Grande. Nenhum outro estudo com igual representatividade, abrangência e baixo número de perdas – incluiu 97% de todas as gentes de um município de porte médio – foi encontrado para esta população alvo no país.

Desta forma, os resultados aqui apresentados são relevantes por mostrarem que a DL intensa tem alta prevalência e traz limitações importantes às atividades de vida diária das gestantes, bem como identifica as mulheres mais vulneráveis a esta condição. Isso evidencia a necessidade de que os profissionais de saúde estejam atentos à presença de sintomas musculoesqueléticos na gestação, sobretudo, a dor lombar, e que devem considerar a abordagem deste problema durante as consultas de rotina do pré-natal.

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