versão impressa ISSN 1809-2950versão On-line ISSN 2316-9117
Fisioter. Pesqui. vol.25 no.3 São Paulo jul./set. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/17021825032018
Niños con parálisis cerebral (PC) comúnmente se identifican como distintos de sus pares típicos debido a su condición neuromotora, lo que afecta la motivación y consecuentemente el desempeño en actividades. La realidad virtual (RV) puede ser una herramienta potencial para la mejora de los aspectos motivacionales y para el desempeño motor durante la rehabilitación. El objetivo de este estudio ha sido certificar el efecto de un programa de intervención basado en RV utilizando un videojuego activo en el auto concepto, en el equilibrio, en el desempeño motor y en el éxito adaptativo de niños PC. Ocho niños entre cinco y 14 años (10,37±3,29), con diagnóstico de PC, niveles I y II en el GMFCS. El auto concepto ha sido evaluado con la Escala Infantil de Auto concepto Piers-Harris y el equilibrio por medio del dominio Cociente Motor 3 de la Escala de Desarrollo Motor. Para la evaluación del desempeño motor ha sido utilizado el Cociente Motor General y las puntuaciones de los juegos han evaluado el éxito adaptativo en el ambiente virtual. La intervención ha ocurrido durante ocho semanas, siendo dos sesiones semanales de 45 minutos cada. Han sido utilizados cuatro juegos activos con demandas de equilibrio, coordinación motora, saltos, sentadillas y desplazamiento lateral del cuerpo. La prueba de Wilcoxon ha sido usada para certificar las diferencias pre y pos intervención. Se ha constado la diferencia después de la intervención en los dominios: Ansiedad, Intelectual, Popularidad, Apariencia Física, Satisfacción, Felicidad, Equilibrio, Desempeño Motor y puntuación de los juegos. Se concluye que la RV puede influenciar la manera con que esos niños se ven cuanto al auto concepto, al equilibrio, al desempeño motor general y al éxito adaptativo, ayudando a los profesionales a desarrollar maneras de terapia que puedan mejorar tales aspectos.
Palabras clave Realidad Virtual; Parálisis Cerebral
Crianças com paralisia cerebral (PC) possuem alterações do movimento e postura1 recorrentes da espasticidade e fraqueza muscular2 que levam a manifestações clínicas secundárias como contraturas e encurtamentos musculares3. Tais déficits são responsáveis por um dos sinais clínicos mais relevantes da PC, os déficits do equilíbrio4. O equilíbrio deficitário gera desempenho inferior em habilidades como a marcha e atividades funcionais cotidianas, que podem resultar em restrições de participação social5.
As dificuldades enfrentadas por essas crianças para interagir com o ambiente físico podem impactar sua autoestima e autoconceito6. O autoconceito é definido como a percepção que a criança tem de si mesma em diferentes domínios7, e a motivação trata-se de uma força psicológica que incentiva o indivíduo a atingir uma meta que seja desafiadora8, ou seja, o motivo que leva o indivíduo à ação. A motivação é um modulador crítico da plasticidade neural funcional9 e considerada um fator intrínseco determinante no aperfeiçoamento de habilidades motoras de crianças com PC8. Ziebell et al. (10 verificaram que maior nível de comprometimento motor pode influenciar negativamente no autoconceito e autoestima em crianças com diplegia espástica, níveis de Gross Motor Function Classification System (GMFCS) de I a III. Dessa forma, manter a criança motivada durante a reabilitação é um fator preponderante para resultados positivos, pois essas crianças possuem uma condição crônica que as levam a continuar por muito tempo no serviço de saúde9.
Ferramentas tecnológicas de entretenimento, comercialmente disponíveis como os videogames ativos, são capazes de treinar aspectos motores importantes dentro de um contexto motivador9, pois esse tipo de reabilitação, quando aplicada com continuidade e repetição, pode aperfeiçoar as habilidades motoras11. Videogames ativos e jogos interativos são mídias eletrônicas que utilizam sensores de movimento, permitindo ao usuário controlar ativamente o ambiente virtual por meio de seus gestos e ações11. Brincando sem se preocupar com os insucessos, a criança é capaz de treinar movimentos sistematicamente em um ambiente enriquecido e motivador12, o que permite a sensação de autocontrole no ambiente virtual13, além de vivenciar situações que lhes poderiam ser restritas no ambiente físico14. A melhora motora gerada pela utilização de um videogame ativo é embasada pela contextualização da tarefa proposta, facilitando a transferência das atividades do contexto do ambiente virtual para as atividades funcionais no ambiente físico real15. Estudos recentes têm evidenciado efeitos positivos da realidade virtual (RV) na função motora de crianças com PC após reabilitação com videogames ativos, como indicado pela revisão sistemática de Bonnechère et al. (16
Referentes aos domínios motivação, interesse e oportunidade de participação em atividades, apenas um estudo piloto foi identificado na literatura pesquisada, realizado em crianças com PC, em que foi identificado que esses domínios se torname melhores após quatro semanas de intervenção com um sistema de RV ativo17. Entretanto, Harris e Reid12 sugerem mais investigações a respeito do quão motivacional pode ser o contato de crianças com disfunções neuromotoras durante a reabilitação, com sistemas de RV.
Assim, nota-se que há poucos relatos na literatura que destacam os efeitos da utilização da RV sobre os domínios específicos do autoconceito em crianças com PC. Tais informações são relevantes, pois buscam entender a capacidade de adaptação dessa população a mudanças de contexto e como a motivação pode ser um modulador de desempenho motor otimizando resultados terapêuticos.
Em vista do exposto, o objetivo deste estudo é verificar o efeito de um programa de intervenção terapêutica sistematizada, com base em RV utilizando um videogame ativo de baixa imersão e jogos comercialmente disponíveis sobre autoconceito, equilíbrio, desempenho motor e sucesso adaptativo de crianças com PC hemiparéticas espásticas.
Este estudo foi de caráter longitudinal, de natureza aplicada, com objetivos clínicos. Dele participaram oito crianças de ambos os gêneros (7 meninos e 1 menina), faixa etária entre 5 e 14 anos (M=10,37±3,29), com diagnóstico médico de paralisia cerebral do tipo hemiparesia espástica sendo classificados entre os níveis I e II no GMFCS. Os participantes do estudo foram selecionados em locais específicos de assistência à criança especial em uma cidade do interior de São Paulo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos local (CAAE: 15735313.5.0000.5504, Parecer: 326.611/2013).
Foram incluídas crianças com PC, capazes de compreender comandos verbais simples e de interagir com os jogos. As crianças estavam nas faixas de peso e altura adequados para as idades18. Os pais ou responsáveis foram informados sobre os objetivos do estudo e convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participação no estudo, as crianças consentiram verbalmente na participação no estudo. A caracterização da amostra encontra-se na Tabela 1.
Tabela 1 Caracterização dos participantes
Indivíduos | Gênero | Massa(kg) | Estatura (cm) | Idade | Topografia | GMFCS | Frequência à terapia (%) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | M | 26,4 | 121,0 | 5 | HD | I | 80% |
2 | F | 22,6 | 152,0 | 8 | HD | I | 90% |
3 | M | 21,4 | 125,5 | 8 | HE | I | 80% |
4 | M | 35,9 | 134,5 | 9 | HD | I | 100% |
5 | M | 31,7 | 153,5 | 13 | HD | I | 84% |
6 | M | 54,9 | 165,5 | 13 | HD | I | 73% |
7 | M | 50,1 | 159,5 | 13 | HD | II | 89% |
8 | M | 52,5 | 156,0 | 13 | HD | II | 90% |
36,94(±13,75) | 145,93(±16,61) | 10,37(± 3,29) | 85,7%(±8,7) |
kg: quilogramas; cm: centímetro; HD: hemiparesia à direita; HE: hemiparesia à esquerda; GMFCS: Gross Motor Function Classification System; GMFCS I: Crianças que podem deambular em ambientes domésticos e externos, subir e descer escadas sem usar apoio das mãos. Pode executar atividades usuais, como correr e pular. Tem a velocidade, equilíbrio e coordenação diminuídos; GMFCS II: A criança tem a capacidade de andar em ambientes fechados e ao ar livre, e subir escadas usando corrimão. Tem dificuldade com superfícies irregulares, inclinações ou em multidões. Tem apenas a capacidade mínima de correr ou pular. Frequência percentual à terapia durante período de intervenção com realidade virtual, calculada a partir do total de dias de terapia disponibilizados.
Não foram incluídas crianças que apresentassem (1) deformidades ósseas e/ou (2) encurtamentos musculares limitantes para as avaliações ou intervenção, (3) submetidas a cirurgias no último ano ou aplicação de bloqueio neuroquímico nos últimos seis meses, (4) possuíssem déficits sensoriais (visual e/ou auditiva) não corrigidos por aparelho auditivo ou lentes, (5) limitações cardiorrespiratórias de qualquer intensidade informadas pelos pais/responsáveis, (6) crianças que utilizassem com frequência os consoles de videogame ativos, tais como: PlayStation 3, Nintendo Wii e Xbox 360 Kinect, garantindo assim a eliminação de influências de utilização desses equipamentos externamente ao estudo. Todos os critérios foram verificados previamente segundo informações colhidas dos pais/responsáveis.
Para avaliação do autoconceito foi utilizada a Escala Infantil de Autoconceito Piers-Harris (Piers- Harris Children’s Self-Concept Scale) 19) que avalia os domínios: aspecto comportamental (AC), estado intelectual e escolar (EI), aparência física (AF), ansiedade (AN), popularidade (PO), satisfação e felicidade (SF). A pontuação pode ser 1 ou 0 a cada resposta, que avalia como a criança se sente a respeito de si mesma. Foi pontuado 1 caso a resposta fosse uma atitude positiva, e 0 caso fosse uma atitude negativa. O escore final foi gerado pela soma em cada um dos domínios19, sendo considerado maior autoconceito quanto maior fosse a pontuação. A escala foi validada em português por Veiga19) e apresentou elevada consistência interna (Alpha de Cronbach=0,71), indicando alta confiabilidade quando aplicada em crianças saudáveis20.
Também foi utilizada a Escala de desenvolvimento motor (EDM) de Rosa Neto21, para avaliação do equilíbrio foi utilizado o domínio quociente motor 3 (QM3), e para avaliação do desempenho motor, o quociente motor geral (QMG). A escala avalia o desenvolvimento motor nos domínios: motricidade fina, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial, organização temporal e lateralidade. A EDM propõe tarefas motoras que variam em grau de dificuldade, do menos complexo para o mais complexo e foi utilizada por ser capaz de identificar os principais desvios no desenvolvimento, frequentemente afetado em crianças com PC e sensível para identificar os possíveis efeitos da intervenção proposta. Cada tarefa realizada corretamente recebe 1 ponto e, ao final, é gerado o quociente motor geral (QMG) com base na soma de todos os pontos das tarefas realizadas21.
Os valores do QMG são interpretados da seguinte forma: muito superior (130 pontos ou mais), superior (120 a 129), alto normal (110 a 119), médio normal (90 a 109), baixo normal (80 a 89), inferior (70 a 79), muito inferior (79 ou menos). A escala possui boa consistência interna de 0,88922, é utilizada para identificar desvios do desenvolvimento motor, como déficits do equilíbrio corporal e desempenho motor geral, prejuízos comumente enfrentados por crianças com paralisia cerebral em suas atividades.
O sucesso adaptativo trata-se de uma medida confiável de desempenho em ambiente virtual23, possibilitando inferências sobre o sucesso em cada jogo. Assim, as pontuações dos jogos foram calculadas pelo próprio jogo do videogame, a partir do número de acertos e erros da criança e do tempo estimado para a realização da atividade. Os pontos obtidos em cada jogo foram anotados em cada sessão de treino da RV, e o valor final foi obtido pela média das pontuações de cada jogo em dois momentos: na segunda semana de intervenção, quando as crianças estavam totalmente familiarizadas com os jogos, e na última semana de intervenção, quando tornaram-se habilidosas nas atividades propostas em ambiente virtual. Foi considerado maior sucesso adaptativo quanto maior seja a pontuação adquirida.
A intervenção foi realizada utilizando um televisor de 32 polegadas sincronizado ao console e sensor de escaneamento corporal (Xbox 360 Kinect®), adequadamente calibrados. O console foi escolhido por não utilizar controles, pois poderia dificultar a utilização por crianças com PC, que possuem com frequência comprometimento dos membros superiores24. Durante oito semanas consecutivas as crianças realizaram treino em ambiente virtual, sendo duas sessões semanais, individuais e em dias alternados, com duração de 45 minutos.
A cada sessão, dois jogos foram utilizados por um período de 20 minutos cada (cinco repetições) com intervalo de 5 minutos de descanso. Quatro jogos comercialmente disponíveis foram utilizados para a intervenção, e a ordem de aplicação dos jogos foi randomizada. Todas as crianças utilizaram os jogos em seu nível básico e maiores detalhes sobre os jogos utilizados são apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 Características dos jogos utilizados na intervenção
Jogo 1 | A criança vê seu avatar dentro de uma caixa de vidro no fundo do mar, quando os peixes se aproximam fazendo furos. O objetivo é tapar os furos o mais rápido possível. São treinados agachamento, movimento de extensão do cotovelo, punho e dedos, abdução e adução de quadris e ombros. O jogo calcula uma pontuação com base no tempo que a criança leva para tapar cada furo, assim, quanto mais rápido, maior a pontuação. |
Jogo 2 | A criança vê seu avatar em um carrinho que anda sobre trilhos, quando obstáculos aparecem, a criança precisa desviar até a linha de chegada. A cada desvio bem-feito, é atribuída a pontuação de desempenho. A tarefa envolve deslocamento laterolateral do corpo, agachamentos e saltos. |
Jogo 3 | A criança vê seu avatar que encontra-se no interior de um bote que desce as corredeiras de um rio, o objetivo é controlar o bote e se desviar dos obstáculos, pegando o maior número possível de moedas e passando entre as bandeiras dispostas no percurso. Para a pontuação, cada moeda vale um ponto no jogo. A tarefa envolve deslocamento laterolateral do corpo e saltos aleatórios. |
Jogo 4 | A criança vê seu avatar em uma sala que simula gravidade reduzida, onde bolhas aparecem aleatoriamente. O objetivo do jogo é que a criança com a movimentação dos membros superiores (adução e abdução), deslocamento laterolateral e anteroposterior estoure as bolhas, quanto mais bolhas estourar, maior será sua pontuação. |
Durante a realização das tarefas foram proporcionadas dicas verbais para corrigir o alinhamento biomecânico durante os movimentos, na tentativa de correção dos movimentos para que padrões atípicos não fossem reforçados, sempre pelo mesmo fisioterapeuta. Caso a criança utilizasse órteses, estas foram avaliadas em relação ao seu posicionamento e foram adequadas para serem mantidas durante a intervenção. Todas as crianças/pai/responsáveis foram instruídas a continuar suas atividades de reabilitação na fisioterapia convencional neurodesenvolvimental normalmente durante esse período. Foi controlado o número de faltas durante as 16 sessões, período de intervenção com realidade virtual. Dessa forma, caso a criança faltasse mais do que 2 sessões e não fosse possível repor essas sessões, ela automaticamente era excluída do estudo. Todas as crianças completaram 100% das sessões, e foi realizado controle de frequência durante a terapia, buscando visualizar melhor esse aspecto. Entretanto, não houve nenhum caso que se enquadrasse no critério para exclusão de participantes.
Foram aplicados testes não paramétricos devido ao tamanho da amostra25. O teste de Wilcoxon foi utilizado para verificar as possíveis diferenças nos momentos pré e pós-intervenção nas variáveis referentes ao “autoconceito”, “sucesso adaptativo”, “equilíbrio” e “quociente motor geral” (desempenho motor). Para todas as análises foi adotado o nível de significância 5% com intervalo de confiança de 95%, usando o pacote estatístico software SPSS (version 17.0).
Foi encontrada diferença significativa entre os momentos pré e pós-intervenção com RV para os domínios ansiedade, aspecto intelectual, popularidade, aparência física, satisfação e felicidade. Entretanto, no domínio aspecto comportamental não foi constatada diferença significativa. Houve diferença significativa também para o QM3 e QMG, após a intervenção com videogame ativo. Constatou-se diferença significativa para o sucesso adaptativo para todos os jogos 1, 2, 3 e 4. Os resultados encontram-se detalhados na Tabela 2.
Tabela 2 Autoconceito, equilíbrio, desempenho motor geral e sucesso adaptativo antes e após a intervenção com realidade virtual
Pré-intervenção | Pós-intervenção | p | Z | f2 | |
---|---|---|---|---|---|
Autoconceito | |||||
Aspecto comportamental | 11,1(±1,3) | 11,7(±1,0) | 0,059 | -1,890 | 0,670 |
Ansiedade | 3,2(±0,4) | 4,7(±1,2) | 0,016 | -2,414 | 0,853 |
Domínio intelectual e escolar | 6,3(±0,7) | 8,8(±1,2) | 0,011 | -2,539 | 0,897 |
Popularidade | 3,8(±1,8) | 5,8(±1,9) | 0,017 | -2,379 | 0,841 |
Aparência física | 3,6(±1,0) | 4,5(±0,9) | 0,020 | -2,333 | 0,824 |
Satisfação e felicidade | 5,8(±1,1) | 6,5(±0,9) | 0,025 | -2,236 | 0,790 |
EDM | |||||
Equilíbrio (QM3) | 37,1(±20,4) | 43,8(±20,7) | 0,036 | -2,100 | 0,742 |
Motor geral (QMG) | 43,5(±14,2) | 50,3(±19,6) | 0,050 | -1,960 | 0,693 |
Sucesso adaptativo | |||||
Jogo 1 | 95,7(±18,9) | 121,5(±12,5) | 0,012 | -2,521 | 0,891 |
Jogo 2 | 76,1(±20,3) | 104,8(±18,3) | 0,012 | -2,521 | 0,891 |
Jogo 3 | 103,4(±27,0) | 133,1(±16,4) | 0,017 | -2,380 | 0,841 |
Jogo 4 | 187,0(±31,9) | 219,5(±9,2) | 0,017 | -2,380 | 0,841 |
* Valores estatisticamente significativos p≥0,05; Valores para o tamanho do efeito (f de Cohen - f2); Valores apontados por meio de média e desvio-padrão; EDM: Escala de desenvolvimento motor.
O treinamento com videogame ativo foi capaz de modificar os domínios autoconceito, equilíbrio, desempenho motor global e sucesso adaptativo.
Foram identificados aumento no número de respostas positivas quanto aos domínios ansiedade, aspecto intelectual, popularidade, aparência física, satisfação e felicidade. Estudos têm verificado que crianças com PC apresentam maiores níveis de ansiedade, geralmente relacionados com as dificuldades enfrentadas para executar com destreza as habilidades motoras26. Devido às características motivacionais do uso da RV em terapia, é possível que as crianças tenham se preocupado menos com seus insucessos ao interagir com o ambiente virtual, pois têm mais liberdade para errar e acertar em um ambiente descontraído12.
O aspecto intelectual melhorou com o treino de RV, observado pelo aumento em capacidades como responder às perguntas feitas pelo professor, maior velocidade para terminar as atividades, iniciativa e atividade proativa no ambiente escolar, redução da preocupação da criança em realizar testes escolares, redução da distração em sala de aula. Comumente, crianças com debilidades neuromotoras como a PC podem apresentar o domínio intelectual reduzido em relação a crianças típicas, o que pode ser ocasionado por déficits no processamento e modulação das informações sensoriais visuais e auditivas6. Déficits nas vias talamocorticais podem prejudicar o processamento sensorial nessa população27, além de interferir no sistema límbico responsável por processos emocionais e motivacionais28, o que pode influenciar o aproveitamento dos estímulos recebidos pela criança. Considerando esses aspectos, a RV possivelmente favoreceu a integração das informações sensoriais, por estímulos específicos que direcionavam o acompanhamento visual e auditivo nos jogos, influenciando indiretamente os aspectos intelectuais das crianças neste estudo. Além disso, o contexto motivador, dinâmico e com objetivos direcionados pode incentivar a dedicação para o sucesso nas tarefas, promover maior atenção e melhorar as capacidades intelectuais. Assim, a RV pode ser utilizada como forma de auxílio às técnicas de aprendizagem tradicional15.
Outro resultado relevante foi a melhora no domínio popularidade após intervenção. Stevens et al. (29 relatam que crianças com PC possuem pequenos grupos de amizade, geralmente formados por apenas um amigo e frequentemente no ambiente escolar, na sua maioria, não se mantêm fora desse ambiente. Rodkin et al. (30 ressaltam como fator de atenção a baixa popularidade de crianças, pois comumente está associada com comportamentos inflexíveis, antissociais e, até mesmo, agressivos. Acredita-se que a melhora no domínio popularidade possa ter sido influenciada pelo ganho de performance dentro do ambiente virtual e consequentemente a confiança em relação a suas habilidades motoras, levando a criança com PC a interagir melhor no ambiente real e até mesmo com outras crianças. Além disso, sabe-se que a capacidade de explorar ambientes com mais segurança pode influenciar os níveis de atividade e participação social da população com PC31.
O domínio aparência física também melhorou nas crianças com PC, observado em questões de autoimagem física considerando as deficiências e potencialidades. Segundo Soyupek et al. ( 32, a maneira como as crianças se enxergam tem grande impacto no bem-estar psicossocial. Taleporos e McCabe33 relatam ainda o quanto é incomum que crianças com deficiência apresentem uma imagem corporal totalmente positiva, no entanto, os conflitos de aparência física dessas crianças podem estar relacionados a fatores sociais e ambientes nos quais estão inseridas. Assim, enxergar-se por meio de um avatar durante um jogo de realidade virtual pode ajudar indiretamente na percepção que a criança tem de si quanto à sua deficiência, tendo em vista que o jogo comercial não potencializa qualquer desvantagem enfrentada pela criança.
Considerando as mudanças de contexto, ambientes motivadores e enriquecidos são capazes de retirar o foco da terapia e do déficit motor apresentado, fazendo com que a criança enxergue-se de maneira mais ativa e positiva34. Nesse sentido, a intervenção com RV por meio de um videogame ativo pode promover a melhora na autoimagem da criança, pois, ao visualizar o avatar e enxergar-se sem a deficiência, pode trabalhar a autoestima e confiança paralelamente aos aspectos motores.
Tais aspectos também podem ter influenciado a melhora observada no domínio satisfação e felicidade, pois esse domínio pode inferir na qualidade de vida (QV) dessas crianças35. Estudos têm identificado que crianças com PC apresentam uma redução nas dimensões de QV e autoconceito32, entre elas, a satisfação e bem-estar físico36. Crianças com PC podem ter uma autoavalição diferenciada devido às suas limitações37 e estar satisfeitas e felizes gera bem-estar36, que, por sua vez, é moderador da capacidade funcional, nível de participação e qualidade de vida37.
Ressalta-se que apenas o domínio aspecto comportamental não foi modificado. Nesse domínio são avaliados o comportamento da criança em ambiente escolar e familiar, tais como falta de atenção dos pais, envolvimento em brigas e a forma como a criança enfrenta situações que envolvem pessoas de seu convívio. Segundo Majnemer et al. (38, apesar de crianças com déficits motores apresentarem certa dificuldade para se integrar e se adaptar ao cotidiano, o que pode resultar em alterações em seu comportamento, mudanças nesse domínio podem levar um tempo maior para acontecer. Assim, sugere-se que pesquisas futuras abordem tal domínio durante um tempo maior de intervenção.
Quanto ao desenvolvimento motor foi encontrado um aumento de desempenho para os domínios, equilíbrio e quociente motor geral. Tais resultados estão de acordo com o estudo de Pavão et al. ( 4, no qual identificaram melhora tanto no equilíbrio quanto no quociente motor geral de uma criança com PC, GMFCS nível I, após 12 sessões de intervenção com RV. Os autores atribuíram os resultados positivos da RV ao feedback on-line recebido pela criança por meio da projeção de seu avatar na tela e pela influência da pontuação do jogo4. Pontuação esta que pode ser utilizada para conhecimento do desempenho da criança dentro do ambiente virtual23. Além disso, os possíveis déficits sensoriais dessa população39 podem ser trabalhados de forma ativa considerando os estímulos multissensoriais proporcionados pela RV40. A movimentação ativa constante da cabeça durante os jogos pode ser responsável por estimular o sistema vestibular e consequentemente a musculatura antigravitária, crucial para a adequada manutenção da postura ortostática e controle postural. Ainda, pode-se inferir potenciais repercussões na propriocepção, devido ao aumento da coaptação articular proporcionada por mudanças de descargas de peso constantes e alinhamento dos segmentos corporais durante a execução das tarefas direcionadas pelos jogos.
Após o período de intervenção foi encontrado melhora no sucesso adaptativo dessas crianças durante a realização das tarefas em ambiente virtual e refletidas na pontuação dos jogos. O ambiente virtual é motivador e conta com práticas aleatórias que potencializam o processo de aprendizagem motora41. Assim, acredita-se que com a prática sistemática de habilidades pode-se chegar ao melhor padrão de movimento42, mais organizado, coordenado e com menor gasto energético43, o que pode justificar a melhora na pontuação dos jogos. Sugere-se, portanto, que estudos futuros possam abordar os padrões de movimento com análises mais acuradas, como a cinemática, durante períodos-chave na intervenção, como o início (movimento menos habilidoso) e o final (movimento mais habilidoso), buscando responder às perguntas a respeito das estratégias de movimento utilizadas e suas relações com fatores motivacionais como o autoconceito.
Um fator que pode ter contribuído para os achados deste estudo foi a somação dos efeitos da RV aos efeitos da terapia convencional neurodesenvolvimental, uma vez que as crianças do grupo intervenção continuaram na terapia convencional. A terapia neurodesenvolvimental é centrada em manuseios que trabalham componentes musculoesqueléticos e neuromotores, visando aumentar mobilidade articular, alongamentos, fortalecimentos e controle muscular44, considerados essenciais para o preparo para atividades funcionais. A RV, por sua vez, é capaz de trabalhar componentes musculoesqueléticos, neuromotores, sensoriais e motivacionais, de maneira dinâmica, ativa e contextualizada, o que fortalece o envolvimento da criança com o ambiente e pode influenciar positivamente no autoconceito. Assim, pode-se inferir que ambas complementam-se durante o período de reabilitação. Nesse sentido, tais resultados sugerem que a associação da realidade virtual pode beneficiar a criança em processo de reabilitação. No entanto, mais estudos precisam ser realizados para verificar o efeito de diferentes associações terapêuticas, o que foi uma limitação deste estudo.
Os resultados encontrados suportam a hipótese de que tarefas complexas realizadas em um contexto dinâmico e motivador podem auxiliar na melhora da função psicossocial da população estudada. Entretanto, mais estudos devem ser realizados com uma amostra maior e utilizando-se de um delineamento de ensaio clínico.
A RV por meio de um videogame ativo proporciona melhora no desempenho de atividades de equilíbrio, desempenho motor geral, sucesso adaptativo e no autoconceito de crianças com PC hemiparéticas espásticas, níveis I e II de GMFCS, atuando como terapia coadjuvante às técnicas de fisioterapia convencional.