versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.36 no.3 São Paulo jul./set. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140040
A hipertensão arterial sistêmica é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial e, por muitas vezes, associada à presença de alterações metabólicas e hormonais. Também relaciona-se frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos), com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais.1
A resistência à insulina é uma condição, genética ou adquirida, na qual concentrações fisiológicas de insulina provocam uma resposta subnormal na captação de glicose pelas células, especialmente nas musculares, hepáticas e gordurosas. Em consequência da menor captação de glicose, torna-se necessária maior produção de insulina pelo pâncreas para a manutenção dos níveis glicêmicos normais, aumentando-se, desta forma, os níveis circulantes de insulina, portanto, a situação de resistência à insulina se acompanha de hiperinsulinemia. Mais ainda, nesta situação não se observam alterações nas demais funções da insulina.2 A resistência à insulina e hiperinsulinemia têm sido atribuídas como elementos comuns entre patologias como hipertensão arterial, obesidade e doenças coronarianas.3,4
Os mecanismos fisiopatogênicos propostos para explicar como a hiperinsulinemia e a resistência à insulina podem levar ao desenvolvimento de níveis tensionais elevados são o aumento da reabsorção de sódio pelo rim,3 o aumento da atividade simpática,3 o aumento do crescimento celular5 e a interferência no transporte iônico celular, acarretando aumento nas concentrações intracelulares de sódio e cálcio, desta maneira aumentando a excitabilidade celular.5
A terapêutica não farmacológica da hipertensão arterial inclui diversas medidas higiênico-dietéticas que podem diminuir os níveis tensionais, entre elas, a diminuição da ingesta de sódio, aumento da ingesta de potássio e magnésio, diminuição do peso corporal, prática de atividades físicas aeróbicas e diminuição dos níveis de estresse.6
Estudos mostram que a prática regular de atividade física aeróbica é capaz de reduzir os níveis pressóricos de indivíduos hipertensos, sendo um importante item da terapia da hipertensão arterial. Uma relação inversa entre a prática de exercício físico e a prevalência da hipertensão arterial tem sido extensivamente demonstrada na literatura.7
Também existem evidências que o íon potássio possa ter um papel atenuante na hipertensão arterial, na resistência à insulina e em suas comorbidades.8 O aumento da ingesta de potássio tem se associado à diminuição da mortalidade por acidente vascular cerebral e por doenças cardíacas.9 Existem evidências na literatura de que a suplementação de potássio aumenta a ligação da insulina e seu receptor e diminui a resistência à insulina na obesidade humana e experimental, podendo, desta maneira, também promover diminuição dos níveis da pressão arterial.10
Apesar de evidências na literatura que o exercício físico e a dieta rica em potássio possam ser utilizados como intervenções não farmacológica da hipertensão arterial, não existem estudos que associem estes dois parâmetros. Desta forma, este estudo visa avaliar o efeito do exercício físico aeróbico, da sobrecarga de potássio e da associação de ambos sobre a pressão arterial, a excreção urinária de albumina e morfologia glomerular de ratos espontaneamente hipertensos.
Foram utilizados ratos da cepa espontaneamente hipertensos (SHR, Spontaneously Hypertensive rat), machos, com 3 meses de vida e pressões arteriais de cauda maiores que 170 mmHg, fornecidos pelo Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais (CEDEME) da Universidade Federal de São Paulo. Os animais foram mantidos em condições ideais de biotério na Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo. O protocolo deste estudo foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (protocolo número 0355/12).
Foram constituídos 4 grupos experimentais que foram acompanhados por 16 semanas:
Grupo Controle (SHR, n = 10), que permaneceu sedentário e recebeu ração Nuvilab® durante todo o período do estudo;
Grupo Exercício (SHR + EXE, n = 10). Após as medidas basais, iniciou um protocolo de exercício (vide abaixo) e permaneceu recebendo dieta padrão;
Grupo Potássio (SHR + K, n = 10). Após as medidas basais, passou a receber suplementação de potássio na dieta equivalente ao triplo do contido na dieta padrão (vide abaixo) e permaneceu sedentário durante todo o estudo;
Grupo SHR + Exercício + Potássio (SHR + EXE + K, n = 10). Foi incluído no protocolo de exercício e teve substituído a ração padrão por dieta rica em potássio.
O tempo de acompanhamento dos animais foi de 16 semanas.
A suplementação de potássio foi feita utilizando-se como base a informação fornecida pela Nuvilab Nutrientes que a ração contém 1,1 g de potássio por kg de rato. A ração foi moída e acrescentada cloreto de potássio (Synth, Diadema-SP) de modo a alcançar 3,3 g/kg de potássio por quilograma de ração. A ração suplementada em potássio foi umedecida, novos pellets foram formados e endurecidos em estufa a 80 ºC. Esta ração foi oferecida aos animais.
As sessões de exercício físico foram realizadas 5 dias por semana, chegando até 60 minutos por sessão, durante um período de 16 semanas. Os animais foram treinados em uma esteira ergométrica elétrica sem inclinação (Collumbus Instruments, Treadmill Simplex II), em baias individuais, com as seguintes dimensões: 0,45 m de altura, 0,70 m de largura, e 1,35 m de comprimento, divididos em 4 baias de 0,14 cm. O treinamento físico foi iniciado com uma velocidade de 0,3 km/h na primeira sessão, aumentando progressivamente conforme a evolução dos animais, até atingir velocidade final de 1,1 km/h. Esta intensidade de exercício escolhida corresponde a 70% a 80% do VO2 max. e coincide com o limiar anaeróbio, conforme o protocolo MFEL (máxima fase estável de lactato).11
Todos os animais tiveram duas vezes por semana, mensuradas a pressão arterial de cauda, por método oscilométrico, e o peso corporal. Os valores médios das duas medidas semanais de pressão arterial de cauda e do peso corporal foram utilizados como representativos daquela semana.
No período basal, na 8ª e na 16ª semana de acompanhamento os animais foram colocados em gaiolas metabólicas (Nalgene, Rochester, NY) para coleta de urina de 24 horas. Após a medida do volume urinário, foi realizada a determinação de albuminúria de 24 horas, pela técnica de imunodifusão radial.
Após o término do período de tratamento/acompanhamento, todos os animais foram submetidos ao teste de tolerância à glicose oral (TTGO). Vinte e quatro horas antes, os animais foram anestesiados com cetamina (100 mg/kg) e xilasina (10 mg/kg) por via intraperitoneal e posicionados em decúbito dorsal. Por meio de incisão oblíqua na região inguinal, um cateter de polietileno do tipo PE-10 (Intramedic, Clay Adams, New Jersey, Estados Unidos) foi implantado na artéria femoral. Este cateter estava conectado a um cateter PE50 (CPL, São Paulo, Brasil) de 20 cm de comprimento. Esses cateteres eram previamente preenchidos com solução salina heparinizada (10 U/ml). O mesmo cateter PE50 foi passado, com a ajuda de um trocáter, por via subcutânea pelo dorso do animal até a região cervical posterior, onde foi exteriorizado e fixado. Terminado o efeito da anestesia, os animais eram colocados em gaiolas individuais e iniciava-se o jejum para sólidos de 12 horas antes do TTGO.
O primeiro passo do TTGO consistiu na coleta de sangue para determinação da glicemia e insulinemia de jejum. Por meio do cateter arterial, coletou-se 1 gota de sangue para determinação da glicemia e 1 ml de sangue total em tubo Eppendorf para determinação da insulinemia. Depois de realizada a coleta basal, os animais receberam, por gavagem, 1,7 g/kg de glicose anidra diluída em água destilada. Novas coletas de sangue foram realizadas 15, 30, 60, 90 e 120 minutos após administração de glicose.
A glicemia foi determinada utilizando-se um glicosímetro (Optium - Abbott MediSense) e tiras reagentes apropriadas (Optium Point-of-Care - Abbott MediSense). Para a determinação da insulinemia, o volume de sangue coletado nos tubos Eppendorfs foi centrifugado (Eppendorf Centrifuge 5403) à velocidade de 10.000 rpm por 10 minutos a 4 ºC. O plasma foi separado, colocado em novos tubos Eppendorfs e armazenado à temperatura de -70 ºC em freezer (Revco Scientific Inc., Asheville, NC, Estados Unidos). O método empregado foi o de radioimunoensaio, utilizando-se o kit de reagentes Coat-A-Count.
Por fim, os valores de glicemia e insulinemia obtidos no TTGO permitiram o cálculo das áreas sob as curvas de glicose e insulina (ASCG e ASCI) pela regra trapezoidal e, com estes dois dados, foi feito o cálculo do índice de sensibilidade à insulina (ISI).
Terminado o teste, os animais foram sacrificados por excesso de anestésico para retirada e pesagem da gordura periepidídimo, como representativa da gordura visceral. Determinou-se a gordura epididimal relativa expressa por 100 g de peso corporal.
O rim esquerdo também foi retirado e fixado em solução de Bouin e depois permaneceu fixado em álcool para posterior determinação do índice de esclerose glomerular.
O índice de esclerose glomerular foi realizado após a coloração por hematoxilina-eosina. Um patologista, que desconhecia o grupo de animais, atribuiu graus de lesão glomerular segundo o Quadro 1 abaixo:
Quadro 1 Classificação das lesões glomerulares utilizadas para classificação no índice de esclerose glomerular12
Grau 0: Vasos sem alteração ou com redução mínima de seus calibres. Membranas elásticas interna e externa bem definidas, evidenciando relação entre a luz e a parede do vaso superior a 1,5:1,0. Neste grau, não se visualiza elementos celulares entre o endotélio e a membrana elástica interna. |
Grau I: Espessamento hialino da parede vascular em graus variáveis, com manutenção da relação luz/parede 1,5:1,0. Aumento discreto do número de fibras elásticas na parede do vaso e hipertrofia vascular da túnica média. |
Grau II: Redução da luz vascular com redução da relação luz/parede entre 1,5:1,0 e 1,2:1,0. Parede arterial mostrando grande aumento do número de fibras elásticas, inclusive com espessamento, e por vezes, duplicação da membrana elástica interna. Em alguns casos, tumefação das células endoteliais e presença de gotículas de gordura na camada muscular (degeneração gordurosa). |
Grau III: Espessamento concêntrico da parede (aspecto de "casca de cebola"), espessamento mucinoso ou fibroso produzindo acentuada redução do calibre vascular (relação luz/parede ≤ 1,0). Oclusão vascular com ou sem fibrose intramural. Presença de necrose fibrinoide. |
Para a análise dos resultados, foram utilizados testes paramétricos e testes não paramétricos, levando-se em consideração a natureza das variáveis estudadas e a variabilidade das medidas obtidas. Foram aplicados os seguintes testes: a) análise de variância de medidas repetidas (paramétricas): para comparar as variações temporais da pressão arterial de cauda e do peso corporal. Quando observadas diferenças estatisticamente significativas, foi realizado o teste de comparações múltiplas de Bonferroni; b) análise de variância entre os diferentes grupos (paramétrica): para comparar os valores relativos do peso da gordura epididimal. Quando observadas diferenças estatisticamente significativas, foi realizado o teste de comparações múltiplas de Bonferroni; c) análise de variância por postos de Kruskal-Wallis (ANOVA on Ranks - medidas não paramétricas): foi utilizada para comparar os valores do TTGO, ou seja, as áreas sob as curvas de glicose e insulina, a albuminúria, do índice de sensibilidade à insulina e do índice de esclerose glomerular. Quando existiam diferenças significativas entre os valores comparados, era aplicado o teste de comparações múltiplas de Dunn. Em todos os testes fixou-se o nível de significância em 5% (p < 0,05) para rejeição da hipótese de nulidade.
Os resultados estão mostrados na forma de média aritmética e a dispersão na forma de erro padrão da média.
Nossos resultados mostraram que nem o peso corporal, nem a pressão arterial de cauda se alteram nas 16 semanas de estudo (Tabela 1).
Tabela 1 Média ± erro padrão da média do peso corporal inicial e final (em gramas), pressão arterial de cauda inicial e final (em milímetros de mercúrio), áreas sob as curvas de glicose (em miligramas por decilitro) e insulina (em miliunidades/decilitro) e do índice de sensibilidade à insulina (mg-1 mU-1 mL-1) dos grupos SHR, SHR + EXE , SHR + K e SHR + EXE + K
SHR | SHR + Exe | SHR + K | SHR + Exe + K | |
---|---|---|---|---|
Peso corporal inicial | 283,4 ± 5,08 | 298,8 ± 6,56 | 280,2 ± 4,31 | 304,4 ± 7,57 |
Peso corporal final | 354,0 ± 11,15 | 371,7 ± 6,34 | 337,0 ± 5,25 | 352,4 ± 9,20 |
Pressão Arterial de Cauda inicial | 194,9 ± 2,10 | 193,5 ± 1,13 | 197,1 ± 1,16 | 194,8 ± 1,03 |
Pressão Arterial de Cauda final | 196,9 ± 2,47 | 198,7 ± 0,33 | 198,4 ± 0,37 | 196,4 ± 1,34 |
Áreas sob as curvas de glicose | 252,5 ± 10,2 | 144,1 ± 8,3* | 156,2 ± 4,1* | 165,1 ± 7,3* |
Áreas sob as curvas de insulina | 25,80 ± 2,48 | 16,87 ± 1,65* | 20,08 ± 2,97* | 24,52 ± 1,56 |
Índice de sensibilidade à insulina | 1,79 ± 0,20 | 4,43 ± 0,30* | 4,89 ± 1,59* | 2,72 ± 0,18 |
*p < 0,05 vs. SHR.
As glicemias de jejum de todos os grupos experimentais foram semelhantes entre si (p = 0,08), porém, após a administração da sobrecarga de glicose verificou-se que os animais dos grupos SHR + Exe, SHR + K e SHR + Exe + K apresentaram valores significativamente menores de glicemias quando comparados ao grupo SHR em todos os momentos do TTGO. As menores glicemias dos SHR + Exe, SHR + K e SHR + Exe + K refletiram em valores significantemente menores das áreas sob as curvas à glicose destes grupos.
As insulinemias de jejum também tiveram valores semelhantes entre os grupos (p = 0,32). Após a administração de glicose, verificaram-se menores insulinemias nos grupos SHR + Exe e SHR + K. Desta forma, somente estes dois grupos apresentaram menores áreas sob as curvas de insulina.
O cálculo do índice de sensibilidade à insulina mostrou que os grupos SHR + Exe e SHR + K apresentaram menor índice de sensibilidade à insulina em relação aos animais SHR. Embora os animais do grupo SHR + Exe + K apresentassem uma diminuição no índice de sensibilidade à insulina, não se encontrou significância estatística para este parâmetro (Tabela 1 e Figura 1).
As albuminúrias no período basal foram semelhantes. Na 8ª semana de estudo, os animais do grupo SHR + Exe já apresentavam albuminúrias significativamente menores em relação ao grupo SHR. Na 16ª semana, os grupos SHR + Exe e SHR + K apresentavam valores da excreção urinária de albumina significativamente menores em relação ao grupo SHR. Os animais do grupo SHR + Exe + K também apresentaram valores significativamente menores de albuminúria, porém não atingiram significância estatística.
A análise do índice de esclerose glomerular pelo patologista indicou que em todos os grupos tratados com exercício, dieta rica em potássio e sua associação houve melhora da morfologia glomerular (Figura 2 A-B).
Este trabalho teve como objetivo principal avaliar o metabolismo glicídico de ratos espontaneamente hipertensos que foram tratados com medidas não farmacológicas para a hipertensão arterial: suplementação de potássio, exercício físico aeróbico e sua associação. Apesar de que nenhuma das três estratégias utilizadas tivesse sido capaz de produzir diminuição da pressão arterial de cauda dos animais, observou-se que as três manobras foram capazes de determinar diminuição da intolerância à glicose. Entretanto, somente o grupo que foi submetido à dieta rica em potássio e o que realizou exercício físico isoladamente se verificou diminuição do índice de sensibilidade à insulina. Verificou-se, também, diminuição significante da excreção urinária de albumina na última semana de estudo nestes grupos (SHR + K e SHR + EXE) e este achado pode estar relacionado ao menor índice de esclerose glomerular verificado em todos os animais tratados. Em todos os animais tratados, houve redução do conteúdo de gordura visceral.
Existem vários fatores associados à diminuição da pressão arterial pelo treinamento físico como a diminuição do tônus vasomotor simpático, diminuição da resistência à insulina, diminuição do volume plasmático e do débito cardíaco,2 diminuição da reatividade vascular, redução da resistência periférica, diminuição da atividade do sistema renina angiotensina aldosterona e do estresse oxidativo, bem como um incremento de substâncias vasodilatadoras ao nível endotelial.13
Nossos dados divergem da literatura no que tange à redução da pressão arterial em nossos animais. Autores como Amaral & Michelini13 afirmam que animais SHR machos quando submetidos a exercício físico por 3 meses, mesmo que em baixa intensidade, causam redução de 8%-10% na pressão arterial de ratos SHR machos. Estudos recentes também demonstram que existe redução na pressão arterial em ratos SHR quando treinados em esteira rolante.14 Alguns estudos, porém, não identificam redução da pressão arterial em animais SHR treinados, principalmente em animais que iniciam, como neste estudo, seu treinamento no período onde a hipertensão arterial já está estabelecida ou naqueles animais submetidos a períodos maiores de treinamento.12
Estudo proposto por Véras-Silva et al.15 demonstrou que 18 semanas de exercício físico de alta intensidade em esteira não foram suficientes para diminuir as pressões sistólica, diastólica, média e os batimentos cardíacos de ratos SHR. Porém, apesar dos animais SHR treinados não apresentarem diminuição da pressão arterial de cauda, tiveram reduções importantes em parâmetros cardiovasculares, que evidenciam o benefício do exercício nestes animais. O exercício físico determina melhora na ação insulínica, especialmente no músculo esquelético,16 por meio de aumento de expressão e translocação de transportadores de glicose GLUT4 para a membrana plasmática. A melhora da sensibilidade à insulina nos ratos SHR + Exercício também pode ser atribuída ao menor tônus simpático induzido pelo exercício físico. Já está estabelecido na literatura que o treinamento físico reduz de maneira importante o tônus adrenérgico.17
Em estudo experimental, a suplementação de potássio determinou melhora na injúria endotelial, redução do espessamento da parede arterial, diminuição da aderência de macrófagos à parede vascular e redução da mortalidade de animais espontaneamente hipertensos do tipo stroke phrone (SHR-SP).18 Em estudos clínicos, vê-se que existe uma correlação inversa entre a ingesta de potássio e a prevalência de hipertensão arterial e doença cardiovascular.19
Neste estudo, a administração de sobrecarga de potássio não alterou a pressão arterial dos animais. Este dado vai de encontro a estudos deste laboratório20 e de outros pesquisadores.21 Possivelmente, a não redução da pressão arterial possa ser atribuída à sensibilidade do método de aferição da pressão arterial de cauda. Alguns estudos experimentais, semelhantes a este, que utilizaram tanto exercício físico, quanto dieta rica em KCl, não encontraram alteração da pressão arterial de cauda.22 Em estudos clínicos, nem sempre se detecta também reduções pronunciadas da pressão arterial. O estudo clínico de Cohn et al.,23 que avaliou a relação entre o consumo desse mineral com a pressão sanguínea em idosos, constatou a associação de que, para cada 1 g/dia de potássio acima do preconizado, tem-se a diminuição de 0,9 mmHg da pressão artéria sistólica e 0,8 mmHg da pressão arterial diastólica.
A melhora do metabolismo glicídico nos ratos que receberam dieta rica em potássio (grupo SHR + K) foi um achado significante deste estudo.
Em estudo anterior do nosso laboratório foi observado que a sobrecarga de potássio promoveu redução significativa da pressão arterial e melhora do metabolismo glicídico de hipertensos20 e ratos com obesidade induzida pela monoglumato de sódio (MSG).24 Estes resultados foram confirmados por Neves et al.,25 que mostraram que a inibição de canais KddV, por 4-aminopiridina, KATP, por gliblenclamida e de KCa++, por tetrametilamônio, determina resistência a insulina. Neste mesmo trabalho, quando se ministrou ativadores dos canais de potássio, como o nicorandil, pinacidil e cromacalina, verificou-se aumento do consumo de glicose durante o clampe euglicêmico hiperinsulinêmico.
Os mecanismos fisiopatológicos propostos para a diminuição dos níveis tensionais em animais e pacientes que receberam uma dieta rica em potássio são que a dieta rica em potássio determina vasodilatação endotélio dependente pela hiperpolarização da célula endotelial, o que determina diminuição do influxo de cálcio,26 aumento da natriurese, alteração do conteúdo intracelular de sódio, modulação dos barorreceptores, reduz sensibilidade à angiotensina e norepinefrina, aumenta as calicreínas séricas e urinárias, altera o balanço da bomba Sódio-Potássio-ATPase, reduz o TGF-α e altera a síntese de DNA e proliferação de células musculares lisas.27
Também se verificou diminuição da microalbuminúria em nossos animais exercitados, reforçado pelo menor grau de lesão glomerular dos animais. O treinamento físico tem sido reconhecido como uma forma de aumentar as defesas antioxidantes e reduzir o estresse oxidativo,16 bem como de melhorar o perfil lipídico28 e os níveis de pressão arterial,29 sugerindo mecanismos benéficos que poderiam atuar na redução das lesões renais.
A maior vasodilatação obtida nos animais que receberam potássio pode ser a causa da diminuição da microalbuminúria e melhora da morfologia glomerular.30 Na etiologia da melhora da função glomerular mediada pelo potássio neste estudo, pôde-se hipnotizar um aumento da capacidade vasodilatadora (por óxido nítrico ou bradicinina, etc.),31 diminuição da síntese de substâncias vasocontritoras (angiotensina II e Norepinefrina)32 e diminuição da síntese de citocinas.33 Cabe ressaltar, que em alguns estudos, utilizando-se ratos SHR-Stroke-Prone, não se verificou diminuição da microalbuminúria quando estes animais são tratados com dieta rica em potássio.34
Atualmente, a redução da gordura visceral que aconteceu em todos os nossos grupos experimentais é importante não só pelo melhor perfil glicêmico, mas por diminuição da produção de ácidos graxos não esterificados que per se potencializam o estado de resistência à insulina35 e pela melhora no estado das adipocinas. Além de induzir aumento nas concentrações de adiponectina,36 ocorre alteração da atividade de que pelo menos duas citocinas que estão envolvidas na fisiopatologia da síndrome metabólica: TNF-α (Fator de Necrose Tumoral) e IL-6 (interleucina 6). Tanto a expressão quanto os níveis plasmáticos de IL-6 aumentam com o exercício físico.37 Esta citocina, quando produzida pelas células musculares, diferentemente de quando produzida por macrófagos, age como a antiinflamatória por inibir a ação de citocinas inflamatórias como TNF-α, IL-1β, e IL-10.38 O exercício isoladamente também reduz a produção de TNF-α.39 O menor efeito deletério das citocinas diminui o estado inflamatório que leva a resistência à insulina.40
O fato de não termos observado somatória no efeito da dieta rica em potássio e do exercício físico aeróbico apesar de cada uma elas ter produzido impactos semelhante sobre os parâmetros avaliados pode ser sugestivo de que mecanismos comuns medeiam o efeito destas duas estratégias terapêuticas nos parâmetros metabólicos. Esta possibilidade nos parece plausível, pois em diversas situações observa-se que a melhor adição de efeitos na mesma direção sobre um determinado parâmetro ocorre quando os mecanismos que determinam estes efeitos são diferentes. Um exemplo clássico desta premissa encontra-se na combinação de fármacos anti-hipertensivos quando a máxima somatória de efeitos (adição plena) ocorre nas combinações de anti-hipertensivos com mecanismo de ação diferente.
Em conclusão, o treinamento físico e a dieta rica em potássio, isoladamente, melhoraram a sensibilidade à insulina, retardaram as lesões glomerulares e reduziram a gordura visceral de ratos SHR. Estes achados ocorreram sem que houvesse redução do peso corporal e da pressão arterial de cauda, evidenciando que são potenciais terapêuticas não farmacológicas que podem agir sinergicamente com o tratamento farmacológico da hipertensão arterial.