versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.2 São Paulo mar./abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015156
Professores são profissionais com alta prevalência de disfonia, e a literatura descreve como principais fatores de risco as longas jornadas de trabalho em salas de aula inapropriadas, com presença de ruído ambiental e poeira de giz(1,2).
O cálculo da dose vocal em professores foi analisado em pesquisas que objetivaram compreender o uso da voz nessa classe profissional(3,4). Autores concluíram que professores possuem o dobro do tempo de fonação quando comparados a não profissionais da voz(3) e que a presença de queixa de disfonia aumenta a dose vocal de professores(4).
O dosímetro é um aparelho portátil que mede dados relacionados à produção vocal, armazenando-os por um determinado período de tempo(5,6). O tempo de coleta dos dados fonatórios pode variar, chegando a até 24 horas, e para coleta dos dados utiliza-se um acelerômetro, que mede a vibração da pele, e um microfone. Os dados acústicos coletados também dependem do equipamento, mas normalmente mensuram frequência fundamental (F0), intensidade da voz e dose vocal(7).
A dose vocal pode ser conceituada como a quantidade de exposição do tecido das pregas vocais (PPVV) à vibração ao longo do tempo(8). São vários os tipos de dose vocal descritos na literatura, os mais comuns são: 1. Dose temporal: Quantifica o tempo total de vibração das PPVV durante a fala e é medida em segundos; 2. Dose cíclica: Quantifica o número de oscilações das PPVV no tempo e é medida em número de ciclos; 3. Dose da distância: É a distância total percorrida pelas PPVV na trajetória cíclica durante a vibração, dependendo do tempo de fonação, da F0 e da intensidade e é medida em metros(5).
Esta pesquisa teve como objetivo calcular o tempo de fonação e a dose cíclica de professoras com disfonia e de professoras sem alteração de voz durante a atividade letiva.
Trata-se de um estudo piloto do tipo observacional analítico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP 0531/2011).
Foram selecionados dois grupos para a pesquisa: grupo de professoras disfônicas (G1), constituído por cinco mulheres com queixa de alteração vocal, diagnóstico fonoaudiológico de disfonia funcional e presença de fenda triangular média posterior no exame otorrinolaringológico, com idade entre 35 e 50 anos (
Como critérios de exclusão para os dois grupos foram considerados ter realizado tratamento fonoaudiológico prévio, ser fumante, possuir queixa de distúrbio neurológico, auditivo ou pulmonar e estar grávida no período da coleta dos dados.
As coletas foram realizadas na própria escola em que as professoras lecionavam, todas no início da manhã, durante a primeira atividade letiva, por um período contínuo de 40 minutos de aula.
Para a coleta dos dados foi utilizado o dosímetro desenvolvido pela Universidade de Linköpings, da Suécia, marca VoxLog®, da Sonvox, modelo 3.1, composto por um microfone, um acelerômetro e uma unidade portátil que armazenou os dados vocais. O acelerômetro foi colocado na região do pescoço, próximo à cartilagem tireoidea e fixado por fita adesiva. Os dados coletados foram analisados no computador por meio de software específico do equipamento, composto pelos seguintes parâmetros:
-. Intensidade: Foi captada por microfone e medida em dB (NPS).
-. Frequência fundamental (F0): Foi captada por acelerômetro e estimada através da Fast Fourier Transform (FFT)(6).
-. Tempo de fonação: É a porcentagem do tempo de gravação em que as PPVV estiveram em vibração, medida em porcentagem(9). Foi captado pelo acelerômetro.
-. Dose cíclica: Definida como a quantidade total de períodos oscilatórios completos realizados pelas PPVV em um determinado intervalo de tempo. Foi captada pelo acelerômetro e obtida pela seguinte equação(6):
em que kv é 1 para presença de voz e 0 (zero) para ausência de voz, e F0 é a frequência fundamental em Hz. Como o número de ciclos é muito alto, esse parâmetro é adaptado para medir a dose em unidade de mil ciclos.
Para a análise estatística foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalidade da amostra. Para comparação dos parâmetros vocais entre os grupos foram utilizados os testes Anova e T de Student, para as variáveis com distribuição normal, e o teste Kruskal-Wallis, para as variáveis não paramétricas (intensidade vocal e idade).
O tempo de fonação e a dose cíclica foram maiores no grupo de professores disfônicos (G1) (Tabela 1).
Tabela 1 Análise dos parâmetros vocais nos dois grupos estudados
Parâmetro | G1 | G2 | Valor p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Mín | Máx | Média | DP | Mín | Máx | ||
Frequência fundamental | 288,6 | 17,7 | 267,2 | 307,4 | 304,9 | 47,5 | 260,5 | 382,3 | 0,12 |
Intensidade vocal | 92,2 | 1,8 | 90,2 | 94,7 | 92,6 | 3,3 | 87,2 | 95,5 | 0,23 |
Tempo de fonação | 30,7 | 7,6 | 20,2 | 40,7 | 23,9 | 6,9 | 17,7 | 34,6 | 0,00* |
Dose cíclica | 238,1 | 76,9 | 148,2 | 341,8 | 188,8 | 87,7 | 116,4 | 333,5 | 0,02* |
G1 - Grupo de professoras disfônicas; G2 - Grupo de professoras sem alteração de voz; DP - Desvio padrão
*Estatisticamente significante
A F0 e a intensidade foram semelhantes nos dois grupos estudados. Pesquisas mostram que a F0 e a intensidade entre os professores não difere, mesmo na presença de disfonia(4), mas que ao longo do tempo, com o uso continuado da voz, há uma elevação de F0 e da intensidade(4,10). Esta pesquisa analisou a F0 e a intensidade por um período de 40 minutos, o que sugere que a elevação desses parâmetros seja dependente de um tempo de uso mais prolongado, o que é concordante com a literatura(11).
Os professores disfônicos apresentaram maiores valores de tempo de fonação e de dose cíclica, sugerindo uma maior exposição do tecido das pregas vocais a traumas consecutivos(8). Tais resultados são confirmados pela literatura(4) e sugerem que a presença de disfonia pode gerar um maior uso da voz em professores disfônicos pela necessidade de esses realizarem emissões repetidas, já que a presença de disfonia tende a diminuir a inteligibilidade de fala dos alunos(12), intensificada pelo fato de o ruído das salas de aula também diminuir a compreensão da mensagem oral por parte dos estudantes(13).
O presente estudo é pioneiro na avaliação da dose vocal de professoras no Brasil. Embora a amostra seja reduzida, os achados confirmam os resultados da literatura que indicam a grande dose vocal do professor(3), intensificada pela presença de disfonia(4). Estudos futuros com uma amostragem maior e que controlem as situações ergonômicas do trabalho são importantes para compreendermos o efeito de interferências culturais e de organização do trabalho no uso da voz dos professores brasileiros.
Professoras disfônicas apresentam um maior tempo de fonação e de dose cíclica quando comparadas com professoras sem alteração vocal. A disfonia associa-se com um maior tempo de fonação e uma maior exposição do tecido da prega vocal a fonotraumas.