versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.12 no.2 São Paulo abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AO2954
Com o crescimento da população idosa, a incidência de declínio cognitivo também aumenta, ocasionando doenças de grande impacto para a saúde pública. O desenvolvimento de técnicas terapêuticas e a detecção precoce do declínio cognitivo são de grande importância para a manutenção da qualidade de vida dos indivíduos, pelo maior tempo possível.
O desenvolvimento da tecnologia vem facilitando a adoção de medidas rápidas e eficientes, não apenas de diagnósticos, mas de tratamento. O uso da informática facilitou o emprego dessa tecnologia na aplicação de testes cognitivos.
Os testes cognitivos computadorizados foram introduzidos na década de 1970 e ganharam popularidade à medida que o uso de computadores cresceu. Na década de 1980, tiveram início diversos estudos sobre as vantagens e as desvantagens de se avaliar a cognição por meio desses testes. Na atualidade, os estudos visam ao desenvolvimento de baterias cognitivas capazes de avaliar as funções cognitivas e comprovar a eficácia dos testes existentes.(1)
Para ser utilizado na prática clínica ou em estudos, um instrumento de avaliação cognitiva deve ter sua validade testada, isto é, deve ser capaz de avaliar as qualidades desejadas, apresentar confiabilidade interaferidor e teste-reteste, além de manter a estabilidade, quando aplicado por diferentes entrevistadores e no mesmo indivíduo em diferentes momentos.(2)
Entre as vantagens de se utilizarem os testes computadorizados, estão: a capacidade de se avaliarem múltiplas funções cognitivas; as maiores consistência e sensibilidade globais; a padronização das avaliações; a gravação com precisão da velocidade da resposta; o custo mais acessível; a possibilidade de emissão de um relatório automático; e a menor necessidade de treinamento profissional para aplicação dos testes, sendo inclusive algumas baterias autoaplicáveis.(3,4) No entanto, na aplicação dessa forma de avaliação, não se analisam o comportamento do avaliado, suas reações e nem suas verbalizações, o que difere da avaliação neuropsicológica utilizada tradicionalmente.(5)
Wild et al.(1) apontaram para uma limitação inerente dos testes cognitivos computadorizados, principalmente quando utilizados na população idosa, que é a falta de dados psicométricos, como confiabilidade e validade dos dados, em comparação com as medidas tradicionais, papel e lápis. Diversos pesquisadores tiveram o objetivo de verificar a equivalência entre os testes tradicionais e os computadorizados. Os estudos de Collerton et al.(6) e Wagner e Trentini(7) observaram a equivalência entre os dois métodos; já os estudos de Feldstein et al.(8) e Steinmetz et al.(9) mostraram diferença entre os resultados, sugerindo que a habilidade com o uso do computador possa favorecer um melhor desempenho do avaliado. O estudo de McDonald et al.(10) mostrou uma diferença ainda maior na população idosa.
A repetição dos testes cognitivos, prática bastante comum na clínica neuropsicológica, também mostra variação nos resultados encontrados, sugerindo um efeito de aprendizado quando comparados os resultados de aplicações seriadas.(11,12)
O efeito da aprendizagem ou da prática é definido como melhora do desempenho no teste de um voluntário, sem que tenha sido ofertada nenhuma intervenção ou condição que justifique. Várias razões têm sido discutidas para explicar os ganhos da pontuação induzidos pela prática, tais como redução da ansiedade ou crescente familiaridade com o ambiente de testes e aprendizagem processual.(13) Os estudos que não consideram o efeito da aprendizagem na repetição dos testes podem levar a conclusões erradas sobre os benefícios de intervenções e até mesmo mascarar a presença de declínio cognitivo, principalmente na população idosa.(14)
Em meta-análise sobre efeitos do aprendizado em testes neuropsicológicos, Calamia et al.(15) encontraram poucos estudos na literatura que comparavam o desempenho de indivíduos idosos. A quase totalidade dos estudos usavam como instrumento os testes tradicionais, trazendo pouca informação sobre o uso de testes computadorizados.
Constatar a aplicabilidade de teste computadorizados em idosos da comunidade; verificar a possibilidade de repeti-los imediatamente sem modificação do desempenho; e avaliar o efeito da aprendizagem destes testes em idosos da comunidade.
A amostra de 20 idosos foi selecionada por conveniência, entre junho e outubro de 2012, do Ambulatório do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Foram critérios para inclusão no estudo: pontuação no Miniexame do Estado Mental(16) dentro da normalidade para a escolaridade;(17) pontuação da Escala de Depressão Geriátrica-15 ≤5 pontos;(18) ser alfabetizado; apresentar funções sensoriais (visual e auditiva) que possibilitassem a realização dos testes; concordar em participar do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram critérios para exclusão: usar cinco medicamentos ou mais; ingerir bebida alcoólica habitualmente; apresentar doença sistêmica descompensada ou sintomática.
Os 20 primeiros selecionados responderam a um protocolo de avaliação socioeconômica e clínica, e, em seguida, foram submetidos 2 vezes a uma bateria de testes cognitivos computadorizados.
A primeira avaliação (T1) teve como objetivo realizar a apresentação dos testes, sendo os mesmos reaplicados (T2), na mesma sequência, após o término da primeira bateria.
O tempo utilizado para realização de cada bateria foi de aproximadamente 30 minutos.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPEPesq) do HCFMUSP com número 149.925, em 21 de novembro de 2012, e faz parte do projeto temático Biometeorologia humana: análise dos efeitos de variáveis ambientais (meteorológicas, conforto térmico e poluição atmosférica) e de mudanças climáticas na população geriátrica da cidade de São Paulo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo número 2010/10189-5.
Foi aplicada uma série de testes computadorizados desenvolvidos nas Universidades de Stanford, São Francisco e McGill.(19) A série foi composta de testes simples e rápidos, pelo toque na tela (touchscreen).
Os testes selecionados foram:
Trial Making A (TMA): avalia a atenção mediante o tempo de realização da tarefa. É composto de círculos numerados de 1 a 25, distribuídos ao acaso, que devem ser tocados na ordem crescente dos números. Ao tocar o círculo na ordem correta, ele muda de cor indicando que o paciente pode prosseguir com a tarefa. Caso a opção tocada seja errada, aparece um “x” sobre o número, possibilitando a escolha de outra opção;
Trial Making B (TMB): semelhante ao teste anterior. Composto de círculos contendo 13 números e 12 letras, distribuídos ao acaso, que devem ser tocados na ordem crescente dos números e ordem alfabética das letras (1A, 2B, 3C);
Spatial Recognition: avalia o reconhecimento espacial mediante o número de acertos. Consiste na visualização, em cada tempo, de cinco quadrados de cor e tamanhos iguais, em determinadas posições na tela. O paciente deve memorizar a posição dos quadrados. Em seguida, aparecem dois quadrados ao mesmo tempo, um numa nova posição e o outro na posição original, que deve ser tocado pelo voluntário;
Go/No-Go: avalia o tempo de reação e consiste na apresentação da figura de uma fruta. O voluntário deve acionar a tecla espaço o mais rápido possível toda vez que visualizar a figura dessa fruta, pois são apresentadas figuras de outras frutas aleatoriamente. Avaliam-se o tempo de reação e o número de erros;
Pattern Recognition: avalia a memorização de detalhes e orientações de figuras, por meio do número de acertos. O teste consiste na apresentação de 12 imagens de forma sequencial, que devem ser memorizadas pelo voluntário nos detalhes e posicionamento na tela. Em seguida são apresentadas, aos pares, uma figura inédita e uma original, que deve ser tocada pelo voluntário;
Memory Span: avalia a memória espacial, por meio da apresentação de dez cartões da mesma cor na tela. Estes mudam de cor individualmente, em determinada sequência. O voluntário deve, em seguida, repetir a ordem da mudança de cor dos cartões, tocando-os na tela. Caso acerte duas sequências, aumenta uma unidade no número de cartões que mudam de cor. O teste avalia o número de acertos;
Reverse Memory Span: semelhante ao anterior, porém os cartões devem ser tocados na ordem inversa de sua mudança de cor.
Os resultados foram apresentados por meio de médias, desvio padrão e proporções. Foram utilizados os testes de Friedman e Wilcox, em vista dos dados serem pareados, para comparar os dois tempos de coleta para todas as variáveis analisadas. Para relacionar os dados com as variáveis sociodemográficas foram utilizadas a correlação de Spearman e o teste t de Student, considerando significância de p<0,05.
O perfil clínico e sociodemográfico dos 20 idosos (10 mulheres e 10 homens) está detalhado na tabela 1. Salienta-se que, nas mulheres, a média de idade foi de 69,7 (±4,85) anos e, nos homens, 74,7 (±3,46) anos, com p=0,172, enquanto a escolaridade, para as mulheres, foi de 8,5 (±4,27) anos e, para os homens, de 7,0 (±4,37), com p=0,160.
Tabela 1 Características sociodemográficas da amostra estudada (n=20)
Descritores | Média (DP) | n (%) |
---|---|---|
Escolaridade (anos) | 7,75 (4,28) | |
Idade (anos) | 72,20 (4,84) | |
IMC | 25,27 (3,54) | |
MEEM (pontos) | 28,35 (1,23) | |
GDS (pontos) | 1,20 (1,28) | |
Gênero | ||
Feminino | 10 (50) | |
Masculino | 10 (50) | |
Estado civil | ||
Casado | 10 (50) | |
Viúvo | 4 (20) | |
Solteiro | 2 (10) | |
Divorciado | 4 (20) | |
Religião | ||
Crê em Deus | 20 (100) | |
Situação previdenciária | ||
Trabalhador | 3 (15) | |
Aposentado | 17 (85) | |
Tabagismo | ||
Não | 18 (90) | |
Prática de atividade física | ||
Sim | 11 (55) | |
Uso de computador | 4 (20) | |
Uso de terminal eletrônico bancário | 5 (25) |
Na comparação dos testes de função cognitiva realizados em sequência, detectou-se diferença significante somente no teste TMA (Tabela 2). Esse resultado observado no Teste TMA não se correlacionou com idade (p=0,337) e escolaridade (p=0,362) segundo o teste de Spearman, mesmo quando foram comparados os percentuais de aprendizado (T2-T1/T1). O teste t de Student também não mostrou diferença significativa entre o percentual de aprendizado de homens e mulheres (p=0,465).
Tabela 2 Comparação dos resultados dos testes T1 e T2 da função cognitiva
Testes | Média (DP) n=20 |
Valor de p* | |
---|---|---|---|
T1 | T2 | ||
Trail Making A (s) | 85,4 (33,6) | 72,8 (21,0) | 0,019 |
Trail Making B (s) | 168,0 (68,6) | 160,6 (63,9) | 0,550 |
Spatial Recognition | 2,95 (1,23) | 3,15 (0,93) | 0,450 |
Go/No Go (s) | 583,2 (115,0) | 555,9 (84,8) | 0,601 |
Go/No Go | 0,3 (0,571) | 0,4 (0,598) | 0,317 |
Memory Span | 3,70 (0,80) | 4,10 (1,15) | 0,163 |
Reverse Memory Span | 3,15 (0,99) | 3,15 (1,23) | 0,869 |
Pattern Recognition | 8,45 (1,99) | 8,30 (1,92) | 0,700 |
Nossos dados demonstraram uma melhora significante nos resultados do TMA entre as duas avaliações. Estudos recentes mostraram que a melhora do desempenho, ocasionada pelo efeito da prática, pode permanecer de uma a seis semanas,(20) deixando de ser significante de um a sete anos após a avaliação inicial.(21)
Poucos estudos, porém, avaliaram o efeito de aprendizado em testes cognitivos computadorizados. Raymond et al.(22)aplicaram uma bateria de testes computadorizados (MicroCog) e encontraram efeitos significativos de aprendizado ao realizá-la duas vezes, com um intervalo de duas semanas. A melhora do desempenho foi atribuída ao aumento da confiança no uso do computador.
Estudo realizado por Beglinger et al.(23) com adultos saudáveis, fazendo uso de drogas para melhorar a função cognitiva, mostrou maior pontuação nos testes computadorizados mesmo em indivíduos que não sofreram intervenção medicamentosa ao longo das seis repetições realizadas, mostrando elevado aprendizado no TMA, principalmente nas terceira e quarta repetições. O mesmo ganho de performance não pode ser observado nos resultados do TMB, nem no presente estudo.
Acredita-se que, neste estudo, o fato dos testes serem computadorizados possa ter aumentado o grau de ansiedade e o receio de inabilidade para conclusão dos testes, independentemente das características socioeconômicas. O fato de a população avaliada ser exclusivamente idosa também colaborou para o aumento da ansiedade, visto que, historicamente, o uso frequente de computadores é menor nessa faixa etária.(24) Neste estudo, o uso do computador foi relatado apenas por uma pequena parcela (20%) da amostra. Importante ressaltar que o TMA foi o primeiro teste a ser realizado, fato este que pode ter comprometido o rendimento da primeira avaliação, levando a uma diferença significante na comparação das duas performances. Lezak et al.(25) afirmaram que, após a realização do primeiro teste, as estratégias desenvolvidas para vencer a tarefa podem facilitar o desempenho das demais avaliações, já na primeira aplicação, reduzindo o percentual de evolução, na comparação dos resultados das duas avaliações. Tal dado colabora para a ausência de efeito de aprendizado significante nos demais testes realizados, mostrando que, após ser introduzido o manuseio do computador, os voluntários tiveram maior facilidade para desempenhar os testes.
Alguns autores afirmam que, na comparação do efeito da aprendizagem entre jovens e idosos, o avançar da idade faz com que o desempenho nas avaliações se torne semelhante, porém os fatores que levam a população idosa a apresentar menor efeito de aprendizado ainda não são claros.(26) A menor capacidade de memorização e a codificação de informações relevantes no teste inicial podem ser uma causa para tal achado.
Independentemente do tempo de intervalo entre as avaliações e, até mesmo, da idade dos voluntários, fatores individuais, como motivação no momento da avaliação inicial, condições clínicas satisfatórias, coeficiente de inteligência elevado e alta escolaridade, podem favorecer o efeito de aprendizagem.(27,28)
Estudo realizado com o TMA e o TMB, em suas versões tradicionais, mostrou não haver diferença entre indivíduos de diferentes faixas etárias.(29) Acredita-se que os testes aqui empregados, seja pela baixa complexidade, seja pelo fornecimento das instruções adequadas, facilitaram o desempenho dos idosos, independente de fatores como idade e escolaridade.
Duff et al.(30) não encontraram associação entre dados sociodemográficos (gênero, escolaridade e idade) e intensidade de efeito de aprendizado nos testes cognitivos tradicionais em 268 adultos, o que concorda com os resultados deste estudo.
Grande parte dos estudos destinados a verificar o efeito da aprendizagem em idosos foi realizada em adultos, visto que a média de idade era em torno de 50 anos. Mesmo quando destinada a avaliar o impacto da idade neste fenômeno.
Embora a maior parte dos estudos ainda seja realizada com testes em sua forma tradicional (lápis e papel), acredita-se ser importante a introdução dos testes computadorizados nessa faixa etária, que deve utilizar, cada vez mais, esses equipamentos.
Raramente o efeito imediato do aprendizado é avaliado; no entanto, assume-se aqui que esse modelo de avaliação permitiu detectar a inexistência desse fenômeno nesta casuística. Acredita-se que se a repetição imediata da maioria dos testes empregados não foi capaz de produzir ganho de desempenho, mas isso não deve acontecer posteriormente, fato que poderá ser corroborado por novos estudos ou por extensão da casuística.
Os testes cognitivos computadorizados são realizados por idosos, independente de sua experiência prévia com essa tecnologia. Tais testes podem ser repetidos imediatamente e sem prejuízo do desempenho.
O Trail Making A, que é o de menor complexidade entre todos os testes aplicados, demonstrou-se aprendizado. Não houve, na amostra estudada, diferença no desempenho nos demais testes computadorizadas aplicados (Trail Making B, Spatial Recognition, Go/No-Go, Pattern Recognition, Memory Span e Reverse Memory Span), demonstrando alta aplicabilidade clínica, mesmo em intervalos curtos.