versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP, ahead of print Epub 15-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20200022
A fibromialgia (FM) é uma síndrome de dor crônica de etiologia desconhecida, caracterizada por dores musculoesqueléticas não inflamatórias generalizadas devido a vários fatores que sensibilizam o sistema nervoso central (SNC). Outras características da FM são a presença de pontos sensíveis à palpação, perturbações do sono, aumento do estresse oxidativo, rigidez muscular e articular, entre outros fatores que contribuem para a redução da qualidade de vida desta população1-3. Devido à sua complexidade, o tratamento da FM deve abranger uma abordagem clínica complexa e multidisciplinar que possa articular aspectos farmacológicos e não farmacológicos4,5.
O tratamento farmacológico da FM concentra-se, em geral, na redução da ação dos neurotransmissores estimulantes, como o glutamato pelos gabapentinoides e na potenciação da ação dos neurotransmissores inibidores do SNC, como a noradrenalina, a serotonina e o ácido gama-aminobutírico pelos compostos tricíclicos e inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina6,7. É importante salientar que a terapia farmacológica para FM atende eficazmente a uma pequena parcela da população afetada6-10. Quanto às terapias não farmacológicas terapia cognitiva comportamental, hidroterapia, correntes de estimulação elétrica e exercício, o seu principal objetivo é melhorar o desempenho funcional dos doentes com FM7,11. Em muitas situações, a terapia não farmacológica é mais eficaz do que a farmacológica. Contudo, existem limitações na implementação de terapias não farmacológicas na prática clínica, tais como falta de acesso, aderência do paciente, baixo rigor metodológico e falta de evidência de estudos bem projetados7,11-13.
Reiterando a necessidade de expansão das possibilidades terapêuticas em FM, o enriquecimento ambiental (EA) é apresentado neste estudo. O EA é um conceito amplamente utilizado na investigação animal que propõe um aumento da estimulação dos aspectos físicos e sociais; atividades físicas, sensoriais e cognitivas. O EA demonstrou ser uma ferramenta neuroprotetora significativa, apresentando benefícios no desempenho físico, aprendizagem, neuroplasticidade e modulação sensorial. Salienta-se que não foram encontrados estudos que demonstrem a utilização de EA em modelos animais FM na altura em que este estudo foi realizado14-16.
O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos profiláticos do EA, associados ou não à atividade física, na função nociceptiva, ambulação e controle motor num modelo animal de dor muscular crônica difusa.
Foram incluídos neste estudo 24 ratos Wistar machos, de dois meses de idade, com peso entre 250 e 350g. Os animais foram mantidos num ciclo luz-escuro de 12h, e todos os testes foram realizados durante o ciclo de luz. A temperatura foi fixada em 22ºC, os alimentos e a água estavam disponíveis ad libitum. Todos os procedimentos estavam de acordo com os princípios éticos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e da International Association for the Study of Pain (IASP).
A fim de imitar a dor muscular crônica difusa da FM, foi utilizado um modelo animal constituído por duas injeções de solução salina ácida com pH 4,0; 100 µL, cada, administradas com cinco dias de intervalo e aplicadas no músculo gastrocnêmico esquerdo dos ratos. Os animais foram anestesiados com isoflurano vaporizado entre 2% - 4% antes da injeção. Este é um modelo de dor muscular não inflamatória capaz de produzir hiperalgesia duradoura sem dano significativo do tecido muscular17.
A dimensão da amostra foi determinada com base em estudos anteriormente publicados neste domínio que investigaram os efeitos antinociceptivos do EA16,18. Os animais foram divididos em 4 grupos de estudo (n=6, por grupo): 1. apenas ambiente enriquecido (EA); 2. ambiente enriquecido somado a atividade física (EA + AF); 3. atividade física sem EA (AF); e 4. controle, com animais mantidos em alojamento padrão (Figura 1).
No grupo EA, foram realizadas alterações estruturais no ambiente físico, aumentando a área explorável (100x40x60cm) e acrescentando chocalhos, canos, galpões, escadas, objetos de madeira mastigáveis e um piso superior na gaiola. O grupo EA+AF recebeu, para além das mesmas alterações estruturais, uma roda de corrida (InsightTM, Ribeirão Preto, SP, Brasil). O grupo AF recebeu uma roda de corrida e expansão da área de exploração (100cmx40cmx60 cm), mas sem objetos externos. O grupo controle foi colocado em gaiolas standard (30x20x23cm), sem qualquer modificação.
Os animais foram aclimatados aos testes comportamentais durante dois dias consecutivos, imediatamente antes de cada experiência. Para o teste mecânico de sensibilidade cutânea, os animais foram colocados no aparelho de avaliação, cubículos transparentes, durante 20 minutos e foram realizados estímulos na superfície plantar das patas traseiras. Para o teste de sensibilidade térmica, os animais foram aclimatados no aparelho de avaliação durante 5 minutos sem estimulação térmica. Para o teste de equilíbrio dinâmico, os animais foram aclimatados no aparelho a uma velocidade de rotação baixa, 5 rpm, durante três tentativas, com intervalos de cinco minutos entre eles.
O limiar de retirada da pata mecânica foi medido por um dispositivo eletrônico von Frey (InsightTM, Ribeirão Preto, SP, Brasil), aplicado diretamente nas patas traseiras. Antes da medição, os animais foram aclimatados durante 20 minutos na sala de avaliação. Para medir a hiperalgesia térmica, foi utilizada a Hot Plate (InsightTM, Ribeirão Preto, SP, Brasil), que consiste em uma superfície aquecida com um tubo acrílico aberto para confinar os animais. Para o teste, a temperatura foi ajustada para 50°C19.
Para avaliar a atividade neuromuscular, foi utilizado o teste Rota Rod, que mede alterações de equilíbrio e coordenação neuromuscular19 (AVSÔ, São Carlos, SP, Brasil). Para avaliar a atividade motora, foi utilizado o Open Field Test (OPT InsightÔ, Ribeirão Preto, SP, Brasil). O protocolo de testes começou com a aclimatação dos animais (D-1, D0). Dois dias depois, foram realizados ensaios de hiperalgesia mecânica, latência térmica, equilíbrio dinâmico e atividade motora (D1, D2). Os animais foram distribuídos aleatoriamente pelos diferentes grupos de estudo e mantidos nas gaiolas que lhes foram atribuídas durante quatro semanas. Depois, a partir do 9º dia, os testes comportamentais foram reavaliados quatro vezes com um intervalo semanal entre eles (D9-10; D16-17; D23-24, D30-31). A primeira e a segunda injeção de soro fisiológico ácido foram aplicadas nos dias 32 e 37, respectivamente.
Nos dias 9 e 10 (D9, D10), a reavaliação comportamental foi realizada, respectivamente. A reavaliação foi então repetida nos dias 16 e 17 (D16, D17), 23 e 24 (D23, D24) e 30 e 31 (D30, D31). Nos dias 32 e 37 (D32, D37), foram aplicadas, respectivamente, a primeira e a segunda injeções de soro fisiológico ácido.
Este estudo foi aprovação pelo Comitê de Ética em Investigação Animal da Universidade Federal de Sergipe (protocolo nº 39/2012). Todos os participantes forneceram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por escrito antes do início dos procedimentos de estudo.
Para a análise de dados não paramétricos, foram utilizados os testes Kruskal-Wallis, Friedman e Tukey para comparações entre grupos nos ensaios de limiar mecânico e térmico. Os testes ANOVA e Bonferroni bidirecionais foram utilizados para analisar amostras a partir de dados paramétricos dependentes em cada momento da avaliação (antes e depois da lesão), comparando as diferenças entre grupos. O valor de P <0,05 foi considerado como estatisticamente significativo.
O limiar de retirada da pata foi significativamente mais elevado no grupo tratado com uma combinação de ambiente enriquecido e atividade física (EA + AF) em comparação com os outros grupos da terceira reavaliação (p<0,001). Este efeito foi sustentado na quinta avaliação pós-indução. É de salientar que mesmo após a indução da dor muscular crônica difusa, o grupo EA + AF manteve um aumento significativo do limiar de abstinência mecânica (p<0,01), enquanto que os outros grupos apresentaram uma redução significativa quando comparados com o grupo EA + AF pós-indução e também quando comparados com as suas próprias avaliações anteriores (Figura 2).
Figura 2 Latência de retirada da pata mecânica (mN) dos grupos EA, EA + AF, AF e controle, na linha de base e 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª semanas* p<0,001 quando comparado com os outros grupos (One-way Anova). † p<0,01 quando comparado com o grupo EA + AF e com as avaliações anteriores (teste T pareado). EA = enriquecimento ambiental; AF = atividade física.
A latência térmica foi significativamente maior no grupo EA + AF em comparação com os outros grupos, a partir da segunda avaliação (p<0,001). Este aumento manteve-se na 3ª, 4ª e 5ª semana. Diferentemente, os outros grupos tiveram uma diminuição significativa da latência térmica na 5ª reavaliação após injeções de soro fisiológico ácido, em comparação com o grupo EA + AF (p<0,003) e quando comparado com as suas avaliações anteriores (p<0,003; Figura 3).
Figura 3 Latência térmica (s) dos grupos EA, EA + AF, AF e controle, na 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª semana de base* p<0,001 quando comparado com os outros grupos (One-way Anova). † p<0,003 quando comparado com o grupo EA + AF e com as avaliações anteriores (teste T pareado). EA = enriquecimento ambiental; AF = atividade física.
A atividade neuromuscular aumentou significativamente no grupo EA + AF, desde a 1ª avaliação (p<0,01), em comparação com os outros. Este aumento se manteve significativamente nas seguintes avaliações (2ª, 3ª, 4ª e 5ª semana) quando comparado com os outros grupos (p<0,01). Os outros grupos apresentaram uma redução significativa da atividade neuromuscular quando comparados com o grupo EA + AF na 5ª avaliação (após injeções), e quando comparados com as suas próprias avaliações anteriores (Figura 4).
Figura 4 atividade neuromuscular (s) dos grupos EA, EA + AF, AF e controle, na 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª semana*p<0,01 quando comparado com os outros grupos (One-way Anova). † p<0,01 quando comparado com o grupo EA+AF e avaliações anteriores (teste T pareado). EA = enriquecimento ambiental; AF = atividade física.
A análise dos testes em campo aberto mostrou um aumento significativo do número total de quadrantes centrais e periféricos, do grupo EA + AF, quando comparado com os outros grupos desde a primeira semana. Este aumento foi mantido nas avaliações seguintes, mesmo após a indução de dor muscular crônica (Figura 5).
Figura 5 Atividade motora (nº de quadrantes) dos grupos EA, EA + AF, AF e controle, na linha de base e 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª semana.*p<0,01 quando comparado com os outros grupos (One-way Anova) EA = enriquecimento ambiental; AF = atividade física.
Não houve diferença estatística entre as avaliações pós-indução e as avaliações anteriores (teste T pareado).
Existem poucos estudos investigando os efeitos do EA em modelos animais de dor, especificamente em relação ao modelo investigado no presente estudo. Tanto quanto se sabe, este é o primeiro estudo que investigou os efeitos da combinação de AF e EA para prevenir o desenvolvimento de hiperalgesia cutânea mecânica e térmica, num modelo animal de dor muscular crônica difusa. Após quatro semanas consecutivas de exposição à AF e ao EA combinados, houve uma prevenção da resposta mecânica da hiperalgesia que seria esperada após as duas injeções de soro fisiológico ácido. No entanto, os animais tratados individualmente com EA ou AF separadamente apresentaram hiperalgesia mecânica após a segunda injeção de soro fisiológico ácido, sugerindo que o efeito analgésico foi atribuído à combinação das duas formas de intervenção.
Embora atualmente não exista um estudo prévio que investigue o efeito da AF combinada com um EA no modelo de dor muscular crônica difusa, o estudo18 analisou os efeitos da estimulação física e social num modelo animal de dor inflamatória. De maneira similar aos resultados do presente estudo, os autores observaram hiperalgesia mecânica reduzida após quatro semanas de túneis de enriquecimento ambiental e físico, roda de corrida, material de nidificação extra. Além disso, verificou-se uma diminuição da duração da hiperalgesia mecânica18. É de salientar que, ao contrário deste protocolo, no presente estudo os animais foram expostos à intervenção combinada antes da indução da hiperalgesia, sugerindo efeito analgésico profilático em potencial. Os autores20 também utilizaram a exposição ao EA físico e social antes da cirurgia abdominal com manipulação cecal, revelando que o EA promoveu uma diminuição da autoadministração analgésica durante a recuperação pós-operatória.
O estudo18 testou quatro condições de alojamento de ratos: enriquecimento físico, enriquecimento social, enriquecimento social e físico e alojamento normal. Verificou-se uma redução da hiperalgesia mecânica em animais tratados exclusivamente com enriquecimento físico tamanho das gaiolas, inserção de objetos, túneis; ou social aumento do número de animais nas gaiolas. A anti-hiperalgesia foi ainda mais pronunciada quando se verificou uma associação entre os aspectos físicos e sociais, sugerindo que este efeito se deve simultaneamente ao aumento da atividade física e à redução dos níveis de stress18. A relação íntima entre o stress e a função nociceptiva tem sido relatada na literatura, especialmente considerando que a dor é um processo complexo que integra componentes emocionais e físicos da percepção de estímulos nocivos21. Em ratos, estudos anteriores demonstraram que o estresse crônico aumenta a resposta nociceptiva22,23.
Num modelo de dor neuropática em ratos, os autores16 promoveram o aumento da área de exploração, a inserção de objetos lúdicos e mastigáveis, túneis e rodas de corrida quando o protocolo foi administrado após a indução da hiperalgesia, mostrando a redução da hiperalgesia mecânica apenas após dois meses de exposição a este protocolo. Os resultados do presente estudo mostraram que uma exposição de quatro semanas foi suficiente para evitar o desenvolvimento da hiperalgesia. Este menor tempo de exposição necessário para promover o efeito antinociceptivo é possivelmente atribuído aos diferentes modelos experimentais utilizados, considerando que os tratamentos aplicados à dor neuropática têm geralmente uma maior duração24,25.
Os autores16,18 também mostraram uma redução da hiperalgesia térmica após exposição a um EA físico e social. As alterações nas gaiolas de habitação também foram utilizadasl26, mostrando uma diminuição da hiperalgesia térmica quatro semanas após a inflamação induzida pelo adjuvante completo de Freund, em ratos. É de salientar que, neste mesmo estudo, não se verificou qualquer alteração na hiperalgesia mecânica, ao contrário do estudo18. Ambos os estudos utilizaram um modelo de dor inflamatória, no entanto, o estudo26 não teve aumento na área de exploração/alojamento animal, apenas a inserção de objetos, o que pode justificar os resultados contrários. No presente estudo, a área de alojamento dos animais também foi aumentada, no entanto, esta só se mostrou eficaz nas variáveis estudadas quando associada a uma roda de corrida.
Relativamente ao componente motor, os animais tratados com EA e AF voluntária apresentaram uma otimização do equilíbrio dinâmico no teste da haste de rotação, mesmo após indução de dor muscular crônica difusa. Ao contrário dos resultados do presente estudo, os estudos15,16 mostraram que o EA associado à AF não reduziu o comprometimento motor em modelos de dor neuropática e de isquemia-hipóxia. O estudo27 também examinou os efeitos do EA na função motora num modelo de dor neuropática, utilizando a escala de Basso, Beatie e Bresnahan (escala BBB). Neste estudo, o EA foi eficaz na recuperação da disfunção motora após lesão medular. Após 12 semanas de exposição do EA, a escala BBB sinalizou uma recuperação da deficiência motora, sugerindo a utilização do EA para promover a otimização do controle motor em disfunções sensoriais.
Os autores28 também desenvolveram um estudo sobre lesões da medula espinhal utilizando EA para a recuperação do controle motor. Neste estudo, para além das ferramentas convencionais de EA objetos e roda de atividade, os animais foram estimulados a aumentar a AF colocando alimentos e água em lados opostos da gaiola. Os resultados mostraram que a exposição ao EA melhora a recuperação da atividade locomotora bruta e fina, medida pela escala BBB. No presente estudo, a associação de EA e AF foi eficaz na prevenção da deficiência motora e na otimização do controle motor num modelo de dor muscular crônica. Especula-se que tais efeitos podem ser justificados por um aumento da atividade proprioceptiva através das atividades proporcionadas pelo EA associado à AF pela ultrapassagem de obstáculos, subida de escadas, movimentos coordenados dos membros anteriores e posteriores.
Curiosamente, o equilíbrio dinâmico mostrou latências muito baixas em todos os grupos na linha de base e apenas o grupo exposto ao EA e AF teve uma otimização eficaz do controle motor, mesmo após a indução de dores musculares crônicas difusas. Valores reduzidos na linha de base podem ser justificados pela velocidade utilizada no aparelho Rota Rod, enquanto velocidades inferiores a 15 rpm podem resultar em melhores resultados nos testes. No entanto, o efeito do EA no equilíbrio dinâmico ainda não é claro, principalmente se se considerar a estirpe e a idade dos animais.
A exposição dos animais a um EA também tem sido utilizada para aumentar o comportamento exploratório29. No ensaio em campo aberto, os resultados do presente trabalho indicaram um aumento da atividade locomotora nos animais que recebem o protocolo EA e AF, mesmo após as injeções salinas. O estudo30 mostrou um aumento da atividade locomotora em animais expostos a um EA imediatamente após o nascimento. Os autores argumentam que este aumento da mobilidade se deve a um aumento da motivação e a um melhor processamento da informação espacial ambos resultantes da ativação de receptores dopaminérgicos, e à semelhança dos resultados do presente estudo, a exposição a um ambiente enriquecido foi eficaz no aumento da mobilidade. É de salientar que este estudo com exposição durante quatro semanas, foi realizado em ratos com dois meses de idade e que o estudo30 foi realizado imediatamente após o nascimento.
O EA pode atuar no funcionamento dos neurotransmissores intimamente relacionados com as variáveis investigadas neste estudo. Salienta-se que o enriquecimento ambiental pode aumentar a expressão dos receptores serotoninérgicos. O estudo31 mostrou níveis aumentados de serotonina no hipocampo e no córtex frontal, em animais submetidos ao EA. A atividade serotoninérgica foi também aumentada no hipocampo associada positivamente à AF natação e negativamente à imobilidade31. Isto sugere um possível efeito analgésico promovido pela combinação terapêutica do EA e da AF realizada neste estudo.
A transmissão glutamatérgica é fundamental para o desenvolvimento do modelo de dor animal reproduzido no estudo32. Assim, é pertinente discutir a influência da EA no sistema glutamatérgico. Alguns autores apontaram um aumento da atividade dos receptores de glutamato (NMDA e AMPA) no hipocampo de animais submetidos ao EA33. No entanto, não foi encontrado qualquer estudo sobre modelo animal de dor que abordasse o possível efeito do EA no sistema glutamatérgico, especialmente na medula ventromedial rostral. O aumento da atividade glutamatérgica sugere o aumento da capacidade cognitiva e da memória33, fatores que também podem atuar na prevenção da FM. Assim, a prevenção da hiperalgesia no presente estudo seria finalmente explicada, em parte, por alterações do sistema glutamatérgico, relacionadas com o aumento da atividade/distração cognitiva.
No que diz respeito ao sistema opioide, os possíveis efeitos do enriquecimento ambiental não são totalmente compreendidos. Contudo, o estudo34 mostrou uma sensibilidade acrescida ao receptor mu opioide e nenhum efeito nos receptores kappa em animais expostos a um ambiente enriquecido. Outros estudos mostram que o ambiente enriquecido aumenta a ação antinociceptiva dos opioides. Estas alterações na sensibilidade opioide podem ser mediadas por alterações nos receptores de um opioides. Assim, especula-se que o efeito analgésico observado no presente trabalho pode também ser explicado por uma ativação do sistema opioide, conforme demonstrado no estudo17 por meio de um exercício aeróbico de baixa intensidade aplicado ao mesmo modelo de dor muscular crônica difusa.
As condições de enriquecimento neste estudo foram utilizadas isoladamente ou em combinação com a AF voluntária. Assim, é possível especular a possibilidade de um efeito sinergético antinociceptivo entre a atividade física e o enriquecimento ambiental para a prevenção da hiperalgesia mecânica e térmica, uma vez que apenas a combinação simultânea entre as duas intervenções pode evitar a diminuição do limiar mecânico e térmico 24 horas após a injeção de soro fisiológico ácido.
A AF, conceito que se estende a variados tipos de exercícios físicos, é um instrumento terapêutico habitualmente utilizado no tratamento da FM13. No entanto, a atividade física voluntária por si só não apresentou qualquer efeito profilático analgésico no presente estudo. É de salientar que ainda não existe normalização sobre o tipo de exercício recomendado para a FM e que a associação com outras intervenções terapêuticas como EA, pode ser uma abordagem eficaz no tratamento da FM, uma vez que se trata de uma doença cuja fisiopatologia é complexa e afeta mais do que um órgão/sistema7.
No mesmo modelo experimental de dores musculares generalizadas, estudos publicados anteriormente mostraram a inversão da hiperalgesia mecânica com exercícios aeróbicos de baixa intensidade. No estudo17, foi aplicado um exercício de treino em passadeira a uma velocidade lenta 3m/min, durante 5 minutos. No estudo35, o treino foi realizado em passadeira a velocidades alternadas 13,14,15 e 16m/min e a duração de treino crescente 30, 40 e 45 minutos. No presente estudo, a indução de atividade física voluntária por si só não foi suficiente para inverter a hiperalgesia mecânica e térmica, embora não tenha sido um exercício de treino sistemático como nos estudos17,35.
O EA tem sido associado ao tratamento de doenças relacionadas com o aumento da atividade nociceptiva periférica e central. Estudos mostram que o enriquecimento ambiental pode tratar disfunções sensoriais e reduzir a hipersensibilidade16,18. Mas é necessária uma investigação mais ampla sobre os mecanismos de modulação nociceptiva do EA associado à AF, com o objetivo de descrever e correlacionar os possíveis efeitos antinociceptivos nas vias de modulação da dor, a idade na qual os animais deveriam ser expostos ao EA e à AF, bem como o tempo de exposição.
Embora a etiologia da FM seja desconhecida, há fatores associados ao aparecimento da doença, considerados como fatores de risco para a FM, como eventos traumáticos, perturbações do estresse, infecções virais, predisposição genética, obesidade e diminuição da aptidão física36. Assim, dentre os fatores citados, os benefícios funcionais como a redução do estresse e o aumento da aptidão física podem ser alcançados por meio do enriquecimento ambiental e de uma atividade física regular. Assim, os benefícios e efeitos funcionais demonstrados no presente estudo podem estar associados a uma redução da predisposição para a FM e, consequentemente, à prevenção do desenvolvimento de dores musculares crônicas difusas, influenciando não só a função nociceptiva, mas também contribuindo para a otimização do controle motor e para o aumento da ambulação.
O EA associado à AF voluntária mostrou um potencial efeito profilático na nocicepção, controle motor e ambulação num modelo animal de dor muscular crônica generalizada.