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Educação para os profissionais de saúde: a experiência da Escola de Aperfeiçoamento do SUS no Distrito Federal, Brasil

Educação para os profissionais de saúde: a experiência da Escola de Aperfeiçoamento do SUS no Distrito Federal, Brasil

Autores:

Wania Maria do Espírito Santo Carvalho,
Maria Dilma Alves Teodoro

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.6 Rio de Janeiro jun. 2019 Epub 27-Jun-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018246.08452019

Introdução

O debate sobre a Educação Permanente em Saúde (EPS) surge em meados dos anos 1970, no âmbito do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). Segundo a OPAS, a maioria dos países das Américas precisaria fazer amplas mudanças em seus sistemas de saúde para alcançar a meta de saúde para todos no ano 2000. Para tanto, o relatório propõe que a formação de profissionais de saúde seja responsabilidade dos sistemas de saúde com vistas à mudança das práticas profissionais cotidianas, e aponta a EPS como um dos caminhos para promover o desenvolvimento e o fortalecimento dos sistemas locais de saúde1,2.

No Brasil, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e o texto constitucional que estabelece no artigo 200 que “ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei, ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde”3, convocam um posicionamento acerca da política de formação de trabalhadores para a saúde. Em 2004, o Ministério da Saúde assume a tarefa que lhe é constitucionalmente atribuída e, por meio da Portaria nº 198/GM/MS, implanta a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS)4.

A institucionalização da PNEPS no SUS estimula reflexões e produções teóricas a respeito da educação na área da saúde e apresenta como eixo central a discussão sobre a dualidade entre duas noções: a educação permanente em saúde, como uma proposta pedagógica com potência para mudar as práticas de saúde e a educação continuada (EC), cuja ênfase reside na transmissão de conhecimento, com baixa capacidade de promover as mudanças necessárias5,6. A pretensa primazia da EP sobre a educação continuada (EC) não é consenso na literatura acadêmica e não é verificada nas práticas cotidianas de educação na área da saúde7-9.

Alguns autores entendem que a EP pode conter a EC10, outros afirmam que a EC pode ser até mais abrangente11 ou que os dois conceitos podem ser considerados sinônimos, assim como a educação de adultos12. Desse modo, ambas as noções são utilizadas sem que necessariamente sejam coerentes com a distinção conceitual que propõe a PNEPS.

Não é objetivo deste texto discutir os conceitos de educação permanente e educação continuada ou definir neste momento a nomenclatura adequada para nossas ações, mas apresentar como, à luz desses conceitos e alinhada com a proposta da PNEPS, a Escola de Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (EAPSUS) tem operacionalizado suas ações educativas na perspectiva de um projeto político pedagógico direcionado não para a educação formal na área de saúde, mas para o cotidiano dos trabalhadores do SUS.

A EAPSUS foi criada pelo Decreto nº 34.593, de 22 de agosto de 2013, e compõe o conjunto de escolas mantidas pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). A FEPECS, criada em 15/01/2001, Lei n° 2.676, de 12 de janeiro de 2001, é uma Fundação com personalidade jurídica de direito público, de caráter científico-tecnológico, educacional, sem fins lucrativos, vinculada diretamente à Secretaria de Saúde do Distrito Federal, obedecendo aos princípios da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Constitui-se como mantenedora da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), da Escola Técnica de Saúde de Brasília (ETESB) e da EAPSUS.

No âmbito da FEPECS as responsabilidades pelas ações de formação na área da saúde são bem definidas. Cabe a ETESB a formação técnica profissional, realizada por meio da oferta de cursos técnicos e pós-técnicos, a ESCS a acadêmica com os cursos de graduação em medicina e enfermagem, cursos de especialização, mestrado acadêmico e profissional, além das residências médicas e multiprofissionais; a EAPSUS ações educativas de aperfeiçoamento e atualização voltadas para profissionais da SES/DF, atores envolvidos com o controle social e profissionais de instituições parceiras no governo do Distrito Federal. As três escolas mantidas pela FEPECS constituem espaço privilegiado de formação na área da saúde no DF dada a complementaridade de suas atividades educacionais – a missão de cada Escola, e ao modo articulado como desenvolvem suas ações. Para além de sua organização, seus projetos pedagógicos apresentam profundo alinhamento com as diretrizes da PNEPS, tanto no que se refere à opção teórica e metodológica, como pelo fato das escolas serem vinculadas à Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF) e atuarem de modo conjunto.

Em relação aos cursos de livres – atualização, extensão e aperfeiçoamento, denominados amplamente de cursos de educação permanente e educação continuada, esfera de atuação da EAPSUS, todos aqueles que trabalham no setor da saúde reconhecem a existência de um excesso de demandas por ações educativas para enfrentar situações e problemas cujas causas, muitas vezes, não são de ordem do conhecimento. Essas ações, acriticamente chamadas de capacitações, comportam via de regra uma visão reducionista de educação e de como se dá o processo ensino-aprendizagem. O que se observa é a predominância de uma visão de gestão que atribuí a baixa eficácia das ações de saúde à falta de competência dos profissionais13. Deste modo, para cada programa de ação são demandadas capacitações que, muitas vezes, se limitam a uma ação de prescrições aos profissionais. Nessa ótica, a suposta falta de capacidade dos profissionais pode ser corrigida pela oferta sem fim de cursos que consomem recursos de toda ordem e que, ao final, não geram os efeitos esperados nas práticas profissionais e tampouco na qualidade dos serviços prestados.

Podemos afirmar que a incapacidade da maioria dessas propostas educativas de promover mudanças reside, fundamentalmente, no modo descontextualizado como são construídas e, principalmente, como são pedagogicamente organizadas e conduzidas. Reconhecemos as demandas legítimas do setor saúde por ações educativas, determinadas pela emergência de novos aportes teóricos e metodológicos, pela necessidade de reorganização de serviços, atualização de protocolos ou implementação de programas de ação e defendemos que as respostas a essas demandas devem ser pedagogicamente referenciadas e ofertadas de modo singularizado, por meio de diferentes atividades educativas. No início dos anos 2000, Libânio14 apontou que um dos fenômenos mais significativos dos processos sociais contemporâneos era a ampliação do conceito de educação e a diversificação da ação pedagógica e hoje essa afirmação é ainda muito pertinente.

No âmbito da SES/DF, a educação para profissionais configura um campo complexo de atuação, pois precisa combinar temas e conteúdos atualizados e de qualidade com abordagens metodológicas inovadoras, que considerem o perfil de seus profissionais: heterogeneamente qualificado nas várias áreas da saúde, com grande diversidade de origens culturais, geográficas, de formação acadêmica e com pouquíssima disponibilidade de tempo para se dedicarem aos processos de educação.

Adicionalmente, a educação precisa atuar em um contexto de pluralismo institucional e social, marca das sociedades contemporâneas, cujas transformações estruturais trouxeram para o setor saúde, especialmente nos últimos anos, inúmeros desafios. Tais desafios se expressam na emergência de novas tarefas, com a incorporação de novas ferramentas tecnológicas e organizacionais, que exigem a constante (re) organização dos processos de trabalho. Trabalhar nesse cenário de contínuas mudanças exige esforço cognitivo e aquisição de competências diversificadas, como autonomia, adaptabilidade, cooperação, capacidade de negociação, liderança e comunicação, a serem desenvolvidas, tanto nos processos educativos voltados para os profissionais da SES, como no interior da própria equipe da Escola.

Desse modo, o primeiro desafio enfrentado pela EAPSUS foi desenvolver iniciativas que envolvessem os seus técnicos nos processos de ensino-aprendizagem e de intercâmbio de conhecimentos e experiências, além de outras voltadas para a reflexão pedagógica e atualização de facilitadores, instrutores e colaboradores da Escola. Também foi importante estimular a equipe a refletir agir no sentido de aproveitar as potencialidades existentes e desenvolver novas competências para construir, coletivamente, soluções coerentes com os problemas identificados, tornando possível efetivar um processo de ensino-aprendizagem de qualidade.

Na relação com a SES, acreditamos que as propostas de mudanças na área da educação precisam ser incansavelmente negociadas com as áreas técnicas a cada demanda e implantadas de modo compartilhado e gradual.

A proposta da EAPSUS: diretrizes, método e eixos de atuação

O trabalho na saúde apresenta especificidades, pois se trata de um labor reflexivo, em que a tomada de decisões implica a articulação de diferentes saberes que provêm de bases científicas, instrumentais e tecnológicas, e são sempre mediadas pela dimensão ético-política. Exige (cada dia mais) comprometimento e proatividade de profissionais que sejam capazes de articular experiências pessoais com conhecimentos e informações atualizadas, que possuam flexibilidade, disposição e criatividade necessárias para assumir mudanças e vencer os desafios que se colocam no cotidiano dos serviços. Como em outros campos de trabalho, a complexidade, a heterogeneidade e a fragmentação conceitual e técnica são características do processo de trabalho em saúde e desafiam cotidianamente os trabalhadores.

Na compreensão mais geral, cabe à educação – permanente ou continuada – resolver as questões advindas desse quadro. Esse é o desafio que se apresenta para a Escola: construir processos educativos que deem conta de atualizar conhecimentos e promover reflexões, pois, mais do que aprender a fazer, é preciso desenvolver capacidade para operar mudanças.

Nesse sentido, é preciso operar mudanças também nos processos de educação. Referimo-nos a um ensino pautado na qualidade da assistência, tendo em vista a eficiência e a relevância do trabalho em saúde. Para tanto, é preciso forjar profissionais de saúde capazes de recuperar a dimensão essencial do cuidado em saúde: a relação entre humanos15.

Por favorecer movimentos de rupturas com o modelo tradicional de ensinar e aprender, a EAPSUS assume como referencial teórico pedagógico a Pedagogia da Problematização, que pressupõe a construção do conhecimento a partir da realidade dos profissionais, promovendo a reflexão conjunta e a troca de experiências. A educação problematizadora oferece a possibilidade de construção do conhecimento a partir de experiências significativas. Assim, os conteúdos são oferecidos também na forma de problemas, cujas relações devem ser descobertas e construídas no processo ensino-aprendizagem. Referenciado na aprendizagem significativa16, o conteúdo deve relacionar-se com conhecimentos prévios, permitindo que os profissionais atribuam a ele um significado próprio. Dessa maneira, é possível interagir com o conteúdo sistematizado de forma ativa, como ator principal do processo de construção do conhecimento. Esse processo pedagógico é capaz de levar a movimentos mais amplos de mudança estimulando a gestão participativa e o papel protagonista dos profissionais.

A pedagogia da problematização tem Paulo Freire como sua maior referência. Segundo Freire17, os problemas a serem estudados devem ser contextualizados em um cenário real, identificado com todas as suas contradições e instabilidades. No pensamento freiriano a educação não é concebida como mero depósito de conteúdos em sujeitos vazios de conhecimento – o que Freire denomina de educação bancária –, mas deve ser entendida como a problematização dos homens nas suas relações com o mundo18. A educação problematizadora fundamenta-se na relação dialógica e na aprendizagem conjunta19, com vistas a realizar a leitura da realidade, condição para que se concretize a possibilidade de uma aprendizagem emancipatória. Ler o mundo consiste em compreender o lugar em que se está inserido, pois partir da leitura do mundo, os homens, abertos aos diferentes objetos cognoscíveis que os cercam, são capazes de transcender suas percepções, ampliando seus conhecimentos20.

No contexto pedagógico, problematizar é buscar a superação das práticas que se limitam à transferência de informações. É desafiar as pessoas a pensarem numa perspectiva global, mas principalmente local, estimulando-as a conhecer melhor seus contextos, a levantar hipóteses, confrontar ideias e chegar às suas próprias interpretações dos fatos e, deste modo, resolver problemas.

Na organização do processo pedagógico, é necessário garantir um movimento alternado de continuidade e ruptura em relação aos conhecimentos que os profissionais possuem. Para tanto, o recorte do conteúdo deve apoiar-se em uma estrutura cognitiva já existente e verificar o que os profissionais já sabem para relacionar os novos conteúdos à experiência pré-existente – continuidade. De outro lado, é preciso provocar novas necessidades e desafios, por meio da análise crítica permitindo ao profissional superar suas experiências prévias, os estereótipos e as sínteses elaboradas anteriormente – esse é o processo de ruptura21. Como método, a relação ação-reflexão-ação (práxis transformadora) é o eixo que orienta o processo.

A metodologia da problematização é uma das manifestações construtivistas e defende que o propósito maior da educação é preparar o sujeito para tomar consciência de seu mundo e atuar intencionalmente para transformá-lo. No âmbito da saúde, é preciso estimular que os profissionais se mantenham em constante processo de aprendizagem: ativos, observadores, capazes de formular perguntas e expressar opiniões, motivados pela percepção de problemas reais e pela capacidade de solucioná-los.

Uma ação educativa deve permitir, para além da aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de diferentes ingredientes da competência: o reconhecimento e a valorização da experiência, o desenvolvimento da sinergia entre o conhecimento e a face singular de cada situação de trabalho, a capacidade de identificar lacunas na sua formação e promover uma mobilização de si para inclusão de outras referencias, a busca pela complementaridade com o outro e o fortalecimento do trabalho coletivo22.

Do ponto de vista das relações interpessoais, os profissionais, motivados pelo estímulo e desafio da proposta metodológica, exercitam a capacidade de observação, análise e avaliação, mediada pelo intercâmbio e a cooperação entre os membros do grupo, para que superem conflitos e desenvolvam a aprendizagem grupal. Além disso, há a possibilidade de criação (ou adaptação) de tecnologias viáveis e culturalmente compatíveis.

É assim que, alinhada à referência metodológica da educação problematizadora proposta pela PNEPS, a Escola busca inverter a lógica do processo ensino-aprendizagem, incorporando ensino e aprendizado à vida cotidiana para que os profissionais se tornem atores reflexivos da sua prática e construtores de alternativas de ação22.

O grande desafio colocado para a consecução de mudanças na concepção das ações educativas promovidas pela EAPSUS foi compreender que diante da dimensão da SES/DF, que possui hoje aproximadamente 33.700 servidores ativos, as demandas por ações educativas são amplas, complexas e diversificadas.

Ante o tamanho do desafio que se impõe, a Escola definiu alguns pontos que, na prática, permitem operacionalizar os pressupostos teóricos (e metodológicos) que orientam sua proposta pedagógica, a saber:

  1. Os cursos são oferecidos de modo regionalizado, ou seja, são organizados por Regiões de Saúde, tendo como horizonte trabalhar com serviços ou grupos de serviços contando com aproximadamente 30 participantes. Essa decisão tem como objetivo superar a lógica de cursos pulverizados (uma prática comum e bastante internalizada na SES) em que um ou dois representantes de cada Região (ou serviço) são convidados (ou convocados) individualmente a participar de um curso e que, ao final, ainda que seja um bom curso e que tenham um bom desempenho e adesão ao tema tratado, as possibilidades de transformar a realidade dos seus serviços são muito limitadas;

  2. O material didático pedagógico é organizado em sequências de atividades prevendo momentos de concentração em sala de aula e tarefas de dispersão. As atividades de dispersão devem incorporar a observação da realidade, identificação de problemas, levantamento de dados e informações epidemiológicas pertinentes e, especialmente, a percepção dos profissionais acerca do problema e do contexto. Para tanto são propostos exercícios individuais ou em grupos. Os cursos podem incluir, em uma ou mais etapas de seu desenvolvimento, atividades que proporcionem aprendizado em sala de aula, como parte do processo. Os momentos em sala de aula buscam análise da prática e proposição (e desenvolvimento) de novas ações. Adicionalmente, esses momentos são cruciais para o planejamento de tarefas de mediação institucional que possibilitem a criação ou a extinção de contextos organizativos que favorecem ou inibem determinadas práticas;

  3. Como produto final os cursos devem propor Projetos de Intervenção (PI), cujo grau de complexidade é determinado pela carga horária do curso e o recorte de conhecimento trabalhado. A proposta da Escola de apresentação dos PI para gestores (regionais e locais) e para toda equipe dos serviços potencializa os projetos, que podem desencadear processos de mudanças e, na prática, promovem a incorporação nos serviços de novos conhecimentos e tecnologias.

Na construção das ações educativas, a discussão com as áreas técnicas demandantes está pautada na reflexão sobre alguns aspectos essenciais respondidos a partir da seguinte questão: qual problema precisa ser enfrentado e de que modo sua solução passa por uma intervenção pedagógica? Responder esta questão ajuda a construir o eixo estruturante dos cursos e definir o recorte de conteúdo necessário para atingir os objetivos esperados, que devem ser minuciosamente descritos e debatidos durante a construção da ação. As reuniões com as diferentes áreas técnicas da SES têm sido produtivas e configuram, por si só, um processo educativo, na medida em que oportunizam um olhar diferenciado para a realidade dos serviços. Essa etapa de construção conjunta, na maioria das vezes, produz resultados inesperados, que vão desde uma adesão irrestrita à proposta pedagógica da Escola até a sua total rejeição, frequentemente motivada por questões operacionais, questões de tempo ou descrença e desconhecimento, passando ainda pela constatação de que a resolução do problema identificado não está no âmbito de uma ação pedagógica.

Desenvolver currículos específicos, juntamente com os profissionais das equipes das áreas técnicas demandantes, em oficinas de trabalho, significa empreender uma tarefa quase “artesanal” de construir sequências de atividades que, em síntese, caminham por etapas distintas e encadeadas, a partir de um problema detectado na realidade, utilizando um conjunto de técnicas, procedimentos ou atividades, intencionalmente selecionadas e organizadas, de acordo com a natureza do problema e do contexto em que ele se expressa. A organização desta sequencia de atividades é inspirada no Método do Arco, desenvolvido por Charles Maguerez, segundo o esquema apresentado por Bordenave e Pereira23. Deste esquema constam as cinco etapas que se seguem: 1) observação da realidade, 2) identificação dos pontos chaves (causas e efeitos relacionados à realidade observada), 3) teorização, 4) hipóteses de solução e, 5) aplicação à realidade. Na discussão das “hipóteses de solução”, após ter observado o problema e entendido sua natureza, os profissionais podem propor soluções que consideram adequadas e viáveis. A problematização permite o uso de técnicas didáticas diversas: a exposição oral e a aprendizagem de rotinas operativas, trabalho em pequenos grupos, discussão de casos e protocolos, leitura de textos e utilização de recursos audiovisuais. São diferentes arranjos pedagógicos possíveis, capazes de responder a estratégias específicas para o alcance de objetivos específicos24. O material didático pedagógico é ajustado e validado com a realização da primeira turma, por meio da avaliação formativa, dita processual ou de desenvolvimento, que ocorre ao longo de todo o processo de ensino-aprendizagem25. São avaliações que acompanham os profissionais estudantes em direção aos objetivos almejados e, concomitantemente, avaliam a qualidade do material e a pertinência das técnicas didáticas escolhidas.

Para além da construção de um conjunto de ofertas, a EAPSUS tem trabalhado na lógica da descentralização das ações educativas, construindo parcerias e estimulando intervenções articuladas, por meio de mecanismos que podem viabilizar os objetivos pretendidos e que merecem atenção especial nos contextos de ensino-aprendizagem.

O Projeto O Trabalho com Grupos no Contexto Pedagógico, desenvolvido pela Escola, cujo objetivo é aperfeiçoar as competências dos profissionais que atuam com educação na SES/DF, traduz-se numa ação educativa que deve permitir à SES tomar, em médio prazo, uma decisão necessária e difícil: a interrupção da compra de serviços educacionais e da contratação de instituições de ensino para programar e realizar pacotes de cursos, bem como a interrupção dos treinamentos pontuais e fragmentados.

É possível, no contexto de uma política de educação, que a própria SES se torne capaz de identificar e definir suas necessidades e prioridades para aprimorar as competências de seus profissionais e equipes. Assim, o que se pretende é descentralizar e disseminar a capacidade pedagógica no âmbito da SES, uma vez que não é objetivo da Escola a centralização das ações de educação e da capacidade pedagógica.

Nesse sentido, a Escola assumiu também como frente de atuação as ações educativas voltadas para o fortalecimento da capacidade regional de resposta às necessidades específicas de educação, tendo como público alvo, especialmente, as equipes dos Núcleos de Educação Permanente em Saúde (NEPS).

Núcleos de Educação Permanente em Saúde – NEPS

Em 1996 foram criados, em todas as unidades orgânicas da SES/DF, os Núcleos de Educação para o Trabalho – NETS, que possibilitaram a descentralização da responsabilidade pelo planejamento e implementação de ações voltadas ao desenvolvimento de recursos humanos. A partir de 1999, os NETS passaram a atuar como Polo de Capacitação do Programa Saúde da Família e, por meio do Decreto n.º 28.011, de 30 de maio de 2007, seus nomes foram alterados para Núcleos de Educação Permanente em Saúde – NEPS. Como parte de suas atribuições, a EAPSUS assumiu a responsabilidade de apoio e coordenação técnica dos NEPS e diante da necessidade premente de fortalecimento técnico e institucional dos Núcleos, iniciou em 2016, o processo de educação permanente das equipes, que teve como ponto de partida a revisão do Regimento Interno (RI) dos NEPS e, alinhado com as atribuições expressas no documento e as necessidades de conhecimentos apontadas pelo grupo, instituiu o Projeto de Fortalecimento dos Núcleos de Educação Permanente da SES/DF. O Projeto se operacionaliza por meio de encontros mensais de oito horas com as equipes, onde são trabalhados conteúdos teóricos e práticos organizados em sequências de atividades, que utilizam recursos pedagógicos como aulas expositivas, filmes, leitura de textos e discussões em plenárias. A cada demanda explicita do grupo a EAPSUS, responsável pelo Projeto, identifica a estratégia pedagógica adequada e convida professores e profissionais que, voluntariamente, se dispõem a conduzir as discussões. Também são estimuladas tarefas de dispersão, realizadas visitas de supervisão nas Regiões e projetos de intervenção, conforme as diretrizes da Escola.

O fortalecimento técnico e a troca de experiências entre os diferentes Núcleos, busca a descentralização das ações educativas de modo referenciado institucional e pedagogicamente. Esperamos que os Núcleos sejam capazes de trabalhar articuladamente evitando ações educativas fragmentadas e sobrepostas. Todos os encontros são avaliados e a verificação do processo, além de permitir a correção de rumo, tem reiterado o potencial de mudança desta ação educativa.

Ações Temáticas Orientadas para Equipes e Serviços de Saúde - ATOSS

A experiência desenvolvida com os NEPS nos permitiu ousar e propor para as áreas técnicas da SES uma ação educativa que denominamos de Ações Temáticas Orientadas para Equipes e Serviços de Saúde (ATOSS). A Educação em ATOSS consiste em encontros periódicos, organizados com objetivo de responder às necessidades expressas de um determinado grupo de profissionais, especialmente aqueles que atuam na gestão. No primeiro encontro com o grupo é realizado o recorte de conteúdo e pactuada a periodicidade e a carga horária da ação. Cada encontro é preparado com atividades que permitem ao grupo olhar para sua realidade, identificar problemas e propor soluções. Além do técnico da Escola responsável e facilitador do processo, a Educação em ATOSS também conta com a presença de professores convidados e profissionais com experiência reconhecida nas diferentes áreas.

Nesta estratégia de educação é possível otimizar a disponibilidade de tempo dos profissionais, potencializando as reuniões de equipe, tendo em vista que, na maioria das vezes, os encontros são realizados no horário das reuniões, além de aumentar a capacidade operacional da Escola. Em 2017/2018 foram contabilizadas mais de dez ações de Educação em ATOSS realizadas simultaneamente.

Nas reuniões realizadas com as áreas técnicas para acolher e discutir as demandas surgem sempre possibilidades de outras intervenções pedagógicas. Temas transversais de relevância para a saúde, de interesse para diferentes categorias profissionais e para gestores, podem ser abordados em ações mais amplas como seminários, fóruns, encontros e colóquios. A Escola tem incrementado a promoção destes encontros ampliados, realizados em parcerias com outras instituições de ensino e áreas de conhecimento que possuem interface com a saúde. O eixo que orienta a organização destes eventos prevê que os mesmos sejam contextualizados na realidade de saúde do DF, que apresentem conhecimentos, informações e tecnologias disponíveis e factíveis e, que proponham caminhos para resolução de problemas comuns.

A EAPSUS tem buscado também trabalhar em parceria com a SES junto à Subsecretaria de Gestão de Pessoas (SUGEP), no âmbito da Gerência de Educação, no sentido de compor e alinhar as respectivas atribuições e colaborando pedagogicamente nas ações desenvolvidas pela gerência. Também tem participado de comitês, redes de atenção e programas específicos de enfrentamento de questões relacionadas à saúde no seu conceito mais amplo. Nestas instâncias, a oportunidade de discutir e propor ações educativas convergentes e complementares traduz uma experiência potente e promissora.

Em 2018, desenvolveu com a área de saúde do adolescente da SES e, em parceria com o Fundo de Populações (UNFPA) das Organizações das Nações Unidas (ONU), o Selo de Qualidade Chega Mais, dirigido aos serviços que atendem adolescentes e jovens em todo o DF. Ações de educação foram ofertadas para todos os serviços que se candidataram ao Selo, que tem vigência de dois anos e propõem avaliação contínua dos serviços prestados. Trata-se de uma ação pedagógica que estimulou e reconheceu o trabalho das equipes e incorporou a educação de modo criativo e eficiente.

Considerações Finais

Conforme sugere a trajetória descrita, a referência à organização das atividades de educação de servidores remete para a materialização da EAPSUS na forma de Escola, como ente organizacional dotado de identidade e propósitos, que pode ser definida como escola de governo.

O termo escola de governo ganhou certa normatividade, pelo menos potencial, quando foi inserido no texto constitucional, como resultado da aprovação da emenda constitucional da reforma administrativa (Emenda nº 19, de 1998). A Emenda continha dispositivo que prevê a criação de escolas de governo, definidas como instituições com atribuições específicas de capacitação do servidor público, em conexão com os sistemas de desenvolvimento nas carreiras. O texto do dispositivo (§ 2º do art. 39) estabelece que essas escolas sejam mantidas nos níveis federal e estadual (distrital) e que poderão atuar, de forma coordenada, na formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos26.

A EAPSUS apresenta no seu escopo de atuação um recorte bastante singular, que lhe confere certa especificidade como escola de governo, por propor ações educativas contextualizadas para servidores do SUS, a partir das necessidades apontadas pela SES/DF. A sua institucionalização se refere ao estabelecimento dos requisitos desejáveis para assegurar a inserção e a perenidade destas atividades educativas no seu ambiente de atuação, com um alinhamento cada vez mais forte e efetivo com as políticas de saúde do governo.

A educação para servidores da SES deve ser compreendida como componente estratégico de um desenho ambicioso que alinha a disseminação dos conceitos, diretrizes e instrumentos com o planejamento estratégico das unidades e, principalmente, com o Plano de Saúde do DF. Mas, ainda é preciso aprofundar um projeto educacional que, incorporando uma concepção mais abrangente, atenda de modo complementar e sinérgico as demandas do setor saúde.

Por outro lado, evidencia-se que as escolas mantidas pela FEPECS conformam uma escola de saúde pública, por contemplar em suas vertentes ensino superior e pós-graduação, ensino profissionalizante e qualificação de trabalhadores e gestores do SUS do Distrito Federal, constituindo-se em lócus para o desenvolvimento da política distrital de formação na área de saúde.

A EAPSUS, com suas atribuições específicas deve atuar em conexão com a SESDF para construir uma política de educação que inclua o delineamento de uma arquitetura de carreiras e a definição de perfis de competências, que oriente as ações de educação de modo mais amplo.

Entendemos que nosso caminho é longo, repleto de desafios, e que muito ainda tem por ser feito, mas buscamos trilhá-lo encontrando sempre respostas institucionais singulares, criativas e potentes.

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