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Efeito de treinamento vocal direto e indireto em estudantes de Fonoaudiologia

Efeito de treinamento vocal direto e indireto em estudantes de Fonoaudiologia

Autores:

Andréia Cristina Muznlinger dos Santos,
Maria Cristina de Menezes Borrego,
Mara Behlau

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.27 no.4 São Paulo jul./ago. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014232

INTRODUÇÃO

O fonoaudiólogo é um profissional da voz que atua em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas nas áreas da comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos padrões da fala e da voz(1).

A qualidade vocal preferida do fonoaudiólogo é caracterizada como voz adaptada, ressonância equilibrada, ataque vocal isocrônico, emissão estável, tendência à elevação de frequência e intensidade, e uso de grande modulação(2 , 3 ).

No entanto, pesquisas apontam a presença de queixas e alterações vocais desde a graduação. Foram relatados pelos estudantes: fadiga geral, rouquidão, irritações na laringe, pitch grave, soprosidade, tensão, quebras de frequência e alteração de ressonância(4 , 5 ). A prevalência de alteração vocal foi referida por 12% dos futuros fonoaudiólogos, sendo esse índice maior do que a população em geral (3 a 9%)(5).

Sabendo-se do risco e da alta demanda vocal, graduandos de Fonoaudiologia vêm sendo inseridos com sucesso em programas de treinamento de voz e fala(6,7). Porém, há uma dificuldade em comparar os resultados das abordagens empregadas nos diferentes programas de treinamentos desses futuros profissionais em razão dos diferentes métodos empregados.

De acordo com a literatura(8 , 9 ), existem três principais abordagens para o aperfeiçoamento dos padrões de comunicação que podem prevenir os problemas de voz: abordagem direta, composta por exercícios vocais; abordagem indireta, composta por orientações de higiene vocal; e intervenções combinadas (abordagens direta e indireta).

As abordagens direta e indireta apresentam características extremamente opostas, pois a primeira age diretamente na produção vocal(10 - 12 ) e a segunda no aprendizado do autocuidado vocal(13 , 14 ). Contudo, nos estudantes de Fonoaudiologia pouco se sabe sobre o efeito comparativo dessas abordagens e suas contribuições para a formação acadêmica na área de voz.

De acordo com a literatura, os treinamentos de voz geralmente são aplicados em grupo, pois são direcionados a pessoas que apresentam um objetivo em comum, e têm eficiência comprovada cientificamente e custos reduzidos à sociedade(15 - 17 ). Porém, não há relatos na literatura sobre os impactos das abordagens vocais direta e indireta nas dinâmicas desenvolvidas pelos grupos de treinamento vocal.

As dinâmicas de grupos foram inicialmente investigadas na área da Psicologia por Mackenzie em 1983, o qual classificou as interações grupais em três tipos de clima de grupo: engajamento, conflito e evitação(18). Na área da Fonoaudiologia, foi estudado o clima de grupo em um grupo de professores que fizeram parte de um programa de terapia vocal, sendo observado que a interação de grupo positiva com sujeitos engajados propiciou melhoras significativas na qualidade de vida, facilitou a adesão à intervenção e auxiliou na redução dos sintomas vocais(19). Por outro lado, quando um grupo se encontra conflituoso, pode ocorrer rejeição e falta de confiança, podendo produzir um resultado negativo(18). Por fim, pouco se sabe se os diferentes tipos de abordagens de treinamento vocal também podem ser capazes de modificar as dinâmicas desenvolvidas pelos grupos de intervenção.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi verificar o efeito de duas abordagens vocais em grupos de estudantes de Fonoaudiologia, uma direta e outra indireta.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Araguaia, sob parecer no 347.753/13, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participaram deste estudo 25 estudantes voluntárias de Fonoaudiologia, do gênero feminino, divididas aleatoriamente em dois grupos: grupo de treinamento de abordagem direta - GTD (n=13), com indivíduos de 18 a 41 anos de idade (média=24,46); e grupo de treinamento de abordagem indireta - GTI (n=12), com estudantes de 18 a 37 anos de idade (média=24,41). Ambos os treinamentos foram dirigidos pela mesma fonoaudióloga em seis sessões, com frequência de uma sessão de 30 minutos por semana, denominadas sessão 1 (S1), sessão 2 (S2), sessão 3 (S3), sessão 4 (S4), sessão 5 (S5) e sessão 6 (S6).

O GTD foi submetido apenas aos exercícios vocais (Quadro 1):

Quadro 1. Programa de treinamento vocal do grupo de treinamento vocal com abordagem direta dos graduandos de Fonoaudiologia 

  • • (S1) aquecimento vocal;

  • • (S2) aquecimento e desaquecimento vocal;

  • • (S3 e S4) aquecimento vocal e exercícios de fonte glótica;

  • • (S5 e S6) aquecimento vocal, articulação, respiração, ênfase e modulação vocal.

O GTI foi submetido apenas às orientações de higiene vocal (Quadro 2):

Quadro 2. Programa de treinamento vocal do grupo de treinamento vocal com abordagem indireta dos graduandos de Fonoaudiologia 

  • • (S1) anatomia laríngea;

  • • (S2) fisiologia e produção vocal;

  • • (S3) alterações vocais mais comuns;

  • • (S4) atitudes negativas que levam a problemas vocais;

  • • (S5 e S6) atitudes positivas que visam a hábitos vocais saudáveis.

Todos os indivíduos passaram por uma avaliação vocal multidimensional, pré e pós-intervenção, realizada no primeiro e no último dia de treinamento, respectivamente:

  1. 1. autoavaliação vocal;

  2. 2. Escala de Sintomas Vocais (ESV)(20 , 21 );

  3. 3. análise perceptivo-auditiva;

  4. 4. análise acústica por meio da gravação da vogal sustentada /ε/ e da contagem de números de 20 a 30; e

  5. 5. Questionário de Clima de Grupo(18), apenas no último dia de treinamento.

Na autoavaliação vocal, a estudante deveria classificar sua qualidade de voz, por meio da escala Likert de cinco pontos, para as seguintes respostas: "ótima", "boa", "razoável", "ruim" e "péssima".

A Escala de Sintomas Vocais(20 , 21 ), versão traduzida, culturalmente adaptada e validada para o Português Brasileiro do protocolo VoiSS, foi utilizada para o mapeamento de sinais e sintomas vocais. Consiste em um questionário de 30 questões divididas em 3 domínios: Limitação (15 questões), Emocional (8) e Físico (7). Cada pergunta é pontuada de zero a quatro, de acordo com a frequência de ocorrência em "nunca", "raramente", "às vezes", "quase sempre" e "sempre"; com escores calculados pela soma simples dos pontos. Quanto maiores os escores neste protocolo, maior é a percepção do nível geral de alteração de voz no que diz respeito a limitação no uso da voz, reações emocionais e sintomas físicos.

Na análise perceptivo-auditiva, as amostras foram gravadas e editadas no programa VoxMetria, versão 4.4. (CTS Informática). Para a análise da vogal sustentada /ε/ foram eliminados o primeiro e o último segundo da emissão, marcado por instabilidade natural, sendo analisados apenas os demais segundos; e na contagem de números de 20 a 30 foram mantidos os tempos originais de gravação.

A análise perceptivo-auditiva foi realizada por três fonoaudiólogos especialistas em voz, em duas sessões de escuta, sequenciais, das gravações em ordem aleatória, a primeira com as vogais sustentadas e a segunda com a fala encadeada. As amostras foram apresentadas em campo e simultaneamente aos três avaliadores, que poderiam ouvi-las quantas vezes considerassem necessário. Houve repetição de 10% dos estímulos para verificação da confiabilidade intra-avaliador.

Na análise perceptivo-auditiva da vogal sustentada, os juízes avaliaram a emissão da vogal sustentada de acordo com a Escala GRBASI(22), em que os parâmetros grau geral de disfonia, rugosidade, soprosidade, astenia, tensão e instabilidade foram analisados em uma escala de 0 a 3 (0=sem desvio e 3=desvio severo). Na análise da contagem dos números de 20 a 30, os juízes deveriam ouvir cada par de estímulos e marcar qual emissão eles classificavam como a "melhor emissão". Em seguida, deveriam assinalar qual(is) parâmetro(s) melhor justificava(m) sua escolha: qualidade vocal, articulação e pronúncia, loudness, pitch, ressonância, velocidade de fala, coordenação pneumofonoarticulatória, uso de ênfases e modulação.

Na análise acústica, as amostras foram gravadas no programa Vocal Grama, versão 4.4. (CTS Informática). Foram analisados o Perfil de Extensão Vocal (PEV) e o Perfil de Extensão de Fala (PEF)(23) nos seguintes parâmetros: frequência fundamental mínima e máxima, extensão de frequência, extensão de semitom, intensidade mínima e máxima, e área. Para a avaliação do PEV, foi utilizada a vogal /ε/ em glissando ascendente e descendente nos níveis de intensidade forte e fraco. Para a análise do PEF, a contagem de números de 20 a 30 nos níveis de intensidade médio, fraco, forte e muito forte.

O registro das vozes ocorreu em uma sala com ruído ambiental inferior a 50 dB, com os participantes sentados, com o uso do microfone Karsect HT-9 e Adaptador Andrea PureAudio(tm) USB-SA, posicionado a 45º com uma distância de 5 cm da boca do participante. As vozes foram gravadas diretamente em um computador Sonny Vaio, modelo PCG-31311X.

O Questionário de Clima de Grupo, também denominado Group Climate Questionnaire-Short Form (GCQ-S)(18), foi traduzido e adaptado culturalmente para o Português Brasileiro pelos autores, comparando-se o clima de grupo dos dois grupos de treinamento vocal (Anexo 1). Originalmente, foi criado para ser utilizado em grupos de psicoterapia para checar os efeitos do clima de grupo nos resultados dos tratamentos. Consiste em um questionário de 12 questões divididas em três escalas: engajamento (cinco questões), conflito (três) e evitação (quatro). Cada pergunta é pontuada de zero (nem um pouco) a seis (totalmente), com escores calculados pela soma simples dos pontos.

A análise estatística das variáveis estudadas foi realizada por meio do programa Statistical Package For Social Sciences (SPSS, versão 17.0). Foram aplicados os Testes de Igualdade de Duas Proporções e Mann-Whitney em nível de significância de 5% para a comparação dos resultados dos grupos.

RESULTADOS

Não houve mudanças para nenhum dos dois grupos nos parâmetros da autoavaliação vocal (Tabela 1) e na Escala de Sintomas Vocais (Tabela 2). Quanto à avaliação perceptivo-auditiva, houve diferenças significativas apenas para o GTD para análise da vogal sustentada (Tabela 3) e não houve mudanças para ambos os grupos na análise perceptivo-auditiva da fala (Tabela 4). Houve diferenças significativas apenas para o GTD para Perfil de Extensão Vocal e Perfil de Extensão de Fala (Tabela 5).

Tabela 1. Medidas dos escores da autoavaliação vocal 

Grupos Pré Pós Valor de p
n (%) n (%)
GTD
Ótima 2 (15,4) 1 (7,7) 0,539
Boa 9 (69,2) 8 (61,5) 0,680
Razoável 2 (15,4) 4 (30,8) 0,352
Ruim 0 (0,0) 0 (0,0) 1,000
GTI
Ótima 1 (8,3) 2 (16,7) 0,537
Boa 7 (58,3) 9 (75,0) 0,386
Razoável 3 (25,0) 1 (8,3) 0,273
Ruim 1 (8,3) 0 (0,0) 0,307

Valores significativos (p<0,05) - Teste de Igualdade de Duas Proporções Legenda: GTD = grupo de treinamento direto; GTI = grupo de treinamento indireto

Tabela 2. Medidas dos escores da Escala de Sintomas Vocais 

Média (DP) Mediana Mín–Máx IC Valor de p
GTD (n=13)
Defeito
Pré 6,5 (7,0) 3,0 1,0–10,0 3,78 0,878
Pós 6,2 (6,6) 4,0 2,0–9,0 3,57
Emocional
Pré 0,6 (1,9) 0,0 0,0–0,0 1,05 0,180
Pós 0,3 (1,1) 0,0 0,0–0,0 0,60
Físico
Pré 4,3 (2,2) 5,0 3,0–6,0 1,18 0,166
Pós 5,4 (3,6) 4,0 2,0–8,0 1,94
Total
Pré 11,4 (9,8) 10,0 3,0–17,0 5,30 0,478
Pós 11,9 (10,2) 9,0 4,0–17,0 5,60
GTI (n=12)
Defeito
Pré 12,6 (7,6) 13,5 5,8–17,5 4,30 0,719
Pós 13,3 (8,6) 12,0 7,8–16,5 4,84
Emocional
Pré 0,8 (1,4) 0,0 0,0–1,3 0,79 0,197
Pós 1,3 (1,7) 0,5 0,0–2,0 0,98
Físico
Pré 6,5 (3,9) 7,0 4,3–9,0 2,23 0,090
Pós 7,5 (3,0) 8,0 4,8–9,0 1,71
Total
Pré 19,9 (11,6) 20,5 9,8–28,0 6,60 0,284
Pós 22,1 (11,2) 20,5 14,0–27,3 6,40

Valores significativos (p<0,05) - Teste de Mann-Whitney Legenda: GTD = grupo de treinamento direto; GTI = grupo de treinamento indireto; DP = desvio-padrão; IC = intervalo de confiança

Tabela 3. Medidas dos escores da avaliação perceptivo-auditiva da vogal sustentada pela Escala GRBASI 

GTD GTI
Pré Pós Valor de p Pré Pós Valor de p
n (%) n (%) n (%) n (%)
Graug Geral
Normal 1 (2,6) 2 (5,1) 0,556 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000
Leve 21 (53,8) 31 (79,5) 0,016* 20 (55,6) 21 (58,3) 0,812
Moderado 16 (41,0) 5 (12,8) 0,005* 13 (36,1) 14 (38,9) 0,808
Severo 1 (2,6) 1 (2,6) 1.000 3 (8,3) 1 (2,8) 0,303
Rugosidade
Normal 18 (46,2) 19 (48,7) 0,821 14 (38,9) 17 (47,2) 0,475
Leve 17 (43,6) 15 (38,5) 0,645 15 (41,7) 12 (33,3) 0,465
Moderado 4 (10,3) 5 (12,8) 0,723 7 (19,4) 7 (19,4) 1.000
Severo 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000
Soprosidade
Normal 13 (33,3) 9 (23,1) 0,314 10 (27,8) 13 (36,1) 0,448
Leve 15 (38,5) 26 (66,7) 0,013* 16 (44,4) 11 (30,6) 0,224
Moderado 11 (28,2) 4 (10,3) 0,044* 8 (22,2) 11 (30,6) 0,422
Severo 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000 2 (5,6) 1 (2,8) 0,555
Astenia
Normal 34 (94,4) 32 (88,9) 0,394 36 (92,3) 36 (92,3) 1.000
Leve 1 (2,8) 3 (8,3) 0,303 3 (7,7) 3 (7,7) 1.000
Moderado 1 (2,8) 1 (2,8) 1.000 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000
Severo 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000
Tensão
Normal 24 (61,5) 31 (79,5) 0,082 24 (66,7) 25 (69,4) 0,800
Leve 10 (25,6) 6 (15,4) 0,262 10 (27,8) 10 (27,8) 1.000
Moderado 4 (10,3) 1 (2,6) 0,165 1 (2,8) 1 (2,8) 1.000
Severo 1 (2,6) 1 (2,6) 1.000 1 (2,8) 0 (0,0) 0,314
Instabilidade
Normal 34 (87,2) 31 (79,5) 0,362 24 (66,7) 28 (77,8) 0,293
Leve 5 (12,8) 8 (20,5) 0,362 10 (27,8) 8 (22,2) 0,586
Moderado 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000 2 (5,6) 0 (0,0) 0,151
Severo 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000 0 (0,0) 0 (0,0) 1.000

*Valores significativos (p<0,05) - Teste de Mann-Whitney Legenda: GTD = grupo de treinamento direto; GTI = grupo de treinamento indireto

Tabela 4. Medidas dos escores da avaliação perceptivo-auditiva da fala encadeada 

GTD GTI Valor de p
n (%) n (%)
Contagem
Melhor Pós 9 (23,1) 20 (55,6) 0,060
Melhor Pré 20 (55,6) 10 (27,8) 0,228
Similar 10 (27,8) 6 (16,7) 0,060
Articulação e pronúncia
Similar 6 (16,7) 23 (63,9) 0,160
Melhor 23 (63,9) 13 (36,1)
CPFA
Similar 13 (36,1) 31 (86,1) 0,385
Melhor 31 (86,1) 5 (13,9)
Loudness
Similar 5 (13,9) 30 (83,3) 0,232
Melhor 30 (83,3) 6 (16,7)
Pitch
Similar 6 (16,7) 35 (97,2) 0,195
Melhor 35 (97,2) 1 (2,8)
Qualidade vocal
Similar 1 (2,8) 25 (69,4) 0,117
Melhor 25 (69,4) 11 (30,6)
Ressonância
Similar 11 (30,6) 30 (83,3) 0,883
Melhor 30 (83,3) 6 (16,7)
Uso de ênfases e melodia
Similar 6 (16,7) 33 (91,7) 0,066
Melhor 33 (91,7) 3 (8,3)
Velocidade de fala
Similar 3 (8,3) 29 (80,6) 0,701
Melhor 29 (80,6) 7 (19,4)

*Valores significativos (p<0,05) - Teste de Igualdade de Duas Proporções Legenda: GTD = grupo de treinamento direto; GTI = grupo de treinamento indireto; CPFA = coordenação pneumofonoarticulatória

Tabela 5. Comparação entre os desempenhos dos grupos para Ganho de Análise Acústica no Perfil de Extensão de Fala e Perfil de Extensão Vocal 

Parâmetro PEF PEV
Média (DP) Valor de p Média (DP) Valor de p
F0 Mínima
GTD (n=13) -1,97 (42,81) 0,663 1,86 (67,07) 0,744
GTI (n=12) 0,10 (19,71) 5,35 (66,48)
F0 Máxima
GTD (n=13) 138,25 (249,81) 0,008* 58,30 (73,20) 0,030*
GTI (n=12) -63,75 (169,08) -61,74 (132,67)
Extensão de F0
GTD (n=13) 140,22 (243,07) 0,014* 54,91 (96,22) 0,030*
GTI (n=12) -63,84 (171,44) -67,05 (147,14)
Extensão de ST
GTD (n=13) 5,28 (8,53) 0,039* 2,22 (10,89) 0,301
GTI (n=12) -2,43 (7,38) -2,69 (10,62)
Intensidade mínima
GTD (n=13) 0,00 (0,13) 0,644 1,38 (3,62) 0,192
GTI (n=12) -3,74 (6,03) -2,79 (7,33)
Intensidade máxima
GTD (n=13) -1,34 (12,21) 0,073 -1,37 (12,67) 0,073
GTI (n=12) -10,37 (17,22) -10,62 (19,02)
Área
GTD (n=13) 0,41 (2,71) 0,092 0,29 (1,41) 0,028*
GTI (n=12) -1,62 (2,93) -0,35 (0,69)

*Valores significativos (p<0,05) - Teste de Mann-Whitney Legenda: GTD = grupo de treinamento direto; GTI = grupo de treinamento indireto; PEF = perfil de extensão de fala;PEV = perfil de extensão vocal; DP = desvio-padrão; ST = semitom

Na análise perceptivo-auditiva da vogal sustentada (Tabela 3), o GTD apresentou uma redução de vozes desviadas nos parâmetros grau geral e soprosidade, que passaram de grau moderado para leve.

Na análise acústica do Perfil de Extensão Vocal e Perfil de Extensão de Fala (Tabela 5), houve aumento da amplitude de frequência máxima e extensão de frequência no GTD. Também foi observado aumento da extensão de semitons no PEF.

A análise das respostas do Questionário de Clima de Grupo (Figura 1) mostrou que GTI apresentou escores elevados para todas as escalas avaliadas, porém o escore conflito foi significativo se comparado ao GTD.

Figura 1. Comparação entre as respostas do Questionário de Clima de Grupo para cada grupo de treinamento vocal aplicado aos graduandos de Fonoaudiologia 

DISCUSSÃO

O presente estudo verificou o efeito de duas abordagens de treinamento vocal, uma direta e outra indireta, em estudantes de Fonoaudiologia(24 - 26 ). Foram encontrados diferentes resultados de acordo com o tipo de abordagem empregada para alguns dos parâmetros. O grupo de treinamento submetido à abordagem direta apresentou vozes menos desviadas na avaliação perceptivo-auditiva da vogal sustentada, ampliação da frequência máxima no Perfil de Extensão de Voz e no Perfil de Extensão de Fala, e ampliação da extensão de frequências no Perfil de Extensão de Fala. O grupo submetido à abordagem indireta não apresentou modificações nos parâmetros avaliados.

Uma revisão de literatura(27) sobre os impactos do treinamento vocal em profissionais da voz evidenciou que em nove dos dez estudos investigados os resultados apontaram modificações significativas na qualidade vocal dessa população, com melhora em pelo menos uma das medidas relacionadas à produção vocal quando comparados aos dados da avaliação pré-treinamento.

Não houve mudanças significativas na autoavaliação vocal para ambos os grupos quando comparados os momentos pré e pós-treinamento (Tabela 1). No entanto, houve uma variação para melhor (embora não significativa) na classificação "razoável" e "boa" no GTI e "pior" no GTD, e também pode ser observada uma mudança para pior na variável "ótima" do grupo GTD. Assim, os achados sugerem que ambos os treinamentos provocaram uma mudança na autopercepção vocal, mas não foram suficientes para produzir uma diferenciação entre as abordagens empregadas. Os estudantes podem ter apresentado dificuldade em perceber auditivamente as próprias modificações vocais advindas dos treinamentos. Pesquisadores(28) notaram a dificuldade dos estudantes de Fonoaudiologia em realizar análises dos parâmetros vocais e aconselham a realização de treinamento auditivo voltado para os graduandos.

A Tabela 2 mostra que ambos os grupos apresentaram escores elevados na Escala de Sintomas Vocais se comparados aos achados na população brasileira sem disfonia, que apresentou como normalidade pontuação igual ou inferior a 3,77 no escore defeito, 0,32 no escore emocional, 3,02 no escore físico, e 7,11 no escore total(21). Além disso, foi notada uma tendência de piora, mesmo que sem significância estatística, nos sintomas vocais entre os alunos no momento pós-treinamento. Tal fato pode estar associado aos aspectos relacionados ao uso e abuso vocal de um grupo jovem, universitário, que merece investigação e orientação futuras, afinal devem se preparar para enfrentar a demanda profissional em breve. Sintomas vocais também foram relatados por 29% dos estudantes de Fonoaudiologia da Universidade de Gent(4). Tais dados, entre outros, levam os pesquisadores a incentivarem a aplicação de treinamentos de voz para minimizar os riscos vocais entre estes futuros profissionais da voz(4 - 7 ).

Houve diferença na análise perceptivo-auditiva da vogal sustentada apenas para o GTD, que apresentou vozes menos desviadas no pós-treinamento (Tabela 3). É interessante comentar que em um grupo de alunos de Fonoaudiologia, com vozes supostamente consideradas neutras, 41% das emissões de vogal sustentada foram consideradas desviadas em grau moderado. A redução de vozes desviadas de grau moderado para leve mostra o efeito positivo do treinamento vocal direto nesse grupo. Um estudo realizado com professores submetidos a treinamento vocal com abordagem direta mostrou uma redução significativa no grau de tensão, tanto na análise perceptivo-auditiva da vogal /ε/ como na análise da fala espontânea desses profissionais(29). O GTI manteve resultados semelhantes pré e pós-treinamento conforme o esperado, uma vez que não foi submetido ao treinamento vocal.

Não houve diferenças na análise perceptivo-auditiva da fala em ambos os grupos (Tabela 4). De acordo com a literatura, a avaliação perceptivo-auditiva da vogal sustentada difere da fala encadeada, pois busca evidenciar alterações leves que não são percebidas na fala encadeada, tipo de emissão que acaba mascarando tais alterações a exemplo do ocorrido neste estudo(30).

Na análise acústica do Perfil de Extensão de Fala e Perfil de Extensão Vocal (Tabela 5), ocorreram efeitos positivos apenas para o GTD, com maior amplitude de frequência máxima, extensão de frequência e extensão de semitom no PEF; e maior amplitude de frequência máxima, extensão de frequência e área no PEV. Tais achados comprovam melhor rendimento vocal para o grupo de treinamento direto. No entanto, o GTI apresentou ganhos reduzidos, o que evidencia o baixo impacto das orientações vocais nos parâmetros específicos avaliados por tal análise acústica, quando utilizadas de forma isolada.

Semelhante resultado foi observado em estudo realizado com estudantes de Fonoaudiologia(6), em que as alunas foram submetidas a exercícios de aquecimento vocal. A pesquisa mostrou melhor desempenho dos indivíduos no momento pós-treinamento, medido por meio da análise acústica, com redução da intensidade e maior amplitude da frequência vocal. Em outro estudo, um treinamento com abordagem indireta aplicada em estudantes de Fonoaudiologia foi importante para a modificação de comportamentos vocais como gritar, redução de fadiga geral e diminuição de queixa de voz(7), hábitos que estão diretamente ligados aos temas abordados nesse tipo de treinamento.

A análise das respostas do Questionário de Clima de Grupo (Figura 1) revelou diferença entre os grupos apenas no escore conflito, sendo maior para o GTI. Tal fato pode ser explicado pela característica do treinamento de abordagem indireta aplicado a esse grupo, com possibilidades de menos trocas interacionais, demandando uma postura mais passiva do participante que age apenas como ouvinte das orientações vocais. Por outro lado, a abordagem direta possibilitou maiores trocas com realização prática dos exercícios, evidenciando menos conflito ao final das sessões. Alguns estudos verificaram que os resultados e o sucesso de intervenções coletivas podem estar relacionados ao tipo de clima de grupo. Foi observado que quando há uma interação de grupo negativa, com sujeitos em conflito ou evitação, há redução significativa na qualidade de vida, com aumento dos sintomas vocais e baixa adesão ao tratamento(18 , 19 ). Dessa forma, a abordagem empregada no GTD levou a uma atitude mais ativa e proporcionou um melhor clima de grupo entre os integrantes, com menos conflito.

Em suma, um treinamento com abordagem direta, composto por exercícios vocais, pode proporcionar uma mudança no funcionamento vocal(8), com redução da intensidade vocal e aumento da frequência fundamental(6); ampliação da extensão de frequência com melhor alcance de graves e agudos, e intensidade vocal com melhor alcance de sons fracos e fortes(10); melhor padrão articulatório e da fluência de fala(11); e redução do jitter(12). Por outro lado, a abordagem indireta pode auxiliar o indivíduo a compreender o uso vocal( 8 ) e prevenir o agravamento dos sintomas vocais( 12 ). Porém, pesquisas mostram que a abordagem indireta pode não representar um impacto imediato ao aparelho fonador(13 , 14 ).

A limitação deste estudo foi o tamanho reduzido da amostra, em razão da baixa adesão dos estudantes aos treinamentos, justificada pela falta de conhecimento sobre a importância e os benefícios dos treinamentos para a voz. Sugere-se que uma abordagem combinada deva ser empregada, a fim de verificar o efeito das três modalidades de treinamentos sugeridos pela literatura: abordagem indireta, abordagem direta e abordagem de forma combinada.

Este estudo pode servir de inspiração aos cursos de Fonoaudiologia para que programas de treinamentos vocais sejam incorporados à graduação a fim de promover a saúde vocal e prevenir as disfonias.

CONCLUSÃO

As participantes do treinamento de voz submetidas a uma abordagem direta, com exercícios vocais, beneficiaram-se do treinamento oferecido, o que impactou positivamente em diversas dimensões de análise vocal. Por outro lado, a abordagem indireta, apenas com orientações vocais, não foi suficiente para produzir mudanças significativas na qualidade vocal das estudantes, que assumiram uma atitude mais passiva diante das orientações.

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