versão impressa ISSN 1809-2950
Fisioter. Pesqui. vol.21 no.2 São Paulo abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/50421022014
A doença de Parkinson (DP) é caracterizada pelo desequilíbrio nos circuitos responsáveis pelo controle dos movimentos, devido à perda progressiva dos neurônios dopaminérgicos1. Atualmente, é considerada a segunda doença neurodegenerativa mais comum no mundo, afetando aproximadamente 1% da população mundial acima de 65 de idade2. O impacto socioeconômico da DP nos serviços de saúde é alto3, sendo necessárias intervenções que auxiliem no tratamento da DP. A intervenção medicamentosa ainda é a principal forma de tratamento da DP4. Contudo, pesquisas recentes indicam a efetividade do exercício físico no controle dos comprometimentos e progressão da DP5 - 8. Entretanto, há dificuldade em estabelecer os componentes que devem integrar um programa de exercício para esta população7 , 8. Além disso, aspectos como gênero e severidade da DP podem ser importantes para a prescrição das atividades físicas.
Estudos de curta e longa duração têm mostrado benefícios do exercício na DP para a capacidade funcional8 - 11, a locomoção5 , 6, o controle postural12 , 13 e as funções cognitivas14 , 15. Entretanto, há pouco conhecimento sobre os efeitos do exercício físico na amplitude de movimento articular de pacientes com DP. A literatura tem mostrado alterações na amplitude de movimento das articulações de quadril e joelho, em função do processo de envelhecimento16. Para a DP, a amplitude de movimento articular está diretamente relacionada aos sintomas motores característicos da doença, principalmente a rigidez muscular e a bradicinesia17. Schenkman e colaboradores18 observaram alterações negativas na amplitude de movimento articular da coluna vertebral e dos ombros em pacientes com DP. Até o momento, não foram encontrados na literatura estudos que analisaram o efeito do exercício físico na amplitude de movimento articular de pacientes com DP, especialmente considerando gênero e estágio da doença.
Assim, o objetivo deste estudo foi verificar o efeito de oito meses de um programa multimodal de exercício físico na amplitude de movimento articular do membro inferior de pacientes com DP, considerando gênero e estágio da doença. A hipótese do estudo é que após oito meses de exercício ocorra melhora na amplitude de movimento articular dos membros inferiores. Especificamente para gênero, espera-se que os benefícios sejam similares para homens e mulheres, devido aos maiores benefícios que os homens apresentaram para a capacidade funcional11 e à maior biodisponibilidade de levodopa apresentada pelas mulheres19. Já para severidade da DP, espera-se que os pacientes em estágios mais avançados tenham mais benefícios do exercício físico, devido aos maiores sintomas de rigidez apresentados por este grupo20.
Dezessete indivíduos (idade: 69,94±7,39 anos, estatura: 1,61±0,09 m, massa corporal: 65,41±9,96 kg) com DP idiopática participaram deste estudo. Os pacientes foram selecionados do Programa de Atividade Física para Pacientes com Doença de Parkinson (PROPARKI-UNESP, Rio Claro). O critério de inclusão para seleção da amostra foi:
apresentar diagnóstico clínico para DP idiopática;
fazer uso regular de medicamentos para controle da DP;
estar entre os estágios 1 e 3 na escala de Hoehn e Yahr (HY)21;
não participar de nenhum outro programa de exercício;
não apresentar outras doenças neurológicas associadas à DP.
Os pacientes foram avaliados clinicamente pelo neuropsiquiatra após concordarem em participar do estudo e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética local (nº 4960/2006). Os participantes foram avaliados clinicamente pelo neuropsiquiatra do PROPARKI. Os testes utilizados para essas avaliações foram: o Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS)22, que avalia o comprometimento da doença, sendo dividida em três subescalas: psíquica, funcional e motora; o HY, que estabelece o estágio de evolução da doença; e o Miniexame do Estado Mental (MEEM)23, que estabelece o comprometimento cognitivo dos pacientes.
A amplitude de movimento articular foi avaliada por meio da goniometria (goniômetro universal marca Carci(r)) nas seguintes articulações do membro inferior direito: quadril (rotação interna e externa, adução e abdução), joelho (flexão e extensão) e tornozelo (flexão plantar e dorsiflexão). Os procedimentos para o registro da amplitude de movimento articular seguiram as indicações de Palmer e Epler24. Todas as avaliações foram realizadas uma hora após a ingestão do medicamento (estado "ON" da medicação).
As avaliações clínicas e da amplitude de movimento das articulações do membro inferior foram realizadas (Figura 1): antes do período da execução do programa multimodal de exercício físico (pré-teste); após quatro meses de exercício físico (pós-teste I); e após oito meses de exercício físico (pós-teste II). O programa multimodal de exercício físico foi caracterizado por atividade física generalizada com o objetivo de treinar os componentes da capacidade funcional (resistência aeróbia, flexibilidade, força, coordenação motora e equilíbrio). De forma geral, as atividades foram classificadas em: rítmicas, ginástica localizada, atividades lúdicas, alongamento, atividades para os componentes da capacidade física e atividades para funções cognitivas. O programa de exercício físico foi dividido em 2 períodos de 4 meses (totalizando 8 meses), com interrupção de 15 dias entre os períodos para a avaliação. Cada período apresentou 3 fases com 4 ciclos de 16 sessões, totalizando 48 sessões em cada período (96 sessões no total). A frequência de exercício físico foi de 3 vezes por semana, tendo cada sessão duração de 60 minutos.
As sessões de exercício físico foram organizadas em quatro partes: aquecimento e alongamento, parte principal (em que um dos componentes da capacidade funcional era enfatizado), parte secundária (na qual eram trabalhados dois dos componentes da capacidade funcional associados) e volta à calma e alongamento final. A progressão do exercício físico ocorreu em intensidade e complexidade das atividades, de acordo com cada componente da capacidade funcional:
Resistência aeróbia: as atividades específicas para este componente mantiveram a frequência cardíaca do paciente entre 60 e 75% da frequência cardíaca máxima, valores controlados por meio de frequencímetro (Polar FC RS 200SD(r) - Kemple, Finland). A progressão ocorreu a cada dois ciclos, com aumento no número de séries e diminuição do tempo de recuperação, e a cada fase, com aumento da intensidade e da complexidade do ambiente;
Flexibilidade: a articulação trabalhada variou a cada ciclo. Durante as atividades foram utilizados alongamentos passivos e ativos. A progressão do exercício ocorreu a cada fase, com aumento no número/tempo de atividade e séries e com utilização de materiais complementares, como cordas e faixas elásticas com diferentes densidades e resistências;
Força muscular: os exercícios treinaram os membros superiores, inferiores e o tronco. Foram utilizados exercícios resistidos com utilização de materiais livres e em máquinas específicas para o treinamento resistido, principalmente para os grandes grupos musculares de cada região do corpo. A progressão ocorreu a cada dois ciclos, com aumento no número de séries e/ou repetições, e a cada fase, com aumento da sobrecarga;
Coordenação motora: os exercícios envolveram as habilidades visuomotoras e atividades coordenativas para membros inferiores e superiores. A progressão ocorreu a cada ciclo, com a mudança do material utilizado, e a cada fase, com aumento da complexidade da tarefa;
Equilíbrio: os exercícios envolveram equilíbrio estático e dinâmico. A progressão ocorreu a cada dois ciclos, com aumento da complexidade, e a cada fase, com perturbação do sistema somatossensorial, vestibular e visual.
Para responder aos questionamentos do estudo, os pacientes foram agrupados de acordo com gênero (mulheres, n=7, e homens, n=10) e estágio da doença (estágio inicial - HY entre 1 e 1,5 - n=9 e estágio moderado - HY acima de 2 - n=8). O efeito do exercício físico na amplitude de movimento articular de forma geral e de acordo com gênero e estágio da doença foi verificado por meio de uma MANOVA (p=0,05) com fator para exercício físico (pré-teste, pós-teste I, pós-teste II), gênero (mulheres e homens) e estágio da doença (inicial e moderado), com medidas repetidas para o primeiro fator. Quando a MANOVA apresentou efeito, foi utilizado o teste post hoc de Bonferroni, para indicar as diferenças. O efeito do exercício físico nas variáveis clínicas (UPDRS e MEEM) foi analisado da mesma maneira. É importante indicar que todos os pacientes incluídos na análise tiveram participação em mais de 70% das sessões.
Para as variáveis clínicas (Tabela 1), a MANOVA indicou interação entre exercício físico e gênero (Wilks' λ=0,45, F2,12=1,71, p<0,05), sem indicar efeito do exercício físico (Wilks' λ=0,11, F2,12=1,25, p=0,52) e interação entre exercício físico e estágio da doença (Wilks' λ=0,16, F2,12=0,85, p=0,65). Para a interação entre exercício físico e gênero, o teste post hoc indicou que as mulheres apresentaram piora após quatro meses de exercício físico no MEEM e manutenção do desempenho cognitivo após oito meses de exercício físico (p<0,02).
Tabela 1 Médias e desvios-padrão das variáveis clínicas Unified Parkinson's Disease Rating Scale e Miniexame do Estado Mental para cada avaliação
Pré-teste | Pós-teste I | Pós-teste II | Efeito exercício | |
---|---|---|---|---|
UPDRS-psíquica (pts) | ||||
Mulher | 3,00±1,73 | 3,14±1,57 | 2,85±1,77 | ns |
Homem | 3,30±1,89 | 2,60±2,06 | 2,90±2,23 | |
Estágio inicial | 2,88±1,96 | 2,66±1,80 | 2,33±2,12 | ns |
Estágio moderado | 3,5±1,60 | 3,00±2,00 | 3,50±1,77 | |
Total | 3,18±1,78 | 2,82±1,85 | 2,88±2,00 | ns |
UPDRS-funcional (pts) | ||||
Mulher | 8,86±4,02 | 8,57±4,27 | 9,28±4,64 | ns |
Homem | 14,90±5,20 | 14,10±7,76 | 14,00±7,27 | |
Estágio inicial | 9,77±5,21 | 8,44±4,53 | 8,88±4,72 | ns |
Estágio moderado | 15,37±4,47 | 15,62±7,52 | 15,62±6,82 | |
Total | 12,41±5,53 | 11,82±6,82 | 12,06±6,60 | ns |
UPDRS-motora (pts) | ||||
Mulher | 20,43±6,63 | 19,14±6,49 | 20,14±7,10 | ns |
Homem | 27,90±13,86 | 26,50±14,78 | 24,30±16,26 | |
Estágio inicial | 18,88±9,50 | 16,88±5,92 | 15,22±5,54 | ns |
Estágio moderado | 31,50±10,86 | 30,87±13,79 | 30,87±14,49 | |
Total | 24,82±11,79 | 23,47±12,35 | 22,59±13,12 | ns |
UPDRS-total (pts) | ||||
Mulher | 32,29±11,25 | 31,00±10,73 | 32,28±12,22 | ns |
Homem | 45,10±17,72 | 43,20±21,65 | 41,20±22,80 | |
Estágio inicial | 30,44±12,52 | 28,11±10,86 | 26,44±10,02 | ns |
Estágio moderado | 50,37±13,76 | 49,50±19,42 | 50,00±19,82 | |
Total | 39,82±16,32 | 38,18±18,58 | 37,53±19,21 | ns |
MEEM (pts) | ||||
Mulher | 27,14±2,41 | 24,85±3,93 | 25,00±3,74 | Mulher: pré-teste>pós-teste I e pós-teste II |
Homem | 26,85±3,00 | 27,60±2,22 | 27,40±2,71 | |
Estágio inicial | 28,11±0,60 | 27,55±2,55 | 27,33±2,69 | ns |
Estágio moderado | 25,68±3,55 | 25,25±3,65 | 25,33±3,77 | |
Total | 26,97±2,70 | 26,47±3,14 | 26,41±3,30 | ns |
UPDRS: Unified Parkinson's Disease Rating Scale
MEMM: Miniexame do Estado Mental
Para a amplitude de movimento articular (Figura 2), a MANOVA indicou efeito do exercício físico (Wilks' λ=0,19, F20,34=2,16, p<0,02), sem indicar interação entre exercício físico e gênero (Wilks' λ=0,47, F20,34=0,78, p=0,71) e entre exercício físico e estágio da doença (Wilks' λ=0,56, F20,34=0,56, p=0,91). Os testes post hoc indicaram que o exercício físico melhorou a amplitude de movimento para a abdução e adução do quadril e para dorsiflexão do tornozelo. A amplitude de movimento da abdução do quadril apresentou aumento após oito meses de exercício físico (p<0,05). A amplitude de movimento da adução do quadril apresentou aumento após os primeiros quatro meses de exercício físico, mas sem manutenção do aumento após oito meses de exercício físico (p<0,05), voltando ao nível do pré-teste. A amplitude de movimento da dorsiflexão do tornozelo apresentou aumento após quatro meses de exercício físico, com manutenção dos valores após oito meses (p<0,04).
O objetivo deste estudo foi verificar o efeito de oito meses de um programa multimodal de exercício físico na amplitude de movimento articular do membro inferior de pacientes com DP, considerando gênero e estágio da doença. De forma geral, os resultados confirmaram a hipótese do estudo, indicando que após oito meses de exercício físico há melhora na amplitude de movimento articular de pacientes com DP. O presente achado corrobora estudos que verificaram o efeito do exercício físico de longa duração6 , 8 , 11, indicando que o exercício físico é importante no controle da progressão da DP. Entretanto, o efeito do exercício físico na amplitude de movimento articular parece não ser influenciado pelo gênero e pela severidade da DP, o que indica que os efeitos são independentes a estes aspectos.
O programa multimodal de exercício físico parece melhorar a amplitude de movimento articular de pacientes com DP, principalmente para a abdução e adução do quadril e dorsiflexão do tornozelo. A melhora na amplitude de movimento articular pode ser explicada pelas características do exercício físico generalizado prescrito para os pacientes:
ênfase na melhora da capacidade funcional, principalmente força muscular11, facilitando o aumento na amplitude de movimento articular devido à melhora no controle neuromuscular;
compensação dos déficits bioquímicos e fisiológicos característicos da DP25, melhorando a síntese de dopamina e sua absorção.
Ainda, à melhora na amplitude de movimento articular é diretamente relacionado o melhor controle do equilíbrio e da mobilidade27. O aumento da amplitude de movimento articular do quadril está diretamente relacionado ao menor risco de quedas, uma vez que idosos com DP caidores apresentam menor movimento e aceleração do quadril durante o andar28. A melhora na amplitude de movimento articular da dorsiflexão do tornozelo pode levar ao maior controle do movimento, principalmente na locomoção para absorção da carga durante o andar e na postura para o controle do equilíbrio, beneficiando o paciente em sua mobilidade29. Além disso, o exercício foi capaz de regredir a progressão da DP, que tende a aumentar em torno de 10% ao ano26, indicada pela manutenção dos parâmetros clínicos e corroborando estudos anteriores6. Com isso, pode-se sugerir que a intensidade e a progressão do programa de exercício físico proposto foram apropriadas para melhorar a amplitude de movimento articular e controlar o avanço da DP.
Os benefícios do programa de exercício físico na amplitude de movimento articular foram independentes do gênero e da severidade da DP. O caráter generalizado do exercício físico parece beneficiar de forma semelhante homens e mulheres, e pacientes em estágio inicial e moderado da DP. Este resultado contrapõe os achados da literatura11 que indicam que os benefícios do exercício físico ocorrem de acordo com o gênero e a severidade da DP. Uma possível explicação para a independência dos benefícios com relação ao gênero e severidade da DP é o relacionamento entre a amplitude de movimento articular e os sinais/sintomas da DP, principalmente a rigidez muscular e hipocinesia19, uma vez que todos os pacientes com DP apresentam estes sintomas motores em algum grau. Com isso, a amplitude de movimento articular do paciente com DP será beneficiada pelo exercício, independentemente do gênero e estágio da DP, restaurando ou preservando o movimento articular e atingindo, consequentemente, a grande parte das necessidades motoras dos pacientes com DP.
Pode-se concluir que o programa multimodal de exercício físico de oito meses foi eficiente em melhorar a amplitude de movimento articular de pacientes com DP. Os benefícios do exercício físico, para essa capacidade física, foram independentes do gênero e da severidade da DP.