versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.08.005
Obesidade e função pulmonar apresentam associação histórica. Ao contrário de investigações em adultos, os estudos da atividade física e cardiorrespiratória em adolescentes obesos ainda são poucos e inconclusivos.1
A obesidade é, atualmente, um dos mais graves problemas de saúde pública e tem despertado interesse de numerosos pesquisadores em todo o mundo.2 Crianças e adolescentes obesos podem apresentar distúrbios metabólicos, físicos, estresse psicossocial e alterações da função respiratória.3 - 5
Dentre os vários sistemas afetados pela obesidade, o respiratório merece especial atenção, uma vez que a obesidade pode promover alterações na mecânica respiratória, na tolerância ao exercício, nas trocas gasosas pulmonares, no padrão respiratório e na força e resistência dos músculos respiratórios.6
Sabe-se que a obesidade é uma doença inflamatória, com expressão de citocinas que alteram a função pulmonar e causam maior risco de doenças e mortalidade cardiovascular.3 , 6 Há evidências suficientes de que a obesidade exerce importante sobrecarga no sistema respiratório, provocando alterações nos volumes pulmonares, no padrão da respiração e no músculo liso das vias aéreas.6
As alterações mais frequentes na função pulmonar de crianças obesas são a redução na capacidade residual funcional e na capacidade de difusão. Um dos mecanismos das alterações da mecânica respiratória, provocados pela obesidade, é o acúmulo de gordura no tórax, diafragma e abdome.7 O acúmulo de gordura pode comprimir a caixa torácica, o diafragma e os pulmões reduzindo os volumes e fluxos pulmonares.8 A distribuição de gordura em crianças e adolescentes difere dos adultos, e é pouco estudada entre os gêneros,7 , 8 portanto, a obesidade, pode alterar a função pulmonar de crianças e adolescentes diferentemente dos adultos.
As alterações na função pulmonar por complicações da obesidade estão bem descritas em adultos, sendo frequentemente reportadas as reduções dos volumes pulmonares e fluxos expiratórios. Em contrapartida, existem poucos estudos que correlacionam efeitos da obesidade com função pulmonar, alterações cardiorrespiratórias e exercício físico em crianças e adolescentes.7 , 9 , 10 A maioria dos estudos encontrados na literatura relacionando a função pulmonar com obesidade e exercícios foi realizada com crianças e adolescentes asmáticos.11 , 12
Considerando a alta e crescente prevalência da obesidade em nosso meio, o objetivo deste estudo foi investigar a resposta da função pulmonar ao exercício em adolescentes obesos, não mórbidos, sem doenças respiratórias associadas, nos diferentes gêneros.
Realizou-se estudo transversal com 92 adolescentes entre 10 a 17 anos, divididos em quatro grupos de acordo com o índice de massa corpórea (IMC) e gênero: (G1) 23 meninos obesos; (G2) 24 meninas obesas; (G3) 21 meninos eutróficos; (G4) 24 meninas eutróficas, recrutados do Ambulatório Pediátrico de Obesidade do Hospital Universitário da Unicamp.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Unicamp, e antes do início do estudo os adolescentes e seus pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A obesidade foi definida pelo IMC acima do percentil 95 da curva de referência da Organização Mundial da Saúde. Para avaliar a composição corporal foi utilizada análise por bioimpedância.13
Todos os adolescentes obesos, com mais de um ano de acompanhamento, sem outras doenças e com exames clínicos e laboratoriais periódicos foram convidados para o estudo. Após a seleção, todos foram submetidos a um questionário para antecedentes familiares e pessoais para doenças respiratórias e crônicas. Dessa forma, aqueles com história de doença respiratória aguda ou crônica, deformidades torácicas ou esqueléticas, cardiopatia e doenças congênitas foram excluídos do estudo.
O peso foi mensurado em balança plataforma calibrada (Filizola(r)), modelo BL-150, com erro de medida menor que 0,01 grama. Os indivíduos permaneceram com vestimentas de prática de atividade física. A altura foi mensurada com erro menor que 1 mm, usando antropômetro (Holtain Limited Crymych Dyfed(r)). Com essas medidas foi calculado o IMC.
As dobras cutâneas foram mensuradas três vezes do lado esquerdo do corpo, com erro menor que 0,1 mm, com adipômetro (Lange Skinfold Caliper(r)). A circunferência de cintura foi definida como a circunferência abdominal localizada entre a última costela e a crista ilíaca.
A força dos músculos respiratórios foi determinada pela pressão máxima gerada em nível da boca com a utilização de manômetro de pressões negativas e positivas (Gerar(r)). O exame foi realizado com o adolescente sentado, usando prendedor nasal e com pelo menos cinco medidas. Para que fossem obtidas manobras tecnicamente aceitáveis, de cada manobra anotou-se a pressão mais elevada alcançada após o primeiro segundo, e para que houvesse entre as manobras aceitáveis pelo menos duas reprodutíveis, foi necessário que estas não diferissem entre si por mais de 10% do valor mais elevado. O pequeno orifício do bocal permite discreto fluxo de ar que mantém a glote aberta, não alterando o volume de ar nos pulmões.14 Este teste foi realizado antes e após o teste de esforço.
A espirometria foi utilizada para determinar: capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da CVF (FEF25-75%), capacidade vital (CV), capacidade inspiratória (CI), volume de reserva expiratória (VRE) e ventilação voluntária máxima (VVM).
A espirometria foi realizada antes do teste de esforço (momento basal) e nos minutos 1, 10, 20, 30 e 60 após teste de esforço e obedeceram as diretrizes da European Respiratory Society e da American Thoracic Society.15 Foi utilizado o espirômetro modelo CPFS/D (Medical Graphics Corporation, St. Paul, MN, USA).
O teste de esforço foi realizado em esteira com a temperatura da sala entre 22 ºC a 24 ºC, com umidade relativa de 40% e entre oito e 11 horas da manhã. Os pacientes deveriam abster-se de exercício extenuante 48 horas antes do teste e nenhuma comida ingerida quatro horas antes do teste. Após explicação os adolescentes iniciavam o teste na esteira (Pro Form 725(r)), começando com velocidade de um Km/hora e rampa de 0° do total da inclinação, aumentando 1,5 Km/hora com 2° de inclinação a cada 30 segundos, por 2 minutos, até alcançar a velocidade variável segundo estatura [V = (1,16 + 0,02 x estatura em centímetros)/1,6] e o total 10°. Após atingir a frequência cardíaca submáxima [(210 - idade) x 0,75], os adolescentes continuavam por mais seis minutos com a mesma carga de trabalho.16 , 17 O teste era interrompido caso surgissem dispneia, cianose ou dor torácica. A frequência cardíaca (FC), pressão arterial (PA), oximetria de pulso (SatO2), escala de Borg e frequência respiratória (FR) foram realizados antes, no minuto três e seis durante o exercício e após.
Para o cálculo do tamanho amostral, o programa G*Power 3.1.6 foi utilizado, tendo como parâmetros, teste estatístico (analise de variância - ANOVA), α = 0,05, β = 0,80 (poder amostral), número de grupos analisados (quatro = G1, G2, G3 e G4) e efeito do tamanho amostral (0,40 - considerando obesidade com alta frequência na população e elevado impacto na prova função pulmonar e variáveis cardiorrespiratórias, como relatado em estudos anteriores).1 , 2 , 5 , 13 Segundo o cálculo realizado, é necessário um total de 76 indivíduos para a realização do estudo.
Os dados foram processados no SPSS (Statistical Package for Social Sciences) v.21.0 (IBM-Corp. Released 2012. IBM SPSS Statistics for Windows, Version 21.0. Armonk, NY: IBM Corp.). Foram utilizadas tabelas de frequências para as variáveis categóricas e a estatística descritiva para as variáveis contínuas. Para explicar a variabilidade das medidas em função dos fatores "grupo" e "tempo", foi utilizada a ANOVA com medidas repetidas com transformação em RANK. Pela significância de cada efeito em relação às medidas, pode-se dizer que existe diferença entre os grupos ou entre os tempos. Na comparação dos grupos, realizou-se o teste de comparação de Tukey, fixando-se o tempo. Na comparação dos tempos utilizou-se o teste de contraste. O nível de significância adotado para todos os testes foi fixado em 0,05.
Todos os adolescentes obesos tinham 30 < IMC < 40. As características antropométricas dos adolescentes obesos e eutróficos estão presentes na tabela 1.
Parâmetros | Feminino eutrófico | Feminino obeso | Masculino eutrófico | Masculino obeso | p valor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade | 15,29 | ± 1,23 | 13,77 | ± 1,85 | 15,48 | ± 0,75 | 14,43 | ± 1,44 | 0,0003 |
Peso | 51,95 | ± 8,27 | 85,49 | ± 18,79 | 59,68 | ± 10,61 | 93,73 | ± 16,51 | 0,0001 |
Estatura | 161,19 ± 6,79 | 161,27 ± 7,37 | 172,69 ± 6,10 | 168,43 ± 8,37 | 0,08 | ||||
Índice de massa corpórea | 19,90 | ± 2,29 | 32,64 | ± 5,41 | 19,89 | ± 2,50 | 33,03 | ± 5,11 | 0,0001 |
Etnia – caucasoide (%) | 23 (95,83%) | 21 (95,55%) | 21 (100%) | 23 (100%) | > 0,05 | ||||
Circunferência de braço | 25,31 | ± 4,36 | 48,07 | ± 59,83 | 25,85 | ± 2,54 | 36,21 | ± 4,28 | 0,0001 |
Circunferência de cintura | 71,68 | ± 5,56 | 101,18 ± 13,83 | 74,88 | ± 7,10 | 108,78 ± 12,19 | 0,0001 | ||
Prega cutânea tricipital | 15,54 | ± 4,05 | 29,74 | ± 7,59 | 9,14 ± 4,37 | 27,58 | ± 6,09 | 0,0001 | |
Prega cutânea subescapular | 11,83 | ± 3,85 | 26,74 | ± 7,22 | 9,00 ± 3,00 | 29,61 | ± 7,10 | 0,0001 | |
Porcentagem de gordura | 25,19 | ± 2,47 | 37,57 | ± 4,35 | 13,28 | ± 4,82 | 33,53 | ± 5,83 | 0,0001 |
Peso de gordura corporal | 13,08 | ± 2,73 | 32,76 | ± 10,29 | 13,98 | ± 18,10 | 32,37 | ± 10,61 | 0,0001 |
Peso massa magra | 38,68 | ± 6,01 | 52,73 | ± 8,94 | 51,44 | ± 7,41 | 61,87 | ± 9,67 | 0,0001 |
Taxa metabólica basal | 1175,25 ± 181,90 | 1603,23 ± 271,77 | 1564 ± 225,71 | 1869,22 ± 296,48 | 0,0001 | ||||
Total de água | 27,34 | ± 3,44 | 35,69 | ± 5,37 | 36,73 | ± 5,45 | 45,17 | ± 7,23 | 0,0001 |
Bioresistência | 664,92 ± 132,1 | 567,73 ± 60,45 | 526,86 ± 108,4 | 500,22 ± 62,79 | 0,0001 | ||||
Reatância | 84,29 | ± 9,29 | 70,91 | ± 7,85 | 73,29 | ± 5,41 | 63,74 | ± 9,03 | 0,0001 |
Saturação de oxigênio | 98,13 | ± 0,81 | 98,23 | ± 1,19 | 98,19 | ± 1,08 | 98,71 | ± 0,95 | ≤ 0.05 |
Frequência cardíaca | 74,57 | ± 9,38 | 78,14 | ± 8,27 | 73,62 | ± 9,63 | 73,29 | ± 9,42 | ≤ 0.05 |
Pressão arterial diastólica | 78,48 | ± 10,05 | 78,18 | ± 8,94 | 72,14 | ± 10,32 | 67,92 | ± ,36 | ≤ 0.05 |
Pressão arterial sistólica | 123,91 ± 9,56 | 118,41 ± 9,56 | 111,71 ± 12,58 | 110,21 ± 7,87 | ≤ 0.05 | ||||
Frequência respiratória | 18,96 ± 2,29 | 24,27 ± 20,71 | 18,29 ± 3,05 | 18,83 ± 2,85 | > 0,05 |
A estatura não apresentou diferença significante entre os grupos (p > 0,05). No entanto, a percentagem de gordura e IMC usados para classificar cada grupo mostraram diferenças significantes (p < 0,05).
Os valores basais de (PA e FC) e (SaO2) dos grupos obesos foram, respectivamente, maiores e menores do que os dos grupos não obesos. Os valores de SatO2 foram menores nos obesos durante exercício (p < 0,05). Os valores mostraram diferenças entre os grupos e pelo tempo (p < 0,05) (tabela 1 e fig. 1).
Os valores de pressão arterial diastólica (PAD) e FC foram maiores nos grupos de meninos e meninas obesas durante teste de exercício (p < 0,05). Os valores mostram diferenças entre grupos e nos diferentes tempos (p < 0,05). O grupo de meninos obesos apresentou os maiores valores de PAS quando comparado a todos os outros grupos (p < 0,05).
A tabela 2 e a figura 2 mostram os resultados das variáveis da espirometria. Os valores de VVM, CVF, e VEF1 foram menores nos meninos obesos quando comparados com grupo de eutróficos, antes e após exercício (p < 0,05). Os valores da espirometria mostraram diferenças entre grupos (p < 0,05), no entanto, não houve diferença entre os tempos (p > 0,05).
Variávela | Masculino Obeso | Feminino obeso | Masculino eutrófico | Feminino eutrófico | p valor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
VVMB | 97,39 | ± 27,37 | 78,73 | ± 17,65 | 117,43 | ± 23,17 | 88,33 | ± 22,87 | 0,0005 |
VVM60 | 91,30 | ± 32,55 | 78,50 | ± 18,95 | 115,43 | ± 27,09 | 88,88 | ± 25,76 | > 0,05 |
VREB | 1,26 | ± 0,49 | 0,87 | ± 0,39 | 1,49 | ± 0,52 | 1,15 | ± 0,32 | 0,0001 |
VRE60 | 1,13 | ± 0,58 | 0,86 | ± 0,35 | 1,49 | ± 0,42 | 1,05 | ± 0,33 | > 0,05 |
CIB | 2,88 | ± 0,86 | 2,60 | ± 0,54 | 2,91 | ± 0,59 | 2,18 | ± 0,38 | 0,0001 |
CI60 | 2,88 | ± 0,57 | 2,71 | ± 0,63 | 2,80 | ± 0,73 | 2,26 | ± 0,44 | > 0,05 |
CVFB | 4,11 | ± 1,11 | 3,60 | ± 0,61 | 4,46 | ± 0,65 | 3,38 | ± 0,58 | 0,0001 |
CVF1 | 3,97 | ± 0,94 | 3,54 | ± 0,75 | 4,27 | ± 0,69 | 3,31 | ± 0,62 | > 0,05 |
CVF10 | 3,92 | ± 1,05 | 3,50 | ± 0,78 | 4,22 | ± 0,74 | 3,28 | ± 0,70 | > 0,05 |
CVF20 | 3,96 | ± 1, 08 | 3,47 | ± 0,68 | 4,23 | ± 0,77 | 3,29 | ± 0,65 | > 0,05 |
CVF30 | 3,86 | ± 1,05 | 3,44 | ± 0,73 | 4,26 | ± 0,69 | 3,28 | ± 0,70 | > 0,05 |
CVF60 | 3,88 | ± 1,04 | 3,41 | ± 0,66 | 4,16 | ± 0,71 | 3,31 | ± 0,63 | > 0,05 |
VEF1B | 3,41 | ± 0,94 | 3,05 | ± 0,60 | 3,77 | ± 0,56 | 2,98 | ± 0,56 | 0,0004 |
VEF11 | 3,23 | ± 0,82 | 2,97 | ± 0,63 | 3,62 | ± 0,54 | 2,88 | ± 0,60 | > 0,05 |
VEF110 | 3,25 | ± 0,86 | 2,91 | ± 0,59 | 3,63 | ± 0,59 | 2,89 | ± 0,66 | > 0,05 |
VEF120 | 3,28 | ± 0,88 | 2,90 | ± 0,52 | 3,61 | ± 0,60 | 2,88 | ± 0,61 | > 0,05 |
VEF130 | 3,19 | ± 0,87 | 2,86 | ± 0,58 | 3,62 | ± 0,57 | 2,89 | ± 0,65 | > 0,05 |
VEF160 | 3,25 ± 0,84 | 2,84 ± 0,55 | 3,55 ± 0,56 | 2,88 ± 0,62 | > 0,05 |
VVM, ventilação voluntária máxima
VRE, volume de reserva expiratória
CI, capacidade inspiratória
CVF, capacidade vital forçada
VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo
a Para todas as variáveis analisadas, considerar: B, basal; 1, um minuto; 10, dez minutos; 20, vinte minutos; 30, trinta minutos; 60, sessenta minutos.
Os valores de CI foram maiores nas meninas obesas quando comparados com meninas eutróficas (p < 0,05). Os valores de VRE foram menores em meninos e meninas obesas quando comparados com os grupos eutróficos. Os valores de espirometria mostram diferenças entre grupos (p < 0,05), e não para o tempo (p > 0,05).
Os valores de PImáx e PEmáx foram diferentes entre os gêneros, mas não entre os grupos (p < 0,05). Os valores de força dos músculos respiratórios mostraram significância nos valores basais e não se alteraram com o exercício.
Os resultados deste estudo mostraram que a obesidade não mórbida (30 < IMC < 40), em crianças e adolescentes, afetou diferentemente a função pulmonar nos meninos e nas meninas. Em contrapartida, o exercício não foi um fator agravante nessa diferença.
Essas diferenças podem estar relacionadas com o modelo distinto de distribuição de gordura nos dois gêneros. Sabe-se que o IMC não reflete somente tecido adiposo, mas também músculos e ossos. Portanto, a associação do IMC com a função pulmonar pode ser decorrente da ação, em parte, da força dos músculos respiratórios.18 , 19
Nos adolescentes, o aumento do IMC pode estar associado com aumento na função pulmonar (efeito da muscularidade), enquanto, em pessoas idosas, o aumento do IMC está associado com diminuição da função pulmonar (efeito da adiposidade).20 Considerando que, na adolescência, a obesidade pode contribuir para o aumento da força muscular pelo aumento da massa magra, pode-se explicar a ausência de modificações nos valores das variáveis espirométricas após o exercício.
Nós verificamos que, com exceção das variáveis cardiorrespiratórias, as medidas de espirometria e de força dos músculos respiratórios que já estavam alteradas no repouso, não se alteraram após exercício. Houve diminuição no VRE tanto em meninas quanto em meninos obesos, e um aumento na CI nas adolescentes obesas em relação ao grupo de meninas eutróficas. Essas diferenças não se modificaram após exercício. Em obesos, a redução dos volumes pulmonares, principalmente Capacidade Residual Funcional (CRF), VRE, Capacidade Vital (CV) e Capacidade Pulmonar Total (CPT) foram encontrados em vários estudos.1 , 7 , 8
A redução da CRF e do VRE está associada com o fechamento de vias aéreas periféricas, razão ventilação/perfusão anormal e hipoxemia. A redução do VRE na obesidade reflete a inabilidade da parede torácica e do pulmão em exalar adequadamente.1 , 21 , 22 A posição expiratória final de repouso do pulmão, parede torácica e diafragma é determinada pelo balanço das forças de recolhimento elástico e mudança na relação entre o VRE e CI. Segundo Biring et al.,23 nas meninas obesas, a CI aumentada mostra complacência pulmonar normal ou aumentada e habilidade da musculatura inspiratória em compensar, pelo menos transitoriamente, a deposição de gordura na parede torácica e abdominal.
O aumento de peso nem sempre se associa com diminuição do VRE. Este fato pode decorrer do local de deposição de gordura corporal: enquanto alguns adolescentes acumulam gordura em regiões que não interferem no VRE (região subescapular, triciptal e quadril), outros depositam gordura em locais que podem interferir com o VRE, como na parede abdominal. Nesses casos, ocorre considerável elevação da pressão intra-abdominal com redução do VRE,1 Isso mostra que o prejuízo na relação V/Q que pode ocorrer em obesos, além da gravidade da obesidade, pode estar relacionado com a região de deposição de gordura.
No presente estudo, os meninos obesos apresentaram menores valores de CVF e VEF1, quando comparados com meninos eutróficos. Não houve diferença com relação ao tempo. Este fato não foi observado nos grupos das meninas.
Alguns autores demonstraram que indivíduos obesos mórbidos, sem doenças respiratórias crônicas, não obtinham melhora no VEF1 e CVF com perda de peso. No entanto, havia melhora no VRE, na pressão parcial de oxigênio (PaO2) e no gradiente artério-alveolar.21 , 22
Li et al.7 estudaram 64 adolescentes obesos, e encontraram, na avaliação da função pulmonar no repouso, diminuição da CVF somente em obesos mórbidos com IMC maior ou igual a 45 kg/m2.7 Esses autores observaram que, dos 64 pacientes, somente três tiveram evidência de obstrução pulmonar. Nestes, o IMC era maior que 34 kg/m2.
O mesmo não tem sido evidenciado por graus leves de obesidade que devem repercutir menos nas alterações de redução nos valores CVF e VEF1, como foi por nós encontrado.
Tem-se demonstrado que o padrão de distribuição de gordura é mais representativo quando comparado somente ao IMC. A obesidade abdominal é frequentemente correlacionada com redução da CVF e VEF1.1 No nosso estudo, os obesos apresentavam concentração aumentada de gordura abdominal, fato verificado na aferição de circunferência de cintura.
No nosso estudo, os valores de VVM mostraram diferenças entre os gêneros. Os meninos eutróficos apresentaram maiores valores de VVM quando comparados com meninas obesas e eutróficas. Os meninos obesos apresentaram menores valores médios de VVM quando comparado com os meninos eutróficos, fato não verificado nos dois grupos de meninas. Por outro lado, a PImáx e PEmáx mostraram diferenças nos grupos por gênero. Meninos obesos apresentaram maiores valores de PImáx e PEmáx quando comparados às meninas obesas e eutróficas. Os valores não se alteraram após teste de esforço.
Acredita-se que indivíduos obesos manifestam anormalidades nas vias aéreas periféricas, sugerido pela redução do fluxo expiratório máximo em baixos volumes pulmonares e aprisionamento de ar. Como resultado do aprisionamento de ar, os músculos inspiratórios trabalham com desvantagem mecânica, causando baixa pressão, baixo fluxo inspiratório e redução da força muscular, resultando em redução da VVM.20 , 24
Outro mecanismo de redução da VVM, em obesos, é resultante da compressão mecânica extrínseca causada pela adiposidade com diminuição da complacência da caixa torácica e aumento do trabalho respiratório. Alguns autores constataram, em obesos, que a força dos músculos respiratórios estava normal (PImáx e PEmáx), e que a redução da VVM sugeria fraqueza muscular, provavelmente resultante da carga extrínseca sobre a parede torácica.24 , 25 O mesmo aconteceu no nosso estudo.
Nós constatamos que adolescentes obesos tendem a ter menor tolerância ao exercício quando comparados ao grupo controle saudável. Esse fato pode ser comprovado por modificações nos valores de FC, PAS, PAD e SatO2. O aumento da FC, PAS e PAD foram significantes nos obesos. As meninas obesas apresentaram valores maiores de FC e meninos obesos apresentaram valores maiores de PA.
A PAS, durante o exercício, se eleva com o aumento dos níveis de carga e a PAD, ou se eleva levemente (menos de 10 mmHg), permanece a mesma, ou diminui levemente (menos de 10 mmHg). Em indivíduos saudáveis, que podem alcançar ou superar suas FCs máximas previstas, a PAS pode elevar homogeneamente durante as cargas submáximas e, então, se manter ou até cair no pico do exercício. Uma resposta anormal da PAD ocorre quando a pressão sobe 15 a 20 mmHg ou mais (acima de 90 mmHg) com o exercício.23 , 26 Embora os valores de PA e FC tenham sido maiores nos indivíduos obesos, as variáveis elevaram-se dentro dos parâmetros fisiológicos.
A SatO2 mais baixa, encontrada nos obesos, pode estar relacionada a desequilíbrio na relação ventilação/perfusão (V/Q) durante o teste de esforço. Essa mudança pode estar relacionada à redução do VRE e foi encontrada nos dois gêneros de obesos. Durante o exercício, o aumento do débito cardíaco não acompanhado do aumento da ventilação agrava a relação V/Q. O resultado é queda na PA e SatO2. Isso coloca limitações sobre a reserva de extração de oxigênio e causa aumento do débito cardíaco como mecanismo compensatório para melhorar o consumo de oxigênio.1 , 27 Estes fatos são mais claros em obesos mórbidos que exibem evidência de hipoxemia e hipercapnia.23 , 26 , 28
Durante o exercício, as pressões parciais de oxigênio e dióxido de carbono (CO2) no sangue arterial são mantidas dentro de limites compatíveis com o equilíbrio da troca sistêmica. O incremento linear do débito cardíaco durante o exercício é proporcional às necessidades de perfusão muscular. As anormalidades da função pulmonar decorrentes da obesidade podem causar aumento no trabalho respiratório.23 Nos obesos mórbidos ocorre aumento da demanda metabólica devido ao trabalho muscular extra que tem que ser realizado para mover o corpo.23 , 26 A razão entre o consumo de oxigênio e a produção de CO2 é aumentada na obesidade, mesmo no repouso.
Nossos estudos apresentam limitações: i) não foi avaliado o volume máximo de oxigênio (VO2máx), que pode ser considerado um indicador de aptidão cardiorrespiratória, e a utilização do método possibilitaria averiguar o efeito da variável nesses indivíduos; ii) trabalhos avaliando e comparando a ação do exercício na função pulmonar nos vários graus de gravidade da obesidade, na adolescência, devem ser estimulados; iii) o mesmo deve ser estimulado para a realização de testes de avaliação máxima ao exercício e não de avaliação submáxima, como foi realizada em nosso estudo; iv) nas variáveis espirométricas utilizamos os valores de Polgar.29 Houve falta de uma equação para comparação entre os grupos, oriunda de uma população de indivíduos saudáveis da mesma área geográfica. Apesar da tentativa de uma equação mundial, na época da coleta dos dados não foi possível a comparação com os valores de Quanjer et al.30 Equações com valores de normalidade para populações distintas devem ser estimuladas, pois podem permitir melhor avaliação de distúrbios respiratórios em diferentes faixas etárias, entre os sexos e nos vários graus da obesidade de indivíduos de uma mesma população e ambiente físico.
Foi constatado que o modelo de distribuição de gordura corporal altera a função pulmonar de forma diferente em meninas e meninos obesos, e não se altera com teste de esforço. No entanto, este estudo foi realizado em um período curto, incluiu obesos não mórbidos e utilizou teste de esforço submáximo. Portanto, outros estudos com adolescentes obesos, nos vários graus de obesidade, utilizando testes de exercícios máximos e por maior tempo poderão permitir uma melhor compreensão das alterações da função pulmonar causadas pela obesidade.