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Drenagem percutânea de abscesso de iliopsoas: uma opção efetiva em casos não candidatos à cirurgia

Drenagem percutânea de abscesso de iliopsoas: uma opção efetiva em casos não candidatos à cirurgia

Autores:

Diego Lima Nava Martins,
Francisco de Assis Cavalcante Junior,
Priscila Mina Falsarella,
Antonio Rahal Junior,
Rodrigo Gobbo Garcia

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.16 no.3 São Paulo 2018 Epub 21-Set-2018

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018rc4254

INTRODUÇÃO

O abscesso de iliopsoas (AIP) consiste em uma coleção dentro do compartimento do músculo iliopsoas.(1) No passado, as etiologias mais frequentes eram as infecções espinhais por tuberculose; porém, com o desenvolvimento de tuberculostáticos, os AIP de origem piogênica não tuberculosa tornaram-se as formas predominantes.(2)

A tríade formada por febre, dor no flanco e limitação do movimento do quadril é observada em apenas 30% dos pacientes. A maioria apresenta sintomas gerais inespecíficos, como dor, febre, anorexia e perda de peso.(3)

A tomografia computadorizada (TC) é útil para o diagnóstico de abscessos de iliopsoas, e a ressonância magnética (RM) com contraste é a modalidade padrão para diagnóstico e acompanhamento de pacientes com discite e osteomielite associadas, especialmente aqueles com infecções epidurais e intradurais.(4)

O tratamento para AIP é controverso e inclui desde imobilização combinada com antibioticoterapia ou tuberculostáticos, até o tratamento cirúrgico, que consiste basicamente em drenagem do abscesso, remoção de tecido necrótico e descompressão do saco tecal, quando necessário.(5)

A drenagem percutânea guiada por ultrassonografia (US) ou por TC foi descrita como uma opção de tratamento eficaz e de baixo custo.(4)

O objetivo deste artigo foi descrever a técnica de drenagem percutânea dos AIP e discutir seus benefícios.

RELATOS DE CASOS

Estudo unicêntrico com análise retrospectiva de pacientes com abscesso de psoas, encaminhados a um centro de medicina intervencionista e submetidos à TC e à drenagem percutânea guiada por US, de novembro de 2013 a agosto de 2016. Os pacientes foram avaliados por uma equipe multidisciplinar, composta por clínicos e cirurgiões, que avaliaram o estado clínico e os achados de imagem, que permitiram a abordagem percutânea.

Os pacientes seguiram o protocolo pré-operatório do hospital (8 horas de jejum,– RNI – abaixo de 1,50 e plaquetas acima de 50.000/mL). A decisão sobre o tipo de anestesia foi feita considerando as condições clínicas e a cooperação do paciente.

Inicialmente, foram realizados TC de baixa dose, para planejar o acesso, e cortes finos axiais (1,25mm) com reconstrução multiplanar, para guiar o trajeto da agulha (Chiba 18G/15cm) e seu posicionamento dentro do abscesso. Após o posicionamento adequado da agulha e a aspiração de líquido por seu lúmen, a drenagem foi realizada pela técnica de Seldinger, seguida da fixação do dreno à pele e da conexão a um saco coletor. Em todos os pacientes, foi realizada análise microbiológica do líquido. Os drenos utilizados foram Dawson-Mueller (Cook Medical, Bloomington, Ind., Estados Unidos) ou Sump (Bard Medical, Covington, GA, Estados Unidos).

Sete pacientes (seis homens) foram submetidos à drenagem percutânea de abscesso do psoas no período avaliado. A média de idade foi 65,1 anos (22 a 92 anos), e os principais sintomas no momento da admissão foram dor abdominal e febre. Os pacientes foram avaliados clinicamente e, depois, submetidos a exames de imagem (TC em quatro casos, US em dois casos e RM da coluna lombar em um caso).

O volume inicial médio drenado foi 61,4±50,7mL (10 a 130mL) e a duração média da drenagem foi de 8,3±2,8 dias (4 a 12 dias). Em dois casos, foi necessário injetar alteplase (rt-PA, ativador do plasminogênio tissular recombinante), para otimizar a drenagem.

Entre os sete casos avaliados, seis apresentaram culturas positivas, tendo sido isolados Pseudomonas aeruginosa (n=3), Salmonella spp. (n=1), Staphylococcus aureus (n=1) e Escherichia coli (n=1). Um paciente teve culturas negativas.

A figura 1 mostra um paciente de 76 anos, do sexo masculino, com história recente de nefrectomia bilateral, admitido no serviço de emergência, com febre, dor abdominal e lombalgia. A TC abdominal com contraste mostrou coleção fluida dentro do psoas direito. A drenagem percutânea guiada por TC foi realizada pela técnica de Seldinger, com aspiração imediata de 35mL de líquido purulento. Após 9 dias, o dreno foi removido devido à ausência de coleções líquidas a seu redor. A análise bacteriológica foi positiva para P aeruginosa.

Figura 1 Drenagem guiada por tomografia computadorizada percutânea usando a técnica de Seldinger. (A) Tomografia computadorizada de abdomen com contraste mostra pequena coleção líquida dentro do psoas direito (seta), (B) Imagem final de controle demonstrando dreno de Dawson-Mueller bem posicionado 

A figura 2 mostra estudante de intercâmbio, sexo feminino, espanhola, 22 anos, com história de dor lombar subaguda. RM de coluna lombar ponderada em T2 mostrou coleção líquida alongada no psoas esquerdo, o que foi confirmado por US. Foi realizada drenagem percutânea guiada por TC com posicionamento adequado de dreno de Sump, e aspiração de 130mL de líquido sanguinolento espesso. Foi necessário administrar rt-PA no interior do dreno, a fim deixar a coleção mais fluida. O ultrassom de controle após 4 dias mostrou importante redução do volume da coleção. A paciente recebeu alta com o dreno e retornou a seu país. A cultura final foi positiva para S. aureus.

Figura 2 Ressonância magnética da coluna lombar ponderada em T2. (A) mostra coleção líquida alongada no psoas esquerdo. Foi realizada drenagem guiada por tomografia computadorizada percutânea (B), com posicionamento adequado de Sump (C), Controle ultrassonográfico mostra importante redução do volume da coleção (D) 

Figura 3 apresenta um paciente do sexo masculino, 68 anos, com história de correção endovascular de aneurisma, admitido no serviço de emergência com febre e dor abdominal. Foi submetido à TC contrastada de abdômen, que identificou coleção fluida no interior do psoas esquerdo, ao redor do enxerto aorto-ilíaco. Foi realizada drenagem percutânea guiada por tomografia computadorizada utilizando técnica de Seldinger, com aspiração de 90mL de líquido purulento. O paciente recebeu alta em boas condições clínicas após 8 dias, mas os sintomas retornaram 2 meses depois. Após a detecção de uma nova coleção líquida no mesmo local, realizou-se outra drenagem percutânea, que não recidivou.

Figura 3 Tomografia abdominal contrastada. (A) Coleção fluida no interior do psoas esquerdo, envolvendo o enxerto aorto-ilíaco, (B) Foi realizada drenagem percutânea guiada por tomografia computadorizada utilizando a técnica de Seldinger, (C) imagem final de controle demonstrando dreno de Dawson-Mueller bem posicionado, (D) Nova detecção de uma nova coleção de fluido na mesma topografia 

A taxa de sucesso dos procedimentos percutâneos foi de 71,5%. Dois pacientes necessitaram de reintervenção, devido à recorrência de abscessos. Os resultados estão resumidos na tabela 1.

Tabela 1 Resumo dos pacientes submetidos à drenagem de abscesso de psoas guiada por tomografia computadorizada e ultrassom 

Data do procedimento Sexo Idade Sintomas Dreno Volume drenado (mL) Cultura Duração da drenagem (dias)
13 de novembro de 2013 Masculino 76 Febre, dor abdominal e lombalgia Dawson-Mueller 35 Pseudomonas aeruginosa 9
27 de junho de 2014 Masculino 76 Dor abdominal Dawson-Mueller 10 Pseudomonas aeruginosa 5
15 de outubro de 2015 Masculino 68 Febre e dor abdominal Dawson-Mueller 90 Salmonella spp. 8
1° de janeiro de 2016 Masculino 68 Febre e dor abdominal Sump 120 Negative 10
26 de abril de 2016 Feminino 22 Dor abdominal e lombalgia Sump 130 Staphylococcus aureus 4
22 de julho de 2016 Masculino 92 Febre e dor abdominal Dawson-Mueller 15 Escherichia coli 12
2 de agosto de 2016 Masculino 54 Febre, dor abdominal e lombalgia Dawson-Mueller 30 Pseudomonas aeruginosa 10

DISCUSSÃO

Abscesso de iliopsoas não drenados têm altas taxas de mortalidade, que variam de 50 a 100%.(6,7) A morte é geralmente associada à sepse. A aspiração por agulha é frequentemente mal sucedida e apresenta altas taxas de recorrência.(8)

Historicamente, o tratamento dos AIP consistia na abordagem cirúrgica por acesso retroperitoneal, com remoção da área de abscesso e necrose, associada à antibioticoterapia adequada.(9) Atualmente, com aperfeiçoamento das técnicas de imagem e o maior conhecimento dos radiologistas sobre técnicas minimamente invasivas, esta abordagem tem sido preferida, devido à menor morbimortalidade e ao menor tempo de internação hospitalar. As limitações do método incluem pacientes com sepse grave, que requerem resolução mais imediata do abscesso, e aqueles que apresentam coleções espessas (embora esta limitação tenha sido reduzida com o uso de fibrinolíticos).(10) Em AIP secundários a uma doença abdominal de base (como diverticulite), a cirurgia é preferível, para abordar a causa.(11)

Em nosso serviço, na maioria dos casos é feita a drenagem guiada por TC, de acordo com a técnica de Seldinger, que consiste na utilização de um fio-guia para obter melhor controle de posicionamento e menores taxas de complicações. No entanto, pode ser feita também com técnica de trocar, que consiste em drenagem de punção única e, muitas vezes, economiza tempo.(12)

Não há contraindicações absolutas para drenagens percutâneas. As principais contraindicações relativas são coagulopatia incorrigível, falta de acesso seguro (que pode ser resolvido com mudança de decúbito e hidrodissecção e/ou pneumodissecção) e falta de cooperação do paciente (a sedação pode ser feita pela equipe de anestesia, se necessário). As principais vantagens dessa técnica minimamente invasiva são evitar a anestesia geral e o estresse cirúrgico, reduzindo, portanto, a morbidade.(13)

Nossa série é pequena, porém representativa. Este tipo de abordagem é recente e ainda pouco difundido, quando comparado ao tratamento cirúrgico convencional. Trata-se de uma técnica eficaz, com menor custo, menos invasiva e com consequente menor morbidade. Em nossa série, a permanência média do cateter foi de 8,3 dias, semelhante às taxas relatadas na literatura (7 a 28 dias), pois a permanência mais longa pode levar à formação de fístula.(14) Não houve caso de fístula em nosso estudo. Ultrassonografia US ou TC periódicos foram realizados a cada 3 ou 4 dias, para avaliar a posição correta do dreno e a eventual necessidade de reposicionamento.

A resolução completa dos abscesso com drenagem percutânea foi alcançada em cinco pacientes (71,5%), com taxa de recidiva de 28,5%, o que está de acordo com a literatura, com taxas que variam de 14 a 29%.(14) A melhora clínica e radiológica, sem evidência de recidiva em 2 anos ou mais, é considerada cura da patologia.(15)

CONCLUSÃO

Drenagem percutânea de abscesso de iliopsoas é um procedimento minimamente invasivo, eficiente e seguro, com boa evolução e menor custo. Em muitos casos, podem-se evitar cirurgias, reduzindo a morbimortalidade inerente à patologia. É uma alternativa importante para pacientes que não podem ser submetidos à cirurgia, em função de mau estado clínico ou outras contraindicações.

REFERÊNCIAS

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4. Dinç H, Ahmetoğlu A, Baykal S, Sari A, Sayil O, Gümele HR. Image-guided percutaneous drainage of tuberculous iliopsoas and spondylodiskitic abscesses: midterm results. Radiology. 2002;225(2):353-8.
5. Resnick D, Niwayama G. Diagnosis of bone and joint disorders. Philadelphia: WB Saunders; 1981. [Osteomyelitis, septic arthritis and soft tissue infection; vol. 3].
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9. Duani H, Nunes VR, Assumpção AB, Saraiva IS, Rosa RM, Neiva AM, et al. Bilateral paracoccidioidomycotic iliopsoas abscess associated with ileo-colonic lesion. Rev Soc Bras Med Trop. 2012;45(5):649-51.
10. Sartelli M. A focus on intra-abdominal infections. World J Emerg Sur. 2010;5:9.
11. Shields D, Robinson P Crowley TP Iliopsoas abscess--a review and update on the literature. Int J Surg. 2012;10(9):466-9. Review.
12. vanSonnenberg E, D'Agostinho HB, Casola G, Wittich GR, Varney RR, Harker C. Lung abscess: CT-guided drainage. Radiology. 1991;178(2):347-51.
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14. Siu AY, Law KL, Lo CB, Chung CH. Lowback pain: would it be psoas abscess. Hong Kong J Emerg Med. 2002;9(4):213-6.
15. Jain AK. Tuberculosis of spine: A fresh look at an old disease. J Bone Joint Surg Br. 2010;92(7):905-13. Review.