versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.108 no.5 São Paulo maio 2017 Epub 20-Abr-2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170042
As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade e invalidez a longo prazo a nível mundial. Diversos estudos têm sugerido um efeito protetor da lactação na redução do risco para doenças cardiovasculares.
Este estudo foi desenvolvido para avaliar os efeitos da gestação e da lactação sobre a vulnerabilidade do miocárdio ao insulto isquêmico.
Dezoito ratas foram divididas aleatoriamente em três grupos: isquemia-reperfusão (IR), no qual os corações de ratas virgens foram submetidos à IR (n = 6); lactantes, no qual as ratas amamentaram seus filhotes por 3 semanas e os corações maternos foram, em seguida, submetidos à IR (n = 6); e não lactantes, no qual os filhotes foram separados após o nascimento e os corações maternos foram submetidos à IR (n = 6). As medidas de desfecho incluíram frequência cardíaca (FC), pressão desenvolvida no ventrículo esquerdo (PDVE), duplo produto (DP), razão do tamanho do infarto sobre a área sob risco (TI/ASR %) e arritmias ventriculares - contração ventricular prematura (CVP) e taquicardia ventricular (TV).
O TI/ASR foi substancialmente menor no grupo de lactantes quando comparado ao grupo de não lactantes (13,2 ± 2,5 versus 39,7 ± 3,5, p < 0,001) e ao grupo IR (13,2 ± 2,5 versus 34,0 ± 4,7, p < 0,05). A avaliação das arritmias ventriculares induzidas pela IR indicou que o número de CVPs compostas na isquemia, e o número e a duração das TVs na isquemia e nos primeiros 5 minutos de reperfusão no grupo de não lactantes foram significativamente (p < 0,05) mais elevados do que os encontrados nos grupos IR e de lactantes.
A lactação induziu o aparecimento precoce de efeitos cardioprotetores, enquanto ratas que não foram permitidas a amamentar seus filhotes se mostraram mais suscetíveis à lesão miocárdica por IR.
Palavras-chave: Lactação; Infarto do Miocárdio; Isquemia Miocárdica; Parto
Cardiovascular diseases are the leading cause of mortality and long-term disability worldwide. Various studies have suggested a protective effect of lactation in reducing the risk of cardiovascular diseases.
This study was designed to assess the effects of pregnancy and lactation on the vulnerability of the myocardium to an ischemic insult.
Eighteen female rats were randomly divided into three groups: ischemia-reperfusion (IR), in which the hearts of virgin rats underwent IR (n = 6); lactating, in which the rats nursed their pups for 3 weeks and the maternal hearts were then submitted to IR (n = 6); and non-lactating, in which the pups were separated after birth and the maternal hearts were submitted to IR (n = 6). Outcome measures included heart rate (HR), left ventricular developed pressure (LVDP), rate pressure product (RPP), ratio of the infarct size to the area at risk (IS/AAR %), and ventricular arrhythmias - premature ventricular contraction (PVC) and ventricular tachycardia (VT).
The IS/AAR was markedly decreased in the lactating group when compared with the non-lactating group (13.2 ± 2.5 versus 39.7 ± 3.5, p < 0.001) and the IR group (13.2 ± 2.5 versus 34.0 ± 4.7, p < 0.05). The evaluation of IR-induced ventricular arrhythmias indicated that the number of compound PVCs during ischemia, and the number and duration of VTs during ischemia and in the first 5 minutes of reperfusion in the non-lactating group were significantly (p < 0.05) higher than those in the lactating and IR groups.
Lactation induced early-onset cardioprotective effects, while rats that were not allowed to nurse their pups were more susceptible to myocardial IR injury.
Keywords: Lactation; Myocardial Infarction; Myocardial Ischemia; Parturitium
As doenças coronarianas são a principal causa de mortalidade em todo o mundo, com cerca de 38% das mortes sendo atribuídas a estas doenças.1 Além da hipertensão arterial e do diabetes, múltiplos fatores relacionados ao estilo de vida podem aumentar o risco de infarto do miocárdio, como dietas ricas em colesterol, tabagismo, consumo de álcool e estresse.2 Um acúmulo de evidências epidemiológicas sugere que a decisão da mulher de amamentar seus filhos tem um impacto significativo sobre o risco materno para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.3,4 Embora as políticas nacionais de promoção da amamentação estejam sendo profundamente implementadas em muitos países desenvolvidos, a taxa global de aleitamento materno exclusivo está abaixo de 40%.5
A lactação confere benefícios significativos à saúde cardiovascular materna.6 A lactogênese tem um efeito favorável sobre o metabolismo glicídico e lipídico. Ela aumenta a sensibilidade à insulina e eficácia da glicose, reduzindo o risco de diabetes tipo 2.3 A amamentação promove a produção de lipoproteínas de alta densidade e reduz os níveis de triglicérides e lipoproteínas de baixa densidade.7,8 Por conseguinte, a lactação mobiliza os depósitos de gordura produzidos durante a gravidez, reduzindo assim o risco de doenças cardiovasculares e infarto do miocárdio.9 Além disso, a lactação reduz a pressão arterial e a frequência cardíaca (FC) maternas, melhorando o débito cardíaco.10 Hanwell e Peaker11 observaram em ratas que o aumento do débito cardíaco é diretamente proporcional à intensidade da sucção. Além disso, certos hormônios liberados durante a lactação, tais como a ocitocina, prolactina, glicocorticoides, grelina e hormônio do crescimento podem precondicionar o miocárdio contra a lesão cardíaca.12,13 Já foi demonstrado que a ocitocina endógena liberada centralmente e a infusão exógena de ocitocina protegem o coração contra insulto hipóxico através da ativação de receptores cerebrais.14 Além disso, a ocitocina induz à cardioproteção através de uma via que envolve canais de potássio dependentes de ATP na mitocôndria.15 Embora o efeito dos hormônios lactogênicos sobre a saúde cardiovascular tenha sido estudado até certa medida, evidências experimentais sugerindo um papel cardioprotetor da lactação contra lesão induzida por isquemia-reperfusão (IR) ainda são escassas. Assim, o presente estudo foi desenvolvido para testar a hipótese de que a lactação reduz a vulnerabilidade do miocárdio à lesão por IR.
Dezoito ratas Sprague-Dawley (180-230 g) foram alojadas em uma sala climatizada a 21-23 °C, com ciclos claro/escuro de 12 horas. Durante o período experimental, as ratas tiveram acesso livre a ração e água. Os protocolos experimentais seguidos neste estudo estiveram em conformidade com as Recomendações para Cuidados e Uso de Animais de Laboratório, publicadas pelo National Institutes of Health (NIH, Publicação no. 85-23, revisada em 1996) e foram aprovados pelo comitê de ética institucional em Tehran University of Medical Sciences (Teerã, Irã).
Os animais foram anestesiados com tiopental sódico intraperitoneal (60 mg/kg). Heparina (500 UI/kg) foi também administrada para evitar coagulação sanguínea. Uma vez anestesiadas, as ratas foram submetidas a uma incisão transabdominal com exposição do coração. Após canulação da aorta, o coração foi removido e colocado em um sistema de Langendorff. Os corações foram perfundidos retrogradamente com solução-tampão de Krebs-Henseleit-bicarbonato (contendo, em mmol/L: NaHCO3 25; KCl 4,7; NaCl 118,5; MgSO4 1,2; KH2PO4 1,2; glicose 11; e CaCl2 2,5) oxigenada com 95% de O2 e 5% de CO2 (pH 7,35-7,45 a 37 °C). Um balão de látex com solução salina foi introduzido no ventrículo esquerdo e insuflado para proporcionar uma pré-carga de 8 -10 mmHg. O balão foi conectado a um transdutor de pressão (Harvard, March-Hugstetten, Alemanha) que permitiu a realização de medidas em tempo real das pressões do ventrículo. Um registro eletrocardiográfico foi realizado através da fixação de eletrodos finos no ápice ventricular e no átrio direito. Uma agulha cirúrgica (sutura de seda 6-0) foi passada sob a origem da artéria coronária descendente anterior esquerda e as extremidades da sutura foram passadas por duas pontas de pipetas de plástico para formar um laço. Uma isquemia regional foi induzida através de um aperto do laço (30 min) e a reperfusão foi realizada através da liberação das extremidades da sutura (60 min). Os corações bateram espontaneamente durante todos os experimentos.
O tamanho da amostra foi estimado através do método da equação de recursos.16
E = N - T
E = graus de liberdade (análise de variância [ANOVA]; entre 10 e 20)
N = número total de animais
T = número de grupos de tratamento
"N" foi considerado a partir de um estudo publicado anteriormente17 e foi ajustado de modo a atingir um valor válido para "E".
Para estudar os efeitos da gestação e da lactação sobre a lesão miocárdica induzida por IR, 18 ratas foram divididas aleatoriamente em três grupos:
Grupo IR (n = 6): corações isolados de ratas virgens no período de diestro foram submetidos a 30 min de isquemia regional, seguida por 60 min de reperfusão.
Grupo de lactantes (n = 6): as ratas cuidaram dos seus filhotes por 3 semanas e, em seguida, os corações maternos foram submetidos a 30 min de isquemia regional, seguido por 60 min de reperfusão.
Grupo de não lactantes (n = 6): após o parto, as ratas foram separadas de seus filhotes e 3 semanas depois, os corações maternos foram submetidos a 30 min de isquemia regional, seguida por 60 min de reperfusão.
A pressão desenvolvida no ventrículo esquerdo (PDVE) e a FC foram monitoradas continuamente e registradas através do sistema de aquisição de dados BioLab. O duplo produto (DP) foi calculado através da multiplicação da PDVE pela FC.
Ao final da reperfusão, a artéria coronária esquerda foi reocluída e o corante azul de Evans (0,3-0,5 mL) foi infundido via aorta para diferenciar a zona isquêmica (área sob risco; ASR) da zona não isquêmica. Os corações foram congelados a -20°C e seccionados transversalmente em fatias de 2,0 mm (com uso de uma matriz fatiadora de aço inoxidável com intervalos entre as fatias de 2,0 mm em cortes coronais) no sentido do ápice para a base. As fatias foram incubadas em cloreto de trifeniltetrazólio a 1% (CTF em tampão fosfato 0,1 M, pH 7,4, 37°C) por 20 min, seguido de fixação tecidual (10% formalina tamponada com fosfato) por 24 h. A CTF reage com o tecido viável, produzindo um derivado formazan de cor vermelha que é distinto da área necrótica branca. Os cortes histológicos foram escaneados para determinação da área não isquêmica, ASR (área isquêmica) e tamanho do infarto (TI) por meio de cálculo dos píxeis ocupados por cada área com utilização do programa Adobe Photoshop (Adobe Systems, Seattle, WA, EUA). A ASR foi expressa como uma percentagem do volume ventricular esquerdo para cada coração. O tamanho do infarto foi determinado com utilização de planimetria assistida por computador e expressa como porcentagem da ASR.18-20
As arritmias ventriculares induzidas pela isquemia foram avaliadas durante o período de oclusão e determinadas de acordo com as Convenções de Lambeth.21 A taquicardia ventricular (TV) e a contração ventricular prematura (CVP), incluindo CVPs compostas (como bigeminismo, pares e salvas), foram contadas durante o período de isquemia e nos primeiros 5 minutos do período de reperfusão.
Todos os dados foram analisados estatisticamente com o programa GraphPad InStat, versão 3.06 (GraphPad Software Inc., San Diego, CA, EUA). Os dados seguiram uma distribuição gaussiana (teste de Kolmogorov-Smirnov). Todos os resultados estão expressos como média ± erro padrão da média (EPM). As medidas de desfecho entre os grupos foram analisadas com ANOVA unifatorial, seguida pelo teste post hoc de Bonferroni. Para comparações intragrupos, foi realizada ANOVA com medidas repetidas, seguida pelo teste post hoc de Bonferroni (para colunas selecionadas). A significância estatística foi definida como p < 0,05.
A Tabela 1 mostra as alterações na FC, na PDVE e no DP nos grupos IR, lactantes e não lactantes durante períodos diferentes do experimento.
Tabela 1 Parâmetros hemodinâmicos
Grupos | Basal | Isquemia | Reperfusão | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
FC (bpm) | PDVE (mmHg) | DP (mmHg x bpm) | FC (bpm) | PDVE (%Basal) | DP (%Basal) | FC (bpm) | PDVE (%Basal) | DP (%Basal) | |
IR | 146 ± 4,9 | 58,4 ± 11,9 | 8519,6 ± 1805,2 | 134,6 ± 3,9 | 62,5 ± 8,3* | 57,5 ± 7,3# | 131,2 ± 5,2$ | 64,3 ± 8,6*$ | 57,4 ± 6,8# |
L | 138 ± 3,6 | 115,2 ± 34,2 | 15673,2 ± 4219,6 | 120,7 ± 9,1 | 28,3 ± 3,7* | 25,2 ± 4,6* | 71,7 ± 18,4 | 20,8 ± 7,8# | 12,6 ± 7,2# |
NL | 148,6 ± 8,3 | 66,9 ± 11,9 | 9797,3 ± 1652,5 | 137,4 ± 9,7 | 73 ± 8,5$ | 67,2 ± 7,7*$ | 145,4 ± 11,9$ | 73,1 ± 8,5$ | 74 ± 13$ |
*p < 0,05 versus basal do grupo
#p < 0,001 versus basal do grupo,
$p < 0,05 versus grupo de lactantes.
Os dados estão apresentados como média ± erro padrão da média (EPM). Para PDVE, DP e FC, as médias foram comparadas entre os grupos com ANOVA unifatorial e dentro de cada grupo, com ANOVA com medidas repetidas. O teste post hoc de Bonferroni foi utilizado.IR: isquemia-reperfusão; L: lactantes; NL: não lactantes; PDVE: pressão desenvolvida no ventrículo esquerdo (mmHg); FC: frequência cardíaca (bpm); DP: duplo produto (mmHg x min); bpm: batimentos por minuto.
No grupo IR, a PDVE e o DP se mostraram reduzidos (p < 0,05 e p < 0,001, respectivamente) ao final do período de isquemia e reperfusão em comparação com o período basal. No grupo de lactantes, a PDVE e o DP estiveram significativamente reduzidos ao final da isquemia (p < 0,05) e da reperfusão (p < 0,001) em comparação com o momento basal. Além disso, no grupo de lactantes, a FC se mostrou substancialmente reduzida na reperfusão em comparação com o momento basal. Os animais não lactantes demonstraram um menor DP na isquemia quando comparado ao observado no período basal (p < 0,05).
A análise intergrupos mostrou que a PDVE ao final da isquemia e o DP na isquemia e reperfusão estiveram significativamente mais altos no grupo de não lactantes quando comparados ao de lactantes (p < 0,05). Além disso, a FC e a PDVE estiveram acentuadamente aumentadas na reperfusão nos grupos IR e de não lactantes, quando comparados com o grupo de lactantes (p < 0,05).
A Figura 1 mostra que não houve diferença significativa entre os grupos em relação à ASR. No entanto, o TI/ASR foi significativamente menor no grupo de lactantes em comparação aos grupos de não-lactantes e IR (13,2 ± 2,5 versus 39,7 ± 3,5 e 34,0 ± 4,7, respectivamente).
Figura 1 Área miocárdica sob risco em relação ao ventrículo esquerdo (ASR/VE %) e tamanho do infarto (TI/ASR %). Os dados estão apresentados como média ± erro padrão da média (EPM). Os valores médios entre os grupos foram comparados com ANOVA unifatorial, seguida pelo teste post hoc de Bonferroni. # p < 0,05 versus grupo lactantes, *** p < 0,001 versus grupo lactantes. IR: isquemia-reperfusão; L: lactantes; NL: não lactantes.
Durante a fase isquêmica, o número de CVPs compostas foi estatisticamente mais alto no grupo de não lactantes em comparação ao grupo de lactantes (p < 0,05) (Figura 2). Durante os primeiros 5 minutos da fase de reperfusão, o número de CVPs compostas não diferiu significativamente entre os grupos (Figura 3). Durante a isquemia e nos primeiros 5 min de reperfusão, o número de TVs foi significativamente mais baixo nos grupos IR e de lactantes em comparação ao grupo de não lactantes (p < 0,001) (Figura 4). Além disso, a duração das TVs durante a isquemia e nos primeiros 5 min da reperfusão foi substancialmente menor nos grupos de lactantes e IR quando comparados com o grupo de não lactantes (p < 0,01) (Figura 5).
Figura 2 Número de contrações ventriculares prematuras (CVPs) compostas (incluindo bigeminismo, pares e salvas) nos diferentes grupos. Os dados estão apresentados como média ± erro padrão da média (EPM). Os valores médios entre os grupos foram comparados com ANOVA unifatorial, seguida pelo teste post hoc de Bonferroni. * p < 0,05 versus grupo de lactantes. IR: isquemia-reperfusão; L: lactantes; NL: não lactantes.
Figura 3 Número de contrações ventriculares prematuras (CVPs) compostas (incluindo bigeminismo, pares e salvas) nos diferentes grupos. Os dados estão apresentados como média ± erro padrão da média (EPM). Os valores médios entre os grupos foram comparados com ANOVA unifatorial, seguida pelo teste post hoc de Bonferroni. IR: isquemia-reperfusão; L: lactantes; NL: não lactantes.
Figura 4 Número de taquicardias ventriculares (TVs) nos diferentes grupos. Os dados estão apresentados como média ± erro padrão da média (EPM). Os valores médios entre os grupos foram comparados com ANOVA unifatorial, seguida pelo teste post hoc de Bonferroni. ***p < 0,001 versus grupo de lactantes; $$$p < 0,001 versus grupo IR. IR: isquemia-reperfusão; L: lactantes; NL: não lactantes.
Figura 5 Duração da taquicardia ventricular (TV) nos diferentes grupos. Os dados estão apresentados como média ± erro padrão da média (EPM). Os valores médios entre os grupos foram comparados com ANOVA unifatorial, seguida pelo teste post hoc de Bonferroni. IR: isquemia-reperfusão; L: lactantes; NL: não lactantes. **p < 0,001 versus grupo de lactantes; $$p < 0,001 versus grupo IR.
O presente estudo mostrou o efeito da gravidez e da lactação sobre a vulnerabilidade do miocárdio a um insulto isquêmico. Observamos que a lactação, e não somente a gravidez, precondicionou o coração materno contra o infarto do miocárdio induzido por isquemia. Além disso, a amamentação reduziu a incidência e duração de arritmias ventriculares durante a isquemia.
Evidências crescentes têm indicado efeitos benéficos da lactação a curto e longo prazo sobre fatores de risco associados com a morbidade cardiovascular.22,23 O único estudo indicando efeitos cardioprotetores da lactação contra a lesão por IR foi realizado recentemente por Shekarforoush e Safari.17 No entanto, o estudo desses autores não considerou se a cardioproteção teria sido conferida apenas pela gravidez. Além disso, esses autores não puderam observar efeitos antiarrítmicos da lactação durante a isquemia miocárdica.17 No presente estudo, foi utilizado um modelo in vitro de Langendorff. Assim, o aparecimento precoce de efeitos cardioprotetores da lactação pode ser atribuído às características intrínsecas do coração independentes da complexa fisiologia da lactação. Observamos que a gravidez aumenta o tamanho do infarto induzido pela isquemia, além da incidência e duração das arritmias. Estudos anteriores sugerem que a gravidez aumenta o risco materno de eventos cardiovasculares através de um aumento no acúmulo de gordura central,24 na pressão arterial25 e na resistência à insulina.26 Durante a gravidez, o coração materno se transforma em "um coração de melhor funcionamento" e sofre hipertrofia fisiológica, a fim de aumentar a sua capacidade de bombeamento. No entanto, Lain et al.26 demonstraram que o coração durante fases avançadas da gravidez é mais suscetível à lesão por IR quando submetido à oclusão coronariana. Além disso, em ratas em fase avançada de gravidez, o TI foi maior e a recuperação funcional pós-isquêmica foi observada como sendo extremamente pobre. É interessante notar que as alterações hemodinâmicas e o aumento do TI foram parcialmente restaurados no pós-parto em camundongos.
A abertura do poro de transição de permeabilidade mitocondrial (PTPm) no início da reperfusão é um fator crítico determinante de morte celular miocárdica.27 Um estudo a este respeito demonstrou que a gravidez diminui o limiar para a abertura dos PTPm, que pode ser atribuído a um aumento na geração de espécies reativas de oxigênio (ROS) no coração induzido pela gravidez. Alguns autores levantaram a hipótese de que a lactação pode induzir um efeito de redefinição sobre o coração e melhorar as alterações induzidas pela gravidez na dinâmica cardiovascular.3,28
O efeito protetor da lactação pode ser atribuído a um aumento do gasto metabólico na nutriz,29 explicando a diminuição do índice de massa corporal e dos níveis de colesterol após a lactação. Além disso, a iniciação e manutenção da lactação envolvem vários hormônios, como a ocitocina, prolactina, hormônio do crescimento, tiroxina, corticoides adrenais e hormônio da paratireoide.30 O tecido cardíaco expressa uma grande variedade de receptores hormonais, incluindo receptores para hormônios lactogênicos,31,32 e alterações no meio hormonal induzidas pela amamentação têm sido relatadas como melhorando os perfis cardiovasculares.
A sucção é o principal estímulo para a liberação de ocitocina a partir da hipófise posterior. O efeito protetor da ocitocina contra a lesão por IR já foi previamente descrito.14 Faghihi et al.33 demonstraram que um precondicionamento com ocitocina reduz as arritmias ventriculares induzidas por isquemia por eliminar radicais livres e retardar a abertura dos PTPms. Das e Sarkar15 sugeriram um envolvimento dos canais de potássio dependentes de ATP na mitocôndria na cardioproteção induzida por ocitocina. Além disso, tem sido demonstrado que a ocitocina promove a liberação de peptídeo natriurético atrial - um hormônio cardioprotetor bem conhecido que reduz a incidência de arritmias induzidas por reperfusão.34,35 A ocitocina também exerce efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos36 que, por sua vez, podem diminuir a demanda de oxigênio do miocárdio, produzindo um infarto menor após oclusão da artéria coronária. Além da ocitocina, o pré-tratamento com hormônio tireoidiano tem sido mostrado como protetor contra a isquemia letal em um padrão semelhante ao do precondicionamento isquêmico.37 Observamos que a lactação reduz a PDVE, o DP e a FC em animais submetidos à isquemia. Isto indica um efeito positivo da amamentação, já que ela reduz o consumo de oxigênio pelo miocárdio e melhora a relação oferta-demanda de oxigênio.
A sucção não apenas estimula a liberação de ocitocina, mas também provoca secreção de prolactina e hormônio adrenocorticotrófico, que são essenciais para a galactopoiese.38 As evidências experimentais para o efeito da prolactina sobre o sistema cardiovascular são bastante limitadas. Um estudo de coorte relatou uma associação direta entre os níveis de prolactina com disfunção endotelial e aumento do risco de eventos cardiovasculares e mortalidade.39 Por outro lado, Krzeminski et al.40 observaram efeitos antiarrítmicos da prolactina (isoforma) contra a lesão por IR. Em ratas, 15 dias de tratamento com prolactina reduzem substancialmente o aumento induzido pela adrenalina na FC, pressão arterial, necrose e infiltração de granulócitos em cardiomiócitos.41 Além disso, os corticosteroides conferem cardioproteção através da ligação a receptores glicocorticoides.42 Os glicocorticoides ativam a sintase endotelial (eNOS) e exercem efeitos anti-inflamatórios, antiaterogênicos e anti-isquêmicos.43
O sistema autônomo é um regulador importante da lactação e da ejeção de leite. A estimulação do nervo vago (ENV) é essencial para a liberação de ocitocina e prolactina induzidas pela sucção.44 Sinais eferentes do nervo vago podem inibir a produção de citocinas proinflamatórias, melhorando assim os desfechos patológicos de doenças como a sepse, isquemia miocárdica e outros distúrbios inflamatórios.45 Curiosamente, demonstrou-se que a ENV previne a lesão por reperfusão através da inibição dos PTPms.46
No presente estudo, o efeito protetor da lactogênese contra a lesão por IR pode envolver um papel potencial dos hormônios lactogênicos, que podem influenciar diretamente a dinâmica cardíaca através de receptores cardíacos. Além disso, a lactação pode ter melhorado a lesão por IR através da ENV. Um confundidor plausível neste estudo foi o estresse emocional imposto sobre a saúde das mães pela separação dos seus filhotes. Embora, pelo protocolo da pesquisa, as ratas no grupo de não lactantes não tenham sido operadas até 21 dias após o parto (de maneira semelhantes às ratas no grupo de lactantes), o efeito potencial do estresse emocional na dinâmica cardiovascular não pode ser definitivamente excluído.
Nossos achados, como um todo, demonstram um efeito cardioprotetor da lactação sobre a saúde materna, independente da gravidez. Além disso, ratas que não foram permitidas a amamentar seus filhotes demonstraram uma alta vulnerabilidade ao insulto miocárdico isquêmico.