versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.38 no.1 São Paulo jan./mar. 2016
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160013
O termo sensibilização se refere ao desenvolvimento de anticorpos IgG específicos contra o HLA (human leukocyte antigens), geralmente relacionados a gestações prévias, transfusões ou transplante anterior.1 Os anticorpos anti-HLA podem exercer impacto negativo sobre o enxerto renal por propiciar o desenvolvimento de rejeição hiperaguda, aguda e crônica.1,2 Apesar de ser um fenômeno bem conhecido, não há consenso sobre a definição de sensibilização, sobre qual a melhor forma de monitoramento e sobre o manejo ideal dos pacientes sensibilizados em lista de espera.
No contexto do transplante, o painel de reatividade de anticorpos (PRA) é a ferramenta utilizada para investigar a presença de anticorpos anti-HLA no soro do receptor. Independentemente da técnica utilizada, não há consenso sobre qual o ponto de corte ideal de PRA para definição de risco. Evidências apontam que a presença de anticorpos anti-HLA específicos contra o doador (D.S.A.) tem impacto mais claro que o valor do PRA nos desfechos do transplante e idealmente estes devem ser identificados na presença de um PRA positivo.3 Além disso, é possível que a sensibilização per se, independentemente da presença de D.S.A, esteja associada a pior sobrevida em longo prazo.4,5
Em virtude do maior risco de rejeição aguda, regimes de elevada eficácia são geralmente utilizados em pacientes sensibilizados, incluindo a terapia de indução com globulina antitimócito (ATG).6,7
Apesar de o transplante renal ser o tratamento de escolha para o paciente com doença renal crônica terminal, nós nos questionamos sobre o benefício desta modalidade de tratamento em pacientes sensibilizados sem a utilização de metodologias sofisticadas para a detecção de anticorpos. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar os desfechos do transplante renal com doador falecido em receptores sensibilizados sem a prévia identificação da presença de D.S.A., e compará-los com os desfechos de pacientes não sensibilizados.
Este estudo de coorte retrospectiva incluiu os pacientes adultos submetidos a transplante renal com doador falecido entre janeiro de 1998 a dezembro de 2009 em um centro único. A inclusão dos casos teve início pela seleção de pacientes com PRA acima de 50% no período descrito acima, os quais receberam terapia de indução com ATG (grupo 5, n = 118). A seguir, foram selecionados os pacientes com PRA entre 1 e 49% que receberam terapia de indução com ATG (grupo 4, n = 64); Os demais grupos foram selecionados a partir do pareamento por idade e regime imunossupressor de manutenção, como segue: grupo 1: pacientes com PRA negativo e que não receberam terapia de indução (n = 89); grupo 2: pacientes com PRA negativo e que receberam terapia de indução com basiliximabe (n = 94); grupo 3: pacientes com PRA negativo e que receberam terapia de indução com ATG (n = 81). Assim, a amostra foi composta por 446 pacientes, estratificados em dois grupos teste (grupos 4 e 5) e 3 grupos controle (grupos 1, 2, e 3) que foram seguidos por 1 ano.
Foram excluídos os pacientes menores de 18 anos; os que receberam outros agentes para terapia de indução que não os especificados acima; receptores de transplante com doador vivo; e receptores de transplante de múltiplos órgãos e pacientes com DSA com intensidade de fluorescência (MFI) acima de 1500.
Os dados foram coletados retrospectivamente por meio da análise dos prontuários multiprofissionais. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local.
Foram consideradas rejeições agudas aquelas comprovadas por biópsia (RACB), de acordo com a classificação de Banff 1997, incluindo os infiltrados borderline.8 Foram consideradas como infecções aquelas que levaram à necessidade de reinternação hospitalar, independentemente do tempo após o transplante. A função renal foi medida pela depuração de creatinina calculada por meio da fórmula de Cockroft-Gault.
Para a realização do PRA, foram utilizadas as técnicas de citotoxicidade dependente do complemento (CDC) de 1998 a julho de 2001; Enzyme Linked Immunosorbent Assay (ELISA) de julho de 2001 a março de 2006; e o PRA calculado pela metodologia Luminex® a partir de março de 2006. O valor de PRA utilizado foi o maior valor identificado no histórico de soros dos pacientes analisados (PRA pico).
O objetivo primário do estudo foi avaliar as sobrevidas do paciente e do enxerto em 1 ano em pacientes sensibilizados induzidos com ATG em comparação aos pacientes não sensibilizados. Os objetivos secundários foram avaliar a incidência de rejeição aguda, a incidência de infecções virais e bacterianas e a função renal nestes grupos.
As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências e proporções e comparadas por meio do teste Chi-quadrado ou Fisher. As variáveis numéricas paramétricas foram apresentadas como média e desvio padrão e os grupos foram comparados por meio do teste ANOVA, com teste de Tukey para análise post hoc. Os dados não paramétricos foram apresentados como mediana e intervalo interquartil e os grupos foram comparados pelo teste de Kruskal-Wallis. A sobrevida cumulativa foi avaliada por meio do método de Kaplan-Meier e os grupos foram comparados utilizando o teste Log-rank. Para avaliação de risco de perda do enxerto, óbito e perda do enxerto com óbito censorado, foram realizadas as análises univariadas e as variáveis com p < 0,05 foram selecionadas para análise de risco proporcional de Cox. A análise estatística foi realizada com o programa Statistic Package for Social Science v. 20.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e assumiu-se significância estatística quando o valor de p foi menor que 0,05.
A população foi composta predominantemente por adultos (46,4 ± 11,2 anos), mulheres (52,9%), de raça branca (53,4%), portadores de doença renal crônica de etiologia indeterminada (39%), com mediana de tempo em diálise de 60 meses, e 11,5% eram retransplantes. Os doadores eram predominantemente adultos jovens (mediana de idade de 45 anos), os quais foram a óbito por doença cerebrovascular (63,5%), sendo 11,7% doadores de critério expandido (DCE). O tempo médio de isquemia fria foi de 24,2 ± 7,4 horas. A maioria dos receptores (86,8%) recebeu como regime imunossupressor inicial a combinação de tacrolimo, prednisona e micofenolato. Os grupos formados pelos pacientes sensibilizados (grupos 4 e 5) apresentaram maior percentual de mulheres e retransplantes. Informação detalhada sobre a demografia da população avaliada está disponível na Tabela 1.
Tabela 1 Características demográficas da população avaliada
Total (n = 446) | Grupo 1 (n = 89) | Grupo 2 (n = 94) | Grupo 3 (n = 81) | Grupo 4 (n = 64) | Grupo 5 (n = 118) | p valor | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade, média ± DP (anos) | 46,4 ± 11,2 | 46,0 ± 10,1 | 48,4 ± 10,5 | 46,7 ± 13,1 | 47,9 ± 10,9 | 44,1 ± 11,1 | 0,059 |
Masculino, n (%) | 210 (47,1) | 47 (52,8) | 66 (70,2) | 44 (54,3) | 25 (39,1) | 28 (23,7) | < 0,001 |
Etnia branca, n (%) | 238 (53,4) | 49 (55,1) | 46 (48,9) | 54 (66,7) | 26 (40,6) | 63 (53,4) | 0,009 |
Causa da DRC, n (%) | |||||||
Indeterminada | 117 (39,0) | 37 (41,6) | 40 (42,6) | 34 (42,0) | 20 (31,2) | 43 (36,4) | 0,214 |
HAS | 68 (15,2) | 12 (13,5) | 10 (10,6) | 12 (14,8) | 13 (20,3) | 21 (17,8) | |
GNC | 63 (14,1) | 16 (18,0) | 13 (13,8) | 10 (12,3) | 5 (7,8) | 19 (16,1) | |
Diabetes | 59 (13,2) | 11 (12,4) | 19 (20,2) | 12 (14,8) | 9 (14,1) | 8 (6,8) | |
Outros | 82 (18,4) | 6 (6,7) | 7 (7,4) | 5 (6,2) | 5 (7,8) | 9 (7,6) | |
Tempo em diálise, mediana (intervalo interquartil) (meses) | 60 (32-88) | 72 (39-84) | 54 (28-84) | 48 (31-85) | 60 (37-84) | 60 (36-107) | 0,213 |
Retransplante, n(%) | 17 (11,5) | 0 (0,0) | 1 (1,1) | 2 (2,5) | 3 (4,7) | 11 (9,3) | 0,003 |
Idade do doador, mediana (intervalo interquartil) (anos) | 45 (34-54) | 37,0 (24,5-44,5) | 49,5 (39,2- 55,0) | 52,0 (41,5-59,0) | 46 (32,2-54,0) | 43,5 (34,0- 52,0) | < 0,001 |
Doador com morte cerebrovascular, n(%) | 283 (63,5) | 41 (46,1) | 65 (69,1) | 59 (72,8) | 42 (65,6) | 76 (64,4) | 0,016 |
DCE, n (%) | 52 (11,7) | 3 (3,4) | 0 (0,0) | 36 (38,3) | 2 (3,1) | 11 (9,3) | < 0,001 |
Sorologia CMV | |||||||
D+/R+ | 220 (49,3) | 33 (37,1) | 53 (56,4) | 34 (42) | 36 (56,3) | 64 (54,2) | 0,004 |
D+/R- | 12 (2,7) | 2 (2,2) | 5 (5,3) | 2 (2,5) | 2 (3,1) | 1 (0,8) | |
D-/R+ | 39 (9) | 5 (5,6) | 14 (14,9) | 5 (6,2) | 5 (7,8) | 10 (8,5) | |
Ddes/R+ | 167 (37) | 45 (50,6) | 22 (23,4) | 39 (48,1) | 19 (29,7) | 42 (35,6) | |
Ddes/R- | 8 (1,7) | 4 (4,5) | 0 (0) | 1 (1,2) | 2 (3,1) | 1 (0,8) | |
TIF, mean ± SD (hours) | 24,2 ± 7,48 | 18,9 ± 7,3 | 26 ± 6,8 | 28,5 ± 8,6 | 26,9 ± 7,6 | 23,5 ± 6,0 | < 0,001 |
ISS de manutenção, n (%) | |||||||
CSA/AZA/PRED | 26 (5,8) | 23 (25,8) | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 2 (3,1) | 1 (0,8) | < 0,001 |
CSA/MPA/PRED | 9 (2,0) | 2 (2,2) | 0 (0,0) | 7 (8,6) | 0 (0,0) | 0 (0,0) | |
TAC/AZA/PRED | 15 (3,4) | 3 (3,4) | 1 (1,1) | 6 (7,4) | 2 (3,1) | 3 (2,4) | |
TAC/MPA/PRED | 387 (86,8) | 61 (68,6) | 93 (98,9) | 65 (80,2) | 57 (89,1) | 111 (94) | |
OUTROS | 9 (2,0) | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 1 (1,2) | 2 (3,1) | 2 (1,7) |
DP: Desvio padrão; DRC: Doença renal crônica; HAS: Hipertensão arterial; GNC: Glomerulonefrite crônica; D: Doador; R: Receptor; Ddes: Doador com sorologia desconhecida; CMV: Citomegalovírus, ISS: Imunossupressão; CSA: Ciclosporina; AZA: Azatioprina; PRED: Prednisona; TAC: Tacrolimo; MPA: Micofenolato; DCE: Doador de critério expandido; TIF: Tempo de isquemia fria
A incidência de função tardia do enxerto (FTE) da amostra foi de 67% e, exceto por maior incidência no grupo 3 (80,2%), não houve diferença entre os demais grupos. A incidência de RACB foi de 8,1% e não houve diferença entre os grupos teste 4 e 5 e os grupos controles 2 e 3. No entanto, o grupo 1 apresentou maior incidência de RACB quando comparado aos grupos teste (20,2%). Quando considerados todos os episódios de rejeição dentro do período de um ano, não houve diferença entre os grupos, exceto por rejeições mais graves no grupo 1 quando comparado ao grupo 5 (p = 0,032). Quando comparado ao grupo 4, os pacientes do grupo 1 apresentaram função renal superior ao final de 1 ano de acompanhamento (58,8 ± 21,8 vs. 44,9 ± 19,1mL/min, p = 0,028) (Tabela 2).
Tabela 2 Principais desfechos clínicos após o transplante
Total (n = 446) | Grupo 1 (n = 89) | Grupo 2 (n = 94) | Grupo 3 (n = 81) | Grupo 4 (n = 64) | Grupo 5 (n = 118) | |
---|---|---|---|---|---|---|
Incidência FTE, n (%) | 299 (67,0) | 48 (53,9) | 69 (73,4) | 65 (80,2) | 42 (65,6) | 75 (63,5) |
P valor vs. grupo 4 | 0,147 | 0,294 | 0,047 | referência | 0,781 | |
P valor vs. grupo 5 | 0,163 | 0,127 | 0,011 | 0,781 | referência | |
Incidência do primeiro episódio RACB, n (%) | 36 (8,1) | 18 (20,2) | 7 (7,4) | 2 (2,5) | 3 (4,7) | 6 (5,1) |
P valor vs. grupo 4 | 0,006 | 0,484 | 0,467 | referência | 0,906 | |
P valor vs. grupo 5 | 0,001 | 0,476 | 0,356 | 0,906 | referência | |
Nº de episódios de RACB | 49 | 23 | 10 | 4 | 5 | 7 |
Classificação de Banff n (%) | ||||||
Borderline | 10 (20) | 2 (9) | 1 (10) | 1 (25) | 1 (20) | 5 (72) |
IA | 13 (26,5) | 6 (26) | 4 (40) | 2 (50) | 0 (0) | 1 (14) |
IB | 8 (16,3) | 3 (13) | 1 (10) | 1 (25) | 3 (60) | 0 (0) |
IIA | 13 (26,5) | 9 (39) | 3 (30) | 0 (0) | 0 (0) | 1 (14) |
IIB | 4 (8,1) | 2 (9) | 1 (10) | 0 (0) | 1 (20) | 0 (0) |
III | 1 (2,0) | 1 (4) | 0 (0) | 0 (0) | 0 (0) | 0 (0) |
Depuração de creatinina em 1 ano (ml/min), média ± DP | 55,4 ± 20,0 | 58,8 ± 21,8 | 57,3 ± 18,7 | 53,9 ± 14,9 | 44,9 ± 19,1 | 57,2 ± 20,2 |
P valor vs. grupo 4 | 0,028 | 0,208 | 0,424 | referência | 0,145 | |
P valor vs. grupo 5 | 0,997 | 1,000 | 0,964 | 0,145 | referência |
FTE: Função tardia do enxerto; RACB: rejeição aguda celular comprovada por biópsia; DP: Desvio padrão
A sobrevida do enxerto nos grupos 4 e 5 foi de 82,8% e 81,3%, respectivamente. A sobrevida do enxerto com óbito censorado foi de 88,8% e 90,5% nos grupos 4 e 5 e a sobrevida do paciente foi de 92% no grupo 4 e 90,9% no grupo 5. Não houve diferença entre os grupos teste 4 e 5 quando estes foram comparados aos demais grupos (Figuras 1, 2 e 3). A principal causa de perda do enxerto em 1 ano foi rejeição aguda (57,6%) e a principal causa de óbito foi infecção (58,9%) e não houve diferença entre os grupos.
A principal causa infecciosa de re-hospitalização foi a infecção por citomegalovírus (CMV) (16,1%), seguida de infecção urinária (11,7%). Os pacientes do grupo 4 apresentaram maior incidência de infecção por CMV quando comparados aos pacientes do grupo 5 (26,6% vs. 14,4%, p = 0,045). Os pacientes do grupo 2 apresentaram menor incidência de infecção por CMV (2,1%) quando comparados aos grupos 4 (p < 0,001) e 5 (p = 0,002). Não houve diferença entre os grupos 1 e 3 em relação aos grupos teste. Não houve diferença na incidência de infecção urinária entres os grupos 4 e 5 (15,6% no grupo 4 e 10,2% no grupo 5, p = 0,28), porém foi menor no grupo 2 (4,3%), quando comparado ao grupo 4 (15,6%, p = 0,014). Os grupos 1 e 3 não mostraram diferenças em relação aos grupos teste. Também houve diferença na incidência de broncopneumonia com necessidade de re-hospitalização entre os pacientes dos grupos 4 e 5, com maior incidência no primeiro (7,8% vs. 1,7%, p = 0,040). O grupo 1 teve, ainda, maior proporção de episódios de broncopneumonia que o grupo 5 (11,2% vs. 1,7%, p = 0,004). Nos demais grupos não se observaram diferenças em relação aos grupos 4 e 5. Não houve diferença entre os grupos teste em relação a outras infecções (10,9% no grupo 4 e 4,2% no grupo 5, p = 0,08) e quando estes foram comparados ao grupo 3 (7,4%). No entanto, o grupo 1 teve mais episódios (14,6%) quando comparado ao grupo 5 (4,2%), p = 0,009. O grupo 2 teve menor incidência de outras infecções (2,1%) quando comparado ao grupo 4 (10,9%, p = 0,019) (Tabela 3).
Tabela 3 Infecções que levaram a re-hospitalização após o transplante
Total (n = 446) | Grupo 1 (n = 89) | Grupo 2 (n = 94) | Grupo 3 (n = 81) | Grupo 4 (n = 64) | Grupo 5 (n = 118) | |
---|---|---|---|---|---|---|
CMV, n (%) | 72 (16,1) | 20 (22,5) | 2(2,1) | 16 (19,8) | 17 (26,6) | 17 (14,4) |
P valor vs. grupo 4 | 0,560 | < 0,001 | 0,332 | referência | 0,045 | |
P valor vs. grupo 5 | 0,134 | 0,002 | 0,319 | 0,045 | referência | |
BCP, n (%) | 25 (5,6) | 10 (11,2) | 4 (4,3) | 4 (4,9) | 5 (7,8) | 2 (1,7) |
P valor vs. grupo 4 | 0,482 | 0,344 | 0,476 | referência | 0,040 | |
P valor vs. grupo 5 | 0,004 | 0,264 | 0,189 | 0,040 | referência | |
ITU, n (%) | 52 (11,7) | 15 (16,9) | 4 (4,3) | 11 (13,6) | 10 (15,6) | 12 (10,2) |
P valor vs. grupo 4 | 0,839 | 0,014 | 0,728 | referência | 0,281 | |
P valor vs. grupo 5 | 0,157 | 0,105 | 0,460 | 0,281 | referência | |
Outras, n (%) | 33 (7,4) | 13 (14,6) | 2 (2,1) | 6 (7,4) | 7 (10,9) | 5 (4,2) |
P valor vs. grupo 4 | 0,507 | 0,019 | 0,460 | referência | 0,082 |
CMV: Citomegalovírus; BCP: Broncopneumonia; ITU: I Figura 1. Curva de sobrevida Kaplan-Meier do enxerto em 1 ano. nfecção do trato urinário.
Na análise de múltiplas variáveis, nem o PRA, nem a terapia de indução com ATG se associaram com risco de perda, perda do enxerto com óbito censorado e óbito. Nenhuma variável foi estatisticamente significante na identificação de risco para perda do enxerto. Tempo de internação do transplante acima de 14 dias (HR 2,03 IC 95% 1,10 - 3,74, p = 0,023) e rejeição aguda (HR 2,27 IC 95% 1,18 - 4,38, p = 0,014) foram fatores de risco independentes para perda do enxerto com óbito censorado. Idade acima de 47 anos (HR 2,09 IC 95% 1,17 - 3,72, p = 0,012) e tempo em diálise acima de 60 meses (HR 1,81 IC 95% 1,05 - 3,13, p = 0,032) foram fatores de risco para óbito.
Neste estudo de coorte retrospectiva, as sobrevidas do paciente e do enxerto de receptores de transplante renal sensibilizados induzidos com ATG foram semelhantes às de pacientes não sensibilizados ao final de 1 ano de seguimento. A incidência de rejeição aguda nestes pacientes foi semelhante à de pacientes de baixo risco imunológico induzidos com ATG ou basiliximabe e inferior à de pacientes de baixo risco imunológico que não receberam terapia de indução. Além disso, não houve diferença na função renal ao final de 1 ano e a terapia de indução não esteve associada a maior incidência de infecções.
Evidências prévias demonstraram a superioridade do ATG como terapia de indução em pacientes de alto risco imunológico, quando comparada à terapia de indução com anticorpos antirreceptor de interleucina 2 (anti-IL2R) ou a não utilização desta terapia.7 No entanto, poucos estudos exploraram a eficácia da terapia de indução com ATG em pacientes de alto risco, em comparação com pacientes de baixo risco não induzidos. Taber et al.9 demonstraram resultados semelhantes aos encontrados em nossa coorte em um estudo retrospectivo incluindo 311 receptores de transplante renal de um centro único norte-americano. Neste estudo, os pacientes induzidos com ATG, predominantemente receptores de transplante com doador falecido, sensibilizados, retransplantes, e com maior incidência de FTE, apresentaram menor incidência de rejeição aguda. A sobrevida do enxerto em 3 anos foi semelhante à de pacientes induzidos com anticorpos anti-IL2R ou daqueles que não receberam indução. Essa população era formada, predominantemente, por receptores de transplante com doador vivo, não sensibilizados, receptores de primeiro transplante, e com reduzida incidência de FTE. Na análise de múltiplas variáveis, receber indução com ATG esteve independentemente associado a menor risco de rejeição aguda (RR 0,302, IC 95% 0,15 - 0,61, p < 0,001).
Estudos prévios demonstram que a população que mais se beneficia da terapia de indução com ATG são os pacientes sensibilizados.10 No entanto, na nossa coorte, o benefício da terapia de indução na redução da incidência de rejeição aguda também foi percebido nos pacientes de baixo risco imunológico, boa parte deles receptores de transplante com alto risco para FTE. O benefício da terapia de indução com ATG nesta situação já foi explorado em estudos prévios.11
Importante ressaltar que a caracterização do risco imunológico é um tema bastante controverso na literatura. Estudos clínicos utilizam critérios variados, incluindo PRA, número de incompatibilidades HLA, características do doador, tempo de isquemia fria e presença de anticorpos específicos contra o doador. No entanto, não há uma definição clara sobre o valor do PRA na definição deste risco, e nem do impacto deste nos desfechos clínicos, especialmente nos dias atuais, na era do PRA calculado.2,12,13 Uma melhor correlação entre anticorpos e desfechos tem sido descrita em estudos que avaliaram a presença de anticorpos pré-formados específicos contra o doador.3
Importante ressaltar que, devido à natureza retrospectiva do estudo, os grupos são heterogêneos quanto às características demográficas e quanto ao período em que o transplante foi realizado. O grupo 1 foi formado principalmente por transplantes realizados até 2005; eram pacientes de baixo risco imunológico, com baixo percentual de DCE e, apesar de o pareamento dos grupos considerar o regime imunossupressor inicial, este grupo teve um percentual significativo de receptores em uso de ciclosporina e azatioprina em comparação com os demais grupos. O grupo 2 foi formado por receptores de transplantes realizados predominantemente após 2005; eram receptores de baixo risco imunológico e que receberam rins de doadores de critério padrão. O grupo 3 foi formado predominantemente por receptores de transplantes realizados após 2001; eram receptores de baixo risco imunológico, com menor percentual de receptores negros quando comparados aos demais grupos; e com elevado percentual de DCE. Os grupos 4 e 5 são bastante semelhantes quanto à demografia e diferem pelo PRA e terapia de indução utilizada. Com o intuito de identificar o efeito da sensibilização e da terapia de indução com ATG nesta população com características diversas, realizamos uma análise de múltiplas variáveis. Nesta análise, o valor do PRA e a terapia de indução com ATG não se associaram a risco de perda do enxerto, perda com óbito censorado ou óbito.
Nossos dados demonstraram que a incidência de infecção por CMV foi maior em todos os grupos induzidos com ATG quando comparados ao grupo induzido com basixilimabe. Por outro lado, esta incidência foi similar quando os pacientes induzidos com ATG foram comparados aos pacientes de baixo risco não induzidos (grupo 1). Esse achado deve ser explicado pela maior incidência de rejeição aguda no grupo 1, inclusive rejeições graves, levando à maior necessidade de tratamentos com esteroides em altas dose e ATG. Não há consenso na literatura sobre o impacto da terapia de indução com ATG no desenvolvimento de infecção por CMV. No entanto, vale ressaltar que a maioria dos estudos disponíveis avaliou a incidência de eventos por CMV como um desfecho secundário ou análise post-hoc e que se tratam de estudos heterogêneos quanto à dose utilizada, imunossupressão de manutenção, incidência de rejeição, status sorológico pré-transplante e estratégia de prevenção utilizada (profilaxia ou tratamento preemptivo).7,14-17 Em análise do banco de dados espanhol Spanish Network of Infection in Transplantation (RESITRA), o uso da terapia de indução com anticorpos depletores foi um fator de risco independente para o desenvolvimento de doença por CMV (OR 2,14 IC 95% 1,1 - 4,4 p = 0,04).18
Nosso estudo tem algumas limitações que devem ser mencionadas: trata-se de uma coorte retrospectiva, portanto, composta por grupos com populações demograficamente diferentes. Além disso, os grupos foram formados por pacientes transplantados em eras distintas, os quais podem ser influenciados pelas mudanças de prática médica ocorrida ao longo dos anos. O curto período de seguimento impede conclusões a respeito de desfechos mais tardios. Não foi realizada a pesquisa de C4d nas biópsias por disfunção do enxerto em todos os episódios de rejeição, porém importante ressaltar que, na revisão dos prontuários, não identificamos nenhum paciente que tenha recebido tratamento para rejeição aguda mediada por anticorpos. Por fim, nossos pacientes foram avaliados quanto ao PRA por tecnologias diferentes, a depender da disponibilidade destas tecnologias, e a interpretação do PRA muda a depender do método de medição.
Em conclusão, as sobrevidas do enxerto e do paciente e a função renal em 1 ano em pacientes sensibilizados induzidos com ATG foram semelhantes às de pacientes de baixo risco induzidos com basiliximabe, ATG ou não induzidos. A terapia de indução com ATG foi associada à reduzida incidência de rejeição aguda e foi segura quanto ao desenvolvimento de infecções, sendo comparável ao grupo formado por pacientes não sensibilizados não induzidos.