versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.36 no.4 São Paulo out./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140076
As principais etiologias de doença renal crônica (DRC) são diabete melito e hipertensão arterial (HA).1 Desde os experimentos de Goldblatt,2 sabe-se que a estenose de artéria renal (EAR) pode causar HA. A EAR também é causa frequente de DRC, geralmente subestimada. Pacientes de idade superior a de 40 anos, que iniciaram diálise sem causa definida, apresentaram doença renal aterosclerótica (DRA) em 40% dos casos.3 A revascularização cirúrgica foi o primeiro tratamento para EAR.4 Posteriormente, a angioplastia passou a ser a terapêutica adotada na maioria dos casos.
Mais recentemente, vários estudos controlados e randomizados vieram questionar a revascularização rotineira da DRA. Os mecanismos envolvidos na inflamação e no acometimento da microcirculação podem explicar o descompasso entre sucesso angiográfico e fracasso na preservação da função renal ou melhora da HA.5 Ademais, esse procedimento pode proporcionar complicações graves: desde deterioração da função renal até óbito. O presente trabalho apresenta os estudos atuais a respeito da revascularização renal na DRA.
Ramsay & Waller6 realizaram revisão sistemática das séries de casos até então publicadas que analisaram a eficácia e segurança da angioplastia em portadores de EAR. Foram incluídas dez séries de casos. Nos diferentes trabalhos, os critérios de seleção e a definição de melhora do controle pressórico variaram muito e os protocolos de medicamentos anti-hipertensivos não são claros. Essas divergências dificultam a análise conjunta dos resultados. Nenhuma das séries incluiu medidas da função renal antes e depois da angioplastia para todos os pacientes. Foram relatadas 9,1% de complicações nos 691 pacientes, três delas fatais.
Liao et al.7 selecionaram 125 pacientes com DRA (superior a 70% do lúmen), diagnosticada por angiotomografia ou angiorressonância, e realizaram angioplastia com implante de endoprótese. A indicação para realização do procedimento foi hipertensão em 63,2% dos pacientes, insuficiência renal em 5,6% e hipertensão com insuficiência renal em 31,2%. Dois pacientes faleceram nos sete dias após a intervenção; observaram-se outras 19 complicações relacionadas ao procedimento. A taxa de reestenose foi de 20,8%. Os níveis de pressão arterial (PA) sistólica e diastólica tiveram redução significante, assim como o número de anti-hipertensivos. A função renal apresentou melhora apenas nos pacientes com filtração glomerular menor que 60 ml/min e naqueles com estenose bilateral.
Trani et al.8 verificaram que a elevação dos marcadores inflamatórios previu a resposta ao procedimento de angioplastia. Apenas pacientes com níveis mais elevados de creatinina e níveis menores de PCR se beneficiaram do procedimento.
Importante ressaltar que não se obteve concordância entre níveis pressóricos e reestenose em 40 pacientes com DRA submetidos à angioplastia que, após um ano, rotineiramente, se submeteram à angiografia.9
Harden et al.10 analisaram, em uma série prospectiva não controlada, a evolução da progressão da função renal frente ao implante de endoprótese em pacientes com DRA. Foram selecionados 32 pacientes com piora inexplicável da função renal e evidências angiográficas de doença vascular. Vinte e três desses obtiveram medidas de creatinina sérica suficientes para analisar o coeficiente de inclinação do inverso da creatinina antes e após a inserção da endoprótese. As complicações maiores foram três pseudoaneurismas de artéria femoral e três episódios de hemorragia com necessidade de transfusão. Dos 32 pacientes, 11 apresentaram redução da creatinina superior a 20%, incluindo dois pacientes que saíram de diálise. Outros 11 evoluíram com estabilidade da função renal (variação menor que 20%) e nove apresentaram piora. O coeficiente de inclinação do inverso da creatinina se atenuou em 18 dos 23 pacientes, evidenciando diminuição no ritmo de progressão da doença renal.
As principais características dos seis estudos prospectivos e randomizados estão expressas na Tabela 1.
Tabela 1 Estudos prospectivos e randomizados
Número de casos | % estenose | Avaliação da função renal | Angioplastia com ou sem endoprótese | IECA e estatina | ||||
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Estudo EMMA | 26 controle | > 75% unilateral | Cr. Sérica ClCre. ClCre. ≥ 50 | Angioplastia | IECA sim | |||
23 intervenção | Apenas dois implantes de endoprótese | |||||||
Estudo SNRASCG | 30 controle | > 50% uni ou bilat | Cr. Sérica Cr. < 5,6 | Angioplastia | IECA sim | |||
25 intervenção | ||||||||
Estudo DRASTIC | 50 controle | > 50% uni ou bilat | Cr. Sérica ClCre. Cr. < 2,3 | Angioplastia | IECA sim | |||
Apenas dois implantes de endoprótese | ||||||||
56 intervenção | Estatina sim | |||||||
Estudo STAR | 76 controle | > 50% uni ou bilat | Cr. Sérica ClCre. ClCre. < 80 | Angioplastia com endoprótese em 46 pacientes | IECA sim | |||
64 intervenção | Estatina sim | |||||||
Estudo ASTRAL | 403 controle | > 50% uni ou bilat | Coeficiente de inclinação da reta do inverso da creatinina 22% com ClCre < 25 | Angioplastia com endoprótese em 95% dospacientes | IECA sim (maior uso no grupo intervenção) Estatina sim | |||
403 intervenção | ||||||||
Estudo CORAL | 472 controle | > 80% uni ou bilat | ClCre. | Angioplastia com endoprótese em 95% dos pacientes | BRA sim | |||
Entre 60 e 80% com ao menos 20 mmHg de gradiente de pressão sistólica | ||||||||
459 intervenção | Estatina sim | |||||||
Excluídos | Desfecho primário | Complicações | Conclusão | |||||
Estudo EMMA | Hipertensão maligna AVE, EAP, IAM nos últimos 6 meses | PA no final do seguimento | Três reestenoses uma dissecção do vaso com infarto segmentar | A angioplastia permitiu melhor controle pressórico a curto prazo, mas foi associada a maior número de complicações em pacientes com DRA unilateral | ||||
PAD > 109 apesar do tratamento | ||||||||
Estudo SNRASCG | Menores de 40 anos de idade AVE e IAM nos últimos três meses | Diferença na PA e nos níveis de Cr. sérica entre o período de run in e o sexto mês | Oito pacientes com sangramento no local da punção dois evoluíram para TRS | No sexto mês, a diferença de PA não atingiu significância estatística | ||||
Não houve diferença entre os níveis de creatinina sérica | ||||||||
Estudo DRASTIC | Câncer HA secundária a outras etiologias | PAS e PAD no terceiro e no décimo segundo mês após randomização | Duas embolias por colesterol | Os valores de PA no terceiro e décimo segundo mês não apresentaram diferença significante No terceiro mês, o ClCre. foi maior no grupo angioplastia, mas no décimo segundo mês perdeu-se essa diferença | ||||
Seis hematomas com necessidade de transfusão sanguínea | ||||||||
Doença coronariana instável | ||||||||
ICC Mulheres grávidas | ||||||||
Estudo STAR | Rins < 8 cm | Queda maior que 20% no ClCre. | Dois óbitos relacionados ao procedimento 17% hematoma no local da punção um paciente evoluiu para TRS | Não houve diferença quanto ao desfecho primário. Sobrevida semelhante entre os grupos | ||||
Diâmetro da artéria renal < 4 mm. | ||||||||
ClCre. < 15 DM com proteinúria > 3 g/24h | ||||||||
HA maligna | ||||||||
Estudo ASTRAL | Necessidade de revascularização cirúrgica | Mudança na função renal, medida pelo coeficiente de inclinação da reta do inverso da creatinina | 38 complicações em 31 dos 359 submetidos à intervenção (9%) 19 eventos graves | Não houve diferença na evolução da função renal | ||||
Doença cardiovascular não ateromatosa | ||||||||
Revascularização prévia por estenose de artéria renal | ||||||||
Estudo CORAL | Necessidade de revascularização cirúrgica | Evento cardiovascular ou renal maior: morte de causas cardiovasculares ou renais, AVE, IAM, hospitalização por ICC, insuficiência renal progressiva e necessidade de TRS permanentemente | Dissecção arterial em 11 pacientes | A angioplastia com implante de endoprótese não apresentou benefício adicional ao tratamento clínico otimizado em pacientes com DRA e HAS ou DRC | ||||
Displasia fibromuscular | ||||||||
Cr > 4,0 | ||||||||
Rim < 7 cm | ||||||||
Estenose não tratável com uma única endoprótese |
IECA: Inibidores da enzima conversora da angiotensina; EMMA: Essai Multicentrique Medicaments vs. Angioplasties; Cr: Creatinina; ClCre: Clearance de creatinina estimado; AVE: Acidente vascular encefálico; EAP: Edema agudo de pulmão; IAM: Infarto agudo do miocárdio; PAD: Pressão arterial diastólica; PA: Pressão arterial; DRA: Doença vascular renal aterosclerótica; SNRASCG: Scottish and Newcastle Renal Artery Stenosis Collaborative Group; TRS: Terapia renal substitutiva; DRASTIC: Dutch Renal Artery Stenosis Intervention Cooperative Study Group; HAS: Hipertensão arterial sistêmica; ICC: Insuficiência cardíaca congestiva; PAS: Pressão arterial sistólica; STAR: Stent Placement in Patients with Atherosclerotic Renal Artery Stenosis and Impaired Renal Function; DM: Diabete melito; ASTRAL: Angioplasty and Stenting for Renal Artery Lesions; CORAL: Cardiovascular Outcomes in Renal Atherosclerotic Lesions; BRA: Bloqueador do receptor de angiotensina.
Plouin et al.11 realizaram estudo prospectivo, multicêntrico (centros franceses) e randomizado para comparar a evolução dos níveis de PA por seis meses entre um grupo submetido a tratamento clínico (grupo controle) e um grupo submetido a angioplastia e tratamento clínico (grupo angioplastia). Foram selecionados pacientes com estenose renal aterosclerótica unilateral e com obstrução maior que 75% do diâmetro. Os 26 pacientes do grupo controle tiveram seu tratamento ajustado de acordo com o seguimento clínico da PA, enquanto os 23 do grupo intervenção foram submetidos à angioplastia, com implante de endoprótese em apenas duas delas. A função renal foi avaliada com determinação do clearance de creatinina no início e no final do seguimento, que não mostrou diferença estatística entre os grupos. O estudo não avaliou desfecho renal e não avaliou ocorrência de eventos cardiovasculares.
No grupo angioplastia, três apresentaram reestenose e um apresentou dissecção do vaso com infarto segmentar. Os níveis de PA na MAPA (Medida Ambulatorial de Pressão Arterial) entre a randomização e o término do seguimento não diferiram entre os grupos. Entretanto, a aferição da PA de consultório mostrou redução maior nos pacientes do grupo angioplastia. Seis pacientes do grupo angioplastia e nenhum do grupo controle ficaram sem medicamentos anti-hipertensivos no final do seguimento. O número de doses de anti-hipertensivos no grupo angioplastia também foi menor que no grupo controle.
O estudo, entretanto, não avaliou a eficácia da angioplastia para estabilização da função renal, não incluiu pacientes com clearance de creatinina inferior a 50 ml/min e avaliou apenas pacientes com DRA unilateral.
Webster et al.12 realizaram estudo prospectivo, randomizado e multicêntrico (centros do Reino Unido) para avaliar o efeito da angioplastia renal comparado ao tratamento clínico sobre o controle pressórico e sobre a evolução da DRC em pacientes com DRA uni e bilateral. Foram selecionados 135 pacientes com HA e DRA, dos quais 55 foram randomizados. Os participantes apresentavam persistência de PA diastólica superior a 95 mmHg já em tratamento com ao menos duas drogas. Todos os pacientes passaram por período de ajuste da medicação anti-hipertensiva, porém, não foi permitido uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) nessa fase. Foi realizada angioplastia, sem implante de endoprótese, em 25 pacientes e outros 30 foram tratados clinicamente. Entre as 40 angioplastias realizadas, oito pacientes apresentaram sangramento no local da punção e dois evoluíram com DRC e necessidade de terapia renal substitutiva (TRS). Os valores de PA apresentaram queda consistente em todos os grupos. No grupo de pacientes com DRA bilateral, a diferença dos valores pressóricos não apresentou significância estatística em relação aos tratados clinicamente no sexto mês de seguimento; entretanto, ao se analisar a última avaliação, observou-se que os pacientes com estenose bilateral submetidos à angioplastia apresentavam menor PA sistólica, diferença estatisticamente significante. A sobrevida dos dois grupos foi semelhante. Foi realizada também análise combinada de todos os 135 pacientes que mostrou que a PA sistólica e diastólica, o número de drogas anti-hipertensivas e os níveis séricos de creatinina na última consulta de seguimento foram diretamente influenciados por seus valores após o período inicial de ajuste. Isso ilustra a importância do tratamento clínico.
Esse trabalho incluiu pacientes com DRA bilateral; entretanto, os níveis médios de creatinina foram de 1,5 a 2 mg/dL e não houve avaliação da evolução da função renal. Importante ressaltar que, no grupo intervenção, não foi realizado implante de endoprótese.
O estudo de van Jaarsveld et al.13 foi realizado em 26 centros da Holanda, de forma prospectiva e randomizada. Foram selecionados 106 pacientes com EAR (estenose maior que 50% do diâmetro do vaso uni ou bilateralmente) para serem submetidos à angioplastia por balão sem implante de endoprótese (56 pacientes) ou receber apenas terapia medicamentosa (50 pacientes). A arteriografia foi realizada antes do início do tratamento e no décimo segundo mês de acompanhamento.
O desfecho primário foi o valor da PA sistólica e diastólica no terceiro e no décimo segundo mês após randomização. Não foram avaliados eventos cardiovasculares e mortalidade. Quanto às complicações, dois pacientes do grupo angioplastia e seis do grupo controle apresentaram aumento maior que 50% nos níveis séricos de creatinina, dois do grupo controle evoluíram com embolia por colesterol, dois do grupo intervenção e quatro do grupo controle necessitaram de transfusão sanguínea por sangramento no local da punção.
No grupo submetido ao tratamento clínico exclusivo, a angioplastia foi realizada em 14 pacientes que não conseguiram o controle pressórico após três meses de tratamento e em oito com DRA progressiva. Os valores de PA sistólica e diastólica no terceiro e décimo segundo mês não apresentaram diferença significativa entre os dois grupos. A dose de anti-hipertensivos utilizada pelos pacientes do grupo angioplastia foi menor que a do outro grupo no terceiro mês, mas essa diferença não se manteve no décimo segundo mês. Após três meses, observaram-se níveis inferiores de creatinina sérica no grupo de pacientes submetidos à angioplastia, mas no décimo segundo mês os valores foram similares entre os dois grupos.
Ao permitir o crossover em 44% dos pacientes do grupo controle para o grupo angioplastia no terceiro mês de seguimento, o propósito do estudo mudou de uma comparação entre angioplastia e tratamento clínico exclusivo para uma comparação entre realização de angioplastia sem indicação específica com uma indicação baseada na resposta clínica desfavorável. Reanálise desse estudo mostrou benefício da intervenção imediata nos portadores de DRA bilateral.14
O estudo envolveu dez centros (nove holandeses e um francês),15 nos quais os pacientes foram randomizados para serem submetidos à angioplastia renal e tratamento clínico ou tratamento clínico exclusivo. Os pacientes foram acompanhados por dois anos. Foram incluídos aqueles com alteração na função renal, estenose de artéria renal superior a 50%, alterações ateroscleróticas da aorta e pressão arterial estável.
Os 76 pacientes submetidos apenas ao tratamento medicamentoso receberam diuréticos, antagonistas dos canais de cálcio, betabloqueadores e alfabloqueadores, seguidos por IECA, bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) e doses crescentes de diuréticos. A angiografia e o implante de endoprótese poderiam ser realizados como resgate, mesmo no grupo controle, nos casos de HA resistente, HA maligna e nos casos de edema pulmonar. Nos 64 pacientes submetidos à angioplastia, foram administrados os mesmos medicamentos e realizado implante de endoprótese no local da estenose ostial em 46 deles. Observou-se hematoma no local da punção em 17% dos pacientes, óbito por causas relacionadas ao procedimento em dois pacientes do grupo intervenção e necessidade de terapia de substituição renal em um paciente do grupo intervenção que havia repetido a arteriografia.
O desfecho primário foi piora da função renal, definido como diminuição de 20% ou mais na filtração glomerular estimada. No grupo intervenção, os pacientes que atingiram esse desfecho foram submetidos a exames de imagem para excluir a possibilidade de reestenose. Os grupos não diferiram quanto à função renal, gravidade e tipo de estenose e quanto ao exame de imagem utilizado. Dezesseis pacientes (22%) no grupo medicamentoso e 10 (16%) no grupo intervenção alcançaram o desfecho primário. O tempo médio até o desfecho primário foi de 10 meses nos dois grupos. A sobrevida livre de eventos não apresentou diferença estatística entre os grupos.
Esse estudo foi o primeiro a utilizar endoprótese na maioria dos pacientes submetidos à angioplastia e também não conseguiu mostrar benefício do procedimento em relação ao tratamento clínico. Uma explicação poderia ser a própria otimização do tratamento clínico, com uso de IECA/BRA e estatinas.
Entre os anos de 2000 e 2007, foram avaliados 806 pacientes de 57 hospitais (53 no Reino Unido, três na Austrália e um na Nova Zelândia), de forma prospectiva e randomizada.16 Foram selecionados pacientes com DRA maior que 50% do diâmetro do vaso em pelo menos uma artéria e randomizados para receber tratamento clínico ou tratamento clínico e angioplastia (95% com endoprótese). Os pacientes foram acompanhados por cinco anos e observou-se um maior uso de IECA no início e após um ano de seguimento entre os pacientes submetidos à intervenção, mas os grupos não diferiram quanto ao número médio de anti-hipertensivos utilizados.
Foram reportadas 38 complicações em 31 dos 359 pacientes (9%) submetidos à angioplastia. Dezenove desses eventos foram considerados graves.
O desfecho primário foi alteração na função renal, medida pelo coeficiente de inclinação da reta do inverso da creatinina. Os desfechos secundários foram controle da PA, tempo para o primeiro evento renal, tempo para evento cardiovascular maior e mortalidade. Os eventos renais foram definidos como injúria renal aguda, início de diálise, transplante renal, nefrectomia ou morte por insuficiência renal.
Não houve diferença significante na função renal entre os 317 pacientes submetidos à angioplastia renal e entre os 379 submetidos apenas ao tratamento clínico. Também não se observou diferença no desfecho primário em nenhum dos subgrupos. Os níveis de PA sistólica caíram nos dois grupos, sem diferença estatística entre eles. A sobrevida também não diferiu entre os grupos.
Este estudo reafirmou que a revascularização por meio de angioplastia indiscriminada para todo portador de DRA não é benéfica, mas apresentou limitações: a evolução do grupo tratamento clínico foi muito boa, comparada com outros estudos (o que pode ter interferido na ausência de benefício demonstrável do tratamento de revascularização) e foram excluídos os pacientes que teriam alta probabilidade de se beneficiar do procedimento. Desta forma, ainda é necessário melhor clareza na escolha do subgrupo que se beneficiaria do tratamento de revascularização.
Trata-se de estudo multicêntrico que randomizou 947 pacientes com DRA (80% de obstrução uni ou bilateralmente ou 60 a 80% com 20 mmHg de gradiente de pressão sistólica), patrocinado pelo National Heart, Lung and Blood Institute (NHBL).17 Avaliação da função renal foi realizada por filtração glomerular estimada e 95% dos 459 pacientes submetidos à angioplastia receberam endoprótese. Nos dois grupos, foram utilizados BRA e estatinas. Foram excluídos os pacientes com displasia fibromuscular, níveis de creatinina superiores a quatro, rins inferiores a sete centímetros e os com estenose não tratável com uma única endoprótese.
O desfecho primário foi ocorrência de evento cardiovascular ou renal maior e as principais complicações foram dissecções arteriais, em 11 pacientes. O tempo de seguimento foi de 43 meses, em média. Nos dois grupos, ocorreu o desfecho primário em 35% dos pacientes. Uma diferença modesta, porém consistente, ocorreu na PA sistólica entre os grupos (p = 0,03), favorecendo o grupo intervenção, mas sem benefício clínico.
Em 2009, Nordmann e Logan18 realizaram metaanálise com três estudos disponíveis: DRASTIC,13 EMMA11 e SNRASCG.12 O conjunto desses trabalhos não demonstrou efeitos da angioplastia nem quanto à pressão arterial nem quanto à preservação da função renal. A avaliação de desfechos cardiovasculares também não produziu resultados satisfatórios.19
Está em andamento o estudo RADAR (A randomised, multi-centre, prospective study comparing best medical treatment versus best medical treatment plus renal artery stenting in patients with haemodynamically relevant atherosclerotic renal artery stenosis).20 O estudo comparará a evolução da função renal entre pacientes submetidos à angioplastia com endoprótese aliada ao tratamento clínico e entre pacientes submetidos ao tratamento clínico exclusivo. O período de seguimento será de 36 meses. O desfecho primário é a mudança da taxa de filtração glomerular após 12 meses.
Quando o estudo de Harden et al.10 foi publicado, tendo em vista que não haviam sido realizados estudos randomizados e controlados para comparar o tratamento clínico com a angioplastia em pacientes com DRC secundária a DRA, essa série de casos passou a ser a primeira evidência de um possível benefício da angioplastia nos pacientes com piora progressiva da função renal na DRA.
Nos estudos prospectivos e randomizados,11-13,15-17 o critério utilizado para definir estenose hemodinamicamente significativa foi maior que 50% do diâmetro do vaso em todos os estudos, com exceção do estudo EMMA11 (75%) e do estudo CORAL.17 A intervenção, entretanto, não foi a mesma; nos estudos EMMA,11 SNRASCG12 e DRASTIC,13 a angioplastia não foi seguida de implante de endoprótese.
A avaliação da função renal também foi heterogênea; no estudo SNRASCG12 foram utilizados apenas níveis séricos de creatinina e no estudo ASTRAL16 foi utilizado o coeficiente de inclinação da reta do inverso da creatinina; nos demais,11,13,15,17 foram utilizados os níveis séricos de creatinina e a filtração glomerular estimada. Ainda, apenas dois trabalhos15,16 incluíram pacientes com DRC mais grave.
A inexistência de evidências de benefício da revascularização renal em relação ao tratamento clínico, aliada aos riscos de complicações, até fatais,16 reforça a necessidade de se identificar algum subgrupo de pacientes que possa se beneficiar desse procedimento, mesmo se expondo aos riscos inerentes à angioplastia. A série de casos controlada, porém não randomizada, de Hagemann21 mostrou que a angioplastia deve ser indicada apenas para pacientes com DRC e piora progressiva da função renal. Recente re-análise do estudo ASTRAL corrobora essa ideia.22 Entretanto, são necessários novos estudos controlados e randomizados para confirmar essa hipótese.