versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170019
A duração do tempo de sono é um dos fatores determinantes da saúde cardiovascular. Estudos demonstram que um menor tempo alocado para o sono está intimamente associado ao aumento da prevalência e incidência de doenças cardiovasculares como, por exemplo, a hipertensão.1 Dentre os possíveis mecanismos, destaca-se a elevação da atividade simpática e do catabolismo, evidenciada pelo aumento dos níveis de catecolaminas e cortisol/corticosterona,2-6 culminando em alterações moleculares e morfológicas,7 podendo, assim, prejudicar o tecido cardíaco.
Diante desse cenário, o treinamento resistido destaca-se como uma possível ferramenta para minimizar ou até mesmo reverter o impacto do débito de sono sobre a saúde cardiovascular. Além de induzir a redução da pressão arterial de repouso, da pressão sistólica do ventrículo esquerdo e da frequência cardíaca,8,9 o treinamento resistido também é capaz de promover o aumento da força isométrica do músculo papilar, e consequentemente melhorar sua performance contrátil.10 Ainda, por influenciar os diversos eixos endócrinos, pode proporcionar uma involução do quadro catabólico instalado pela privação de sono.11
Embora existam estudos destacando o impacto do débito de sono sobre a saúde cardiovascular,4,12 pouco se sabe sobre os seus efeitos sobre a maquinaria contrátil cardíaca, e o papel do treinamento resistido como ferramenta preventiva. Assim, o objetivo do estudo foi avaliar o efeito prévio do treinamento resistido de alta intensidade sobre a contratilidade miocárdica de ratos privados de sono paradoxal.
Usando uma amostragem por conveniência, foram utilizados 40 ratos machos Wistar com 3 meses de idade, pesando 300-350g, provenientes da colônia do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia (CEDEME) da Universidade Federal de São Paulo. Os animais foram mantidos em caixas de polipropileno, em uma sala com temperatura controlada (22 ± 1ºC), ciclo claro/escuro (12:12h), e com água e ração ad libitum.
Os procedimentos foram realizados de acordo com o Guide for the Care and Use of Laboratory Animals - National Research Council, NIH Publication Nº 85-23 (revised 2011). O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo (#0764/10).
Os animais foram distribuídos em 4 grupos: controle (CTRL, n = 10), treinamento resistido (TRES, n = 10), privação de sono paradoxal (PSP) por 96 horas (PSP96, n = 10), e treinamento resistido seguido de PSP por 96 horas (TRES/PSP96, n = 10). Durante todo o período do experimento os animais do grupo CTRL permaneceram em suas caixas moradias e não sofreram manipulações além da rotina usual do laboratório.
O treinamento resistido foi realizado durante 8 semanas conforme descrito previamente.13 Foi utilizado uma escada com dimensões de 110 cm de altura, 18 cm de largura, 80º de inclinação e com espaçamento de 2 cm entre os degraus. No topo da escada existia uma câmara de 20x20x20 cm que servia de abrigo durante o repouso entre as séries do exercício. Os animais subiram a escada com um sistema de peso acoplado na base da cauda, o que permitia o incremento da carga com a progressão do exercício.
A familiarização do animal com o aparato foi constituída de 9 tentativas por dia durante 3 dias consecutivos. Em seguida, foi realizado um teste para determinação da carga máxima13 e, semanalmente, os animais foram submetidos à reavaliação da carga máxima.
As sessões de treinamento foram constituídas de 4 a 8 séries de escalada, com cargas progressivamente maiores e intervalo de 60 segundos entre as séries. O comprimento do aparato de treinamento exigia que os animais executassem de 8 a 12 movimentos (repetições) para se deslocarem do início ao topo da escada. Na primeira série, a sobrecarga imposta ao animal foi equivalente a 50% da carga máxima. Em seguida, a sobrecarga foi incrementada para 75%, 90% e quarta série com 100% da carga máxima; para as subidas subsequentes foram adicionados 30g em cada tentativa até a falha.13 O treinamento foi realizado 5 vezes por semana, de segunda a sexta-feira, no período da tarde. A sessão da segunda-feira foi substituída pelo teste de carga máxima. A fim de evitar o overtraining, devido à alta intensidade do protocolo, foi adotado o descanso profilático às quartas-feiras nas semanas 6, 7 e 8. Durante essas semanas, os animais treinaram segunda-feira, terça-feira, quinta-feira e sexta-feira. Quarenta e oito horas após a última sessão de treinamento os animais dos grupos CTRL e TRES foram eutanasiados e os grupos PSP96 e TRES/PSP96 foram submetidos ao protocolo de PSP.
A PSP foi aplicada por 96 horas contínuas pelo método das plataformas múltiplas modificado,14 capaz de suprimir totalmente o sono paradoxal e reduzir em 37% o sono de ondas lentas.15 Foram alocados 5 animais socialmente estáveis sobre plataformas circulares distantes 10 cm umas das outras em um tanque de aço inox (123 cm de comprimento x 44 cm de largura x 44 cm de altura). O tanque foi cheio de água em temperatura ambiente até 1cm abaixo da superfície das plataformas, permitindo que os animais se deslocassem de uma plataforma para outra e, ao atingirem o sono paradoxal, tocavam na água devido à atonia muscular que acompanha essa fase do sono, sendo então acordados. No decorrer do protocolo, o ambiente foi mantido em condições adequadas de temperatura (22 ± 1°C), ciclo claro-escuro (12h) e a água e ração foram ofertadas ad libitum. O grupo CTRL permaneceu na mesma sala, para que experimentassem as mesmas condições ambientais.
Imediatamente após o protocolo de PSP para os grupos PSP96 e TRES/PSP96, ou 48 horas após a última sessão de treinamento resistido para os animais do grupo TRES ou após período equivalente para o grupo CTRL, foram feitas preparações in vitro do músculo papilar isolado do ventrículo esquerdo.
Os animais foram anestesiados com Uretana (Urethanechloride, 0,3 ml/100 g, i.p., Sigma-Aldrich, St. Louis, Mo, EUA), o coração foi rapidamente removido e colocado em solução de Krebs-Henseleit, previamente oxigenada com 100% de oxigênio e aquecida a 30ºC. O músculo papilar foi dissecado do ventrículo esquerdo, e suas extremidades tendínea e parietal foram presas por anéis de aço inoxidável ao transdutor de força. Posteriormente, o músculo papilar foi suspenso verticalmente na cuba de vidro, contendo a solução de Krebs-Henseleit (mM), composta por: 132 NaCl; 4,69 KCl; 1,5 CaCl; 1,16 MgSO4; 1,18 KH2PO4; 5,50 glicose e 20 HEPES, tamponado a pH 7,4.16 O anel da extremidade inferior do músculo foi conectado ao gancho fixo na cuba de vidro, e o anel superior foi ligado, via um fio de aço inoxidável, ao transdutor de força isométrica (model FT03E, Grass Instrument, Quincy, MA). O transdutor de força estava conectado ao micromanipulador que permitia o ajuste de comprimento do músculo. Paralelamente ao músculo papilar, estavam dois eletrodos de platina acoplados ao estimulador elétrico, que liberavam estímulos em onda quadrada de 5ms de duração, em frequência de 0,2Hz,16,17 e voltagem aproximadamente 20% maior que o mínimo necessário para provocar resposta mecânica máxima do músculo. Após 60 minutos em condição isotônica com pré-carga baixa (0,4 g) para estabilização da preparação, o músculo foi carregado para contrair isometricamente por 15 minutos e, em seguida, estirado até atingir o ápice da curva comprimento-tensão desenvolvida (Lmáx: comprimento diastólico do músculo associado com tensão isométrica desenvolvida máxima). Os testes foram realizados em Lmáx e a tensão isométrica foi avaliada pela força normalizada para a área da secção transversa (AST) do músculo (g.mm-2). A AST do músculo papilar foi calculada pela razão entre a sua massa (mg) e seu comprimento em repouso, verificado em Lmáx (mm), assumindo uniformidade cilíndrica e uma gravidade específica de 1,04.
Os parâmetros de função contrátil analisados foram: tensão desenvolvida (TD; g.mm-2), tensão de repouso (TR; g.mm-2), variação temporal da força na contração (+dT/dt; g.mm-2.s-1), variação temporal da força no relaxamento (-dT/dt; g.mm-2.s-1), tempo para atingir o pico da tensão desenvolvida (TPT; ms) e tempo para tensão desenvolvida decrescer 50% de seu valor máximo, como parâmetro temporal de capacidade de relaxamento (TR50%; ms). O comportamento mecânico dos músculos papilares foi avaliado nas seguintes condições: 1) Basal; 2) Relação Comprimento-Tensão (variação do comprimento muscular de 92% a 100% do Lmáx); 3) Potenciação Pós-Pausa (utilizando 10, 20, 30, 60 e 120 segundos de pausa); e 4) Resposta contrátil ao cálcio (Ca2+) (aumento da concentração de Ca2+ de 1,5 mM para 2,5 mM na solução nutridora).
As análises foram realizadas com auxílio do programa Statistica® (Stat Soft, Inc, versão 12.0). Para a análise descritiva dos dados, calcularam-se as medidas de tendência central. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Shapiro Wilk. Os dados com distribuição paramétrica foram analisados pela análise de variância (ANOVA) one-way ou two-way, com teste post hoc de Duncan, enquanto os dados não paramétricos foram padronizados com Z-score e posteriormente avaliados pela ANOVA. Nas manobras/condições experimentais de relação comprimento-tensão e potenciação pós-pausa, foi realizada a regressão linear para comparação entre os slopes e a área abaixo da curva, respectivamente. Posteriormente, os valores relativos aos slopes e a área abaixo da curva de cada grupo foram analisados pela ANOVA, conforme descrito acima. A significância estatística adotada foi de α = 0,05.
Não houve diferença da massa do músculo papilar entre os grupos (F(3,23 = 0,16005, p > 0,05). Para Lmáx, houve redução nos grupos PSP96 (p = 0,03) e TRES/PSP96 (p = 0,002) quando comparados ao grupo CTRL, sendo o grupo TRES/PSP96 diferente do grupo TRES (p = 0,005), (F(3,21) = 6,0487, p < 0,01). Quanto à AST, verificou-se aumento nos grupos TRES (p = 0,02), PSP96 (p = 0,02) e TRES/PSP96 (p=0,01) comparado ao grupo CTRL (F(3,19) = 3,1706, p < 0,05) (Tabela 1).
Tabela 1 Efeito do treinamento resistido e da privação de sono paradoxal sobre os parâmetros biométricos do músculo papilar
Variáveis | CTRL | TRES | PSP96 | TRES/PSP96 |
---|---|---|---|---|
Massa do músculo papilar (mg) | 5,96 ± 2,02 | 5,98 ± 1,43 | 6,35 ± 0,89 | 5,77 ± 1,64 |
Lmáx (mm) | 5,86 ± 0,84 | 5,71 ± 0,73 | 4,91 ± 0,64* | 4,40 ± 0,60*, † |
AST (mm2) | 1,00 ± 0,27 | 1,30 ± 0,19* | 1,29 ± 0,12* | 1,35 ± 0,21* |
Dados apresentados em média ± desvio-padrão. Lmáx: comprimento máximo do músculo papilar; AST: área de secção transversa.
*diferente do grupo CTRL;
†diferente do grupo TRES.
Observou-se diminuição da TD no grupo TRES/PSP96 quando comparado ao CTRL (F(3,23) = 3,3049; p = 0,009), e menor TR no grupo PSP96 quando comparado ao TRES (F(3,22) = 3,6623; p = 0,01). Em relação à +dT/dt, os grupos PSP96 (p = 0,006) e TRES/PSP96 (p = 0,001) apresentaram redução quando comparados ao grupo CTRL (F(3,20)=8,0313, p < 0,05). Esse comportamento foi semelhante ao encontrado na avaliação da variável -dT/dt, mas somente para o grupo PSP96 (F(3,26) = 2,7244, p = 0,01) (Figura 1).
Figura 1 Efeito do treinamento resistido e da privação de sono paradoxal sobre a mecânica contrátil do músculo papilar sob contração isométrica. ANOVA one‑way com post hoc de Duncan Test. Dados apresentados em média ± erro-padrão, com resultados significativos para p = 0,05. TD: tensão isométrica desenvolvida máxima; TR: tensão isométrica de repouso; (+dT/dt): variação temporal da força na contração; (-dT/dt): variação temporal da força no relaxamento; TPT: tempo para atingir o pico da tensão desenvolvida; TR50% - tempo decorrido para a tensão desenvolvida decrescer 50% de seu valor máximo; CTRL: grupo controle; TRES: treinamento resistido; PSP96: privação de sono paradoxal por 96 horas; TRES/PSP96: treinamento resistido seguido de privação de sono paradoxal por 96 horas. * diferente do grupo CTRL; † diferente do grupo TRES; ‡ diferente de todos os grupos
Quanto aos parâmetros temporais, observamos um comportamento similar entre os grupos em relação à contração cardíaca (F(3,23) = 0,00, p > 0,05). Já em relação ao parâmetro referente ao TR50%, evidenciamos prolongamento do relaxamento no grupo PSP96, comparado a todos os grupos (F(3,26) = 3,9344, p < 0,05).
Os grupos TRES (p = 0,02), PSP96 (p = 0,03) e TRES/PSP96 (p = 0,0001) apresentaram menores slopes da variável TD quando comparados ao grupo CTRL, sendo o grupo TRES/PSP96 também estatisticamente inferior aos grupos TRES (p = 0,03) e PSP96 (p = 0,02), (F(3, 24) = 7,0880, p < 0,01). Já em relação a TR, houve redução no grupo PSP96 em comparação ao grupo TRES (p = 0,03), (F(3,23) = 2,5483, p < 0,05) (Figura 2).
Figura 2 Efeito do treinamento resistido e da privação de sono paradoxal sobre os parâmetros contráteis do músculo papilar na relação comprimentotensão. ANOVA one-way com post hoc de Duncan Test. Dados apresentados em média ± erro-padrão, com resultados significativos para p = 0,05. TD: tensão desenvolvida; TR: tensão de repouso; (+dT/dt): variação temporal da força na contração; (-dT/dt): variação temporal da força no relaxamento; CTRL: grupo controle; TRES: treinamento resistido; PSP96: privação de sono paradoxal por 96 horas; TRES/PSP96: treinamento resistido seguido de privação de sono paradoxal por 96 horas.* diferente do grupo CTRL; † diferente do grupo TRES; ‡ diferente de todos os grupos.
Na avaliação da +dT/dt, os grupos PSP96 e TRES/PSP96 apresentaram slopes inferiores aos grupos CTRL (p < 0,01) e TRES (p < 0,05), sendo o grupo PSP96 superior ao grupo TRES/PSP96 (p = 0,01), (F(3,21) = 15,741, p < 0,01). Não houve diferenças entre os slopes da -dT/dT dos grupos estudados (F(3,20) = 2,4210, p > 0,05).
Para o TPT, não houve diferenças entre os grupos (p > 0,05). Quanto ao TR50%, o grupo PSP96 apresentou valores superiores desta variável em todas as porcentagens de estiramento avaliada, quando comparado aos demais grupos (F(3,25) = 5,1010, p < 0,05) (Figura 3).
Figura 3 Efeito do treinamento resistido e da privação de sono paradoxal sobre os parâmetros temporais do músculo papilar na relação comprimento-tensão. ANOVA two-way com post hoc de Duncan Test. Dados apresentados em média ± erro-padrão, com resultados significativos para p = 0,05. TPT: tempo para atingir o pico da tensão desenvolvida; TR50%: tempo decorrido para a tensão desenvolvida decrescer 50% de seu valor máximo; Lmáx: comprimento máximo do músculo papilar CTRL: grupo controle; TRES: treinamento resistido; PSP96: privação de sono paradoxal por 96 horas; TRES/PSP96: treinamento resistido seguido de privação de sono paradoxal por 96 horas. ‡ diferente de todos os grupos, em cada porcentagem de estiramento avaliada
Houve redução da TD no grupo TRES/PSP96 quando comparado ao grupo CTRL (p = 0,01), (F(3,22) = 2,2722, p < 0,05). A TR reduziu no grupo PSP96 comparado aos grupos CTRL (p = 0,02) e TRES (p = 0,03), (F(3,21) = 2,9579, p < 0,05), comportamento similar ao observado quando avaliado a variável -dT/dt (F(3,23) = 4,3408, p < 0,05). A +dT/dt foi inferior nos grupos PSP96 (p = 0,02) e TRES/PSP96 (p = 0,002) comparado ao grupo CTRL, sendo o grupo TRES/PSP96 diferente do grupo TRES (p = 0,01), (F(3,23) = 4,6147, p < 0,05) (Figura 4).
Figura 4 Efeito do treinamento resistido e da privação de sono paradoxal sobre os parâmetros contráteis do músculo papilar na potenciação pós-pausa. ANOVA one‑way com post hoc de Duncan Test. Dados apresentados em média ± erro-padrão, com resultados significativos para p = 0,05. TD: tensão desenvolvida; TR: tensão de repouso; (+dT/dt): variação temporal da força na contração; (-dT/dt): variação temporal da força no relaxamento; CTRL: grupo controle; TRES: treinamento resistido; PSP96: privação de sono paradoxal por 96 horas; TRES/PSP96: treinamento resistido seguido de privação de sono paradoxal por 96 horas. * diferente do grupo CTRL; † diferente do grupo TRES.
Não foram observadas diferenças nos parâmetros temporais entre os grupos (F(12,96) = 0,7959, p > 0,05), exceto o aumento da TR50% no momento 60s em relação a todos os momentos de pausa, 10 (p = 0,00004), 20 (p = 0,001), 30 (p = 0,004) e 120 segundos (p = 0,0006), (F(4,88) = 3,8313, p < 0,05) no grupo TRES/PSP96 (Figura 5).
Figura 5 Efeito do treinamento resistido e da privação de sono paradoxal sobre os parâmetros temporais do músculo papilar na potenciação pós-pausa. ANOVA Two-way com post hoc de Duncan Test. Dados apresentados em média ± erro-padrão, com resultados significativos para p = 0,05. TPT: tempo para atingir o pico da tensão desenvolvida; TR50%: tempo decorrido para a tensão desenvolvida decrescer 50% de seu valor máximo; CTRL: grupo controle; TRES: treinamento resistido; PSP96: privação de sono paradoxal por 96 horas; TRES/PSP96: treinamento resistido seguido de privação de sono paradoxal por 96 horas * diferente do grupo CTRL; † diferente do grupo TRES; ‡ diferente de todos os momentos de pausa, no mesmo grupo
Observou-se aumento da variável TD no grupo TRES (F(1,18) = 5,1523, p = 0,02), logo, maior resposta à manobra inotrópica despertada pelo cálcio. A TR foi menor à concentração de Ca2+ 2,5 mM em comparação à concentração de 1,5 mM (F(1,18) = 14,0730, p < 0,01) nos grupos CTRL (p = 0,001) e TRES/PSP96 (p = 0,04), e inferior no grupo PSP96 em ambas as concentrações de Ca2+, 1,5 mM (p = 0,009) e 2,5 mM (p = 0,02), (F(3,18) = 3,2331, p < 0,05) em comparação ao grupo CTRL (Figura 6).
Figura 6 Efeito do treinamento resistido e da privação de sono paradoxal sobre a mecânica contrátil do músculo papilar em resposta ao aumento da concentração de Ca2+ extracelular. ANOVA two-way com post hoc de Duncan Test. Dados apresentados em média ± erro-padrão, com resultados significativos para p = 0,05. TD: tensão desenvolvida; TR: tensão de repouso; (+dT/dt): variação temporal da força na contração; (-dT/dt): variação temporal da força no relaxamento; TPT: tempo para atingir o pico da tensão desenvolvida; TR50%: tempo decorrido para a tensão desenvolvida decrescer 50% de seu valor máximo. * diferente do grupo CTRL, na mesma concentração de Ca2+; † diferente do grupo TRES, na mesma concentração Ca2+; ‡ diferente da concentração de Ca2+ 1,5 mM, no mesmo grupo; § diferente de todos os grupos, na mesma concentração de Ca2+.
Na variável +dT/dt, observou-se que o grupo TRES/PSP96 foi superior no momento Ca2+ 2,5 mM em relação ao momento Ca2+ 1,5 mM (p = 0,03), entretanto, em ambos os momentos, Ca2+ 1,5 mM (p = 0,01) e Ca2+ 2,5 mM (p = 0,03) este grupo apresentou valores reduzidos quando comparado ao CTRL (F(1,18) = 9,354531, p < 0,01). Comportamento semelhante foi observado para a -dT/dt, com redução no grupo PSP96 em ambas as concentrações de Ca2+, quando comparado aos grupos CTRL (p = 0,03) e TRES (p = 0,02), (F(3,20) = 3,6516, p < 0,05).
A TPT aumentou à concentração de Ca2+ 2,5 mM no grupo PSP96 quando comparado aos grupos CTRL (p = 0,003), TRES (p = 0,02) e TRES/PSP96 (p = 0,01) (F(3,19) = 5,538, p < 0,05). Já quando observado a variável TR50%, não se verificaram diferenças entre os grupos estudados (F(3,19) = 0,69, p < 0,05).
Os resultados demonstram o efeito deletério da PSP sobre a contratilidade miocárdica e a eficácia parcial do treinamento resistido como estratégia para atenuar as alterações observadas. O treinamento resistido e a PSP promovem hipertrofia do miocárdio associado à redução de Lmáx, possivelmente pelo aumento do conteúdo de colágeno cardíaco18 e menor capacidade de estiramento do músculo papilar consequente ao aumento de corticosterona induzido pela PSP.5,19
As medidas basais forneceram um indicativo de depressão funcional miocárdica nos grupos submetidos à PSP. Interessantemente, os dados assemelham-se aos encontrados em ratos infartados20 ou nefrectomizados,21 nos permitindo destacar o caráter agressivo da PSP sobre os parâmetros contráteis e temporais do músculo papilar em apenas 4 dias.
O parâmetro temporal de relaxamento cardíaco foi aumentado no grupo PSP96, possivelmente pela composição da miosina do músculo cardíaco22 e pela duração do transiente de cálcio,23 ambos influenciados pelo desequilíbrio na via do cálcio.24 No entanto, o treinamento resistido foi capaz de prevenir a lentidão no tempo de relaxamento do músculo papilar, embora não tenha sido eficaz sobre o decréscimo na variável TD.
A redução da TD no grupo TRES/PSP96 pode ser justificada pela alta intensidade do treinamento resistido. Contudo, apesar de promover adaptações benéficas, seu efeito somado à PSP resultou em depressão da função contrátil no músculo papilar. Não houve diferença da TD entre os grupos CTRL e TRES, indicando a manutenção da função contrátil do músculo papilar. Em contrapartida, previamente foi demonstrado que o treinamento resistido com cargas pré-definidas (60-70% de 1RM) é capaz de melhorar a atividade da miosina ATPase e a contratilidade do músculo papilar.8 Quanto ao treinamento aeróbio, estudos demonstram valores superiores da TD em animais treinados em relação a animais controles.16,25
A análise da resposta contrátil dos músculos papilares ao estiramento permitiu avaliar a integridade da relação de Frank-Starling. Todos os grupos, exceto o CTRL, tiveram resposta contrátil deprimida, sugerindo prejuízo ou exaustão no mecanismo de Frank-Starling no miocárdio. Quando avaliada a +dT/dt, observamos um prejuízo somente no grupo PSP96. A resposta contrátil ao estiramento está geralmente relacionada ao aumento do número de cabeças de miosina associadas à actina. O alongamento de um músculo promove diminuição da distância entre os filamentos grossos e finos, facilitando a ligação desses, e consequente ligação do Ca2+ à troponina. Assim, é plausível afirmar que a distância entre os filamentos é um fator significativo para determinação do comportamento fisiológico do músculo cardíaco.26,27
A diminuição da TR corrobora a piora da resposta contrátil observada no grupo PSP96 frente ao mecanismo de Frank-Starling, indicando maior rigidez e comprometimento da contratilidade e do relaxamento como observado em animais infartados.20 Quanto menor o valor da TR, maior a capacidade de distensão do músculo papilar, que se associa ao aumento da taxa de colágeno do tipo III sobre o colágeno tipo I.28 Outra possível hipótese é a inadequada oxigenação muscular.29-31 Associado a isso, e de maneira similar ao observado nas análises basais, destaca-se o aumento do tempo de relaxamento no grupo PSP96.
Quanto ao grupo TRES, não observamos elevação dos parâmetros contráteis. No entanto, a literatura demonstra que o exercício físico regular tem impacto na relação comprimento-tensão em cardiomiócitos do ventrículo esquerdo, aumentando a força de contração.29-31 Em contrapartida, foi verificado que a relação comprimento-tensão desenvolvida foi deprimida em animais submetidos ao treinamento aeróbio, sugerindo que esse tipo de exercício não foi capaz de atenuar esse comportamento.25
A potenciação após pausa de estímulos elétricos permite avaliar indiretamente o equilíbrio entre a captação, armazenamento e liberação de Ca2+ pelo retículo sarcoplasmático e a extrusão de Ca2+ da célula através do sarcolema. A pausa de estímulos potencializa a contração seguinte em consequência do acúmulo de Ca2+ no retículo sarcoplasmático durante a pausa; do aumento na liberação deste íon pelo retículo sarcoplasmático e da reduzida participação do trocador Na+/Ca2+ em retirar o Ca2+ do sarcolema.32,33 Em ratos infartados, foi verificado a depressão da potenciação pós-pausa do músculo papilar.20,25 Essas características foram evidenciadas em nosso estudo somente quando avaliada as variações temporais da força na contração (+dT/dt) e relaxamento (-dT/dt) do grupo PSP96, sugerindo possível disfunção na cinética de Ca2+ associado ao aumento da atividade do trocador Na+/Ca2+.
Assim, os dados sugerem que a PSP é capaz de interferir na funcionalidade cardíaca, e que tais alterações não foram atenuadas pelo treinamento resistido de alta intensidade, uma vez que os animais submetidos ao exercício apresentaram uma involução da +dT/dt. Talvez, protocolos de intensidade moderada ou baixa, ou até mesmo o treinamento aeróbio poderiam ser mais eficazes para a melhora da função contrátil do músculo papilar. Dados experimentais demonstraram uma potenciação pós-pausa aumentada em animais infartados submetidos ao treinamento físico aeróbio, destacando o caráter preventivo desse tipo de treinamento.25
Por fim, avaliamos a resposta contrátil do músculo papilar ao aumento da concentração de Ca2+ na solução nutridora. Essa manobra tem como objetivo averiguar se há melhora do comportamento contração-relaxamento com o aumento da disponibilidade de Ca2+.34 De acordo com nossos resultados, mediante o aumento nas concentrações de Ca2+, houve aumento da TD no grupo TRES e diminuição tanto da TR como da -dT/dt no grupo PSP96. Já a +dT/dt melhorou no grupo TRES/PSP9696 mediante ao estímulo dado, enquanto a variável temporal de contração cardíaca aumentou no grupo PSP96, sugerindo piora do tempo para ocorrência da sístole.
Esse conjunto de resultados nos permite afirmar que a resposta contrátil e temporal foi prejudicada com a PSP. Independente da concentração de Ca2+, o músculo papilar dos animais submetidos à PSP não responderam adequadamente. Essas respostas deprimidas vêm ao encontro ao observado em animais infartados.35
Diante do exposto, conclui-se que o treinamento resistido de alta intensidade foi eficaz na melhoria dos parâmetros temporais, embora não tenham sido observados benefícios para as alterações contráteis. Sugere-se que protocolos de exercícios físicos menos intensos possam ser mais interessantes para a proteção plena do miocárdio, representado pelo músculo papilar.
O presente estudo teve como objetivo investigar os efeitos da privação de sono na contratilidade miocárdica, na ausência de comorbidades associadas, o que em estudos clínicos poderia confundir os resultados. Dessa forma, é preciso cautela para aplicar os resultados encontrados em investigações clínicas.