Compartilhar

Ecoestresse Físico: Predição de Mortalidade e Eventos Cardíacos em Pacientes com Ergometria Isquêmica

Ecoestresse Físico: Predição de Mortalidade e Eventos Cardíacos em Pacientes com Ergometria Isquêmica

Autores:

Ana Carla Pereira de Araujo,
Bruno F. de Oliveira Santos,
Flavia Ricci Calasans,
Ibraim M. Francisco Pinto,
Daniel Pio de Oliveira,
Luiza Dantas Melo,
Stephanie Macedo Andrade,
Irlaneide da Silva Tavares,
Antonio Carlos Sobral Sousa,
Joselina Luzia Menezes Oliveira

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782X

Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.5 São Paulo nov. 2014 Epub 28-Out-2014

https://doi.org/10.5935/abc.20140144

RESUMO

Fundamento:

Estudos têm demonstrado a acurácia diagnóstica e o valor prognóstico da ecocardiografia com estresse físico na doença arterial coronária, mas a predição de mortalidade e de eventos cardíacos maiores, em pacientes com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica, é limitada.

Objetivo:

Avaliar a predição de mortalidade e de eventos cardíacos maiores pela ecocardiografia com estresse físico em pacientes com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica.

Métodos:

Trata-se de uma coorte retrospectiva em que foram estudados 866 pacientes consecutivos, com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica, submetidos à ecocardiografia com estresse físico. Os pacientes foram divididos em dois grupos: ecocardiografia com estresse físico negativa (G1) ou positiva (G2) para isquemia miocárdica. Os desfechos avaliados foram mortalidade por qualquer causa e eventos cardíacos maiores, definidos como óbito cardíaco e infarto agudo do miocárdio não fatal.

Resultados:

O G2 constituiu-se de 205 (23,7%) pacientes. Durante o seguimento médio de 85,6 ± 15,0 meses, ocorreram 26 óbitos, sendo seis por causa cardíaca, e 25 casos de infarto agudo do miocárdio não fatais. Os preditores independentes de mortalidade foram idade, diabetes melito e a ecocardiografia com estresse físico + (hazard ratio: 2,69; intervalo de confiança de 95%: 1,20 - 6,01; p = 0,016), com os seguintes eventos cardíacos maiores: idade, doença arterial coronária prévia, ecocardiografia com estresse físico + (hazard ratio: 2,75; intervalo de confiança de 95%: 1,15 - 6,53; p = 0,022) e ausência do incremento de 10% na fração de ejeção. A mortalidade por qualquer causa e os eventos cardíacos maiores foram significativamente superiores no G2 (p < 0, 001 e p = 0,001, respectivamente).

Conclusão:

A ecocardiografia com estresse físico oferece informações prognósticas adicionais em pacientes com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica.

Palavras-Chave: Ecocardiografia sob Estresse/mortalidade; Teste de Esforço; Esforço Físico; Doença da Artéria Coronariana; Isquemia Miocárdica

ABSTRACT

Background:

Studies have demonstrated the diagnostic accuracy and prognostic value of physical stress echocardiography in coronary artery disease. However, the prediction of mortality and major cardiac events in patients with exercise test positive for myocardial ischemia is limited.

Objective:

To evaluate the effectiveness of physical stress echocardiography in the prediction of mortality and major cardiac events in patients with exercise test positive for myocardial ischemia.

Methods:

This is a retrospective cohort in which 866 consecutive patients with exercise test positive for myocardial ischemia, and who underwent physical stress echocardiography were studied. Patients were divided into two groups: with physical stress echocardiography negative (G1) or positive (G2) for myocardial ischemia. The endpoints analyzed were all-cause mortality and major cardiac events, defined as cardiac death and non-fatal acute myocardial infarction.

Results:

G2 comprised 205 patients (23.7%). During the mean 85.6 ± 15.0-month follow-up, there were 26 deaths, of which six were cardiac deaths, and 25 non-fatal myocardial infarction cases. The independent predictors of mortality were: age, diabetes mellitus, and positive physical stress echocardiography (hazard ratio: 2.69; 95% confidence interval: 1.20 - 6.01; p = 0.016). The independent predictors of major cardiac events were: age, previous coronary artery disease, positive physical stress echocardiography (hazard ratio: 2.75; 95% confidence interval: 1.15 - 6.53; p = 0.022) and absence of a 10% increase in ejection fraction. All-cause mortality and the incidence of major cardiac events were significantly higher in G2 (p < 0. 001 and p = 0.001, respectively).

Conclusion:

Physical stress echocardiography provides additional prognostic information in patients with exercise test positive for myocardial ischemia.

Key words: Echocardiography,Stress/mortality; Exercise Test; Physical Exertion; Coronary Artery Disease; Myocardial Ischemia

Introdução

A Doença Arterial Coronária (DAC) é a causa mais comum de morbimortalidade nos países ocidentais1. No Brasil, as doenças cardiovasculares são responsáveis por mais de 30% das mortes2. A disponibilidade de novas opções terapêuticas efetivas torna mandatória a identificação de pacientes com risco aumentado de eventos cardiovasculares3. Embora a angiografia coronária permaneça como padrão-ouro para o diagnóstico de DAC4, as técnicas não invasivas têm papel importante no diagnóstico e na indicação de procedimento invasivo.

A isquemia miocárdica e o infarto ocorrem como resultados de alterações sequenciais conhecidas como "cascata isquêmica". Anormalidades na perfusão são seguidas por alterações metabólicas, disfunção diastólica do Ventrículo Esquerdo (VE), défice contrátil regional, alterações eletrocardiográficas e dor precordial5. A cascata isquêmica pode ser entendida como um espectro ao longo do qual diferentes marcadores de isquemia do miocárdio podem apresentar sensibilidade diferente6,7.

O Teste Ergométrico (TE) é o exame não invasivo recomendado inicialmente para o diagnóstico e a estratificação de risco de pacientes com suspeita de DAC8-10. No entanto, o uso do TE é limitado em várias situações, como na presença de Bloqueio do Ramo Esquerdo (BRE) ou de alterações do segmento ST no Eletrocardiograma (ECG) de repouso10, apontando para a necessidade de associação com métodos de imagem, visando melhorar a acurácia diagnóstica11.

A Ecocardiografia com Estresse Físico (EEF) tem alta sensibilidade e especificidade, com melhor precisão na detecção de DAC do que o ECG, o TE e o ecocardiograma de repouso12,13. As Alterações da Motilidade da Parede (AMP) do VE, detectadas pela EEF, aparecem mais precocemente do que a angina ou alterações do segmento ST14. Além disso, a EEF também apresenta valor adicional na localização e na quantificação de isquemia miocárdica e na predição de eventos adversos em pacientes portadores de DAC estabelecida15.

O objetivo desse estudo foi avaliar a predição de mortalidade e Eventos Cardíacos Maiores (ECM) pela EEF em pacientes com TE isquêmico.

Métodos

Pacientes

Foram incluídos 866 pacientes consecutivos encaminhados para a EEF, no Serviço de Ecocardiografia do Hospital São Lucas, em Aracaju (SE), após seus respectivos médicos assistentes detectarem sinais eletrocardiográficos de isquemia miocárdica ao TE, entre janeiro de 2001 e junho de 2010. Os critérios de exclusão foram: TE negativo para isquemia miocárdica, presença de BRE, não confirmação de isquemia no TE (repetido como protocolo da EEF), recusa em participar do estudo e incapacidade de estabelecer contato telefônico durante o período de acompanhamento.

O protocolo consistiu em avaliação clínica completa com investigação de sintomas anteriores, como dor no peito ou dispneia, assim como fatores de risco para DAC, seguida de um ECG e uma ecocardiografia de repouso. Logo após, realizou-se o esforço físico em esteira rolante e procedeu-se novamente à aquisição das imagens ecocardiográficas. Os dados clínicos e demográficos, bem como os resultados dos testes de estresse, foram registados na base de dados. Os indivíduos foram divididos em dois grupos, de acordo com a ausência (G1) e a presença (G2) de isquemia do miocárdio à EEF.

Teste ergométrico

Os pacientes foram examinados em período pós-prandial de refeição leve e mantiveram-se afastados de qualquer atividade física excessiva no dia em que o exame foi realizado. A investigação foi conduzida com o indivíduo em respiração espontânea em ar atmosférico, em sala com temperatura constante (20 a 24ºC). O protocolo de Bruce foi utilizado para a realização do TE. Durante o teste, os indivíduos foram monitorizados continuamente mediante o ECG de três derivações, sendo encorajados a alcançar seu pico máximo de esforço físico. O TE foi considerado positivo para isquemia miocárdica quando se constatava supradesnivelamento do segmento ST ou infradesnivelamento horizontal ou descendente ≥ 1 mm por pelo menos 60 a 80 ms do ponto J10.

Ecocardiografia com estresse físico

O ecocardiograma foi realizado com equipamento Packard/Phillips Hewlett SONOS 5500, em conformidade com os aspectos técnicos descritos por Schiller e cols.16. Imagens ecocardiográficas bidimensionais foram obtidas com o paciente em decúbito lateral esquerdo, nas janelas acústicas paraesternal e apical, em repouso e imediatamente após o exercício, com registro eletrocardiográfico simultâneo, gravado em videocassete ou vídeo digital, avaliado por ecocardiografista experiente (nível III), como recomendado pela American Society of Echocardiography17 e, em caso de dúvida, foi analisado por um segundo avaliador, de igual experiência.

A movimentação da parede foi pontuada de 1 a 4 (1 se normal, 2 se hipocinesia, 3 se acinesia e 4 se discinesia), de acordo com um modelo de 16 segmentos. O Índice de Movimentação da Parede (IEMP) foi determinado em repouso e no pico do esforço como a soma das pontuações segmentares, dividida pelo número de segmentos visualizados. A função sistólica ventricular esquerda foi quantificada com base no IEMP, como: 1 se normal, 1,1 a 1,6 se disfunção ventricular discreta, 1,61 a 2 se disfunção ventricular moderada e > 2 se disfunção ventricular grave16. A diferença entre IEMP no esforço e em repouso foi chamada de ΔIEMP, sendo considerada normal quando igual a zero e anormal quando diferente de zero. Qualquer resultado em que houvesse o desenvolvimento de novas anormalidades de motilidade induzidas por esforço ou agravamento do défice contrátil preexistente, ou seja, a cada ΔIEMP diferente zero, foi considerada isquemia miocárdica à EEF, e a ausência de isquemia miocárdica foi definida como a ausência dos critérios acima referidos, isto é, ΔIEMP igual a zero.

Acompanhamento e eventos finais

O acompanhamento do paciente foi realizado por meio de entrevistas por telefone, contato com o médico assistente, ou revisão de prontuários. Óbitos por todas as causas e ECM foram considerados como eventos finais do estudo, sendo os ECM definidos como morte cardíaca e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) não fatal.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram descritas em percentagens e comparadas entre os grupos pelo teste do qui-quadrado ou exato de Fisher. As variáveis contínuas foram reportadas como média e Desvio Padrão (DP), e as diferenças entre os grupos foram realizadas pelo teste t de Student ou de Mann-Whitney, conforme apropriado. As curvas de eventos cumulativos foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier e comparadas pelo teste de log-rank. Para avaliar os fatores de risco para ECM e morte, foi utilizada a regressão de Cox, considerando análise univariada e multivariada. As variáveis incluídas no modelo multivariado foram todas aquelas com p < 0,1 na análise univariada. As diferenças foram consideradas significativas quando p < 0,05. As análises estatísticas foram processadas utilizando o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0 (Chicago, IL).

Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram obedecidos, e os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Informado. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 1818.0.000.107-06).

Resultados

Características clínicas da população estudada

A população foi composta por 866 pacientes com alterações do segmento ST durante o TE e submetidos à EEF. Os pacientes foram divididos em dois grupos, sendo 661 (76,3%) sem isquemia ao EEF (ΔIEMP = 0) e pertencentes ao G1, e 205 (23,7%) com isquemia (ΔIEMP ≠ 0) pertencentes ao G2. O G1 teve idade média de 55,97 ± 11 anos e 298 (45,1%) homens, e o G2 de 58,96 ± 9,83 anos e 87 (42,4%) homens. O G2 apresentou, significativamente, maiores IMC (p = 0,002), idade (p < 0,001) e presença de dor torácica suspeita (p < 0,001) em relação ao G1; a dor não suspeita esteve mais presente no G1 (p = 0,004). Além disso, houve significativamente mais pacientes com hipertensão arterial (p = 0,004), diabetes melito (p = 0,001), dislipidemia (p = 0,01) e história familiar de DAC (p = 0,008) no G2. Não foram observadas outras diferenças significativas nas características clínicas dos pacientes nos grupos (Tabela 1).

Tabela 1 Características clínicas de pacientes com e sem isquemia miocárdica à ecocardiografia com estresse físico 

Variáveis G1 n = 661 (76,3%) G2 n = 205 (23,7%) Valor de p
Sexo masculino, n (%) 298 (45,1) 87 (42,4) 0,506
Idade, anos 55,97 ± 10,58 58,96 ± 9,83 0,001
IMC, kg/m2 27,13 ± 4,05 28,14 ± 4,30 0,002
Dor torácica suspeita, n (%) 25 (3,8) 53 (26,0) 0,001
Dor torácica não suspeita, n (%) 391 (59,3) 98 (48,0) 0,004
Obesidade, n (%) 137 (21,2) 53 (26,1) 0,141
Hipertensão, n (%) 341 (51,7) 129 (63,2) 0,004
Diabete melito, n (%) 76 (11,5) 42 (20,6) 0,001
Dislipidemia, n (%) 428 (64,8) 152 (74,5) 0,001
Fumante, n (%) 34 (5,2) 15 (7,4) 0,235
História familiar de DAC, n (%) 361 (54,7) 133 (65,2) 0,008
Diagnóstico prévio de DAC, n (%) 75 (11,3) 31 (15,1) 0,150
Uso de betabloqueador, n (%) 121 (18,4) 49 (23,9) 0,081
Uso de antagonista de cálcio, n (%) 34 (5,2) 16 (7,8) 0,152

G1: Pacientes sem isquemia miocárdica; G2: pacientes com isquemia miocárdica; IMC: índice de massa corporal; DAC: doença arterial coronária.

De cada quatro TE positivos, três não apresentaram isquemia à EEF, ou seja, cerca de 75% dos pacientes estudados foram melhor analisados.

Medidas hemodinâmicas e ecocardiográficas

O G2 apresentou significativamente menor Frequência Cardíaca (FC) de pico (p < 0,001), maior AMP em repouso (p = 0,036), maior IEMP no esforço e maior ΔIEMP (p < 0,001). Em relação aos outros parâmetros hemodinâmicos e ecocardiográficos, não houve diferenças significativas entre G1 e G2 (Tabela 2).

Tabela 2 Achados hemodinâmicos e ecocardiográficos em pacientes sem (G1) e com isquemia (G2) na ecocardiografia com estresse físico 

Variáveis G1 n = 661 (76,3%) G2 n = 205 (23,7%) Valor de p
PAS, mmHg      
Repouso 127,65 ± 13,12 130,44 ± 13,36 0,080
Pico 187,72 ± 20,16 187,82 ± 21,20 0,950
PAD, mmHg      
Repouso 84,10 ± 14,31 83,55 ± 12,57 0,626
Pico 87,26 ± 9,21 88,02 ± 9,40 0,304
FC, bpm      
Repouso 77,35 ± 13,80 76,58 ± 12,82 0,478
Pico 157,36 ± 18,02 147,23 ± 18,68 < 0,001
Arritmia, n (%) 147 (22,2) 59 (28,8) 0,055
AMP, n (%) 84 (12,7) 38 (18,5) 0,036
FE (%) 0,66 ± 0,06 0,66 ± 0,06 0,165
lEMP      
Repouso 1,03 ± 0,15 1,04 ± 0,12 0,800
Esforço 1,03 ± 0,15 1,17 ± 0,18 < 0,001
AIEMP 0,0 ± 0,0 0,35 ± 0,13 < 0,001

PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; FC: frequência cardíaca; AMP: alterações da mobilidade da parede; FE: fração de ejeção; IEMP: índice de movimentação da parede; ΔIEMP: diferença entre o índice de movimentação da parede de repouso e o de esforço.

Seguimento e eventos finais

Durante o seguimento médio de 85,6 ± 15,0 meses, houve 26 mortes por qualquer causa, sendo sete no G1 (morte súbita, sepse, acidente vascular cerebral, obstrução das vias aéreas e neoplasias) e 19 no G2 (insuficiência renal, sepse, pancreatite e neoplasias) e 31 ECM (sendo uma morte cardíaca e cinco IAM no G1, e cinco mortes cardíacas e 20 IAM no G2). Quanto a mortalidade geral, na análise univariada, as variáveis significativas foram: idade ≥ 60 anos (p < 0,001), diabetes melito (p = 0,001), AMP em repouso (p = 0,003), EEF positiva (p = 0,001) e Índice de Massa Ventricular Esquerda (IMVE; p < 0,001).

Quanto aos ECM, as variáveis significativas na análise univariada foram: sexo masculino (p = 0,044), idade ≥ 60 anos (p <0,001), dor torácica típica (p = 0,030), dor torácica atípica (p = 0,017), diabetes melito (p = 0,005), dislipidemia (p = 0,019), DAC anterior (p < 0,001), AMP em repouso (p < 0,001), EEF positiva (p < 0,001), Fração de Ejeção do VE (FEVE; p <0,001), IMVE (p = 0,006) e ΔIEMP (p = 0,042). (Tabela 3). Na análise multivariada, os preditores independentes de mortalidade foram idade ≥ 60 anos, diabetes melito e EEF positiva. Os preditores independentes de ECM foram idade ≥ 60 anos, DAC anterior, EEF positiva e ausência do aumento de 10% na FE (Tabelas 4 e 5).

Tabela 3 Análise univariada dos preditores de mortalidade e eventos cardíacos maiores (ECM) 

Variáveis Mortalidade geral ECM
RR (IC95%) Valor de p RR (IC 5%) Valor de p
Sexo masculino 0,80 (0,36-1,77) 0,586 2,10 (1,02-4,33) 0,044
Idade (≥ 60 anos) 8,32 (2,90-24,14) < 0,001 5,18 (2,23-12,03) < 0,001
Dor torácica suspeita 2,01 (0,69-5,85) 0,200 2,68 (1,10-6,56) 0,030
Dor torácica não suspeita 0,55 (0,25-1,20) 0,130 0,41 (0,20-0,85) 0,017
Obesidade 0,14 (0,02-1,03) 0,053 1,25 (0,56-2,79) 0,591
Hipertensão 1,70 (0,75-3,80) 0,203 1,79 (0,84-3,81) 0,129
Diabete melito 4,00 (1,82-8,83) 0,001 2,99 (1,40-6,35) 0,005
Dislipidemia 0,96 (0,43-2,14) 0,911 3,51 (1,23-10,03) 0,019
Tabagismo 1,27 (0,30-5,37) 0,748 0,49 (0,07-3,63) 0,489
Diagnóstico prévio de DAC 2,16 (0,87-5,39) 0,098 7,47 (3,69-15,13) < 0,001
Hipertensão (pico do esforço) 0,42 (0,10-1,76) 0,232 0,72 (0,25-2,05) 0,534
Arritmia 2,01 (0,92-4,43) 0,083 1,34 (0,62-2,90) 0,464
AMP em repouso 3,40 (1,52-7,63) 0,003 6,26 (3,09-12,67) < 0,001
EEF positivo 3,67 (1,66-8,12) 0,001 5,10 (2,39-10,90) < 0,001
Aumento de 10% na FE 0,67 (0,41-1,12) 0,127 0,41 (0,27-0,61) < 0,001
Aumento de 10g/m no IMVE 1,39 (1,17-1,64) < 0,001 1,27 (1,07-1,50) 0,006
ΔIEMP alterado 1,65 (0,72-3,82) 0,240 2,16 (1,03-4,53) 0,042

RR: risco relativo: IC95%: intervalo de confiança de 95%; DAC: doença arterial coronária; AMP: alterações da mobilidade da parede; EEF: ecocardiografia com estresse físico; FE: fração de ejeção; IMVE: Índice de massa do ventrículo esquerdo; ΔIEMP: Diferença entre o Índice de movimentação da parede de repouso e o de esforço.

Tabela 4 Análise multivariada dos preditores de mortalidade total 

Variáveis RR (IC95%) Valor de p
Idade ≥ 60 anos 6,61 (2,25-19,4) 0,001
Diabete melito 2,37 (1,06-5,31) 0,035
EEF positiva 2,69 (1,20-6,01) 0,016

RR: risco relativo; IC95%: intervalo de confiança de 95%; EEF: ecocardiografia com estresse físico.

Tabela 5 Análise multivariada dos preditores de eventos cardíacos maiores 

Variáveis RR (IC95%) Valor de p
Idade ≥ 60 anos 4,39 (1,77-10,9) 0,014
DAC prévia 2,85 (1,27-6,38) 0,011
EEF positivo 2,75 (1,15-6,53) 0,022
FE (aumento de 10%) 0,56 (0,37-0,85) 0,007

RR: risco relativo; IC95%: intervalo de confiança de 95%; DAC: doença arterial coronária; EEF: ecocardiografia com estresse físico; FE: fração de ejeção

Para os ECM houve diferença significativa entre os grupos G1 vs. G2, com p = 0,022. Para a mortalidade geral, também houve diferença significativa entre G1 vs. G2, com p = 0,016.

As curvas de mortalidade e ECM são mostradas nas Figuras 1 e 2, respectivamente.

Figura 1 Risco relativo para eventos cardíacos maiores de 5,0 (Intervalo de confiança de 95%: 2,37-10,78). 

Figura 2 Morte por todas as causas. Risco relativo de morte de 3,6 (intervalo de confiança de 95%: 1,65 - 8,06). 

Discussão

Este estudo demonstrou que a EEF é um preditor independente de morte e ECM em portador de TE isquêmico. Os preditores independentes de mortalidade após a análise multivariada foram: idade ≥ 60 anos, diabetes melito e EEF positiva. Para ECM, foram idade ≥ 60 anos e DAC prévia. Vários estudos têm mostrado as características clínicas acima descritas como fatores de risco bem estabelecidos para DAC18-21 e como preditores de eventos adversos em pacientes com angina estável, ou suspeita, ou DAC estabelecida22-24. Nossos resultados corroboram ainda mais os achados anteriores.

Achados ecocardiográficos têm a capacidade de demonstrar alterações fisiopatológicas consequentes a isquemia miocárdica em fases anteriores e são, portanto, mais sensíveis do que os resultados clínicos e as alterações de ECG25. Nesta pesquisa, encontramos associação importante da dor suspeita, em pacientes com isquemia miocárdica à EEF e ao ECM.

Quanto aos achados ecocardiográficos, observaram-se presença significativa de AMP em repouso, maior IEMP sob estresse e alto ΔIEMP no G2. Os resultados associados à mortalidade geral foram AMP em repouso, EEF positiva e IMVE elevado. Aqueles associados a desfechos foram AMP em repouso, EEF positiva, FE baixa, alto IMVE e ΔIEMP. A EEF positiva manteve-se como um preditor independente de mortalidade após a análise multivariada; e, como preditores de ECM, mantiveram-se a EEF positiva e a baixa FE. Mesmo pacientes com AMP apenas em repouso apresentaram risco aumentado de ECM e morte neste estudo. Este achado também é descrito em recente estudo com 333 pacientes em que Schlett e cols.26 observaram que a probabilidade cumulativa de ECM em 2 anos aumentou em pacientes com AMP em repouso com estenose coronária (Risco Relativo - RR = 62,4%; log-rank p < 0,0001), mas também naqueles com AMP em repouso, sem estenose (RR = 15%; log-rank p < 0,0001).

O IMVE foi também relevante em pacientes com isquemia miocárdica na EEF e análise univariada. O risco de ECM foi representado pela ΔIEMP. Estes resultados são consistentes com os de uma coorte com 5.798 pacientes portadores de DAC conhecida ou suspeita, a qual demonstrou que a ΔIEMP teve valor prognóstico significativo para ECM27. Sabe-se que a ΔIEMP não está associada somente a um risco aumentado de eventos adversos, mas também com a mortalidade27.

Em uma coorte espanhola com 4.004 pacientes, 16,7% deles tinham isquemia miocárdica na EEF e ΔIEMP foi um preditor independente de mortalidade, bem como de ECM28. O mesmo não foi observado, porém, em relação à mortalidade, neste estudo. Este resultado pode ser explicado pelo uso de tratamento clínico adequado, com medicamentos que diminuem a mortalidade.

Além disso, foi demonstrado, na análise univariada, que a EEF positiva esteve associada com o risco de morte e ECM, permanecendo um indicador independente de ambos após análise multivariada. Vários estudos tratam o valor da EEF para predizer a mortalidade e ECM28-31. Esta pesquisa reforça a importância prognóstica da EEF, já estabelecida na literatura.

A aplicação de testes para fins de prognóstico baseia-se na premissa de que os pacientes identificados como em risco elevado de eventos adversos podem ser submetidos a intervenções mais invasivas destinadas a alterar a história natural do processo da doença, reduzindo o risco de eventos32,33. Ensaios clínicos randomizados têm demonstrado que as terapias com drogas e de revascularização coronária podem reduzir a mortalidade em grupos de pacientes34. Ensaios clínicos com terapia medicamentosa mostraram uma redução nas taxas de morte cardíaca, e de infarto do miocárdio fatal e não fatal35. Durante o estudo, observou-se que uma proporção significativa de pacientes com TE positivo para isquemia miocárdica não mostrou isquemia na EEF. De cada quatro TE positivos, três não apresentaram isquemia na EEF, ou seja, cerca de 75% dos pacientes estudados foram melhor analisados. Além disso, os 25% que tinham EEF positivo foram os que realmente estavam em risco aumentado de eventos cardíacos adversos, confirmando a importância da avaliação prognóstica da EEF.

A limitação deste estudo foi a falta de comparação dos resultados encontrados na população com os resultados da população que possui TE negativo para isquemia do miocárdio.

O tamanho da amostra, o tempo de acompanhamento (cerca de 9 anos) e o fato de que a pesquisa foi realizada em apenas um centro de estudo são fatores considerados favoráveis. A contribuição mais importante desta pesquisa é mostrar que a cada quatro TE positivo apenas um deles apresentou EEF positivo para isquemia miocárdica, o que, de fato, estratifica melhor essa população de risco baixo e intermediário para DAC, evitando a realização desnecessária de exames invasivos.

Conclusão

A ecocardiografia com estresse físico permite uma identificação mais precisa dos pacientes com maior risco de desenvolver eventos cardíacos adversos durante a evolução da doença arterial coronária, fornecendo assim informações prognósticas importantes para a prática clínica.

REFERÊNCIAS

Lloyd-Jones D, Adams R, Carnethon M, De Simone G, Ferguson TB, Flegal K, et al; American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Heart disease and stroke statistics - 2009 update: a report from the American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Circulation. 2009;119(3):480-6. Circulation. 2009;119(3):e182.
Ministério da Saúde. Datasus : informações sobre mortalidade e informações demográficas. [citado 2005 ago 10]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.
Jahnke C, Nagel E, Gebker R, Kokocinski T, Kelle S, Manka R, et al. Prognostic value of cardiac magnetic resonance stress tests: adenosine stress perfusion and dobutamine stress wall motion imaging. Circulation. 2007;115(13): 1769-76.
Scanlon PJ, Faxon DP, Audet AM, Carabello B, Dehmer GJ, Eagle KA, et al. ACC/AHA guidelines for coronary angiography. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on practice guidelines (Committee on Coronary Angiography). Developed in collaboration with the Society for Cardiac Angiography and Interventions. J Am Coll Cardiol. 1999;33(6):1756-824.
Heyndrickx GR, Baig H, Nellens P, Leusen I, Fishbein MC, Vatner SF. Depression of regional blood flow and wall thickening after brief coronary occlusions. Am J Physiol. 1978;234(6):H653-9.
Geft MC, Fishbein K, Ninomiya J, Hashida E, Chaux J, Yano J, et al. Intermittent brief periods of ischemia have a cumulative effect and may cause myocardial necrosis. Circulation. 1982;66(6):1150-3.
Gottlieb SO, Weisfeldt ML, Ouyang P, Mellits ED, Gerstenblith G. Silent ischemia as a marker for early unfavorable outcomes in patients with unstable angina. N Engl J Med. 1986;314(19):1214-9.
Roger VL, Jacobsen SJ, Pellikka PA, Miller TD, Bailey KR, Gersh BJ. Prognostic value of treadmill exercise testing: a population-based study in Olmsted County, Minnesota. Circulation. 1998;98(25):2836-41.
Goraya TY, Jacobsen SJ, Pellikka PA, Miller TD, Khan A, Weston SA, et al. Prognostic value of treadmill exercise testing in elderly persons. Ann Intern Med. 2000;132(11):862-70.
Gibbons RJ, Balady GJ, Bricker JT, Chaitman BR, Fletcher GF, Froelicher VF, et al; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Committee to Update the 1997 Exercise Testing Guidelines. ACC/AHA 2002 guideline update for exercise testing: summary article. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Update the 1997 Exercise Testing Guidelines). J Am Coll Cardiol. 2002;40(8):1531-40. Erratum in J Am Coll Cardiol. 2006;48(8):1731.
DePuey EG, Guertler-Krawczynska E, Perkins JV, Robbins WL, Whelchel JD, Clements SD. Alterations in myocardial thallium-201 distribution in patients with chronic systemic hypertension undergoing single photon emission computed tomography". Am J Cardiol. 1988;62(4):234-8.
Kowatsch I. Acurácia diagnóstica da ecocardiografia sob estresse associada ao estudo da perfusão miocárdica com contraste na avaliação da isquemia miocárdica: estudo comparativo entre adenosina e dobutamina. [Tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina . Universidade de São Paulo ; 2005.
Cheitlin MD, Armstrong WF, Aurigemma GP, Beller GA, Bierman FZ, Davis JL, et al. ACC/AHA/ASE 2003 Guideline Update for the Clinical Application of Echocardiography: summary article. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (ACC/AHA/ASE Committee to Update the 1997 Guidelines for the Clinical Application of Echocardiography). J Am Soc Echocardiogr. 2003;16(10):1091-110.
Picano E; American College of Cadiology; American Heart Association. Stress echocardiography for the diagnosis of coronary artery disease. Indian Heart J. 2003;55(3):223-7.
Barbosa MM, Nunes MCP, Campos Filho O, Camarozano A, Rabischoffsky A, Maciel BC, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes das indicações da ecocardiografia. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 supl.3):e265-e302.
Schiller NB, Shah PM, Crawford M, DeMaria A, Devereux R, Feigenbaum H, et al. Recommendations for quantitation of the left ventricle by two-dimensional echocardiography. American Society of Echocardiography Committee on Standards, Subcommittee on Quantitation of Two-Dimensional Echocardiograms. J Am Soc Echocardiogr. 1989;2(5):358-67.
Picard MH, Adams D, Bierig SM, Dent JM, Douglas PS, Gillam LD, et al; American Society of Echocardiography. American Society of Echocardiography Recommendations for quality echocardiography laboratory operations. J Am Soc Echocardiogr. 2011;24(1):1-10.
Sartorelli DS, Franco LJ. Tendências do diabetes mellitus no Brasil: o papel da transição nutricional. Cad Saúde Pública. 2003;19(1):S29-36.
Mota E, Moriguchi E. Dislipidemia em idosos: devemos tratar? Dislipidemia Today. 2001;1:3-10.
Wilhelmesen L, Rosengren A, Eriksson H, Lappas G. Heart failure in the general population of men: morbidity, risk factors and prognosis. J Intern Med. 2001;249(3):253-61.
Zanchetti A. The hipertensive patients with multiple risk factors. Is treatment really so difficult? Am J Hypertens. 1997;10(10 Pt 2):223S-9S.
Phillips AN, Shaper AG, Pocock SJ, Walker M, Macfarlane PW. The role of risk factors in heart attacks occurring in men with pre-existing ischaemic heart disease. Br Heart J. 1988;60(5):404-10.
Brewer HB Jr. Hypertriglyceridemia: changes in the plasma lipoproteins associated with an increased risk of cardiovascular disease. Am J Cardiol. 1999;83(9B):3F-12F.
Anderson JL, Muhlestein JB, Horne BD, Carlquist JF, Bair TL, Madsen TE, et al. Plasma homocysteine predicts mortality independently of traditional risk factors and C-reactive protein in patients with angiographically defined coronary artery disease. Circulation. 2000;102(11):1227-32.
Lewis WR. Echocardiography in the evaluation of patients in chest pain units. Cardiol Clin. 2005;23(4):531-9.
Schlett CL, Banerji D, Siegel E, Bamberg F, Lehman SJ, Ferencik M, et al. Prognostic value of CT angiography for major adverse cardiac events in patients with acute chest pain from the emergency department: 2-year outcomes of the ROMICAT trial. JACC Cardiovasc Imaging. 2011;4(5):481-91.
Arruda-Olson AM, Juracan EM, Mahoney DW, McCully RB, Roger VL, Pellikka PA. Prognostic value of exercise echocardiography in 5,798 patients: is there a gender difference? J Am Coll Cardiol. 2002;39(4):625-31.
Elhendy A, Mahoney DW, Burger KN, McCully RB, Pellikka PA. Prognostic value of exercise echocardiography in patients with classic angina pectoris. Am J Cardiol. 2004;94(5):559-63.
Arruda AM, Das MK, Roger VL, Klarich KW, Mahoney DW, Pellikka PA. Prognostic value of exercise echocardiography in 2,632 patients > or = 65 years of age. J Am Coll Cardiol. 2001;37(4):1036-41.
Oliveira JL, Barreto-Filho JA, Oliveira CR, Santana TA, Anjos-Andrade FD, Alves EO, et al. Prognostic value of exercise echocardiography in diabetic patients. Cardiovasc Ultrasound. 2009;7:24.
Yao S, Bangalore S, Ahuja A, Chaudhry FA. Stress echocardiography: risk stratification, prognosis, patient outcomes and cost-effectiveness. Minerva Cardioangiol. 2009;57(3):315-31.
Bouzas-Mosquera A, Peteiro J, Alvarez-Garcia N, Broullon FJ, Mosquera VX, Garcia-Bueno L, et al. Prediction of mortality and major cardiac events by exercise echocardiography in patients with normal exercise electrocardiographic testing. J Am Coll Cardiol. 2009;53(21):1981-90.
Elhendy A, Mahoney DW, Khandheria BK, Paterick TE, Burger KN, Pellikka PA. Prognostic significance of the location of wall motion abnormalities during exercise echocardiography. J Am Coll Cardiol. 2002;40(9):1623-9.
Alderman EL, Bourassa MG, Cohen LS, Davis KB, Kaiser GG, Killip T, et al. Ten-year follow-up of survival and myocardial infarction in the randomized Coronary Artery Surgery Study. Circulation. 1990;82(5):1629-46.
Jong P, Yusuf S, Rousseau MF, Ahn SA, Bangdiwala SI. Effect of enalapril on 12-year survival and life expectancy in patients with left ventricular systolic dysfunction: a follow-up study. Lancet. 2003;361(9372):1843-8