versão impressa ISSN 1809-2950
Fisioter. Pesqui. vol.21 no.1 São Paulo jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/446210114
A contusão é uma lesão causada por trauma direto no músculo esquelético, de forma tangencial ou direta, e representa 60% das lesões esportivas1. Pode ser dividida em leve, moderada e grave, e apresenta sinais e sintomas como dor, edema, limitações da amplitude de movimento, da força muscular, da função e da marcha, proporcional ao grau da lesão2.
Depois de uma lesão muscular aguda, têm sido recomendados o princípio do repouso, a crioterapia/compressão/elevação e a mobilização precoce2 , 3. Ainda, frequentemente, são prescritos anti-inflamatórios4 - 6, injeções de actogevin, manipulações e exercícios, porém as revisões sistemáticas apontam para evidências científicas reduzidas sobre o tratamento7 , 8.
Entre os diversos exercícios recomendados para o tratamento da contusão muscular, o alongamento muscular é comumente utilizado na reabilitação e na prática esportiva1 , 7. No entanto, ainda não estão claros os efeitos desse exercício no processo de regeneração muscular9 - 11. Segundo Kannus et al.12, a movimentação livre e a mobilização na esteira melhoram a orientação das fibras de colágeno e a atrofia causada pela imobilização. Outros estudos com ratos reportaram que o alongamento muscular passivo estático pode reduzir a atrofia muscular13, aumentar a área de secção transversa das fibras musculares e o número de sarcômeros em série14.
Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos agudos do alongamento muscular após contusão do músculo gastrocnêmio de ratos.
Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética (CEEA) (491/2010), foram selecionados 33 ratos albinos jovens (8 a 9 semanas), com peso corporal inicial de 219±35 g. Os animais foram agrupados e mantidos em gaiolas plásticas padrão, em condições ambientais controladas (luminosidade: 12 horas de ciclo claro/escuro) com livre acesso à água e ração peletizada.
Os animais foram divididos em quatro grupos: Grupo Controle (GC, n=3): o músculo gastrocnêmio não foi submetido à contusão e não recebeu nenhum tratamento; Grupo Lesão (GL, n=10): foi realizada a contusão do músculo gastrocnêmio direito (MGD), como descrito por Minamoto et al.15; Grupo Alongamento (GA, n=10): o MGD não foi submetido à contusão, porém 72 horas após a chegada do animal ao biotério foi iniciado o alongamento passivo do MGD, 1 vez por dia, durante 5 dias consecutivos. Foram realizadas 4 repetições de alongamento, com duração de 30 segundos cada, com intervalo de 30 segundos entre cada repetição16, repetido 4 vezes17; Grupo Lesão e Alongamento (GLA, n=10): o MGD foi submetido à contusão, e, após 72 horas, foi iniciado o alongamento, seguindo o mesmo protocolo descrito anteriormente. Todos os ratos de todos os grupos foram submetidos à ortotanásia no 8o dia (Figura 1).
Os animais foram anestesiados com Ketamina (95 mg/kg) e Xylazina (12 mg/kg) intraperitoneal e mantidos em decúbito ventral, com a pata direita posterior imobilizada manualmente, em extensão de joelho e flexão dorsal a 90º da articulação tíbio-társica. Com os animais sob efeito anestésico, a contusão seguiu o protocolo de Minamoto et al. 15.
Para o alongamento do MGD, os animais foram imobilizados manualmente e foi realizada a dorsiflexão máxima da pata direita, por 30 segundos com intervalo de 30 segundos entre cada repetição16, repetido 4 vezes17. O alongamento foi iniciado 72 horas após a lesão, sendo realizado diariamente, uma vez ao dia, durante 5 dias consecutivos.
Após 24 horas do término do experimento, os animais receberam anestesia intraperitoneal (Ketamina, 95 mg/kg e Xylazina, 12 mg/kg) para a retirada dos músculos gastrocnêmios bilateralmente. Em seguida, os animais foram submetidos à ortotanásia com overdose anestésica.
Durante a dissecação, os músculos foram periodicamente gotejados com solução salina (NaCl 0,9%). Posteriormente, o músculo foi pesado em balança eletrônica de precisão, e depois disso foi mensurado o comprimento muscular por meio de um paquímetro digital. Em seguida, o músculo gastrocnêmio foi mergulhado em solução de glutaraldeído (2,5%) por 3 horas e então foi transferido para solução de ácido nítrico (30%) por 48 horas e posteriormente armazenado em glicerol (50%).
Para confecção das lâminas histológicas, cinco fibras musculares foram isoladas do ventre de cada músculo gastrocnêmio, direito e esquerdo. Em seguida, as fibras isoladas foram montadas em lâmina histológica, em meio contendo gelatina-glicerina (Sigma), e protegidas por uma lamínula. Em cada fibra muscular, o número de sarcômeros em série foi identificado ao longo de 300 μm, em microscópio de Luz (objetiva 100x, em imersão). A quantificação foi realizada em monitor de vídeo, com sistema de vídeo-imagem acoplado ao microscópio.
O número total e o comprimento dos sarcômeros, em cada fibra muscular isolada, foram estimados pela correlação entre o número de sarcômeros identificados ao longo de 300 μm da fibra e o comprimento total do músculo, como descrito por Williams e Goldspink18. Apesar de haver controvérsias na literatura, neste estudo, o comprimento dos sarcômeros ao longo das fibras musculares foi considerado homogêneo14.
Para avaliar a normalidade e a homoscedasticidade, foram realizados os testes Shapiro-Wilk e Levene, respectivamente. As estatísticas descritivas para os resultados paramétricos e não paramétricos estão expressas como a média±desvio padrão. As comparações intra e intergrupos foram realizadas por meio da ANOVA post hoc Tukey unequal HSD para valores paramétricos; quando não paramétricos, foi usado o Kruskall Wallis. Os valores foram considerados significativos quando p≤0,05.
Foi encontrado aumento significativo entre o peso corporal inicial e o final em todos os grupos (intragrupo, p<0,05, ANOVA post hoc Tukey unequal HSD). Em relação ao peso absoluto, o peso corporal final do GL foi maior que o GA (337±28 versus 281±28 g, p=0,008) e GLA (337±28 versus 275±25 g, p=0,002, ANOVA). Já em relação à diferença relativa no ganho de peso, não foi encontrada diferença significativa entre os grupos. Os resultados estão descritos na Tabela 1.
Tabela Efeito do alongamento no peso corporal dos ratos
Grupos |
Peso inicial
(g) Média±DP |
Peso final
(g) Média±DP |
Diferença relativa (%) |
Valor p ANOVA |
---|---|---|---|---|
GC | 196±19 | 286±19* | 46,3 | 0,0006 |
GL | 264±18 | 337±28*# | 28,6 | 0,0001 |
GA | 190±12 | 275±25* | 45,1 | 0,0001 |
GLA | 197±21 | 281±28* | 43,7 | 0,0001 |
Os resultados são média±desvio padrão
GC: Grupo Controle
GL: Grupo Lesão
GA: Grupo Alongamento
GLA: Grupo Lesão e Alongamento
*comparado com o peso corporal inicial
#comparado com GA (p=0,0008) e com GLA (p=0,002)
Não foi encontrada nenhuma diferença significativa comparando-se o MGD e o esquerdo (MGE) (intragrupo, p>0,05). Na comparação intergrupos, o peso muscular do MGD do GL foi maior que o GA (1,89±0,17 versus 1,33±0,13 g, p=0,001, Kruskall-Wallis). Os resultados estão demonstrados na Figura 2.
Analisando o comprimento muscular do MGD e MGE, não foi observada diferença significativa intragrupo. Nas comparações intergrupos, o comprimento do MGD do GL foi maior em relação ao GA (28,53±3,63 versus 22,37±1,82 mm, p=0,01, ANOVA post hoc Tukey unequal HSD). Os dados estão apresentados na Figura 3A.
Na comparação entre o número de sarcômeros em série do MGD e MGE, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa (ANOVA post hoc Tukey).
Na comparação intergrupos do MGD, o GL foi maior que o GA (9.455±1.540 versus 5.023±1.188; p=0,0001, ANOVA post hoc Tukey unequal HSD) e o GLA foi maior que o GA (9.123±720 versus 5.023±1.188; p=0,0002). Os dados estão demonstrados na Figura 3B.
Em relação à comparação intragrupo, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa em nenhum grupo.
No comprimento dos sarcômeros do MGD, foi encontrado aumento significativo do GA em relação ao GL (4,60±0,77 versus 3,03±0,18 µm, p=0,0008), em relação ao GLA (4,60±0,77 versus 2,96±0,17 µm, p=0,001) e em relação ao GC (4,60±0,77 versus 2,95±0,03 µm, p=0,001) (ANOVA post hoc Tukey unequal HSD). Os dados estão apresentados na Figura 3C.
Os resultados deste estudo mostraram um aumento do peso muscular, comprimento muscular e ENSS do GL em relação ao GA. O protocolo de alongamento no músculo lesado proporcionou um incremento no número de sarcômeros em relação ao grupo não lesionado.
A fibra muscular tem grande propriedade de adaptação a novos estímulos, podendo alterar seu volume, comprimento muscular, número e comprimento dos sarcômeros19.
Em relação ao peso corporal final, foi observado aumento em todos os grupos, compatível com o ganho de peso corporal normal do animal14. No entanto, o GL apresentou peso corporal maior quando comparado ao GA e GLA. Esse desfecho sugere que o alongamento realizado diariamente poderia ter interferido no ganho de peso corporal. Porém, o ganho relativo de peso corporal não foi significativo entre os grupos, demonstrando que o alongamento não interferiu nessa variável.
O peso muscular do GL foi maior quando comparado ao GA, o que pode ter ocorrido em razão da fase aguda após a contusão, caracterizada por período inflamatório, na qual é comum a presença de edema, que pode ter acarretado o aumento do peso muscular20.
O aumento de peso muscular após a lesão é divergente na literatura. Enquanto alguns autores encontraram achados semelhantes ao presente estudo, ou seja, aumento do peso muscular no músculo lesado20 - 22, outros não encontraram qualquer aumento do peso do músculo gastrocnêmio, 48 horas após a lesão, justificando essa inalteração pela depleção proteica causada pela lesão23.
Por outro lado, não se pode deixar de considerar que o ganho de peso corporal ocorreu em todos os grupos, e tanto o peso quanto o comprimento muscular aumentam com o incremento do peso corporal. Além disso, o comprimento muscular não é a melhor medida para estabelecer o comprimento longitudinal do músculo, sendo mais recomendada a contagem do número de sarcômeros em série.
No presente estudo, foi observado maior número de sarcômeros em série no MGD do GL quando comparados ao GA. Desse modo, supõe-se que o maior peso corporal final absoluto do GL pode ter causado aumento no peso e comprimento musculares, resultando em mais sarcômeros em série24. Contudo, o ganho de peso relativo entre os grupos não apresentou diferença significativa. De qualquer forma, não se pode sugerir que a maior quantidade de sarcômeros em série do GL foi decorrente da contusão muscular.
Na análise do comprimento dos sarcômeros do GL, foi observado menor cumprimento quando comparado ao GA. Esse achado corrobora com o estudo de Williams e Goldspink25, que reportaram que modificações no número de sarcômeros em série implicam ajustes no comprimento dos sarcômeros. Dessa forma, o menor comprimento dos sarcômeros encontrado no GL pode ter sido decorrente do maior número de sarcômeros em série, para que ocorresse a sobreposição ótima dos filamentos contráteis25 , 26.
Por outro lado, o GLA apresentou maior número de sarcômeros em série quando comparado ao GA, porém esses grupos não apresentaram diferença estatística com o GC. Esse desfecho sugere que o músculo lesado pode responder diferentemente ao alongamento quando comparado ao músculo hígido. Outros pesquisadores avaliaram o efeito do alongamento, 2 vezes por semana, no músculo sóleo hígido de ratos e, após 3 semanas, observaram aumento do número de sarcômeros em série27.
Pode-se supor, no presente estudo, que não houve tempo e estímulo suficientes para incrementar o número de sarcômeros em série nos músculos não lesados. Estudos anteriores mostraram que o estímulo do tipo imobilização dos músculos em posição alongada, por tempo de 3 a 4 semanas, acarretava aumento no comprimento muscular pela adição no número de sarcômeros em série28 , 29. No entanto, no presente estudo, os músculos não foram imobilizados em posição alongada e também não permaneceram o período de 3 a 4 semanas, suficientes para adição importante no número de sarcômeros em série, mesmo quando o alongamento é realizado de forma intermitente, isto é, não mantidos imobilizados em posição de alongamento14.
Foi uma surpresa encontrar maior número de sarcômeros no GLA quando comparado ao GA. Até o presente momento, não foi encontrado nenhum artigo que avaliasse o número e o comprimento dos sarcômeros após lesão muscular. Além disso, não existem muitos artigos sobre os efeitos do alongamento após a lesão muscular.
Hwang et al. 9 verificaram, em músculo de ratos, os efeitos do alongamento passivo (5 segundos de manutenção com 5 segundos de intervalo durante 15 minutos) nas fases inflamatória, regenerativa e proliferativa. Esses autores concluíram que todos os grupos submetidos ao alongamento (iniciados no 2o, 7o e 14o dia) apresentaram diminuição da fibrose, melhora significativa na regeneração e aumento da força muscular, mais expressivos no 14o dia.
Alguns estudos avaliaram os efeitos da mobilização no processo de regeneração muscular22 , 30. Järvinen et al. 22 reportaram que a mobilização induz a uma reepitelização mais rápida e mais intensa nas bordas da lesão principalmente nos estágios iniciais. Faria et al. 30 investigaram diferentes protocolos de mobilização após lesão muscular em ratos. Os protocolos propostos foram para mobilizar durante 5 a 8 dias, com sessões de 15 ou 45 minutos, iniciando 1 e 3 horas após a lesão. Concluíram nesse estudo que o processo de regeneração muscular está relacionado com o início e o tempo da mobilização, sendo maior nos grupos que a iniciaram mais precocemente e que, assim, tiveram maior tempo de mobilização.
Assim, a sarcomerogênese observada do GLA comparada ao GA pode ter respondido ao início precoce da mobilização, já que no presente estudo foi iniciado o alongamento 72 horas após a contusão. Quanto ao GA, como o músculo se apresentava em estado normal, não encurtado, não imobilizado, não lesado, supõe-se que o estímulo necessário para induzir a adição de sarcômeros em série deveria ser maior e por período mais prolongado, como realizado por outros estudos14 , 27.
Foi encontrado no presente estudo maior comprimento dos sarcômeros no GA comparado ao GLA, concordando com a hipótese de que o ajuste do comprimento dos sarcômeros ocorre de acordo com o número de sarcômeros para que o músculo desenvolva a máxima tensão25.
Podem ser indicadas algumas limitações do presente estudo, como a ausência da análise da área de secção transversa, do tecido conjuntivo, da expressão gênica e de proteínas, para investigar os mecanismos da plasticidade de músculos lesados em resposta ao estímulo de alongamento.
No presente estudo, foi observado que a contusão e o alongamento não interferiram no ganho de peso corporal final dos animais. Além disso, o protocolo de alongamento foi suficiente para induzir a sarcomerogênese em músculos lesados, sem interferir no músculo hígido. No entanto, os músculos apenas alongados, isto é, não lesados, apresentaram comprimento dos sarcômeros maior quando comparado aos demais grupos, demonstrando que a ausência de sarcomerogênese induz o aumento do comprimento dos sarcômeros.
Os desfechos do presente estudo indicam a importância do alongamento, mesmo na fase aguda após a contusão muscular, para ganho de sarcômeros em série. Com as devidas restrições de extrapolação, o protocolo de alongamento aplicado permite sugerir a indicação clínica para prevenção de perda de amplitude de movimento, comumente observada após a lesão muscular.