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Dose vocal em professores: correlação com a presença de disfonia

Dose vocal em professores: correlação com a presença de disfonia

Autores:

Ana Cristina Côrtes Gama,
Juliana Nunes Santos,
Elisângela de Fátima Pereira Pedra,
Alessandra Terra Vasconcelos Rabelo,
Max de Castro Magalhães,
Estevam Barbosa de Las Casas

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.2 São Paulo mar./abr. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015156

INTRODUÇÃO

Professores são profissionais com alta prevalência de disfonia, e a literatura descreve como principais fatores de risco as longas jornadas de trabalho em salas de aula inapropriadas, com presença de ruído ambiental e poeira de giz(1,2).

O cálculo da dose vocal em professores foi analisado em pesquisas que objetivaram compreender o uso da voz nessa classe profissional(3,4). Autores concluíram que professores possuem o dobro do tempo de fonação quando comparados a não profissionais da voz(3) e que a presença de queixa de disfonia aumenta a dose vocal de professores(4).

O dosímetro é um aparelho portátil que mede dados relacionados à produção vocal, armazenando-os por um determinado período de tempo(5,6). O tempo de coleta dos dados fonatórios pode variar, chegando a até 24 horas, e para coleta dos dados utiliza-se um acelerômetro, que mede a vibração da pele, e um microfone. Os dados acústicos coletados também dependem do equipamento, mas normalmente mensuram frequência fundamental (F0), intensidade da voz e dose vocal(7).

A dose vocal pode ser conceituada como a quantidade de exposição do tecido das pregas vocais (PPVV) à vibração ao longo do tempo(8). São vários os tipos de dose vocal descritos na literatura, os mais comuns são: 1. Dose temporal: Quantifica o tempo total de vibração das PPVV durante a fala e é medida em segundos; 2. Dose cíclica: Quantifica o número de oscilações das PPVV no tempo e é medida em número de ciclos; 3. Dose da distância: É a distância total percorrida pelas PPVV na trajetória cíclica durante a vibração, dependendo do tempo de fonação, da F0 e da intensidade e é medida em metros(5).

Esta pesquisa teve como objetivo calcular o tempo de fonação e a dose cíclica de professoras com disfonia e de professoras sem alteração de voz durante a atividade letiva.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo piloto do tipo observacional analítico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP 0531/2011).

Foram selecionados dois grupos para a pesquisa: grupo de professoras disfônicas (G1), constituído por cinco mulheres com queixa de alteração vocal, diagnóstico fonoaudiológico de disfonia funcional e presença de fenda triangular média posterior no exame otorrinolaringológico, com idade entre 35 e 50 anos ( X ¯ = 45,2); e grupo de professoras sem queixa vocal (G2), constituído por cinco mulheres sem queixa de voz e de alteração vocal, analisadas por meio de avaliação fonoaudiológica, com idade entre 35 e 50 anos ( X¯ = 43,8). Não houve diferença de idade entre os grupos (p = 0,50). Todas eram professoras de uma escola municipal e ministravam aulas para o ensino fundamental.

Como critérios de exclusão para os dois grupos foram considerados ter realizado tratamento fonoaudiológico prévio, ser fumante, possuir queixa de distúrbio neurológico, auditivo ou pulmonar e estar grávida no período da coleta dos dados.

As coletas foram realizadas na própria escola em que as professoras lecionavam, todas no início da manhã, durante a primeira atividade letiva, por um período contínuo de 40 minutos de aula.

Para a coleta dos dados foi utilizado o dosímetro desenvolvido pela Universidade de Linköpings, da Suécia, marca VoxLog®, da Sonvox, modelo 3.1, composto por um microfone, um acelerômetro e uma unidade portátil que armazenou os dados vocais. O acelerômetro foi colocado na região do pescoço, próximo à cartilagem tireoidea e fixado por fita adesiva. Os dados coletados foram analisados no computador por meio de software específico do equipamento, composto pelos seguintes parâmetros:

    -. Intensidade: Foi captada por microfone e medida em dB (NPS).

    -. Frequência fundamental (F0): Foi captada por acelerômetro e estimada através da Fast Fourier Transform (FFT)(6).

    -. Tempo de fonação: É a porcentagem do tempo de gravação em que as PPVV estiveram em vibração, medida em porcentagem(9). Foi captado pelo acelerômetro.

    -. Dose cíclica: Definida como a quantidade total de períodos oscilatórios completos realizados pelas PPVV em um determinado intervalo de tempo. Foi captada pelo acelerômetro e obtida pela seguinte equação(6):

    Dc= 0tmKv F0 dt ciclos (1)

em que kv é 1 para presença de voz e 0 (zero) para ausência de voz, e F0 é a frequência fundamental em Hz. Como o número de ciclos é muito alto, esse parâmetro é adaptado para medir a dose em unidade de mil ciclos.

Para a análise estatística foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalidade da amostra. Para comparação dos parâmetros vocais entre os grupos foram utilizados os testes Anova e T de Student, para as variáveis com distribuição normal, e o teste Kruskal-Wallis, para as variáveis não paramétricas (intensidade vocal e idade).

RESULTADOS

O tempo de fonação e a dose cíclica foram maiores no grupo de professores disfônicos (G1) (Tabela 1).

Tabela 1 Análise dos parâmetros vocais nos dois grupos estudados 

Parâmetro G1 G2 Valor p
Média DP Mín Máx Média DP Mín Máx
Frequência fundamental 288,6 17,7 267,2 307,4 304,9 47,5 260,5 382,3 0,12
Intensidade vocal 92,2 1,8 90,2 94,7 92,6 3,3 87,2 95,5 0,23
Tempo de fonação 30,7 7,6 20,2 40,7 23,9 6,9 17,7 34,6 0,00*
Dose cíclica 238,1 76,9 148,2 341,8 188,8 87,7 116,4 333,5 0,02*

G1 - Grupo de professoras disfônicas; G2 - Grupo de professoras sem alteração de voz; DP - Desvio padrão

*Estatisticamente significante

DISCUSSÃO

A F0 e a intensidade foram semelhantes nos dois grupos estudados. Pesquisas mostram que a F0 e a intensidade entre os professores não difere, mesmo na presença de disfonia(4), mas que ao longo do tempo, com o uso continuado da voz, há uma elevação de F0 e da intensidade(4,10). Esta pesquisa analisou a F0 e a intensidade por um período de 40 minutos, o que sugere que a elevação desses parâmetros seja dependente de um tempo de uso mais prolongado, o que é concordante com a literatura(11).

Os professores disfônicos apresentaram maiores valores de tempo de fonação e de dose cíclica, sugerindo uma maior exposição do tecido das pregas vocais a traumas consecutivos(8). Tais resultados são confirmados pela literatura(4) e sugerem que a presença de disfonia pode gerar um maior uso da voz em professores disfônicos pela necessidade de esses realizarem emissões repetidas, já que a presença de disfonia tende a diminuir a inteligibilidade de fala dos alunos(12), intensificada pelo fato de o ruído das salas de aula também diminuir a compreensão da mensagem oral por parte dos estudantes(13).

O presente estudo é pioneiro na avaliação da dose vocal de professoras no Brasil. Embora a amostra seja reduzida, os achados confirmam os resultados da literatura que indicam a grande dose vocal do professor(3), intensificada pela presença de disfonia(4). Estudos futuros com uma amostragem maior e que controlem as situações ergonômicas do trabalho são importantes para compreendermos o efeito de interferências culturais e de organização do trabalho no uso da voz dos professores brasileiros.

CONCLUSÃO

Professoras disfônicas apresentam um maior tempo de fonação e de dose cíclica quando comparadas com professoras sem alteração vocal. A disfonia associa-se com um maior tempo de fonação e uma maior exposição do tecido da prega vocal a fonotraumas.

REFERÊNCIAS

1 Martins RHG, Pereira ERBN, Hidalgo CB, Tavares ELM. Voice disorders in teachers: a review. J Voice. 2014;28(6):716-24. . PMid:24929935.
2 Medeiros AM, Assunção AA, Barreto SM. Alterações vocais e cuidados de saúde entre professoras. CEFAC. 2012;14(4):697-704. .
3 Hunter EJ, Titze IR. Variations in intensity, fundamental frequency, and voicing for teachers in occupational versus non-occupational settings. J Speech Lang Hear Res. 2010;53(4):862-75. . PMid:20689046.
4 Lyberg Åhlander V, Pelegrín García D, Whitling S, Rydell R, Löfqvist A. Teachers' voice use in teaching environments: a field study using ambulatory phonation monitor. J Voice. 2014;28(6):841.e5-15. . PMid:24962227.
5 Gaskill CS, Cowgill JG, Tinter SR. Vocal dosimetry: a graduate level voice pedagogy course experience. J Sing. 2013;69(5):543-55.
6 Carullo A, Vallan A, Astolfi A. Design issues for a portable vocal analyzer. IEEE Trans Instrum Meas. 2013;62(5):1084-93. .
7 Schloneger MJ. Graduate student voice use and vocal efficiency in an opera rehearsal week: a case study. J Voice. 2011;25(6):e265-73. . PMid:21429708.
8 Titze IR, Svec JG, Popolo PS. Vocal dose measures: quantifying accumulated vibration exposure in vocal fold tissues. J Speech Lang Hear Res. 2003;46(4):919-32. . PMid:12959470.
9 Cantarella G, Iofrida E, Boria P, Giordano S, Binatti O, Pignataro L, et al. Ambulatory phonation monitoring in a sample of 92 call center operators. J Voice. 2014;28(3):393.e1. . PMid:24321583.
10 Rantala L, Vilkman E. Relationship between subjective voice complaints and acoustic parameters in female teachers’ voices. J Voice. 1999;13(4):484-95. . PMid:10622515.
11 Gama ACC, Camargo Z, Santos MAR, Rusilo LC. Discriminant capacity of acoustic, perceptual, and vocal self: the effects of vocal demands. J Voice. 2015;29(2):260.e45-50. . PMid:25499524.
12 Rogerson J, Dodd B. Is there an effect of dysphonic teachers’ voices on children’s processing of spoken language? J Voice. 2005;19(1):47-60. . PMid:15766849.
13 Rabelo ATV, Santos JN, Oliveira RC, Magalhães MC. Efeito das características acústicas de salas de aula na inteligibilidade de fala dos estudantes. CoDAS. 2014;26(5):360-6. . PMid:25388068.