versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.41 no.4 São Paulo out./dez. 2019 Epub 02-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0162
Diabetes mellitus (DM) e hipertensão são as principais causas de doença renal crônica (DRC) e progressão para doença renal terminal1. A incidência de DRC se eleva com a idade nos países desenvolvidos e em desenvolvimento2,3. Portanto, novas estratégias para prevenir o desenvolvimento da DRC se fazem necessárias.
Ratos submetidos a injeção única de estreptozotocina em baixa dose são um modelo de DM tipo 2 comumente utilizado em pesquisas4. Ratos espontaneamente hipertensos (REH) são um modelo animal frequentemente adotado nos estudos sobre hipertensão essencial (ou primária) geneticamente transmitida5. A indução do diabetes em REH6 acelera o desenvolvimento da nefropatia diabética e da doença renal crônica (DRC).
Nefropatia diabética (ND) é um forte fator de risco para doenças vasculares comumente presente em pacientes com DM tipo 2. A ND é caracterizada por lesão podocitária, proteinúria, fibrose glomerular e diminuição da filtração glomerular7. As manifestações da ND incluem hiperglicemia, inflamação, produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) e ativação da endotelina-1 (ET-1) e do sistema renina-angiotensina (SRA)8.
Quando não tratada, a nefropatia diabética é a principal causa de doença renal terminal9. A DRC é caracterizada por elevações dos marcadores de lesão renal (albumina urinária > 30 mg/24h ou relação albumina/creatinina superior a 30 mg/g), dano tubular, disfunção da excreção iônica, achados histológicos anormais em amostras de biópsia renal e queda da taxa de filtração glomerular (< 60 mL/min/1,73 m2), entre outros10.
As ERO estão envolvidas na fisiopatologia da DRC, enquanto as NADPH-oxidases são as principais fontes de ERO em muitos tecidos11-13.
A ET-1 modula o fluxo sanguíneo renal por meio da regulação do tônus vascular14. A ET-1 é produzida pelas células endoteliais, mas em condições fisiopatológicas pode ser produzida por podócitos e células epiteliais mesangiais e parietais15. A ET-1 exerce sua função nas células alvo por meio de dois receptores, o ETA e o ETB15.
A ativação do receptor ETA media a vasoconstrição, proliferação de células vasculares e proteinúria16. Por outro lado, a ativação do receptor ETB libera substâncias vasodilatadoras tais como o óxido nítrico e a prostaciclina, produzindo primeiramente vasodilatação e, a seguir, vasoconstrição, estimulando a reabsorção de sódio nos dutos coletores e o estabelecimento da proteinúria17. Os níveis circulantes de ET-1 encontram-se aumentados em pacientes hipertensos18.
A ET-1 e o SRA interagem nos tecidos renais. A angiotensina II eleva a produção de ET-1 e regula para cima a expressão do receptor ETA nos rins19,20. Juntos, os dois peptídeos podem produzir vasoconstrição pré e pós-glomerular, contração de células mesangiais, queda da taxa de filtração glomerular, estimulação da produção de matriz extracelular e aumento da reabsorção tubular de sódio21. É razoável propor que o bloqueio dos receptores da ET-1 possa ser benéfico na nefropatia diabética.
Ensaios clínicos estudaram os efeitos do antagonista da ET-1 atrasentan sobre a ND22. Atualmente, contudo, o principal uso terapêutico dos antagonistas dos receptores da ET-1 reside no tratamento da fibrose pulmonar idiopática e da hipertensão arterial pulmonar23,24. O presente estudo é o primeiro a avaliar os efeitos do macitentan, um novo antagonista não-seletivo dos receptores da ET-1 receitado no tratamento da hipertensão pulmonar, sobre a progressão da lesão renal observada em ratos hipertensos e hiperglicêmicos.
O protocolo experimental foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP 798483) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e foi realizado de acordo com as diretrizes brasileiras para o cuidado e uso científico de animais25,26. Os animais foram obtidos do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia (CEDEME) da UNIFESP.
Trinta ratos machos geneticamente hipertensos (REH) com seis semanas de idade e peso entre 170-200 g foram mantidos em gaiolas metabólicas. As gaiolas foram mantidas em ambiente com temperatura (21 ± 2ºC) e umidade (60 ± 10%) controladas em ciclos de 12 horas de luz/escuridão (iluminação artificial, das 7 às 19 horas) e exaustor de ar ligado de hora em hora (15 min/h).
Após um período de adaptação de duas semanas, os animais foram divididos em três grupos. Durante os 60 dias do estudo todos os animais foram alimentados ad libitum com ração padrão para rato e tiveram livre acesso a água.
Os dez ratos geneticamente hipertensos (HT) que foram mantidos em regime de controle (CTL) receberam injeção intravenosa de água destilada (apenas veículo) e foram designados ao grupo HT-CTL.
Vinte ratos receberam injeção intravenosa de estreptozotocina 60 mg/kg (Sigma-Aldrich, Saint Louis, EUA) em solução tampão citrato (0,1 M, pH 4,4). Apenas animais com glicemia acima de 400 mg/dL foram selecionados. Metade foi mantida no grupo com HT e hiperglicemia (Grupo HT-DIAB). A outra metade foi tratada com macitentan (MAC) diário 25 mg/kg por gavagem durante 60 dias (Grupo HT-DIAB+MAC25).
Todos os animais foram pesados, tiveram amostras de sangue coletadas na veia lateral da cauda e volumes de urina quantificados no início e com 30 e 60 dias de estudo. Os animais foram submetidos à eutanásia 60 dias após o início do protocolo experimental por meio de uma dose dose intraperitoneal de quetamina (90 mg/kg)/xilazina (10 mg/kg) (Agribands de Brasil Ltda., SP, Brasil). Os rins direito e esquerdo foram removidos para análise imunoistoquímica. Os parâmetros bioquímicos foram medidos em amostras de plasma e urina.
Os ratos foram pesados mensalmente em uma balança 2610 (Labortex, SP, Brasil) e os resultados foram registrados em gramas.
A pressão arterial sistólica foi aferida indiretamente por pletismografia da cauda. Os ratos foram colocados em uma câmara aquecida por 10 min e a medição foi feita pelo método do manguito de cauda. A pressão arterial foi registrada por meio de um esfigmomanômetro elétrico acoplado a um polígrafo Gould de dois canais modelo 2200 S (Record 2200S, Gould Inc., Cleveland, Ohio, EUA). As medidas foram realizadas com zero, 24 e 48 h, e os resultados foram registrados como médias ± DP.
Os níveis plasmáticos de creatinina e ureia foram avaliados por espectrofotometria segundo procedimentos padronizados, utilizando kits diagnósticos comercialmente disponíveis (Labtest Diagnostic, Brasil). Os níveis de creatinina foram determinados por método colorimétrico baseado na reação de Jaffé27. A ureia foi determinada por ensaio colorimétrico baseado na atividade da urease28. A concentração plasmática de glicose foi determinada a partir de amostras de sangue da cauda (Accuchek, Boehringer Mannheim, Indianapolis, Ind., EUA). Os níveis de creatinina, ureia e glicose foram descritos em mg/dL.
As concentrações urinárias de sódio foram determinadas com o auxílio de um fotômetro de chama Micronal B462 (Micronal, São Paulo, Brasil). A excreção de sódio foi relatada como percentual de mEq/24h. Proteína urinária foi quantificada por método colorimétrico baseado em vermelho de pirogalol-molibdato29. Os resultados foram relatados em mg de proteinúria de 24h.
Na avaliação de peroxidação lipídica, os níveis de malondialdeído no produto da peroxidação foram medidos em função das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS)30. Para fins de quantificação, 0,4 mL de urina diluída em 0,6 mL de água foram adicionados a uma mistura de reação consistindo de 1,0 mL de ácido tricloroacético (TCA) 17,5% e 1,0 mL de ácido tiobarbitúrico 0,6% para formar um composto vermelho. A mistura foi aquecida em banho-maria a 95ºC por 20 min. A solução foi então removida do banho-maria e resfriada em gelo, momento em que foi somado 1,0 mL de TCA 70%. A solução foi homogeneizada e incubada por 20 min, seguida de avaliação espectrofotométrica a 534 nm (A = 1,56×105 M/cm). Os achados foram descritos em nM/mg de creatinina urinária.
Os peróxidos urinários foram determinados pelo método da oxidação do ferro pelo laranja de xilenol versão 2 (FOX-2)31. O íon ferroso é oxidado em íon férrico por peróxidos contidos nas amostras. O reagente laranja de xilenol exibe elevada seletividade para o íon Fe3+, produzindo um complexo azul-arroxeado cuja absorvância pode ser medida a 560 nm (A = 4,3×104 M/cm). O seguinte reagente foi preparado: 90 mL de metanol; 10 mL de água bidestilada; 100 µM de laranja de xilenol; 4 mM de butil hidroxitolueno (BHT); 25 mM de ácido sulfúrico; e 250 µM de sulfato ferroso amoniacal. Cada amostra de urina (100 µL) foi misturada com 900 µL de reagente FOX-2, condicionada em agitador tipo vortex e incubada durante 30 minutos em temperatura ambiente. As soluções foram então centrifugadas a 15.000 g por 10 min a 4ºC para a remoção de resíduos de proteína. A absorvência a 560 nm foi lida contra o branco. Os dados foram descritos em nmol/g de creatinina urinária.
O óxido nítrico (NO) foi determinado pelo método de Griess32. Uma mistura de sulfanilamida 1% (em H3PO4 5%) e dicloridrato N-(1-Naftil)Etilenodiamida 0,1% (Sigma-Aldrich, Saint Louis, EUA) foi adicionada às amostras de urina e a absorvância a 546 nm foi medida usando um espectrofotômetro GENESYS 2 (Spectronic Instruments , Rochester, EUA). O nitrito, um dos metabólitos estáveis do NO, foi então estimado a partir de uma curva padrão construída usando NaNO2. A avaliação da creatinina urinária foi realizada e usada para normalizar as concentrações de NO. Os dados foram descritos em nM/mg de creatinina urinária.
Os rins foram dissecados ao longo do eixo não hilar e fixados em tampão fosfato-salino 10% (Erviegas, Brasil). Os cortes renais foram fixados em solução de paraformaldeído 4% tamponada, incluídos em parafina (Erviegas, Brasil) e preparados em seções de 4 µm de espessura. Os cortes renais foram desparafinados e reidratados. O bloqueio da peroxidase endógena foi feito com H2O2 5% em metanol absoluto por 10 minutos à temperatura ambiente. Para expor os antígenos, os cortes renais foram fervidos em solução de recuperação alvo [1 mmol/L de tris (hidroximetil) aminometano (Tris) pH 9,0, com 0,5 mM ácido bis-(2-aminoetil)etilenoglicol-NNN’N’-tetracético (EGTA)] por 10 min. Ligações não específicas foram evitadas incubando os cortes em tampão fosfato-salino (PBS) contendo 1% de albumina de soro bovino (BSA), 0,05% de saponina e 0,2% de gelatina. Os cortes foram então incubados durante a noite a 4ºC com anticorpos primários contra ET-1 (1:200 anticorpos de coelho anti-IgG de rato; ABCAM, MA, EUA), lipocalina associada à gelatinase neutrofílica (NGAL) (1:200 anticorpos de coelho anti-IgG de rato; ABCAM, MA, EUA) ou catalase (1:200 anticorpos de coelho anti-IgG de rato; ABCAM, MA, EUA) durante 18 horas a 4ºC. Depois eles foram lavados e incubados com anticorpos secundários conjugados com estreptavidina-peroxidase (Dako, Glostrup, Dinamarca) por 1h em temperatura ambiente. Os sítios das reações antígeno-anticorpo foram visualizados por coloração com 3,3’-diaminobenzidina tetrahidrocloreto 0,5% (Dako). Fotomicrografias foram tiradas com uma câmera para microscópio Leica DFC 310 FX, LAS 3.8 conectada a um microscópio vertical Leica DM 1000 (Leica, Suíça) e a um computador. Foram tiradas dez fotomicrografias ao longo do córtex renal. Foi quantificada a coloração marrom clara (software LAS, versão 3.8) e calculada a média de cada rato. Os dados foram descritos em percentual de área corada.
A concentração de proteínas foi verificada pelo método de Lowry33. As células e tecidos renais foram lisados em tampão de lise RIPA 200 µL por placa (100 mm2). Os lisados foram centrifugados a 12.000 g por 5 min a 4ºC e os sobrenadantes foram armazenados a -80ºC. As proteínas (30 µg) foram separadas por eletroforese em gel de poliacrilamida 10% e transferidas para membranas de fluoreto de polivinilideno (PVDF) utilizando uma célula de transferência eletroforética Mini Trans-Blot (BioRad, CA, EUA). Os sítios de ligações não específicas foram bloqueados com albumina 5% (v/v) em solução TBS. Os immunoblots foram incubados durante a noite a 4ºC em renina (1:500, Santa Cruz, TX, EUA), angiotensina I (1:500, Santa Cruz, TX, EUA), angiotensina II (1:500, Santa Cruz, TX, EUA) ou anticorpos primários contra GAPDH (1:500, Abcam, MA, EUA). Após três lavagens com TBS-T, as membranas foram incubadas por 1h a 4ºC em anticorpos secundários conjugados com HRP (1:100.000; Santa Cruz TX, EUA). As bandas de proteínas imunorreativas foram visualizadas usando o substrato quimioluminescente Pierce ECL Plus (Thermo Fisher, EUA). As imagens foram obtidas e analisadas no sistema de documentação Alliance 7 (UVITEC, Cambridge, Reino Unido). As intensidades das bandas dos immunoblots foram quantificadas com o software Image J e descritas em relações renina/GAPDH, angiotensina I/GAPDH e angiotensina II/GAPDH.
Os resultados foram expressos em média ± DP. Os dados foram tratados por análise de variância de dupla classificação, seguida pelo teste post-hoc de Tukey. Diferenças com p < 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas.
A Tabela 1 exibe o peso corporal médio (g) dos grupos durante o experimento. O peso médio dos animais nos grupos HT-DIAB e HT-DIAB+MAC25 foi significativamente menor do que o dos ratos no grupo CTL aos 30 dias.
Tabela 1 Parâmetros fisiológicos de ratos geneticamente hipertensos (REH) no grupo controle (HT-CTL), animais hipertensos e hiperglicêmicos (HT-DIAB), animais hipertensos e hiperglicêmicos tratados com macitentan (HT-DIAB+MAC25) ao início e com 30 e 60 dias de estudo
Peso (g) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25mg |
---|---|---|---|
BASAL | 174,00 ± 10,19 | 167,38 ± 10,76 | 189,17 ± 13,38 |
30 DIAS | 279,00 ± 18,46 | 184,75 ± 12,75 * | 182,83 ± 17,74 * |
60 DIAS | 318,71 ± 19,49 | 191,25 ± 21,33 ** | 172,50 ± 19,42 ** |
PAS (mmHg) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25 mg |
BASAL | 173,00 ± 5,67 | 178,00 ± 5,14 | 176,83 ± 4,28 |
30 DIAS | 178,86 ± 4,61 | 187,88 ± 7,05 | 191,00 ± 7,30 |
60 DIAS | 181,43 ± 2,76 | 190,50 ± 6,70 | 195,17 ± 5,33 |
Glicose plasmática (mg/dl) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25 mg |
BASAL | 100,29 ± 8,29 | 100,29 ± 8,29 | 89,00 ± 0,82 |
30 DIAS | 94,43 ± 2,17 | 418,50 ± 73,66 * | 524,83 ± 7,21 * |
60 DIAS | 127,71 ± 14,11 | 541,38 ± 18,67 ** | 516,33 ± 30,79 ** |
Volume urinário (ml) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25 mg |
BASAL | 11,11 ± 1,41 | 9,12 ± 0,84 | 12,83 ± 0,91 |
30 DIAS | 13,05 ± 1,57 | 76,83 ± 8,98 * | 78,33 ± 7,03 * |
60 DIAS | 13,91 ± 1,69 | 85,00 ± 5,80 ** | 78,33 ± 9,80 ** |
Creatinina plasmática (mg/dl) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25 mg |
BASAL | 0,69 ± 0,07 | 0,61 ± 0,04 | 0,63 ± 0,05 |
30 DIAS | 0,70 ± 0,06 | 0,85 ± 0,09 | 0,69 ± 0,05 ¥ |
60 DIAS | 0,65 ± 0,03 | 0,98 ± 0,09 ** | 0,72 ± 0,01 ¥¥ |
Ureia plasmática (mg/dl) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25 mg |
BASAL | 26,59 ± 2,57 | 26,43 ± 3,22 | 23,00 ± 1,08 |
30 DIAS | 38,86 ± 7,84 | 67,84 ± 11,12 * | 55,75 ± 9,41 ¥ |
60 DIAS | 36,53 ± 6,09 | 72,73 ± 11,04 ** | 47,25 ± 5,65 |
Sódio urinário (mEq/24h) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25 mg |
BASAL | 10,61 ± 3,05 | 8,38 ± 2,35 | 14,11 ± 1,81 |
30 DIAS | 12,97 ± 2,68 | 55,24 ± 3,28 * | 56,46 ± 5,34 * |
60 DIAS | 10,61 ± 1,27 | 72,33 ± 14,10 ** | 44,42 ± 6,39 ** |
Proteinúria (mg/24h) | HT-CTL | HT-DIAB | HT-DIAB+MAC 25 mg |
BASAL | 8,79 ± 2,20 | 6,29 ± 1,21 | 10,04 ± 1,12 |
30 DIAS | 12,85 ± 1,28 | 36,71 ± 4,89 * | 29,81 ± 4,00 * |
60 DIAS | 10,97 ± 2,17 | 30,02 ± 3,58 ** | 21,40 ± 4,79 **¥¥ |
Os dados são relatados como médias ± DP. O nível de significância para a hipótese nula foi estabelecido em 5% (p < 0,05).
(*)comparado ao grupo HT-CTL aos 30 dias;
(¥)comparado ao grupo HT-DIAB aos 30 dias;
(**)comparado ao grupo HT-CTL aos 60 dias; e
(¥¥)comparado ao grupo HT-DIAB aos 60 dias (ANOVA seguida de Teste post-hoc de Tukey). N = 10 por grupo.
Não houve diferença na PAS dos grupos HT-DIAB e HT-DIAB+MAC25 em relação ao grupo HT-CTL dentro de seus respectivos períodos experimentais. Houve aumento da glicemia em todos os grupos experimentais após 30 e 60 dias de estudo em relação aos níveis observados no grupo HT-CTL.
Todos os grupos experimentais exibiram aumento na diurese com 30 e 60 dias de estudo em relação ao grupo HT-CTL.
O grupo HT-DIAB apresentou aumento significativo da creatinina e ureia plasmáticas em relação ao grupo HT-CTL aos 60 dias de estudo. Notadamente, a creatinina e a ureia plasmáticas dos ratos do grupo HT-DIAB+MAC25 aos 30 e 60 dias de estudo não foram estatisticamente diferentes dos valores vistos no grupo HT-CTL.
A função tubular renal foi avaliada através da excreção de sódio. Em todos os grupos experimentais observamos aumento na excreção de sódio aos 30 e 60 dias em comparação aos valores observados no grupo HT-CTL. Não houve diferença estatística na excreção de sódio entre os ratos diabéticos tratados ou não com macitentan.
Observamos um aumento significativo na excreção urinária de proteínas no grupo HT-DIAB em comparação ao grupo HT-CTL em todos os períodos experimentais. O grupo HT-DIAB+MAC25 também apresentou elevação na proteinúria aos 30 e 60 dias em relação ao grupo HT-CTL. Contudo, os ratos diabéticos tratados com macitentan exibiram diminuição significativa da proteinúria em comparação ao grupo HT-DIAB aos 60 dias de estudo, sugerindo melhora na função da barreira de filtração renal.
A imunocoloração para ET-1 e NGAL aos 60 dias é exibida na Figura 1. Observamos aumento na marcação de ET-1 e NGAL no grupo HT-DIAB em relação ao grupo HT-CTL e diminuição quando comparamos os grupos HT-DIAB+MAC25 e HT-DIAB. O macitentan atenuou a elevação da ET-1 e da NGAL (marcador de lesão renal), corroborando a hipótese de efeito renal benéfico.
Figura 1 Microscopia óptica de cortes renais imunocorados. A: Lipocalina associada à gelatinase neutrofílica (NGAL 200×), endotelina-1 (ET-1, 200×) e catalase (200×) em ratos geneticamente hipertensos nos grupos controle (HT-CTL), hipertensos e hiperglicêmicos (HT-DIAB) e hipertensos e hiperglicêmicos tratados com macitentan (HT-DIAB+MAC25) após 60 dias de estudo (último dia do experimento). B: Análises quantitativas de cortes renais corados para NGAL, ET-1 e catalase. Os dados são reportados em valores percentuais. O nível de significância para a hipótese nula foi estabelecido em 5%. ** p < 0,05 comparado ao grupo HT-CTL aos 60 dias e ¥¥ p < 0,05 comparado ao grupo HT-DIAB aos 60 dias (ANOVA seguida de teste post-hoc de Tukey). N = 10 por grupo.
A Figura 1 exibe a marcação para catalase aos 60 dias. Observamos que no grupo HT-DIAB não houve estimulação da expressão dessa enzima antioxidante. Contudo, o grupo HT-DIAB+MAC25 exibiu aumento da catalase em relação aos grupos HT-CTL e HT-DIAB, sugerindo a presença de potencial antioxidante para o macitentan.
A Figura 2 analisa o SRA por meio da expressão proteica e suas respectivas quantificações gráficas. Foi observado aumento na produção de angiotensina II no grupo HT-DIAB. O grupo HT-DIAB+MAC25, em que foi notada redução da produção de ET-1, demonstrou aumento nas expressões de renina e angiotensina II.
Figura 2 Análise de renina, angiotensina I (ANG I) e angiotensina II (ANG II). A: Imagem de Western blot do córtex renal de ratos geneticamente hipertensos (REH) nos grupos controle (HT-CTL), hipertensos e hiperglicêmicos (HT-DIAB) e hipertensos e hiperglicêmicos tratados com macitentan (HT-DIAB+MAC25) aos 60 dias (último dia do experimento). B, C e D: análises quantitativas de imagens do immunoblot obtidas pelo software ImageJ. Os dados são relatados como médias ± DP. O nível de significância para a hipótese nula foi estabelecido em 5%. ** p < 0,05 comparado ao grupo HT-CTL aos 60 dias e ¥¥ p < 0,05 comparado ao grupo HT-DIAB aos 60 dias (ANOVA seguida de teste post-hoc de Tukey). N = 10 por grupo.
A Figura 3A exibe os níveis urinários de peroxidação lipídica (TBARS). Houve aumento na peroxidação lipídica no grupo HT-DIAB aos 30 dias em relação ao grupo HT-CTL. Por outro lado, no grupo HT-DIAB+MAC25 a peroxidação lipídica não foi estatisticamente diferente quando comparada ao grupo HT-CTL em todos os períodos experimentais.
Figura 3 Análise da formação de espécies reativas de oxigênio e espécies reativas de nitrogênio. A: Análises quantitativas de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS). B: O hidroperóxido urinário foi determinado pelo método da oxidação do ferro pelo laranja de xilenol versão 2 (FOX-2). C: Óxido nítrico (NO) em ratos geneticamente hipertensos nos grupos controle (HT-CTL), hipertensos e hiperglicêmicos (HT-DIAB) e hipertensos tratados com macitentan (HT-DIAB+MAC25) no início e aos 30 e 60 dias de estudo. Os dados são relatados como médias ± DP. O nível de significância para a hipótese nula foi estabelecido em 5%. * p < 0,05 comparado ao grupo HT-CTL aos 30 dias; ¥ p < 0,05 comparado ao grupo HT-DIAB aos 30 dias, ** p < 0,05 comparado ao grupo HT-CTL aos 60 dias e ¥¥ p < 0,05 comparado ao grupo HT-DIAB aos 60 dias (ANOVA seguida de teste post-hoc de Tukey). N = 10 por grupo.
Houve aumento nos hidroperóxidos urinários (Figura 3B) avaliados por FOX-2 no grupo HT-DIAB aos 30 e 60 dias, mas no grupo HT-DIAB+MAC25 tal elevação foi observada apenas aos 30 dias. Além disso, aos 60 dias o grupo HT-DIAB+MAC25 exibiu níveis menores do que o grupo controle. Tal resultado sugere, novamente, o potencial efeito antioxidante do macitentan.
A Figura 3C analisa os níveis urinários de NO. Apesar da tendência indicativa de aumento, os níveis urinários de NO identificados no grupo HT-DIAB não foram estatisticamente diferentes dos níveis encontrados no grupo HT-CTL aos 30 e 60 dias. Contudo, o grupo tratado com macitentan apresentou aumento significativo da concentração urinária de NO em relação ao grupo HT-CTL aos 30 e 60 dias. Uma vez que a lesão renal determinada pela NGAL (Figura 1) diminuiu no grupo tratado com 25 mg/kg de macitentan, o NO produzido pelo rim pode contribuir para a melhoria da insuficiência renal.
Nosso modelo experimental utilizou ratos espontaneamente hipertensos com hiperglicemia induzida por estreptozotocina. Esse modelo foi escolhido porque a coexistência de DM e hipertensão arterial sistêmica (HAS) eleva o risco para insuficiência renal crônica. Nosso modelo experimental possui características muito semelhantes à nefropatia diabética em humanos.
Observamos sinais de diabetes, incluindo glicemia elevada, poliúria (devido à diurese osmótica induzida pela hiperglicemia) e diminuição do peso corporal. Juntamente com a elevação da pressão arterial sistólica, esses parâmetros levam a perda progressiva da função renal. Identificamos proteinúria, aumento da excreção de sódio e aumento de creatinina e ureia nos ratos hipertensos e hiperglicêmicos.
A NGAL é um biomarcador diagnóstico e prognóstico confiável para insuficiência renal aguda (IRA), pois seus níveis se elevam 2h após a lesão renal. Além disso, estudos demonstraram que os níveis de NGAL nos grupos com IRA e DRC estável são superiores aos dos grupos controle34-36, o que corrobora nossos resultados, uma vez que houve aumento da NGAL nos ratos hipertensos e hiperglicêmicos aos 60 dias.
Estudos recentes demonstraram o papel da ET-1 na fase inicial da ND. Mais especificamente, a expressão dos receptores da ET-1 pode ser estimulada pela hiperglicemia37. Os rins são um local essencial em sua produção. A ET-1 causa aumento da resistência vascular renal, redução do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular, além de inibição da reabsorção de sais e água37.
Ao mesmo tempo, o SRA também tem papel ativo na gênese e progressão da ND. Evidências indicam a existência de uma interação entre a ET-1 e outras substâncias vasoativas, como a angiotensina II38.
Nossos resultados demonstram que os rins de ratos hipertensos e hiperglicêmicos apresentaram estimulação por angiotensina II e ET-1, confirmando a participação dos respectivos mediadores de inflamação e disfunção endotelial.
O estresse oxidativo e nitrosativo desempenha um papel importante na progressão do diabetes39,40. Os ratos hipertensos e hiperglicêmicos de nosso estudo exibiram aumento nos níveis de peroxidação lipídica renal, peróxidos urinários e NO.
Uma vez que a ET-1 desempenha um importante papel na progressão do diabetes, o presente estudo teve como objetivo testar as possíveis contribuições do macitentan, um antagonista não-seletivo dos receptores ETA e ETB aprovado pelo FDA em 2014. Contudo, outros antagonistas seletivos da ET-1 têm sido utilizados na prevenção da nefropatia diabética, mesmo em ensaios clínicos22. O macitentan foi estudado na lesão renal induzida por hiperglicemia em modelos de ratos com diabetes tipo 241, mas dado que hipertensão e diabetes são fatores de risco de peso para doença renal crônica, nosso estudo avaliou o efeito do antagonista da ET-1 sobre a função renal de ratos concomitantemente hipertensos e diabéticos.
A dose de macitentan utilizada em nosso estudo é compatível com os regimes adotados em outros estudos41,42. Inicialmente, observamos que os ratos hipertensos e hiperglicêmicos tratados com 25 mg/kg de macitentan não exibiram elevação significativa da concentração de creatinina e ureia plasmáticas e tampouco aumento na excreção de proteínas. Tais resultados, juntamente com a diminuição da expressão de NGAL, sugerem melhora da função renal.
A ET-1 promove a natriurese agindo nas células dos dutos coletores via receptores ETB43. No entanto, não observamos diminuição significativa da excreção de sódio nos ratos hipertensos e hiperglicêmicos tratados com macitentan. Uma possível explicação é a seletividade aproximadamente 50 vezes maior do macitentan para o receptor ETA42, o que faria com que os efeitos da ET-1 mediados pelo receptor ETB, como a natriurese, fossem pelo menos em parte preservados.
Para confirmar o efeito do macitentan sobre os rins, analisamos a marcação para ET-1 e confirmamos que houve diminuição da marcação no tecido renal dos ratos hipertensos e hiperglicêmicos tratados com macitentan. Este resultado demonstrou que o bloqueio dos receptores da ET-1 reduziu a produção do agente vasoconstritor.
A ET-1 reduz a taxa de filtração glomerular ao promover a contração das arteríolas aferentes e eferentes. Portanto, o bloqueio da ET-1 pode parcialmente explicar a melhora da função renal. Contudo, em nossas condições experimentais observamos que o bloqueio dos receptores da ET-1 elevou a produção de angiotensina II no tecido renal, o que poderia neutralizar o bloqueio dos receptores da ET-1 por meio da ação sobre seu receptor AT1, promovendo vasoconstrição arteriolar.
Outra hipótese é que o NO pode atuar como um antagonista funcional da angiotensina II, inibindo a vasoconstrição nas arteríolas glomerulares44,45. A administração de macitentan em ratos hipertensos e hiperglicêmicos aumentou ainda mais a excreção urinária de NO (165%). Esse aumento na produção de NO pode explicar, pelo menos parcialmente, o aprimoramento da função renal indicado pela melhora do fluxo sanguíneo renal por meio do efeito vasodilatador do NO. Estudos em rins de coelhos demonstraram que a ET-1 estimula a produção de NO através da ativação dos receptores ETB46. Dado que o macitentan é mais seletivo para o receptor ETA, o aumento na diurese e na excreção pode se dever à ação do receptor ETB42,43.
Curiosamente, o macitentan estimulou a expressão da catalase, uma importante enzima antioxidante. O aumento da peroxidação lipídica e dos hidroperóxidos urinários foi evitado pelo tratamento com MAC, sugerindo que o hidroperóxido foi degradado pela enzima catalase em água e oxigênio47.
Observamos que o macitentan (25 mg/kg) inibiu a progressão da lesão renal induzida por hiperglicemia e hipertensão em ratos, possivelmente por potencializar as defesas antioxidantes e evitar o aumento do estresse oxidativo. Uma limitação do nosso trabalho é a falta de marcadores mais específicos de função renal. Contudo, os marcadores utilizados no presente estudo são os mesmos atualmente utilizados na prática clínica. Em conclusão, o bloqueio dos receptores da ET-1 com macitentan pode ser uma alternativa viável na prevenção da ND em ratos hiperglicêmicos e hipertensos. A intervenção com o macitentan deve ser confirmada em ensaios clínicos com humanos.