versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.106 no.5 São Paulo maio 2016 Epub 15-Abr-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160046
Mais de 50% dos pacientes com insuficiência cardíaca têm fração de ejeção preservada (ICFEN). A cintilografia marcada com iodo 123 com metaiodobenzilguanidina (123I-MIBG) e o teste cardiopulmonar do exercício (TCPE) são marcadores de prognóstico da ICFEN. O nebivolol é um betabloqueador com propriedade vasodilatadora.
Avaliar o impacto da terapia com nebivolol sobre as variáveis da cintilografia com 123I-MIBG e do TCPE em pacientes com ICFEN.
Vinte e cinco pacientes realizaram cintilografia com 123I-MIBG para avaliar a taxa de washout e a relação coração/mediastino precoce e tardia. Durante o TCPE, foi analisado o comportamento da pressão arterial sistólica (PAS), frequência cardíaca (FC) durante o esforço e a recuperação (FCR) e o consumo de oxigênio (VO2). Após avaliação inicial, separamos nossa amostra em grupos controle versus intervenção, iniciamos o nebivolol e repetimos os exames após 3 meses.
Após o tratamento, o grupo intervenção apresentou melhora na PAS (149 mmHg [143,5-171 mmHg] versus 135 mmHg [125-151 mmHg, p = 0,016]), FC em repouso (78 bpm [65,5-84 bpm] versus 64,5 bpm [57,5-75,5 bpm, p = 0,028]), PAS no pico do esforço (235 mmHg [216,5-249 mmHg] versus 198 mmHg [191-220,5 mmHg], p = 0,001), FC no pico do esforço (124,5 bpm [115-142 bpm] versus 115 bpm [103,7-124 bpm], p = 0,043) e FCR no 1º minuto (6,5 bpm [4,75-12,75 bpm] versus 14,5 bpm [6,7-22 bpm], p = 0,025) e no 2º minuto (15,5 bpm [13-21,75 bpm] versus 23,5 bpm [16-31,7 bpm], p = 0,005), porém não apresentou mudança no VO2 de pico e nos parâmetros da cintilografia com 123I-MIBG.
Apesar de um melhor controle da PAS e na FC em repouso e durante o esforço e uma melhora na FCR, o nebivolol não ocasionou efeito positivo sobre o VO2 de pico e nos parâmetros da cintilografia com 123I-MIBG. A ausência de efeito sobre a atividade adrenérgica pode ser a causa da falta de efeito sobre a capacidade funcional.
Palavras-chave: Insuficiência cardíaca; teste cardiopulmonar do exercício; MIBG; nebivolol
More than 50% of the patients with heart failure have normal ejection fraction (HFNEF). Iodine-123 metaiodobenzylguanidine (123I-MIBG) scintigraphy and cardiopulmonary exercise test (CPET) are prognostic markers in HFNEF. Nebivolol is a beta-blocker with vasodilating properties.
To evaluate the impact of nebivolol therapy on CPET and123I-MIBG scintigraphic parameters in patients with HFNEF.
Twenty-five patients underwent 123I-MIBG scintigraphy to determine the washout rate and early and late heart-to-mediastinum ratios. During the CPET, we analyzed the systolic blood pressure (SBP) response, heart rate (HR) during effort and recovery (HRR), and oxygen uptake (VO2). After the initial evaluation, we divided our cohort into control and intervention groups. We then started nebivolol and repeated the tests after 3 months.
After treatment, the intervention group showed improvement in rest SBP (149 mmHg [143.5-171 mmHg] versus 135 mmHg [125-151 mmHg, p = 0.016]), rest HR (78 bpm [65.5-84 bpm] versus 64.5 bpm [57.5-75.5 bpm, p = 0.028]), peak SBP (235 mmHg [216.5-249 mmHg] versus 198 mmHg [191-220.5 mmHg], p = 0.001), peak HR (124.5 bpm [115-142 bpm] versus 115 bpm [103.7-124 bpm], p= 0.043), HRR on the 1st minute (6.5 bpm [4.75-12.75 bpm] versus 14.5 bpm [6.7-22 bpm], p = 0.025) and HRR on the 2nd minute (15.5 bpm [13-21.75 bpm] versus 23.5 bpm [16-31.7 bpm], p = 0.005), but no change in peak VO2 and 123I-MIBG scintigraphic parameters.
Despite a better control in SBP, HR during rest and exercise, and improvement in HRR, nebivolol failed to show a positive effect on peak VO2 and 123I-MIBG scintigraphic parameters. The lack of effect on adrenergic activity may be the cause of the lack of effect on functional capacity.
Keywords: Heart failure; exercise testing; MIBG; nebivolol
Aproximadamente 50% dos pacientes internados com insuficiência cardíaca (IC) tem fração de ejeção normal (ICFEN).1 Pacientes com ICFEN têm algumas características diferentes dos pacientes com IC e fração de ejeção reduzida (ICFER), como uma maior frequência em mulheres, idosos e diabéticos, e maior prevalência de fibrilação atrial, obesidade e hipertensão.2,3
O nebivolol, um betabloqueador beta-1 seletivo de 3ª geração com propriedade vasodilatadora mediada pela L-arginina/óxido nítrico (NO), está associado a uma melhora da função endotelial4 e evidência de melhora na função diastólica.5 Resultados do estudo SENIORS6 demonstraram que o fármaco foi bem tolerado por pacientes idosos com IC e demonstrou efeitos similares tanto na ICFER quanto na ICFEN.
Na medicina nuclear, a imagem cardíaca com metaiodobenzilguanidina marcada com iodo 123 (123I-MIBG) avalia de forma não invasiva a atividade adrenérgica e a inervação simpática do coração, incluindo a captação, recaptação, armazenamento e liberação de noradrenalina em terminais nervosos pré-sinápticos.7,8 A relação coração/mediastino (C/M) precoce avalia a integridade do terminal nervoso simpático, enquanto que a relação C/M tardia avalia a fisiologia do mesmo.7 A taxa de washout (WO) avalia o grau de atividade adrenérgica.7 De acordo com alguns estudos, os parâmetros da cintilografia com 123I-MIBG se mostraram preditores de prognóstico na ICFEN.9,10
O teste cardiopulmonar do exercício (TCPE) pode ser utilizado na IC para detecção de isquemia11 e avaliação de sintomas,11 resposta cronotrópica,12-14 frequência cardíaca (FC) na fase de recuperação (FCR)15 e capacidade funcional (CF).15,16 Pacientes com ICFEN podem apresentar déficit cronotrópico,12,17 baixa CF,12,17 aumento da inclinação da relação ventilação por minuto pela produção de dióxido de carbono (VE/VCO2slope)18 e uma resposta inadequada da FCR.12 Estes achados são semelhantes aos encontrados na ICFER,14,15 porém sua fisiopatologia ainda não está totalmente esclarecida.
Baseado no pouco conhecimento existente sobre o efeito da terapia betabloqueadora sobre a função adrenérgica cardíaca na ICFEN, desenhamos este estudo com o objetivo de avaliar se o nebivolol modificaria a curto prazo as anormalidades na função simpática cardíaca e se afetaria de modo positivo a CF e outras variáveis do exercício.
Realizamos um estudo prospectivo, selecionando 25 pacientes consecutivos que frequentavam nosso ambulatório de IC. Foram critérios de inclusão: idade > 18 anos, sinais e sintomas de IC,16 fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) ≥ 50% com evidência de disfunção diastólica pelo ecocardiograma,2 além de autorização do paciente obtida através de assinatura do termo de consentimento. Nós excluímos pacientes com diabetes, fibrilação atrial, marcapasso, ou com qualquer outra condição que contraindicasse o TCPE. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da nossa instituição.
Para classificação etiológica da IC, utilizamos os seguintes critérios: isquêmica (infarto prévio, zona inativa no eletrocardiograma, ou cineangiocoronariografia evidenciando lesão de tronco de coronária esquerda ≥ 50% ou lesão ≥ 70% em um dos três sistemas principais),19 hipertensiva (história de hipertensão e ausência de critérios para IC isquêmica) e outras (incluindo pacientes que não foram classificados como isquêmicos ou hipertensivos).
Se um paciente não apresentasse critérios para que a etiologia da IC fosse classificada como isquêmica, mas apresentasse alterações isquêmicas durante o TCPE, nós realizávamos investigação complementar com cintilografia de perfusão miocárdica e cineangiocoronariografia, se necessário, para determinar a ocorrência de doença arterial coronariana. Porém se o paciente em questão não apresentasse nenhum sinal de isquemia miocárdica induzida por esforço, mantínhamos a classificação etiológica como não isquêmica.
Todos os pacientes foram submetidos à cintilografia com 123I-MIBG e TCPE. Após esta fase inicial, nós dividimos a amostra em dois grupos: os 14 primeiros voluntários receberam tratamento com nebivolol (grupo nebivolol) e os 11 últimos fizeram parte do grupo controle. Iniciamos o tratamento com nebivolol na dose de 1,25 mg/dia com aumentos semanais (dobrando a dose anterior) objetivando atingir uma dose alvo de 10 mg/dia, ou FC entre 50-60 bpm, ou pressão arterial sistólica (PAS) entre 90-100 mmHg.6 Se o paciente já fazia uso de outro betabloqueador, suspendíamos o mesmo e iniciávamos o nebivolol seguindo o mesmo protocolo descrito. Após 3 meses da otimização terapêutica, repetimos os exames de cintilografia com 123I-MIBG e TCPE.
Com a cintilografia com 123I-MIBG, avaliamos a integridade do terminal nervoso simpático através da quantificação da C/M precoce (30 min após injeção do radiotraçador) e da C/M tardia (4 h após a administração do radiotraçador) por imagem torácica planar anterior.7 A estimativa da atividade simpática foi feita pelo cálculo da taxa de WO através da formula:7,9 WO (%) = (C - M) 30 min - (C - M) 4 h x 100 / (C - M) 30 min. Todos os exames cintilográficos foram realizados em câmara de cintilação tipo Anger tomográfica digital (Single Photon Emission Computed Tomography) da marca Siemens®, modelo E-Cam de detector duplo, com colimador de baixa energia e alta resolução.
O TCPE foi sintoma-limitado e realizado em esteira Centurion 300® utilizando protocolo individualizado de rampa para melhor avaliação da cinética do consumo de oxigênio (VO2).11,20 Iniciamos os exames com uma velocidade de 1,6 km/h, individualizamos o exercício para obter uma duração de 8-12 minutos de esforço e realizamos recuperação ativa, com velocidade de 1,6 km/h durante os primeiros 2 minutos, e passiva em posição ortostática por mais 6 minutos. Utilizamos o software Ergo PC Elite versão 13/2.2 da Micromed®.
Para análise dos gases respiratórios, utilizamos o analisador metabólico MedGraphics® VO2000. Empregando um pneumotacógrafo de fluxo médio, mensuramos a amostra dos gases a cada 10 segundos usando máscara para adaptação paciente-aparelho. O VO2 de pico foi definido como o maior VO2 medido durante os últimos 30 segundos do exercício.20 Para determinar o VO2 no liminar anaeróbio, empregamos o método de equivalentes ventilatórios.20 O VE/VCO2slope foi calculado através do modelo de inclinação do próprio software.15,20
Medimos a FC através do intervalo R-R em repouso, no pico do esforço e na recuperação. Analisamos a reposta cronotrópica através do índice de reserva cronotrópica (IRC):14 IRC (%) = (FCpico - FCrepouso) x 100 / (220 - idade - FCrepouso). A FCR foi determinada no 1º e no 2º minutos, subtraindo a FC de pico pela FCR.12,15 A pressão arterial foi aferida com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio da marca Wan Ross®. Avaliamos a PAS em repouso e no pico do esforço e a variação intraesforço (PASpico - PASrepouso).21
Para calcular do tamanho da amostra, realizamos um estudo piloto. Os dados obtidos mostraram que seriam necessários nove pacientes por grupo para obtermos um erro β de 80% e α de 5%. Após o término do estudo, calculamos o poder da amostra que mostrou que 25 pacientes reuniram um poder estatístico de 80% para identificar 12,8% de diferença na PAS de pico.
Nossos dados têm distribuição não-paramétrica, portanto estão apresentados como mediana/amplitude interquartil quando a variável é quantitativa e como percentual quando a variável é qualitativa. A análise estatística foi realizada através do programa SPSS, versão 15. Para comparar as variáveis qualitativas, empregamos o teste do qui-quadrado. Para comparar as variáveis quantitativas, utilizamos o teste U de Mann-Whitney para comparar o grupo controle com o grupo intervenção em uma primeira análise quando ainda não havíamos realizado a intervenção. Em uma segunda análise, empregamos o teste de Wilcoxon pareado para comparar no grupo controle os valores basais com os obtidos após 3 meses de observação e no grupo intervenção, os valores basais com os obtidos 3 meses após intervenção com nebivolol. Consideramos significativo um valor de p < 0,05.
A Tabela 1 mostra as características clínicas, parâmetros ecocardiográficos e medicações utilizadas pelos participantes. Não houve diferenças significativas nas variáveis: idade, gênero, índice de massa corporal (IMC) e nos parâmetros ecocardiográficos. Todos os pacientes eram hipertensos e não apresentaram diferenças significativas na incidência de dislipidemia, tabagismo e na etiologia da IC. A maioria encontrava-se nas classes funcionais II e III da New York Heart Association (NYHA). Não existiram diferenças significativas nas medicações utilizadas pelos participantes.
Tabela 1 Características basais da amostra
Variável | Intervenção | Controle | P |
---|---|---|---|
n = 25 | 14 | 11 | - |
Idade (anos) | 56,5 (50,75 - 62,25) | 61 (52 - 71) | 0,291* |
Gênero % | - | - | 0,452† |
Feminino | 71,42 | 81,81 | - |
Masculino | 28,58 | 18,19 | - |
IMC (kg/m2) | 31,51 (26,62 - 34,77) | 33,32 (26,34 - 37,18) | 0,647* |
HAS % | 100 | 100 | 1† |
Dislipidemia % | 71,42 | 72,72 | 0,649† |
Tabagismo % | 35,71 | 18,18 | 0,305† |
Etiologia % | - | - | 0,697† |
Isquêmica | 7,14 | 9,09 | - |
Hipertensiva | 92,86 | 90,91 | - |
Outras | 0 | 0 | - |
Ecocardiograma | - | - | - |
FEVE % | 63,5 (60,75 - 72,25) | 67(54 - 71) | 0,979* |
E/E† | 16,15 (15,35 - 17,25) | 15,2 (13,88 - 16,9) | 0,183* |
E/A | 0,41 (0,32 - 0,74) | 0,38 (0,22 - 0,5) | 0,244* |
VAE-I (ml/m2) | 45,26 (41,98 - 48,72) | 40,58 (36,6 - 45,54) | 0,107* |
Massa VE-I (g/m2) | 124,05 (113,5 - 131,35) | 124 (97,36 - 130) | 0,609* |
CF/NYHA% | - | - | 0,444† |
I | 7,15 | 18,18 | - |
II | 42,85 | 54,54 | - |
III | 50 | 27,28 | - |
IV | 0 | 0 | - |
Medicações em uso % | - | - | - |
Betabloqueador | 42,85 | 63,63 | 0,265† |
Atenolol | 66,66 | 42,85 | - |
Carvedilol | 33,34 | 42,85 | - |
Propranolol | 0 | 14,3 | - |
IECA/ARA II | 85,71 | 81,81 | 0,604† |
Hidralazina | 14,28 | 18,18 | 0,604† |
Nitrato | 14,28 | 36,36 | 0,209† |
Espironolactona | 14,28 | 27,27 | 0,378† |
Diurético | 71,42 | 54,54 | 0,325† |
Bloqueador do canal Ca | 64,28 | 36,36 | 0,163† |
Clonidina | 42,85 | 27,27 | 0,352† |
AAS | 28,57 | 45,45 | 0,325† |
Estatina | 35,71 | 63,63 | 0,163† |
*Teste U de Mann-Whitney;
†Teste do qui quadrado; N: número de pacientes; IMC: índice de massa corporal; HAS: hipertensão arterial sistêmica; FEVE: fração de ejeção ventricular esquerda; E/E’: razão entre a velocidade precoce do fluxo sanguíneo pela válvula mitral com a velocidade de estiramento no início da diástole; E/A: índice de velocidade do fluxo mitral inicial e tardio; VAE-I: volume do átrio esquerdo indexado; Massa VE-I: massa do ventrículo esquerdo indexada; CF: classe funcional; NYHA: New York Heart Association; IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina II; ARA II: antagonista do receptor de angiotensina II; Ca: cálcio; AAS: ácido acetilsalicílico.
As variáveis do TCPE e da cintilografia com 123I-MIBG estão mostradas na Tabela 2. Em uma análise inicial, observamos que não havia diferenças significativas nas variáveis do TCPE. Os pacientes em ambos os grupos iniciaram o exame hipertensos, apresentaram ao esforço uma resposta hipertensiva,11 déficit cronotrópico,14 baixa CF11,18,20 e pulso de oxigênio (O2) abaixo do previsto,11 porém com bom prognóstico pelo VE/VCO2slope.22 Pela mediana do coeficiente respiratório (R), todos realizaram teste máximo (R > 1,05)23 e conseguiram atingir o limiar anaeróbio, demonstrando que o TCPE foi adequado.20 O grupo intervenção (grupo posteriormente alocado para uso do nebivolol) apresentou uma pior FCR tanto no 1º quanto no 2º minuto, porém as diferenças não foram significativas. O grupo controle apresentou uma menor mediana para a C/M precoce e tardia e para a taxa de WO da 123I-MIBG, mas também não mostrou diferenças significativas.
Tabela 2 Comparação das variáveis do TCPE e da cintilografia com 123I-MIBG
Variável | Intervenção | Controle | P |
---|---|---|---|
PASIN mmHg | 149 (143,5 - 171) | 162 (132 - 170) | 0,851 |
PADIN mmHg | 91 (80,5 - 106,5) | 90 (78 - 104) | 0,727 |
FCIN bpm | 78 (65,5 - 84) | 66 (55 - 72) | 0,066 |
PASP mmHg | 235 (216,5 - 249) | 230 (216 - 238) | 0,467 |
PADP mmHg | 111 (102,5 - 120) | 104 (82 - 110) | 0,12 |
FCP bpm | 124,5 (115 - 142,75) | 117 (104 - 146) | 0,501 |
PASPIN mmHg | 69 (52 - 102,5) | 76 (52 - 96) | 0,647 |
IRC % | 60,11 (43,59 - 81,57) | 58,7 (40,74 - 91,36) | 0,851 |
FCR1° bpm | 6,5 (4,75 - 12,75) | 18 (7 - 21) | 0,085 |
FCR2° bpm | 15,5 (13 - 21,75) | 26 (19 -33) | 0,058 |
VO2 LA ml.(kg.min)-1 | 10,89 (7,97 - 12,58) | 10,62 (7,89 - 14,29) | 0,886 |
Percentual do VO2 Pico no LA % | 72,9 (66,6 - 86,4) | 77,7 (72,52 - 85,12) | 0,508 |
R | 1,10 (1,03 - 1,16) | 1,18 (1,07 - 1,23) | 0,202 |
VO2 Pico ml.(kg.min)-1 | 14,07 (10,71 - 18,03) | 12,75 (8,48 - 16,77) | 0,851 |
VE/VCO2 slope | 22,73 (20,02 - 26,61) | 23,37 (22,53 - 26,9) | 0,467 |
Pulso de O2 ml.(kg.min)-1/bpm | 8,6 (7,12 - 11,6) | 9 (6,6 - 10,8) | 0,893 |
Percentual pulso O2 previsto % | 61,2 (41,75 - 83,17) | 60,8 (45,4 - 85,1) | 0,893 |
C/M30min | 1,89 (1,65 - 1,97) | 1,6 (1,56 - 1,8) | 0,134 |
C/M4h | 1,77 (1,57 - 1,94) | 1,58 (1,22 - 2) | 0,344 |
WO % | 29,5 (21,85 - 51) | 27 (14,3 - 30) | 0,222 |
PASIN: pressão arterial sistólica início; PADIN: pressão arterial diastólica início; FCIN: frequência cardíaca início; PASP: pressão arterial sistólica no pico do esforço; PADP: pressão arterial diastólica no pico do esforço; FCP: frequência cardíaca no pico do esforço; PASPIN: variação da pressão arterial sistólica intraesforço; IRC: índice de reserva cronotrópica; FCR1º: variação da frequência cardíaca no 1º minuto da recuperação; FCR2º: variação da frequência cardíaca no 2º minuto da recuperação; VO2: consumo de oxigênio; LA: limiar anaeróbio; R: coeficiente respiratório; VE/VCO2 slope: inclinação da relação ventilação por minuto pela produção de dióxido de carbono; O2: oxigênio; C/M30min: relação coração/mediastino 30 minutos após injeção do radiotraçador (precoce); C/M4h: relação coração/mediastino 4 horas após injeção do radiotraçador (tardia); WO: taxa de washout.
Após esta avaliação inicial, iniciamos o tratamento com nebivolol no grupo intervenção. A dose média administrada de nebivolol foi de 9,29 ± 1,81 mg/dia. Os pacientes repetiram o TCPE e a cintilografia com 123I-MIBG após 3 meses e nós comparamos em cada grupo os resultados nesse momento com seus respectivos resultados basais (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação das variáveis do teste cardiopulmonar do exercício e da cintilografia com 123I-MIBG após o tratamento com nebivolol
Intervenção | Controle | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variável | Basal | 3 meses | P | Basal | 3 meses | P |
PASIN mmHg | 149 (143,5 - 171) | 135 (125 - 151) | 0,016 | 162 (132 -170) | 148 (132-160) | 0,213 |
PADIN mmHg | 91 (80,5 - 106,5) | 91 (87,5 - 107,5) | 0,179 | 90 (78 - 104) | 100 (70-102) | 0,682 |
FCIN bpm | 78 (65,5 - 84) | 64,5 (57,5-75,5) | 0,028 | 66 (55 - 72) | 64 (61-77) | 0,656 |
PASP mmHg | 235(216,5-249) | 198(191-220,5) | 0,001 | 230 (216 -238) | 222 (210-240) | 0,683 |
PADP mmHg | 111(102,5-120) | 113 (91,5-118) | 0,441 | 104 (82 - 110) | 110(78-120) | 0,24 |
FCP bpm | 124,5(115-142) | 115(103,7-124) | 0,043 | 117 (104 -146) | 123(106-138) | 0,919 |
PASPIN mmHg | 69 (52 - 102,5) | 69 (38-86) | 0,116 | 76 (52 - 96) | 72 (60-108) | 0,447 |
IRC % | 60,1(43,5-81,5) | 51,5(32,9-70,5) | 0,124 | 58,7(40,7-91,3) | 65,2(40,2-89,2) | 0,929 |
FCR1° bpm | 6,5(4,75-12,75) | 14,5(6,7-22) | 0,025 | 18 (7 - 21) | 18 (11-29) | 0,285 |
FCR2° bpm | 15,5(13- 21,75) | 23,5(16-31,7) | 0,005 | 26 (19 -33) | 23 (14-41) | 0,54 |
VO2 LA ml.(kgml)-1 | 10,89(7,9-12,5) | 10,5(7,8-13,6) | 0,917 | 10,6(7,8-14,2) | 9,8(5,9-13,5) | 0,169 |
Percentual do VO2 Pico no LA % | 72,9(66,6-86,4) | 78,1(65,5-90,6) | 0,422 | 77,7(72,5-85,1) | 77,4(65,3-82) | 0,333 |
R | 1,1(1,03 - 1,16) | 1,16(1,02-1,35) | 0,158 | 1,18(1,07-1,23) | 1,25(1,1-1,4) | 0,203 |
VO2 Pico ml.(kgml)-1 | 14,07(10,7- 18) | 14,18(9,3-17,1) | 0,551 | 12,75(8,4-16,7) | 13,02(7,4-17,8) | 0,155 |
VE/VCO2 slope | 22,73(20-26,6) | 21,7(19,3-28,8) | 0,363 | 23,3(22,5-26,9) | 22,5(20,6-27,4) | 0,999 |
Pulso de O2 ml.(kgml)-1/bpm | 8,6(7,12 - 11,6) | 8,9 (7,1-12,2) | 0,421 | 9 (6,6 - 10,8) | 8,1 (6,1-10,2) | 0,005 |
Percentual pulso O2 previsto % | 61,2(41,7-83,1) | 65,1(46,8-80,6) | 0,49 | 60,8(45,4-85,1) | 63,6(43,5-84,6) | 0,131 |
C/M30min | 1,89(1,65-1,97) | 1,85(1,61-1,97) | 0,73 | 1,6 (1,56 - 1,8) | 1,63(1,47-1,77) | 0,398 |
C/M 4 h | 1,77(1,57-1,94) | 1,68(1,58-1,88) | 0,263 | 1,58 (1,22 - 2) | 1,52(1,45-1,8) | 0,423 |
WO (%) | 29,5(21,85-51) | 31(28,2-35) | 0,9 | 27 (14,3 - 30) | 30 (15 - 42) | 0,722 |
PASIN: pressão arterial sistólica início; PADIN: pressão arterial diastólica início; FCIN: frequência cardíaca início; PASP: pressão arterial sistólica no pico do esforço; PADP: pressão arterial diastólica no pico do esforço; FCP: frequência cardíaca no pico do esforço; PASPIN: variação da pressão arterial sistólica intraesforço; IRC: índice de reserva cronotrópica; FCR1º: variação da frequência cardíaca no 1º minuto da recuperação; FCR2º: variação da frequência cardíaca no 2º minuto da recuperação; VO2: consumo de oxigênio; LA: limiar anaeróbio; R: coeficiente respiratório; VE/VCO2 slope: inclinação da relação ventilação por minuto pela produção do dióxido de carbono; O2: oxigênio; C/M30min: relação coração/mediastino 30 minutos após injeção do radiotraçador (precoce); C/M4h: relação coração/mediastino 4 horas após injeção do radiotraçador (tardia); WO- taxa de washout.
O grupo nebivolol obteve um melhor controle da PAS e da FC em repouso e no pico do esforço, porém não apresentou diferenças significativas na variação da PAS intraesforço e no IRC. As Figuras 1 e 2 ilustram o comportamento da PAS e da FC. Os pacientes tratados com nebivolol também apresentaram melhora na FCR tanto no 1º quanto no 2º minuto. Porém, o nebivolol não apresentou impacto positivo no VO2 e nas variáveis da cintilografia com 123I-MIBG, ou seja, a terapia não foi eficaz na melhora da CF, nem nas anormalidades da atividade adrenérgica cardíaca.
Figura 1 Comparação das respostas da pressão arterial durante o exercício. PASIN: pressão arterial sistólica início; PAS Pico: pressão arterial sistólica no pico do esforço; PAS PIN: variação da pressão arterial sistólica intraesforço; 3m: 3 meses.
Após 3 meses de tratamento, o nebivolol não obteve efeito positivo sobre parâmetros da inervação e atividade adrenérgica cardíaca, diagnosticadas com a cintilografia com 123I-MIBG, ou sobre o VO2 pico e VE/VCO2slope, mesmo com um melhor controle da PAS e da FC em repouso e no pico do esforço e uma melhora da FCR.
Katoh et al.9 demonstraram que conforme há piora da classe funcional da NYHA, ocorre queda na C/M tardia e aumento na taxa de WO da 123I-MIBG. Estes parâmetros foram associados com pior prognóstico na ICFEN, incluindo índices aumentados de eventos adversos associados a uma taxa de WO maior que 26,5%.9 Em nosso estudo, tanto o grupo nebivolol quanto o controle apresentaram uma taxa de WO maior que o ponto de corte do estudo de Katoh et al.,9 sugerindo um prognóstico mais reservado para nossa amostra em geral, assim como, uma ineficácia do nebivolol em melhorar não só a taxa de WO, mas também a C/M. A falta de impacto positivo nas variáveis da cintilografia com 123I-MIBG indica que o fármaco não foi capaz de atuar de forma consistente sobre a hiperatividade adrenérgica, já que na ICFER, terapias clinicamente efetivas são consistentemente associadas com melhora no 123I-MIBG.24 Como nossos resultados não demonstraram efeito positivo sobre os parâmetros da cintilografia, podemos inferir que a terapia com nebivolol não obteve impacto em uma das vias fisiopatológicas da IC, a hiperatividade adrenérgica.25
Sugiura et al.10 avaliaram parâmetros da cintilografia com 123I-MIBG na ICFEN e demonstraram que há uma aumento da atividade adrenérgica em proporção à severidade da IC. Estes autores relataram também uma correlação entre a taxa de WO com a classe funcional da NYHA, CF (avaliada através da Specific Activity Scale) e marcadores neuro-humorais,10 além de uma correlação entre a taxa de WO e C/M com o índice de velocidade do fluxo mitral inicial e tardio (E/A) avaliado através do fluxo transmitral, sugerindo uma associação entre disfunção diastólica e atividade adrenérgica cardíaca.10 Em nosso estudo, buscamos avaliar o impacto da terapia com nebivolol sobre parâmetros do TCPE e da cintilografia com 123I-MIBG, porém mesmo com um melhor controle da PAS e da FC, essa terapia não promoveu melhora na CF e na atividade adrenérgica cardíaca.
O estudo ADMIRE-HF26 validou a cintilografia com 123I-MIBG como marcador de prognóstico na ICFER, demonstrando que este método é capaz de quantificar a inervação adrenérgica cardíaca. De acordo com os achados de Kato et al.9 e Sugiura et al.,10 o exame pode ser utilizado para avaliar pacientes com ICFEN.
Phan et al.12 observaram que pacientes com ICFEN apresentavam uma menor FC no pico do esforço, pior reserva cronotrópica durante o exercício e uma inadequada FCR no 1º minuto. Os autores12 atribuíram a baixa CF na ICFEN à incompetência cronotrópica. Borlaug et al.17 observaram que a limitação funcional em pacientes com ICFEN não pode ser atribuída somente a anormalidades da função diastólica17 e descreveram como fatores limitantes do exercício a incompetência cronotrópica, uma reserva vasodilatadora alterada e menor débito cardíaco durante o exercício.17 Em outro estudo, Dhakal et al.27 relataram que pacientes com ICFEN apresentam uma captação periférica anormal de O2, outro fator limitador do VO2.
Como a resposta anormal da FC ao exercício é decorrente de alterações no sistema nervoso autonômico, pode-se dizer que pacientes com ICFEN apresentam disfunção autonômica.28 Este fato pode ser atribuído a uma anormalidade no barorreflexo arterial.17 É possí vel que pacientes com ICFEN possam ter atingido sua reserva contrátil máxima em um estágio mais precoce do exercício por refratariedade ao estí mulo simpático, e não por estí mulo ineficaz.14,17 Como a incompetência cronotrópica seria um fator limitador do exercício, a terapia com nebivolol poderia não ser apropriada pelo seu efeito betabloqueador.29 Porém o efeito positivo da terapia betabloqueadora sobre os parâmetros da cintilografia com 123I-MIBG na ICFER30 poderia melhorar a CF.30,31 Ao avaliar pacientes com ICFER, nosso grupo32 observou que aqueles com taxa de WO baixa mesmo utilizando betabloqueador apresentavam uma melhor CF e resposta cronotrópica quando comparados com pacientes com taxa de WO alta. A literatura atual apresenta poucos dados sobre terapia betabloqueadora na ICFEN. No presente estudo, não observamos uma piora significativa no IRC que possa justificar por completo a ausência de efeito do nebivolol sobre o VO2.
Outro fator limitante da CF na ICFEN seria uma reserva vasodilatadora alterada que poderia ocasionar uma redução do débito cardíaco durante o esforço, reduzindo assim a perfusão muscular.17 A reserva vasodilatadora está prejudicada em parte por produção inadequada de NO,33 o que nos fez acreditar que mesmo com o efeito betabloqueador, a terapia com nebivolol poderia ter sido promissora,6 porém os resultados não foram satisfatórios.
Os pacientes com ICFEN podem apresentar um menor débito cardíaco durante o exercício, causado por um volume sistólico inadequado decorrente em grande parte de uma complacência ventricular alterada.27 A captação periférica de O2 encontra-se alterada na ICFEN, o que pode refletir anormalidades intrínsecas na célula muscular esquelética ou na função da microcirculação periférica, prejudicando o desempenho do paciente durante o exercício.27 Portanto, todos estes fatores que determinam limitação funcional na ICFEN devem ser alvos terapêuticos nesta síndrome.17
Conraads et al.29 avaliaram a terapia com nebivolol na ICFEN. Após 6 meses, observaram melhor controle da PAS e da FC em repouso e no pico do esforço, porém não notaram impacto positivo no VO2, achados semelhantes ao nosso estudo. Os autores29 atribuíram a ausência de melhora da CF à incompetência cronotrópica. Em nosso estudo, não observamos piora significativa no IRC após a terapia, o que justifica a incompetência cronotrópica como o único fator responsável pela ausência de efeito do fármaco sobre o VO2. Através da cintilografia com 123I-MIBG, podemos especular que o fator responsável pela falta de impacto positivo do nebivolol sobre a CF seja a ausência de efeito sobre a atividade adrenérgica cardíaca, ou seja, o fármaco pode não ter atuado de forma eficaz em uma das vias fisiopatológicas da IC.25 Uma hiperatividade adrenérgica em repouso pode causar incompetência cronotrópica durante o exercício e, consequentemente, uma baixa CF.14,32
A principal limitação do nosso estudo foi o número reduzido de pacientes. Porém, o cálculo do poder da amostra mostrou que 25 pacientes reuniriam poder estatístico necessário para a realização do estudo.
A falta de randomização e a ausência de um grupo placebo foram outras limitações. O estudo não foi randomizado porque iniciamos a coleta de dados a partir de um outro estudo que já se encontrava em andamento em nossa instituição. Porém, nós respeitamos o critério para administração do fármaco, no qual os 14 primeiros pacientes receberam o tratamento com nebivolol e os 11 últimos formaram nosso grupo controle.
A falta de uma investigação mais aprofundada para doença coronariana foi ainda outra limitação. Porém, na ausência de critérios para classificar a etiologia da IC como isquêmica e se durante a realização do TCPE o paciente não apresentasse critérios para diagnóstico de isquemia miocárdica, nós optávamos por não prosseguir a investigação.
Por último, podemos citar também como limitações o grande número de obesos e o curto período de tratamento. A obesidade pode ter influenciado nossos achados, pois pacientes obesos podem apresentar baixa CF34 e hipertonia adrenérgica.35 Apesar do curto período de tratamento em nosso estudo, outro estudo com ICFER publicado por Miranda et al.36 mostrou uma resposta positiva após 3 meses de carvedilol sobre os parâmetros da cintilografia com 123I-MIBG.
Nossos achados sugerem que mesmo com um melhor controle da PAS e da FC em repouso e no pico do esforço, além de uma melhora na FCR, a terapia com nebivolol não foi capaz de promover um efeito positivo na CF e nos parâmetros da cintilografia com 123I-MIBG. Novos estudos utilizando outras estratégias que melhorem a atividade adrenérgica cardíaca sem prejudicar a resposta da FC durante o exercício podem ser promissores em pacientes com ICFEN.