versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.5 São Paulo nov. 2014 Epub 28-Out-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140144
Estudos têm demonstrado a acurácia diagnóstica e o valor prognóstico da ecocardiografia com estresse físico na doença arterial coronária, mas a predição de mortalidade e de eventos cardíacos maiores, em pacientes com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica, é limitada.
Avaliar a predição de mortalidade e de eventos cardíacos maiores pela ecocardiografia com estresse físico em pacientes com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica.
Trata-se de uma coorte retrospectiva em que foram estudados 866 pacientes consecutivos, com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica, submetidos à ecocardiografia com estresse físico. Os pacientes foram divididos em dois grupos: ecocardiografia com estresse físico negativa (G1) ou positiva (G2) para isquemia miocárdica. Os desfechos avaliados foram mortalidade por qualquer causa e eventos cardíacos maiores, definidos como óbito cardíaco e infarto agudo do miocárdio não fatal.
O G2 constituiu-se de 205 (23,7%) pacientes. Durante o seguimento médio de 85,6 ± 15,0 meses, ocorreram 26 óbitos, sendo seis por causa cardíaca, e 25 casos de infarto agudo do miocárdio não fatais. Os preditores independentes de mortalidade foram idade, diabetes melito e a ecocardiografia com estresse físico + (hazard ratio: 2,69; intervalo de confiança de 95%: 1,20 - 6,01; p = 0,016), com os seguintes eventos cardíacos maiores: idade, doença arterial coronária prévia, ecocardiografia com estresse físico + (hazard ratio: 2,75; intervalo de confiança de 95%: 1,15 - 6,53; p = 0,022) e ausência do incremento de 10% na fração de ejeção. A mortalidade por qualquer causa e os eventos cardíacos maiores foram significativamente superiores no G2 (p < 0, 001 e p = 0,001, respectivamente).
A ecocardiografia com estresse físico oferece informações prognósticas adicionais em pacientes com teste ergométrico positivo para isquemia miocárdica.
Palavras-Chave: Ecocardiografia sob Estresse/mortalidade; Teste de Esforço; Esforço Físico; Doença da Artéria Coronariana; Isquemia Miocárdica
Studies have demonstrated the diagnostic accuracy and prognostic value of physical stress echocardiography in coronary artery disease. However, the prediction of mortality and major cardiac events in patients with exercise test positive for myocardial ischemia is limited.
To evaluate the effectiveness of physical stress echocardiography in the prediction of mortality and major cardiac events in patients with exercise test positive for myocardial ischemia.
This is a retrospective cohort in which 866 consecutive patients with exercise test positive for myocardial ischemia, and who underwent physical stress echocardiography were studied. Patients were divided into two groups: with physical stress echocardiography negative (G1) or positive (G2) for myocardial ischemia. The endpoints analyzed were all-cause mortality and major cardiac events, defined as cardiac death and non-fatal acute myocardial infarction.
G2 comprised 205 patients (23.7%). During the mean 85.6 ± 15.0-month follow-up, there were 26 deaths, of which six were cardiac deaths, and 25 non-fatal myocardial infarction cases. The independent predictors of mortality were: age, diabetes mellitus, and positive physical stress echocardiography (hazard ratio: 2.69; 95% confidence interval: 1.20 - 6.01; p = 0.016). The independent predictors of major cardiac events were: age, previous coronary artery disease, positive physical stress echocardiography (hazard ratio: 2.75; 95% confidence interval: 1.15 - 6.53; p = 0.022) and absence of a 10% increase in ejection fraction. All-cause mortality and the incidence of major cardiac events were significantly higher in G2 (p < 0. 001 and p = 0.001, respectively).
Physical stress echocardiography provides additional prognostic information in patients with exercise test positive for myocardial ischemia.
Key words: Echocardiography,Stress/mortality; Exercise Test; Physical Exertion; Coronary Artery Disease; Myocardial Ischemia
A Doença Arterial Coronária (DAC) é a causa mais comum de morbimortalidade nos países ocidentais1. No Brasil, as doenças cardiovasculares são responsáveis por mais de 30% das mortes2. A disponibilidade de novas opções terapêuticas efetivas torna mandatória a identificação de pacientes com risco aumentado de eventos cardiovasculares3. Embora a angiografia coronária permaneça como padrão-ouro para o diagnóstico de DAC4, as técnicas não invasivas têm papel importante no diagnóstico e na indicação de procedimento invasivo.
A isquemia miocárdica e o infarto ocorrem como resultados de alterações sequenciais conhecidas como "cascata isquêmica". Anormalidades na perfusão são seguidas por alterações metabólicas, disfunção diastólica do Ventrículo Esquerdo (VE), défice contrátil regional, alterações eletrocardiográficas e dor precordial5. A cascata isquêmica pode ser entendida como um espectro ao longo do qual diferentes marcadores de isquemia do miocárdio podem apresentar sensibilidade diferente6,7.
O Teste Ergométrico (TE) é o exame não invasivo recomendado inicialmente para o diagnóstico e a estratificação de risco de pacientes com suspeita de DAC8-10. No entanto, o uso do TE é limitado em várias situações, como na presença de Bloqueio do Ramo Esquerdo (BRE) ou de alterações do segmento ST no Eletrocardiograma (ECG) de repouso10, apontando para a necessidade de associação com métodos de imagem, visando melhorar a acurácia diagnóstica11.
A Ecocardiografia com Estresse Físico (EEF) tem alta sensibilidade e especificidade, com melhor precisão na detecção de DAC do que o ECG, o TE e o ecocardiograma de repouso12,13. As Alterações da Motilidade da Parede (AMP) do VE, detectadas pela EEF, aparecem mais precocemente do que a angina ou alterações do segmento ST14. Além disso, a EEF também apresenta valor adicional na localização e na quantificação de isquemia miocárdica e na predição de eventos adversos em pacientes portadores de DAC estabelecida15.
O objetivo desse estudo foi avaliar a predição de mortalidade e Eventos Cardíacos Maiores (ECM) pela EEF em pacientes com TE isquêmico.
Foram incluídos 866 pacientes consecutivos encaminhados para a EEF, no Serviço de Ecocardiografia do Hospital São Lucas, em Aracaju (SE), após seus respectivos médicos assistentes detectarem sinais eletrocardiográficos de isquemia miocárdica ao TE, entre janeiro de 2001 e junho de 2010. Os critérios de exclusão foram: TE negativo para isquemia miocárdica, presença de BRE, não confirmação de isquemia no TE (repetido como protocolo da EEF), recusa em participar do estudo e incapacidade de estabelecer contato telefônico durante o período de acompanhamento.
O protocolo consistiu em avaliação clínica completa com investigação de sintomas anteriores, como dor no peito ou dispneia, assim como fatores de risco para DAC, seguida de um ECG e uma ecocardiografia de repouso. Logo após, realizou-se o esforço físico em esteira rolante e procedeu-se novamente à aquisição das imagens ecocardiográficas. Os dados clínicos e demográficos, bem como os resultados dos testes de estresse, foram registados na base de dados. Os indivíduos foram divididos em dois grupos, de acordo com a ausência (G1) e a presença (G2) de isquemia do miocárdio à EEF.
Os pacientes foram examinados em período pós-prandial de refeição leve e mantiveram-se afastados de qualquer atividade física excessiva no dia em que o exame foi realizado. A investigação foi conduzida com o indivíduo em respiração espontânea em ar atmosférico, em sala com temperatura constante (20 a 24ºC). O protocolo de Bruce foi utilizado para a realização do TE. Durante o teste, os indivíduos foram monitorizados continuamente mediante o ECG de três derivações, sendo encorajados a alcançar seu pico máximo de esforço físico. O TE foi considerado positivo para isquemia miocárdica quando se constatava supradesnivelamento do segmento ST ou infradesnivelamento horizontal ou descendente ≥ 1 mm por pelo menos 60 a 80 ms do ponto J10.
O ecocardiograma foi realizado com equipamento Packard/Phillips Hewlett SONOS 5500, em conformidade com os aspectos técnicos descritos por Schiller e cols.16. Imagens ecocardiográficas bidimensionais foram obtidas com o paciente em decúbito lateral esquerdo, nas janelas acústicas paraesternal e apical, em repouso e imediatamente após o exercício, com registro eletrocardiográfico simultâneo, gravado em videocassete ou vídeo digital, avaliado por ecocardiografista experiente (nível III), como recomendado pela American Society of Echocardiography17 e, em caso de dúvida, foi analisado por um segundo avaliador, de igual experiência.
A movimentação da parede foi pontuada de 1 a 4 (1 se normal, 2 se hipocinesia, 3 se acinesia e 4 se discinesia), de acordo com um modelo de 16 segmentos. O Índice de Movimentação da Parede (IEMP) foi determinado em repouso e no pico do esforço como a soma das pontuações segmentares, dividida pelo número de segmentos visualizados. A função sistólica ventricular esquerda foi quantificada com base no IEMP, como: 1 se normal, 1,1 a 1,6 se disfunção ventricular discreta, 1,61 a 2 se disfunção ventricular moderada e > 2 se disfunção ventricular grave16. A diferença entre IEMP no esforço e em repouso foi chamada de ΔIEMP, sendo considerada normal quando igual a zero e anormal quando diferente de zero. Qualquer resultado em que houvesse o desenvolvimento de novas anormalidades de motilidade induzidas por esforço ou agravamento do défice contrátil preexistente, ou seja, a cada ΔIEMP diferente zero, foi considerada isquemia miocárdica à EEF, e a ausência de isquemia miocárdica foi definida como a ausência dos critérios acima referidos, isto é, ΔIEMP igual a zero.
O acompanhamento do paciente foi realizado por meio de entrevistas por telefone, contato com o médico assistente, ou revisão de prontuários. Óbitos por todas as causas e ECM foram considerados como eventos finais do estudo, sendo os ECM definidos como morte cardíaca e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) não fatal.
As variáveis categóricas foram descritas em percentagens e comparadas entre os grupos pelo teste do qui-quadrado ou exato de Fisher. As variáveis contínuas foram reportadas como média e Desvio Padrão (DP), e as diferenças entre os grupos foram realizadas pelo teste t de Student ou de Mann-Whitney, conforme apropriado. As curvas de eventos cumulativos foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier e comparadas pelo teste de log-rank. Para avaliar os fatores de risco para ECM e morte, foi utilizada a regressão de Cox, considerando análise univariada e multivariada. As variáveis incluídas no modelo multivariado foram todas aquelas com p < 0,1 na análise univariada. As diferenças foram consideradas significativas quando p < 0,05. As análises estatísticas foram processadas utilizando o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0 (Chicago, IL).
Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram obedecidos, e os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Informado. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 1818.0.000.107-06).
A população foi composta por 866 pacientes com alterações do segmento ST durante o TE e submetidos à EEF. Os pacientes foram divididos em dois grupos, sendo 661 (76,3%) sem isquemia ao EEF (ΔIEMP = 0) e pertencentes ao G1, e 205 (23,7%) com isquemia (ΔIEMP ≠ 0) pertencentes ao G2. O G1 teve idade média de 55,97 ± 11 anos e 298 (45,1%) homens, e o G2 de 58,96 ± 9,83 anos e 87 (42,4%) homens. O G2 apresentou, significativamente, maiores IMC (p = 0,002), idade (p < 0,001) e presença de dor torácica suspeita (p < 0,001) em relação ao G1; a dor não suspeita esteve mais presente no G1 (p = 0,004). Além disso, houve significativamente mais pacientes com hipertensão arterial (p = 0,004), diabetes melito (p = 0,001), dislipidemia (p = 0,01) e história familiar de DAC (p = 0,008) no G2. Não foram observadas outras diferenças significativas nas características clínicas dos pacientes nos grupos (Tabela 1).
Tabela 1 Características clínicas de pacientes com e sem isquemia miocárdica à ecocardiografia com estresse físico
Variáveis | G1 n = 661 (76,3%) | G2 n = 205 (23,7%) | Valor de p |
---|---|---|---|
Sexo masculino, n (%) | 298 (45,1) | 87 (42,4) | 0,506 |
Idade, anos | 55,97 ± 10,58 | 58,96 ± 9,83 | 0,001 |
IMC, kg/m2 | 27,13 ± 4,05 | 28,14 ± 4,30 | 0,002 |
Dor torácica suspeita, n (%) | 25 (3,8) | 53 (26,0) | 0,001 |
Dor torácica não suspeita, n (%) | 391 (59,3) | 98 (48,0) | 0,004 |
Obesidade, n (%) | 137 (21,2) | 53 (26,1) | 0,141 |
Hipertensão, n (%) | 341 (51,7) | 129 (63,2) | 0,004 |
Diabete melito, n (%) | 76 (11,5) | 42 (20,6) | 0,001 |
Dislipidemia, n (%) | 428 (64,8) | 152 (74,5) | 0,001 |
Fumante, n (%) | 34 (5,2) | 15 (7,4) | 0,235 |
História familiar de DAC, n (%) | 361 (54,7) | 133 (65,2) | 0,008 |
Diagnóstico prévio de DAC, n (%) | 75 (11,3) | 31 (15,1) | 0,150 |
Uso de betabloqueador, n (%) | 121 (18,4) | 49 (23,9) | 0,081 |
Uso de antagonista de cálcio, n (%) | 34 (5,2) | 16 (7,8) | 0,152 |
G1: Pacientes sem isquemia miocárdica; G2: pacientes com isquemia miocárdica; IMC: índice de massa corporal; DAC: doença arterial coronária.
De cada quatro TE positivos, três não apresentaram isquemia à EEF, ou seja, cerca de 75% dos pacientes estudados foram melhor analisados.
O G2 apresentou significativamente menor Frequência Cardíaca (FC) de pico (p < 0,001), maior AMP em repouso (p = 0,036), maior IEMP no esforço e maior ΔIEMP (p < 0,001). Em relação aos outros parâmetros hemodinâmicos e ecocardiográficos, não houve diferenças significativas entre G1 e G2 (Tabela 2).
Tabela 2 Achados hemodinâmicos e ecocardiográficos em pacientes sem (G1) e com isquemia (G2) na ecocardiografia com estresse físico
Variáveis | G1 n = 661 (76,3%) | G2 n = 205 (23,7%) | Valor de p |
---|---|---|---|
PAS, mmHg | |||
Repouso | 127,65 ± 13,12 | 130,44 ± 13,36 | 0,080 |
Pico | 187,72 ± 20,16 | 187,82 ± 21,20 | 0,950 |
PAD, mmHg | |||
Repouso | 84,10 ± 14,31 | 83,55 ± 12,57 | 0,626 |
Pico | 87,26 ± 9,21 | 88,02 ± 9,40 | 0,304 |
FC, bpm | |||
Repouso | 77,35 ± 13,80 | 76,58 ± 12,82 | 0,478 |
Pico | 157,36 ± 18,02 | 147,23 ± 18,68 | < 0,001 |
Arritmia, n (%) | 147 (22,2) | 59 (28,8) | 0,055 |
AMP, n (%) | 84 (12,7) | 38 (18,5) | 0,036 |
FE (%) | 0,66 ± 0,06 | 0,66 ± 0,06 | 0,165 |
lEMP | |||
Repouso | 1,03 ± 0,15 | 1,04 ± 0,12 | 0,800 |
Esforço | 1,03 ± 0,15 | 1,17 ± 0,18 | < 0,001 |
AIEMP | 0,0 ± 0,0 | 0,35 ± 0,13 | < 0,001 |
PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; FC: frequência cardíaca; AMP: alterações da mobilidade da parede; FE: fração de ejeção; IEMP: índice de movimentação da parede; ΔIEMP: diferença entre o índice de movimentação da parede de repouso e o de esforço.
Durante o seguimento médio de 85,6 ± 15,0 meses, houve 26 mortes por qualquer causa, sendo sete no G1 (morte súbita, sepse, acidente vascular cerebral, obstrução das vias aéreas e neoplasias) e 19 no G2 (insuficiência renal, sepse, pancreatite e neoplasias) e 31 ECM (sendo uma morte cardíaca e cinco IAM no G1, e cinco mortes cardíacas e 20 IAM no G2). Quanto a mortalidade geral, na análise univariada, as variáveis significativas foram: idade ≥ 60 anos (p < 0,001), diabetes melito (p = 0,001), AMP em repouso (p = 0,003), EEF positiva (p = 0,001) e Índice de Massa Ventricular Esquerda (IMVE; p < 0,001).
Quanto aos ECM, as variáveis significativas na análise univariada foram: sexo masculino (p = 0,044), idade ≥ 60 anos (p <0,001), dor torácica típica (p = 0,030), dor torácica atípica (p = 0,017), diabetes melito (p = 0,005), dislipidemia (p = 0,019), DAC anterior (p < 0,001), AMP em repouso (p < 0,001), EEF positiva (p < 0,001), Fração de Ejeção do VE (FEVE; p <0,001), IMVE (p = 0,006) e ΔIEMP (p = 0,042). (Tabela 3). Na análise multivariada, os preditores independentes de mortalidade foram idade ≥ 60 anos, diabetes melito e EEF positiva. Os preditores independentes de ECM foram idade ≥ 60 anos, DAC anterior, EEF positiva e ausência do aumento de 10% na FE (Tabelas 4 e 5).
Tabela 3 Análise univariada dos preditores de mortalidade e eventos cardíacos maiores (ECM)
Variáveis | Mortalidade geral | ECM | ||
---|---|---|---|---|
RR (IC95%) | Valor de p | RR (IC 5%) | Valor de p | |
Sexo masculino | 0,80 (0,36-1,77) | 0,586 | 2,10 (1,02-4,33) | 0,044 |
Idade (≥ 60 anos) | 8,32 (2,90-24,14) | < 0,001 | 5,18 (2,23-12,03) | < 0,001 |
Dor torácica suspeita | 2,01 (0,69-5,85) | 0,200 | 2,68 (1,10-6,56) | 0,030 |
Dor torácica não suspeita | 0,55 (0,25-1,20) | 0,130 | 0,41 (0,20-0,85) | 0,017 |
Obesidade | 0,14 (0,02-1,03) | 0,053 | 1,25 (0,56-2,79) | 0,591 |
Hipertensão | 1,70 (0,75-3,80) | 0,203 | 1,79 (0,84-3,81) | 0,129 |
Diabete melito | 4,00 (1,82-8,83) | 0,001 | 2,99 (1,40-6,35) | 0,005 |
Dislipidemia | 0,96 (0,43-2,14) | 0,911 | 3,51 (1,23-10,03) | 0,019 |
Tabagismo | 1,27 (0,30-5,37) | 0,748 | 0,49 (0,07-3,63) | 0,489 |
Diagnóstico prévio de DAC | 2,16 (0,87-5,39) | 0,098 | 7,47 (3,69-15,13) | < 0,001 |
Hipertensão (pico do esforço) | 0,42 (0,10-1,76) | 0,232 | 0,72 (0,25-2,05) | 0,534 |
Arritmia | 2,01 (0,92-4,43) | 0,083 | 1,34 (0,62-2,90) | 0,464 |
AMP em repouso | 3,40 (1,52-7,63) | 0,003 | 6,26 (3,09-12,67) | < 0,001 |
EEF positivo | 3,67 (1,66-8,12) | 0,001 | 5,10 (2,39-10,90) | < 0,001 |
Aumento de 10% na FE | 0,67 (0,41-1,12) | 0,127 | 0,41 (0,27-0,61) | < 0,001 |
Aumento de 10g/m no IMVE | 1,39 (1,17-1,64) | < 0,001 | 1,27 (1,07-1,50) | 0,006 |
ΔIEMP alterado | 1,65 (0,72-3,82) | 0,240 | 2,16 (1,03-4,53) | 0,042 |
RR: risco relativo: IC95%: intervalo de confiança de 95%; DAC: doença arterial coronária; AMP: alterações da mobilidade da parede; EEF: ecocardiografia com estresse físico; FE: fração de ejeção; IMVE: Índice de massa do ventrículo esquerdo; ΔIEMP: Diferença entre o Índice de movimentação da parede de repouso e o de esforço.
Tabela 4 Análise multivariada dos preditores de mortalidade total
Variáveis | RR (IC95%) | Valor de p |
---|---|---|
Idade ≥ 60 anos | 6,61 (2,25-19,4) | 0,001 |
Diabete melito | 2,37 (1,06-5,31) | 0,035 |
EEF positiva | 2,69 (1,20-6,01) | 0,016 |
RR: risco relativo; IC95%: intervalo de confiança de 95%; EEF: ecocardiografia com estresse físico.
Tabela 5 Análise multivariada dos preditores de eventos cardíacos maiores
Variáveis | RR (IC95%) | Valor de p |
---|---|---|
Idade ≥ 60 anos | 4,39 (1,77-10,9) | 0,014 |
DAC prévia | 2,85 (1,27-6,38) | 0,011 |
EEF positivo | 2,75 (1,15-6,53) | 0,022 |
FE (aumento de 10%) | 0,56 (0,37-0,85) | 0,007 |
RR: risco relativo; IC95%: intervalo de confiança de 95%; DAC: doença arterial coronária; EEF: ecocardiografia com estresse físico; FE: fração de ejeção
Para os ECM houve diferença significativa entre os grupos G1 vs. G2, com p = 0,022. Para a mortalidade geral, também houve diferença significativa entre G1 vs. G2, com p = 0,016.
As curvas de mortalidade e ECM são mostradas nas Figuras 1 e 2, respectivamente.
Este estudo demonstrou que a EEF é um preditor independente de morte e ECM em portador de TE isquêmico. Os preditores independentes de mortalidade após a análise multivariada foram: idade ≥ 60 anos, diabetes melito e EEF positiva. Para ECM, foram idade ≥ 60 anos e DAC prévia. Vários estudos têm mostrado as características clínicas acima descritas como fatores de risco bem estabelecidos para DAC18-21 e como preditores de eventos adversos em pacientes com angina estável, ou suspeita, ou DAC estabelecida22-24. Nossos resultados corroboram ainda mais os achados anteriores.
Achados ecocardiográficos têm a capacidade de demonstrar alterações fisiopatológicas consequentes a isquemia miocárdica em fases anteriores e são, portanto, mais sensíveis do que os resultados clínicos e as alterações de ECG25. Nesta pesquisa, encontramos associação importante da dor suspeita, em pacientes com isquemia miocárdica à EEF e ao ECM.
Quanto aos achados ecocardiográficos, observaram-se presença significativa de AMP em repouso, maior IEMP sob estresse e alto ΔIEMP no G2. Os resultados associados à mortalidade geral foram AMP em repouso, EEF positiva e IMVE elevado. Aqueles associados a desfechos foram AMP em repouso, EEF positiva, FE baixa, alto IMVE e ΔIEMP. A EEF positiva manteve-se como um preditor independente de mortalidade após a análise multivariada; e, como preditores de ECM, mantiveram-se a EEF positiva e a baixa FE. Mesmo pacientes com AMP apenas em repouso apresentaram risco aumentado de ECM e morte neste estudo. Este achado também é descrito em recente estudo com 333 pacientes em que Schlett e cols.26 observaram que a probabilidade cumulativa de ECM em 2 anos aumentou em pacientes com AMP em repouso com estenose coronária (Risco Relativo - RR = 62,4%; log-rank p < 0,0001), mas também naqueles com AMP em repouso, sem estenose (RR = 15%; log-rank p < 0,0001).
O IMVE foi também relevante em pacientes com isquemia miocárdica na EEF e análise univariada. O risco de ECM foi representado pela ΔIEMP. Estes resultados são consistentes com os de uma coorte com 5.798 pacientes portadores de DAC conhecida ou suspeita, a qual demonstrou que a ΔIEMP teve valor prognóstico significativo para ECM27. Sabe-se que a ΔIEMP não está associada somente a um risco aumentado de eventos adversos, mas também com a mortalidade27.
Em uma coorte espanhola com 4.004 pacientes, 16,7% deles tinham isquemia miocárdica na EEF e ΔIEMP foi um preditor independente de mortalidade, bem como de ECM28. O mesmo não foi observado, porém, em relação à mortalidade, neste estudo. Este resultado pode ser explicado pelo uso de tratamento clínico adequado, com medicamentos que diminuem a mortalidade.
Além disso, foi demonstrado, na análise univariada, que a EEF positiva esteve associada com o risco de morte e ECM, permanecendo um indicador independente de ambos após análise multivariada. Vários estudos tratam o valor da EEF para predizer a mortalidade e ECM28-31. Esta pesquisa reforça a importância prognóstica da EEF, já estabelecida na literatura.
A aplicação de testes para fins de prognóstico baseia-se na premissa de que os pacientes identificados como em risco elevado de eventos adversos podem ser submetidos a intervenções mais invasivas destinadas a alterar a história natural do processo da doença, reduzindo o risco de eventos32,33. Ensaios clínicos randomizados têm demonstrado que as terapias com drogas e de revascularização coronária podem reduzir a mortalidade em grupos de pacientes34. Ensaios clínicos com terapia medicamentosa mostraram uma redução nas taxas de morte cardíaca, e de infarto do miocárdio fatal e não fatal35. Durante o estudo, observou-se que uma proporção significativa de pacientes com TE positivo para isquemia miocárdica não mostrou isquemia na EEF. De cada quatro TE positivos, três não apresentaram isquemia na EEF, ou seja, cerca de 75% dos pacientes estudados foram melhor analisados. Além disso, os 25% que tinham EEF positivo foram os que realmente estavam em risco aumentado de eventos cardíacos adversos, confirmando a importância da avaliação prognóstica da EEF.
A limitação deste estudo foi a falta de comparação dos resultados encontrados na população com os resultados da população que possui TE negativo para isquemia do miocárdio.
O tamanho da amostra, o tempo de acompanhamento (cerca de 9 anos) e o fato de que a pesquisa foi realizada em apenas um centro de estudo são fatores considerados favoráveis. A contribuição mais importante desta pesquisa é mostrar que a cada quatro TE positivo apenas um deles apresentou EEF positivo para isquemia miocárdica, o que, de fato, estratifica melhor essa população de risco baixo e intermediário para DAC, evitando a realização desnecessária de exames invasivos.
A ecocardiografia com estresse físico permite uma identificação mais precisa dos pacientes com maior risco de desenvolver eventos cardíacos adversos durante a evolução da doença arterial coronária, fornecendo assim informações prognósticas importantes para a prática clínica.