versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.2 São Paulo abr./jun. 2017 Epub 27-Abr-2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170022
A hemodiálise contribui para o aumento do estresse oxidativo, produzindo radicais livres e reduzindo os níveis de enzimas antioxidantes em pacientes com doença renal terminal (DRT).1 Durante a hemodiálise, a compartimentalização dos solutos reduz seus níveis séricos e a eficiência da diálise através da diminuição do seu suprimento para o dialisador, prejudicando assim a sua remoção.2
A hemodiálise também reduz a pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2), aumenta o volume minuto em função da produção e excreção de dióxido de carbono (CO2) e eleva o consumo de oxigênio por conta da alcalose metabólica.3,4 A hipoxemia gerada durante a hemodiálise devido ao sequestro de leucócitos intrapulmonares reduz o débito cardíaco e induz o aparecimento de microatelectasias.3
Hoje em dia, o exercício físico é recomendado para pacientes em hemodiálise por conta de seus efeitos benéficos crônicos, que incluem aumento da capacidade aeróbica, força muscular, produção de antioxidantes, controle da pressão arterial e diminuição da fadiga.5-9 Contudo, os efeitos agudos do exercício durante a diálise ainda não foram suficientemente estudados. É possível que o exercício agudo provoque efeitos prejudiciais no curto prazo, tais como o aumento do estresse oxidativo e a diminuição da produção de enzimas antioxidantes, agravando a condição clínica dos pacientes.10
Portanto, o objetivo do presente estudo foi investigar os efeitos agudos do exercício aeróbico intradialítico sobre a remoção de solutos, gases no sangue e estresse oxidativo na DRT utilizando um cicloergômetro para membros inferiores durante as sessões de hemodiálise.
Trinta pacientes com DRT clinicamente estável submetidos a hemodiálise foram randomizados com o auxílio do programa Random Allocation Software 1.0 ™ (Universidade de Ciências Médicas de Isfahan, Isfahan, Irã) em grupos de intervenção (GI) ou controle (GC). Foram utilizados dados de prontuários, históricos e de exames físicos dos pacientes.
Os seguintes critérios de inclusão foram adotados: adultos com idade superior a 18 anos com diagnóstico de doença renal crônica (DRC) há pelo menos seis meses em hemodiálise há mais de três meses, dispor de estabilidade física e clínica para a realização de exercícios aeróbicos, não fazer exercícios físicos regularmente ou ausência total de exercícios físicos e não ter participado de outras pesquisas relacionadas a atividade física nos últimos seis meses. Foram excluídos os indivíduos que satisfizessem os seguintes critérios: ocorrência de infarto agudo do miocárdio três meses antes do início do estudo, angina instável, acesso vascular de hemodiálise em membros inferiores, nível de hemoglobina < 10 g/dL, presença de infecção sistêmica ativa ou processo inflamatório, ser candidato a transplante renal iminente com doador vivo.
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Metodista IPA e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde o estudo foi conduzido e realizado de acordo com a Declaração de Helsinque de 1975. Todos os participantes forneceram consentimento informado por escrito antes de sua inclusão no estudo.
Todos os pacientes foram submetidos a diálise com solução de bicarbonato, três vezes por semana por quatro horas, em um dialisador de fibra oca de polissulfona de baixo fluxo (Diacap™ LOPS 20, Laboratórios B.Braun S. A., São Gonçalo, RJ, Brasil). As sessões de hemodiálise foram realizadas em regime de uso único dos dialisadores. Todos os pacientes tinham fístulas arteriovenosas nativas como acesso vascular. As taxas de fluxo sanguíneo variaram entre 300 e 350 mL/min. A taxa de fluxo de dialisato foi de 500 mL/min. As taxas de fluxo sanguíneo e de dialisato foram mantidas constantes durante o estudo para cada paciente individual.
A intervenção foi realizada no início da segunda hora do terceiro dia da semana de hemodiálise. Duas coletas de sangue separadas por intervalo de 30 minutos controlados pelo temporizador da máquina de diálise foram realizados nos indivíduos do GC, em uma única sessão de hemodiálise. Os dados do GI foram comparados aos do GC e como seu próprio controle. O GI foi estudado contemporaneamente com o GC e na semana subsequente, com coletas de sangue antes e 30 minutos após o exercício aeróbico. O exercício foi realizado com um cicloergômetro para membros inferiores (Dream EX 150 FLEX®, Dream Indústria e Comércio Ltda., Esteio, RS, Brasil) acoplado à cadeira de diálise.
A intensidade do exercício foi estabelecida entre 60-70% da frequência cardíaca máxima, calculada pela fórmula proposta por Karvonen et al.,11 ou intensidade entre 13 e 14 pontos na Escala de Percepção Subjetiva de Esforço (PSE) de Borg. A frequência cardíaca foi medida com o auxílio de um monitor HR 102 Oregon Scientific™ (Oregon Scientific, São Paulo, SP, Brasil). As intervenções foram executadas pelo mesmo pesquisador.
As amostras de sangue foram colhidas na linha arterial do acesso vascular de hemodiálise, após diminuição do fluxo na bomba para 50 mL/min. A primeira amostra (3 mL) foi colhida em seringa lavada com heparina para análise de gasometria. Uma segunda amostra (5 mL) foi colhida em tubo comum para medições de soluto. Uma terceira amostra (5 mL) foi colhida em tubo comum com EDTA, centrifugada a 1900 rpm por 10 minutos a 4 °C para separação do plasma e armazenada em tubo cônico a -80 °C para a análise de stress oxidativo.
O dialisato eliminado pelo equipamento de diálise durante a intervenção de 30 minutos ou tempo equivalente no GC foi colhido num recipiente com capacidade volumétrica de 20 litros. Após a homogeneização do conteúdo e a medição do volume total, uma amostra foi separada e dividida em alíquotas em dois tubos de coleta de 5 mL para análise. Para calcular a depuração de solutos, utilizamos a fórmula descrita por Maher.12
As análises de creatinina sérica, ureia, potássio, fósforo, magnésio, dialisato e gasometria arterial foram realizadas por processos automatizados. Para a análise da peroxidação lipídica (malondialdeído - MDA) foram utilizadas substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) e ensaio colorimétrico a 540 nm (TBARS Assay kit Cayman™, Cayman Chemical Company, Ann Arbor, Michigan, EUA). A análise da capacidade antioxidante total (CAT) do plasma baseou-se na capacidade da amostra de antioxidantes de inibir a oxidação do 2,2'-azino-bis(3-etilbenzotiazolina-6-ácido sulfônico) (ABTS) pela metmioglobina. A quantidade de ABTS produzida foi lida por ensaio colorimétrico a 540 nm e comparada ao resultado no Trolox (Antioxidant Assay kit Cayman™, Cayman Chemical Company, Ann Arbor, Michigan, EUA).
A estimativa da amostra foi realizada utilizando o software G*Power™ versão 3.1.9.2 (Departamento de Psicologia, Universidade de Kiel, Kiel, Alemanha). O tamanho da amostra foi calculado com base na média e desvio padrão da concentração plasmática de MDA pós-hemodiálise no GI e da concentração plasmática de MDA no GC segundo o estudo de Ozden et al.13 Com base em um teste bicaudal e um tamanho de efeito de 2,18 obtido de um estudo de referência, foi definido que cada grupo teria 15 pacientes para obter uma potência de 80% e um nível de significância (a) de 5%.
As diferenças entre as variáveis foram calculadas utilizando-se testes não paramétricos (Wilcoxon ou Mann-Whitney) ou testes paramétricos (teste t para amostras independentes ou teste t para amostras pareadas), dependendo do contexto. Os dados foram expressos como média ± erro padrão ou mediana e intervalo interquartílico. Diferenças com p < 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. Os dados foram analisados utilizando o Statistical Package for the Social Sciences™ (SPSS versão 19.0, Chicago, Illinois, EUA).
As características clínicas dos grupos são apresentadas na Tabela 1. Em ambos os grupos foi observada predominância de pacientes leucodermas do sexo masculino. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto a idade, índice de massa corporal (IMC), tempo em hemodiálise e índice de comorbidade de Charlson (ICC). Cinco pacientes foram submetidos a transplante renal prévio (4 GC, 1 GI), 17 eram ex-tabagistas e três eram fumantes ativos. A etiologia predominante da DRT foi diabetes mellitus, seguida de hipertensão e glomerulonefrite crônica. Sete pacientes apresentavam DRT de etiologia desconhecida. Nenhum paciente relatou desconforto ao realizar os exercícios.
Tabela 1 Características clínicas dos grupos
Sexo (masculino) | 12 | 11 | - | |
Idade (anos) | 53 ± 3 | 52 ± 5 | 0,200 | |
IMC (kg/m2) | 27,8 ± 1,2 | 26,0 ± 1,1 | 0,104 | |
Tempo de tratamento (meses) | 19 (10 - 45) | 20 (8 - 64) | 0,624 | |
ICC (pontos) | 5,0 ± 0,5 | 5,0±0,6 | 0,200 | |
Raça (n) | Negra | 3 | 2 | - |
Branca | 12 | 13 | - | |
Etiologia da DRT (n) | Diabetes mellitus | 5 | 4 | - |
Hipertensão | 3 | 1 | - | |
Glomerulonefrite | 3 | 1 | - | |
Desconhecida | 1 | 6 | - | |
Outras | 2 | 3 | - | |
Tabagismo (n) | Sim/Não | 1/4 | 2/6 | - |
Ex-tabagista | 10 | 7 | - |
Dados expressos na forma de média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartílico). IMC: índice de massa corporal; ICC: índice de comorbidade de Charlson; GC: grupo de controle; GI: grupo de intervenção; DRT: doença renal terminal.
As comparações entre as diferenças das medidas dos grupos, antes e após o intervalo de 30 minutos, são mostradas na Tabela 2. Com o início dos exercício aeróbicos, houve aumentos significativos na pressão parcial de oxigênio e na saturação [4,30 ± 2,15 mmHg x -6.55 ± 1.90 mmHg, p = 0,001 e 1.1% (0,1% para 2%) x -0,6% (-2,8% para -0,a1%), p = 0,003, respectivamente].
Tabela 2 Comparações entre as diferenças (d) nas medidas dos grupos, antes e após o intervalo de 30 minutos
GI (n = 15) | GC (n = 15) | p-valor | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Antes | Após | D | Antes | Após | D | ||
Taxa de UF (mL/h) | 643 ± 416 | - | 700 ± 256 | - | 0,654 | ||
MDA (mM) | 9,34 ± 2,92 | 9,34 ± 2,92 | -0,44 ± 3,11 | 9,77 ± 2,70 | 11,00 ± 1,89 | 1,23 ± 2,23 | 0,666 |
TAC (mM) | 2,65 ± 0,96 | 2,53 ± 0,86 | -0,12 ± 0,15 | 2,54 ± 0,89 | 2,89 ± 1,17 | 0,35 ± 0,26 | 0,123 |
Potássio (mEq/L) | 3,51 ± 0,12 | 3,73 ± 0,08 | 0,22 ± 0,18 | 4,12 ± 0,15 | 3,99 ± 0,14 | -0,13 ± 0,22 | 0,087 |
Ureia (mg/dL) | 68,60 ± 6,57 | 71,07 ± 4,97 | 2,46 ± 6,10 | 86,79 ± 7,76 | 84,71 ± 7,20 | -2,07 ± 7,74 | 0,649 |
Creatinina (mg/dL) | 4,70 ± 0,40 | 4,85 ± 0,26 | 0,14 ± 0,40 | 6,21 ± 0,55 | 6,14 ± 0,52 | -0,07 ± 0,58 | 0,761 |
Fósforo (mg/dL) | 2,62 ± 0,21 | 2,80 ± 0,13 | 0,17 ± 0,21 | 3,25 ± 0,32 | 3,10 ± 0,21 | -0,14 ± 0,20 | 0,297 |
Magnésio (mEq/L) | 2,27 ± 0,07 | 2,25 ± 0,02 | -0,02 ± 0,04 | 2,43 ± 0,14 | 2,33 ± 0,08 | -0,10 ± 0,05 | 0,370 |
pH | 7,399 ± 0,010 | 7,413 ± 0,013 | 0,014 ± 0,007 | 7,400 ± 0,010 | 7,399 ± 0,010 | -0,001 ± 0,005 | 0,098 |
pCO2 (mmHg) | 41,44 ± 0,98 | 40,94 ± 1,51 | -0,50 ± 0,79 | 42,93 ± 1,08 | 43,19 ± 0,89 | 0,26 ± 0,98 | 0,553 |
HCO3 (mmol/L) | 25,00 ± 0,46 | 25,42 ± 0,61 | 0,42 ± 0,44 | 25,95 ± 0,46 | 26,06 ± 0,42 | 0,11 ± 0,37 | 0,600 |
CO2 total (mmol/L) | 26,27 ± 0,47 | 26,67 ± 0,64 | 0,40 ± 0,45 | 27,32 ± 0,49 | 27,38 ± 0,42 | 0,06 ± 0,41 | 0,583 |
EB (mmol/L) | 0,14 ± 0,50 | 0,82 ± 0,60 | 0,68 ± 0,42 | 0,94 ± 0,48 | 1,01 ± 0,49 | 0,06 ± 0,27 | 0,240 |
pO2 (mmHg) | 67,90 ± 8,16 | 72,20 ± 9,25 | 4,30 ± 2,15 | 87,24 ± 4,94 | 80,69 ± 5,06 | -6,55 ± 1,90 | 0,001 |
sO2 (%) | 95,8 (70,6;97,5) | 96,4 (71,6;97,9) | 1,10 (0,1;2,0) | 97,2 (96,2;97,5) | 96,6 (95,2;97,1) | -0,60 (-2,8;-0,1) | 0,003 |
Dados expressos na forma de média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartílico). D: medida após 30 minutos menos medida antes dos 30 minutos. GC: grupo de controle; GI: grupo de intervenção; UF: ultrafiltração; MDA: malondialdeído; CAT: capacidade antioxidante total; pCO2: pressão parcial de dióxido de carbono; HCO3: bicarbonato; CO2: dióxido de carbono; EB: excesso de base; pO2: pressão parcial de oxigênio; sO2: saturação de oxigênio.
A Tabela 3 mostra comparações entre as diferenças das medidas antes e após o intervalo de 30 minutos no GI, com e sem a execução dos exercícios. Na sessão de hemodiálise com exercício os pacientes apresentaram aumento da concentração sérica de fósforo [0,2 mg/dL (-0,3 mg/dL para 0,37 mg/dL) x -0,2 mg/dL (-0,4 mg/dL para 0 mg/dL), p = 0,035], elevação da pressão parcial de oxigênio e da saturação [2,71 ± 1,81 mmHg x -0,76 ± 1,17 mmHg, p = 0,037 e 0,3% (-0,3% para 1,1%) x -0,2% (-0,8% para 0,5%), p = 0,024, respectivamente] e redução da CAT (-0,165 ± 0,12 mM x 0,355 ± 0,2 mM, p = 0,027).
Tabela 3 Comparações entre as diferenças (d) nas medidas dos grupos, antes e após o intervalo de 30 minutos, com e sem realização de exercícios físicos, no grupo de intervenção (N = 15)
Com exercícios | Sem exercícios | p-valor | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Antes | Após | D | Antes | Após | D | ||
Taxa de UF (mL/h) | 643 ± 416 | - | 576 ± 410 | - | 0,660 | ||
MDA (mM) | 5,17 (3,54;10,05) | 8,20 (5,24;12,68) | 2,23 (-0,6;7,83) | 8,33 (3,00;14,68) | 10,42 (4,90;17,21) | 0,54 (-5,04;6,5) | 1,000 |
TAC (mM) | 2,69 ± 0,85 | 2,52 ± 0,87 | -0,16 ± 0,12 | 2,49 ± 0,90 | 2,84 ± 0,99 | 0,35 ± 0,20 | 0,027 |
Potássio (mEq/L) | 3,7 (3,4;4,0) | 3,9 (3,5;4,4) | 0,1 (-0,2;0,3) | 3,8 (3,5;4,1) | 3,7 (3,4;3,9) | -0,1 (-0,2;0) | 0,116 |
Ureia (mg/dL) | 70 (55,25;97,00) | 75 (63,25;96,50) | -6 (-10;3,25) | 80 (70,25;90,50) | 73 (54,25;94,50) | -10 (-12;-5,75) | 0,052 |
Creatinina (mg/dL) | 5,13 (4,12;5,97) | 5,24 (4,13;6,31) | -0,51 (-0,71;0,19) | 5,95 (4,49;6,37) | 5,33 (4,23;6,31) | -0,62 (-0,78;-0,35) | 0,338 |
Fósforo (mg/dL) | 2,9 (2,2;3,5) | 2,9 (2,5;3,4) | 0,2 (-0,3;0,37) | 3,0 (2,6;3,3) | 2,9 (2,5;3,0) | -0,2 (-0,4;0) | 0,035 |
Magnésio (mEq/L) | 2,36 ± 0,23 | 2,33 ± 0,21 | 0,02 ± 0,02 | 2,31 ± 0,24 | 2,17 ± 0,39 | -0,14 ± 0,08 | 0,244 |
pH | 7,400 ± 0,041 | 7,416 ± 0,049 | 0,016 ± 0,004 | 7,397 ± 0,042 | 7,405 ± 0,043 | 0,007 ± 0,004 | 0,297 |
pCO2 (mmHg) | 40,50 ± 4,0 | 40,06 ± 5,60 | -0,43 ± 0,55 | 41,99 ± 4,45 | 41,60 ± 4,78 | 0,38 ± 0,51 | 0,946 |
HCO3 (mmol/L) | 24,5 (23,6;25,8) | 25,0 (23,8;26,1) | 0,9 (-0,6;1,7) | 25,3 (24,2;26,0) | 25,4 (24,0;26,6) | 0,3 (-0,4;1,2) | 0,543 |
CO2 total (mmol/L) | 25,71 ± 1,82 | 26,30 ± 2,41 | 0,59 ± 0,32 | 26,49 ± 1,55 | 26,67 ± 1,67 | 0,18 ± 0,26 | 0,370 |
EB (mmol/L) | 0,5 (-1,8;0,8) | 0,3 (-0,8;1,7) | 1,1 (-0,5;1,9) | 0,3 (-0,8;1,6) | 0,6 (-0,6;1,9) | 0,6 (0,2;1,2) | 0,330 |
pO2 (mmHg) | 75,03 ± 29,78 | 77,75 ± 32,37 | 2,71 ± 1,81 | 75,37 ± 28,68 | 74,60 ± 28,74 | 0,76 ± 1,17 | 0,037 |
sO2 (%) | 96,5 (80,9;97,5) | 97,3 (80,5;97,8) | 0,3 (-0,3;1,1) | 96,7 (78,4;97,6) | 96,8 (75,3;97,4) | -0,2 (-0,8;0,5) | 0,024 |
Dados expressos na forma de média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartílico). D: medida após 30 minutos menos medida antes dos 30 minutos. GC: grupo de controle; GI: grupo de intervenção; UF: ultrafiltração; MDA: malondialdeído; CAT: capacidade antioxidante total; pCO2: pressão parcial de dióxido de carbono; HCO3: bicarbonato; CO2: dióxido de carbono; EB: excesso de base; pO2: pressão parcial de oxigênio; sO2: saturação de oxigênio.
A Tabela 4 apresenta o volume total de dialisato, as medições de concentração de soluto, a massa removida e a depuração de soluto no dialisado de nove indivíduos do GI. Em relação aos dados no início do estudo, não houve diferenças estatisticamente significativas em nenhum dos parâmetros avaliados após a realização do exercício.
Tabela 4 Volume total, medidas de concentração, massa removida e depuração de solutos no dialisato no grupo de intervenção (n = 9)
Com exercício | Sem exercício | p-valor | |
---|---|---|---|
Taxa de UF (mL/h) | 623 ± 387 | 582 ± 364 | 0,192 |
Volume (litros) | 14,70 (14,32 - 19,94) | 14,81 (14,24 - 23,27) | 0,594 |
[Cr] (mg/dL) | 1,68 ± 0,21 | 1,64 ± 0,24 | 0,561 |
mCr (mg) | 272,98 ± 31,46 | 272,24 ± 30,07 | 0,895 |
cCr (ml/minuto) | 151,28 ± 5,77 | 153,06 ± 10,00 | 0,878 |
[U] (mg/dL) | 32,00 ± 4,09 | 34,11 ± 5,17 | 0,352 |
mU (mg) | 5189,22 ± 560,71 | 5558,71 ± 561,01 | 0,262 |
cU (ml/minuto) | 227,51 ± 10,44 | 226,26 ± 15,31 | 0,933 |
[P] (mg/dL) | 0,70 (0,60 - 0,95) | 0,70 (0,55 - 0,80) | 0,777 |
mP (mg) | 132,30 (93,77 - 165,10) | 118,48 (102,94 - 153,46) | 0,678 |
cP (ml/minuto) | 147,30 ± 10,25 | 163,84 ± 16,13 | 0,437 |
[K] (mEq/L) | 2,5 (2,4 - 2,6) | 2,4 (2,3 - 2,6) | 0,365 |
mK (mEq) | 39,03 (35,39 - 48,50) | 40,17 (35,17 - 49,86) | 0,859 |
cK (ml/minuto) | 304,83 (296,91 - 458,12) | 336,36 (309,24 - 446,49) | 0,161 |
[Mg] (mg/dL) | 1,36 ± 0,04 | 1,37 ± 0,06 | 0,826 |
mMg (mg) | 234,17 ± 23,72 | 245,59 ± 22,85 | 0,577 |
cMg (ml/minuto) | 341,24 ± 35,24 | 383,52 ± 27,78 | 0,228 |
Dados expressos na forma de média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartílico). UF: ultrafiltração; [Cr]: concentração de creatinina; mCr: massa de creatinina; cCr: depuração de creatinina; [U]: concentração de ureia; um: massa de ureia; cU: depuração de ureia; [P]: concentração de fósforo; mP: massa de fósforo; cP: depuração de fósforo; [K]: concentração de potássio; mK: massa de potássio; cK: depuração de potássio; [Mg]: concentração de magnésio; mMg: massa de magnésio; cMg: depuração de magnésio.
No presente estudo, verificou-se que o exercício aeróbico intradialítico agudo aumentou a concentração sérica de fósforo, diminuiu a capacidade antioxidante total e reverteu a hipoxemia resultante da hemodiálise. A pressão parcial de oxigênio e a saturação aumentaram com o exercício, o que não ocorreu no grupo controle. Contudo, o exercício intradialítico não alterou de forma aguda os parâmetros gasométricos e tampouco aumentou a remoção de solutos.
Foi evidenciado um aumento significativo no fósforo sérico após o exercício aeróbico no GI. O fosfato é predominantemente um íon intracelular, que se move para dentro das células à medida que o pH extracelular aumenta.14 Esse achado está alinhado com estudos anteriores que relataram aumento na remoção de fosfato associada à realização de exercício aeróbico intradialítico.14-17
A hemodiálise realizada com dialisato de bicarbonato promove alcalemia, que por sua vez pode dificultar a remoção de fosfato. Este fato enfatiza o potencial do exercício proposto em mobilizar fósforo dos compartimentos corporais, aumentando sua concentração sérica. Além disso, tal aumento na concentração de fósforo veio a se manifestar na terceira sessão de hemodiálise semanal, momento em que o paciente já mostrava redução na concentração de solutos devido ao tratamento. A modulação da intensidade e da duração do exercício intradialítico pode também ser necessária para promover maiores elevações da concentração sérica de solutos mediada pela diminuição no pH sanguíneo induzida pelo exercício.
Kirkman et al.17 demonstraram que um protocolo de 60 minutos de exercício intradialítico a uma intensidade de 90% do limiar de lactato foi mais eficaz do que aumentar o tempo de diálise para remover fosfato, servindo de terapia adjuvante para o controle do fósforo sérico. Farese et al.15 também relataram aumento na massa de fosfato e na depuração no dialisato após três sessões de exercícios de 20 minutos a 36 rpm.
Em nosso estudo, o exercício aeróbico aumentou a concentração sérica de outros solutos (mas sem atingir significância estatística), sem contudo introduzir alterações absolutas na depuração do soluto. O exercício aeróbico intradialítico promove aumento do fluxo sanguíneo para a vasculatura central e eleva a permeabilidade vascular, proporcionando uma maior área de troca entre os compartimentos intracelular e intravascular. Isso favorece o efluxo de soluto dos músculos dos membros inferiores, que geralmente permanecem relativamente estagnados com capilares colabados durante a hemodiálise.15,16,18-21
Orcy et al.16 identificaram aumento na remoção de massa e depuração de fosfato somente no dialisato após três sessões de exercício aeróbico intradialítico com duração de 40 minutos com intensidade entre 13-14 pontos na Escala de PSE de Borg. Alterações na concentração sérica de solutos não foram encontradas neste estudo porque as amostras foram colhidas antes e após o procedimento de hemodiálise. A duração do exercício intradialítico proposto foi suficiente para aumentar as concentrações séricas de soluto, mas como a remoção do soluto ocorre durante todo o decurso da hemodiálise (quatro horas em média), seria necessário medi-las novamente ao final do tratamento de diálise, e não só no final do exercício.
Os resultados da gasometria arterial após o exercício revelaram um aumento estatisticamente significativo da pressão parcial de oxigênio e da saturação, revertendo a hipoxemia induzida pela hemodiálise. Meyring-Wösten et al.22 descreveram uma associação significativa entre hipoxemia e desfechos clínicos adversos, mais notadamente hospitalização e mortalidade por todas as causas.
A hemodiálise com bicarbonato reduz a PaO2 nos seus minutos iniciais e atinge o nadir entre 30 e 60 minutos, permanecendo neste nível ao longo do procedimento e após a sua conclusão.3,23 Vários mecanismos têm sido propostos para explicar esta redução: desvio da curva de dissociação da oxiemoglobina (Efeito Bohr) causado pelo aumento do pH, depressão do centro respiratório devido a alcalose, redução da difusão de oxigênio, desequilíbrio na relação ventilação-perfusão por conta do acúmulo de leucócitos nos pequenos vasos pulmonares causado pelo contato do sangue com a membrana do dialisador, e hipoventilação alveolar causada pela excreção de CO2 via dialisado durante a alcalinização do sangue.4,23-25
Moore et al.26 estudaram a realização de cinco minutos de exercício aeróbico intradialítico a cada hora de tratamento a uma intensidade de 60% do consumo máximo de oxigênio (VO2max) para avaliar a PaO2 horária. Não foram observadas alterações na PaO2, provavelmente por conta do baixo volume de treinamento. Burke et al.27 analisaram um protocolo de exercício intradialítico de intensidade moderada Germain et al.28 prescreveram três horas de exercício aeróbico de baixa intensidade durante a diálise. Ambos os grupos relataram aumentos na PaO2 e elevações da pressão alveolar de oxigênio durante o exercício. A intensidade e a duração do exercício que aplicamos geraram hiperventilação suficiente para aumentar a difusão do oxigênio, contudo sem reduzir a alcalinização do sangue, uma vez que a pressão parcial de CO2 permaneceu inalterada.
A capacidade do corpo de resistir a alterações oxidativas depende dos níveis de enzimas antioxidantes tais como superóxido dismutase, glutationa peroxidase e catalase, além de antioxidantes não enzimáticos. A CAT é uma valiosa ferramenta para compreender a capacidade do sistema biológico de se contrapor ao estresse oxidativo.29
Em nosso estudo, observamos uma redução estatisticamente significativa da CAT após o exercício. Estudos anteriores sem protocolos de exercício29-31 identificaram reduções significativas da CAT após hemodiálise, atribuída principalmente à correlação entre eliminação e diminuição na concentração de ácido úrico e vitaminas antioxidantes removidas pela diálise. Além disso, a perda adicional de antioxidantes é evento frequente, causado pela remoção de antioxidantes solúveis em água em função de seu baixo peso molecular.30 O aumento do fluxo sanguíneo promovido pelo exercício aeróbico pode ter contribuído para a perda adicional de antioxidantes.
O presente estudo tem limitações, incluindo o reduzido número de pacientes incluídos em cada grupo para comparação. Ademais, para melhor avaliar o treinamento em frequência cardíaca máxima para ajustar a prescrição do exercício, seria adequado implementar um teste de stress padronizado. A análise da concentração de ácido úrico poderia ter sido realizada para verificar sua relação paralela com a redução da CAT. Por fim, de modo a verificar a eficácia da hemodiálise na remoção de solutos e a influência do exercício sobre o resultado do processo dialítico, seria necessário realizar a coleta de sangue e dialisato ao final da sessão de hemodiálise, além de ao final dos exercícios físicos.
Em conclusão, o exercício aeróbico intradialítico moderado reverteu agudamente a hipoxemia induzida pela hemodiálise e elevou os níveis séricos de fósforo. Contudo, não foram observadas alterações na remoção de solutos. O exercício não promoveu alterações agudas no equilíbrio ácido-base, mas diminuiu a capacidade antioxidante total dos pacientes.