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Dupilumabe no tratamento da dermatite atópica grave refratária à imunossupressão sistêmica: relato de caso

Dupilumabe no tratamento da dermatite atópica grave refratária à imunossupressão sistêmica: relato de caso

Autores:

Mara Huffenbaecher Giavina-Bianchi,
Pedro Giavina-Bianchi,
Luiz Vicente Rizzo

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.17 no.4 São Paulo 2019 Epub 10-Jul-2019

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019rc4599

INTRODUÇÃO

A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crônica da pele, recidivante, com intenso prurido, lesões maculopapulares eritematosas ou vesiculares, com descamação, acompanhadas de ressecamento, crostas e/ou liquenificação. Superinfecção por vírus ou bactérias é frequente. Sua prevalência, que é de cerca de 15% em crianças e 5% em adultos, vem aumentado.(13)

Devido à sua cronicidade e a frequentes recidivas, viver com DA pode ser um fardo, especialmente naqueles que necessitam de tratamento sistêmico de longa data, pois os medicamentos usados podem levar à toxicidade grave. Prurido e lesões cutâneas podem causar distúrbios do sono, ansiedade, depressão e baixa autoestima, comprometendo a qualidade de vida dos pacientes e familiares.(4)

A patogênese da DA inclui alteração da barreira cutânea, em alguns casos associada a mutações do gene da filagrina, aumento da colonização por Staphylococcus aureus e resposta imune Th2 exacerbada, com sensibilização a alérgenos, níveis elevados de IgE e eosinofilia no sangue. Os tratamentos imunossupressores mais utilizados até o momento para DA são a ciclosporina, o micofenolato de mofetila, a azatioprina e o metotrexato.(5) Novas terapias, baseadas na patogênese da DA mais eficazes e menos prejudiciais, foram desenvolvidas, como o dupilumabe, e, provavelmente, mudarão nossa abordagem de pacientes com DA moderada a grave.(5)

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, com 18 anos, branca, natural e procedente de São Paulo. Portadora de DA desde os 2 anos de idade, com piora há 4 anos, usando 250mg de ciclosporina (150mg de manhã e 100mg à tarde: 3,2mg/kg/dia), 5mg de desloratadina (manhã) e 25mg de hidroxizina (noite), creme hidratante duas vezes ao dia e creme propionato de clobetasol creme duas vezes ao dia. Antecedentes de rinite alérgica, hipotireoidismo e síndrome metabólica, utilizando levotiroxina sódica 50mg/dia e cloridrato de metformina 500mg/dia.

Referia internação por infecção secundária das lesões de pele em final de 2015 e mais cinco episódios após, tratados ambulatorialmente. Em novembro de 2017, passou a tomar 25mg ao dia de agomelatina e 5mg ao dia de buspirona, devido à depressão e à insônia.

A doença persistiu mal controlada, e a paciente tinha péssima qualidade de vida. Por estar há mais de 2 anos tomando a ciclosporina sem interrupção e sem o controle desejado, acrescentou-se o micofenolato de mofetila, 1g a cada 12 horas, no final de 2017. A ciclosporina foi sendo diminuída progressivamente, até a suspensão. Houve alguns efeitos colaterais com a troca das medicações, como perda de peso de 12kg em 2 meses, alteração menstrual e eflúvio telógeno, mas a conduta foi mantida. Porém, não houve melhora do quadro.

Ao exame dermatológico apresentava quadro de eczema extenso, acometendo cerca de 90% do tegumento, acompanhado de prurido e xerose muito intensos, e SCOre for Atopic Dermatitis (SCORAD) de 45. O SCORAD é uma ferramenta para avaliar a gravidade da DA por meio de uma pontuação para sinais e sintomas e pode variar de zero (sem lesões e sintomas) a 103 (máximo). Acima de 40, a DA é considerada grave.(6)

Com a divulgação dos resultados com o anticorpo monoclonal dupilumabe e a aprovação deste em diversos países, inclusive no Brasil, foi feita a indicação para a medicação.(5) Em março de 2018, foi administrada a primeira dose de dupilumabe, de 600mg, por via subcutânea. Depois, passou a receber 300mg a cada 2 semanas. O micofenolato foi suspenso após 1 mês da introdução do imunobiológico. Na quinta tomada da medicação, a paciente já apresentava expressiva melhora. Atualmente, mantém 25mg de hidroxizina à noite. A desloratadina, o corticoide tópico e os antidepressivos foram suspensos. Ao exame dermatológico mostrava melhora importante, assim como da xerose e do prurido. O SCORAD atual é de 16. As figuras 1A a 1C (pré-tratamento) e 2A a 2C (após três aplicações) demonstram a melhora obtida entre o dia da primeira dose do tratamento e após a terceira tomada.

Figura 1 Lesões de dermatite atópica antes do dupilumabe. (A) Lesões no pescoço e colo pré-tratamento; (B) Lesões nos membros superiores pré-tratamento; (C) Lesões nos membros inferiores pré-tratamento 

Figura 2 Lesões de dermatite atópica após dupilumabe. (A) Lesões no pescoço e colo após três aplicações; (B) Lesões nos membros superiores após três aplicações; (C) Lesões nos membros inferiores após três aplicações 

DISCUSSÃO

Expusemos o caso de uma paciente com DA grave que estava mal controlada, mesmo com os tratamentos sistêmicos mais eficazes até o momento disponíveis no Brasil. A paciente utilizou dois imunossupressores sistêmicos, ciclosporina e micofenolato de mofetila, para o tratamento da DA, sem controle adequado da doença. Apresentava prurido e lesões cutâneas continuamente, importante comprometimento da qualidade de vida e depressão.

A ciclosporina é tradicionalmente a primeira opção de tratamento, porque é aprovada em muitos países e tem início de ação rápida. É um inibidor da calcineurina, que inibe a interleucina (IL) 2 e a ativação de linfócitos T, diminuindo a imunorreatividade.(7) A dose para adultos é 3 a 5mg/kg/dia, dividida em duas tomadas (manhã e noite). O micofenolato de mofetila é uma pró-droga do ácido micofenólico, derivado de Penicillium echinulatum, sendo um metabólito que bloqueia a proliferação celular T e B.(8) É utilizado para casos graves de crianças ou adultos com DA que não respondem à ciclosporina.(9) A eficácia é comparável à ciclosporina e, embora o início da ação seja mais longo, os resultados são mais duradouros. A dose é de 600 a 1200mg/m2/dia ou 40 a 50mg/kg/dia em crianças pequenas, de 30 a 40mg/kg/dia em adolescentes e 2g por dia para adultos.

O dupilumabe é um anticorpo monoclonal totalmente humanizado, com ação direta sobre a cadeia alfa, comum do receptor de IL-4 e Il-13. Estas duas citocinas estão envolvidas no perfil de resposta imune Th2, induzindo sensibilização alérgica, promovendo a inflamação atópica, e diminuindo função e a estrutura da barreira cutânea.(10) O anticorpo inibe a ação destas citocinas e foi associado com alteração da expressão de genes em lesões de DA, melhorando sua assinatura molecular.(11) Em ensaio clínico fase III, envolvendo 1.379 pacientes adultos com DA moderada a grave que não estavam controlados com tratamento tópico, observou-se que o dupilumabe melhorou os sinais e sintomas da doença, incluindo prurido, ansiedade, depressão e qualidade de vida. As infecções de pele foram significativamente menos frequentes no grupo tratado versus o placebo. Os dois regimes testados, 300mg subcutâneo toda semana ou 300mg subcutâneo a cada 2 semanas por 16 semanas, foram igualmente eficazes e seguros. Os efeitos colaterais mais frequente foram reações no local da injeção e conjuntivite.(12) Recebeu a denominação de terapia breakthrough para DA moderada a grave em adultos com controle inadequado. Novos estudos estão sendo realizados em crianças.

CONCLUSÃO

Relatamos o primeiro caso do uso no Brasil do dupilumabe, uma nova classe de droga para controle de dermatite atópica, em uma paciente com quadro grave, sem controle com tratamentos sistêmicos comumente utilizados e que, até o presente momento, evolui muito bem e sem efeitos colaterais. O caso reportado subsidia o uso do dupilumabe no tratamento de dermatite atópica grave refratária ao uso de imunossupressores sistêmicos.

REFERÊNCIAS

1. Kay J, Gawkrodger DJ, Mortimer MJ, Jaron AG. The prevalence of childhood atopic eczema in a general population. J Am Acad Dermatol. 1994;30(1):35-9.
2. Silverberg JI, Hanifin JM. Adult eczema prevalence and associations with asthma and other health and demographic factors: a US population-based study. J Allergy Clin Immunol. 2013;132(5):1132-8.
3. Bieber T. Atopic dermatitis. N Engl J Med. 2008;358(14):1483-94.
4. Wollenberg A, Oranje A, Deleuran M, Simon D, Szalai Z, Kunz B, Svensson A, Barbarot S, von Kobyletzki L, Taieb A, de Bruin-Weller M, Werfel T, Trzeciak M, Vestergard C, Ring J, Darsow U; European Task Force on Atopic Dermatitis/EADV Eczema Task Force. ETFAD/EADV Eczema task force 2015 position paper on diagnosis and treatment of atopic dermatitis in adult and paediatric patients. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2016;30(5):729-47.
5. Ring J, Alomar A, Bieber T, Deleuran M, Fink-Wagner A, Gelmetti C, Gieler U, Lipozencic J, Luger T, Oranje AP, Schäfer T, Schwennesen T, Seidenari S, Simon D, Ständer S, Stingl G, Szalai S, Szepietowski JC, Taïeb A, Werfel T, Wollenberg A, Darsow U; European Dermatology Forum; European Academy of Dermatology and Venereology; European Task Force on Atopic Dermatitis; European Federation of Allergy; European Society of Pediatric Dermatology; GlobalAllergy and Asthma European Network. Guidelines for treatment of atopic eczema (atopic dermatitis) Part II. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2012;26(9):1176-93.
6. Megna M, Napolitano M, Patruno C, Villani A, Balato A, Monfrecola G, et al. Systemic treatment of adult atopic dermatitis: a review. Dermatol Ther (Heidelb). 2017;7(1):1-23.
7. Sidbury R, Davis DM, Cohen DE, Cordoro KM, Berger TG, Bergman JN, Chamlin SL, Cooper KD, Feldman SR, Hanifin JM, Krol A, Margolis DJ, Paller AS, Schwarzenberger K, Silverman RA, Simpson EL, Tom WL, Williams HC, Elmets CA, Block J, Harrod CG, Begolka WS, Eichenfield LF; AmericanAcademy of Dermatology. Guidelines of care for the management of atopic dermatitis: section 3. Management and treatment with phototherapy and systemic agents. J Am Acad Dermatol. 2014;71(2):327-49.
8. Leung DY, Boguniewicz M, Howell MD, Nomura I, Hamid QA. New insights into atopic dermatitis. J Clin Invest. 2004;113(5):651-7.
9. Hamilton JD, Suárez-Fariñas M, Dhingra N, Cardinale I, Li X, Kostic A, et al. Dupilumab improves the molecular signature in skin of patients with moderate-to-severe atopic dermatitis. J Allergy Clin Immunol. 2014;134(6):1293-300.
10. Simpson EL, Akinlade B, Ardeleanu M. Two Phase 3 Trials of Dupilumab versus Placebo in Atopic Dermatitis. N Engl J Med. 2017;376(11):1090-1.
11. Hamilton JD, Suárez-Fariñas M, Dhingra N, Cardinale I, Li X, Kostic A, et al. Dupilumab improves the molecular signature in skin of patients with moderate-to-severe atopic dermatitis. J Allergy Clin Immunol. 2014;134(6):1293-300.
12. Simpson EL, Akinlade B, Ardeleanu M. Two Phase 3 Trials of Dupilumab versus Placebo in Atopic Dermatitis. N Engl J Med. 2017;376(11):1090-1.