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Efeitos da conversão de inibidores da calcineurina para Everolimo na viremia por hepatite C em receptores adultos de transplantes renais

Efeitos da conversão de inibidores da calcineurina para Everolimo na viremia por hepatite C em receptores adultos de transplantes renais

Autores:

Larissa Sgaria Pacheco,
Valter Duro Garcia,
Ronivan Luis Dal Prá,
Bruna Doleys Cardoso,
Mariana Ferras Rodrigues,
Helen Kris Zanetti,
Gisele Meinerz,
Jorge Neumann,
Diego Gnatta,
Elizete Keitel

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.40 no.2 São Paulo abr./jun. 2018 Epub 14-Maio-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-3860

INTRODUÇÃO

Em anos recentes, a infeção hepatite crônica pelo vírus C (HCV) tem sido reconhecida como um problema de saúde importante em todo o mundo.1 Pesquisas têm mostrado que a prevalência da infeção pelo HCV é significativamente mais elevada em pacientes sendo submetidos a hemodiálise e a receptores de transplantes renais comparados à população em geral. Uma prevalência mais elevada de HCV está associada a uma história de transfusões múltiplas e hemodiálise de longa duração, tratamentos comumente necessários nestes pacientes.2

O transplante renal isoladamente é considerado o tratamento de escolha para os pacientes com insuficiência renal terminal, função hepática preservada e ausência de cirrose hepática. Entretanto, dados sobre os desfechos em receptores de transplantes renais HCV-positivos comparados a receptores de transplantes HCV-negativos permanecem contraditórios. Alguns estudos têm relatado uma sobrevida menor nos pacientes receptores de transplantes renais HCV-positivos comparado a pacientes HCV-negativos receptores de transplantes; outros estudos têm relatado desfechos semelhantes entre estes grupos.3,4

Há um aumento de quatro a sete vezes na viremia do HCV após transplante comparado ao período pré-transplante. Tem sido sugerido que o espectro da resposta imune ao vírus nos pacientes imunossuprimidos é tão variável quanto aquele nos pacientes imunocompetentes.5 Além disso, não há um esquema imunossupressor específico baseado em evidências para receptores HCV-positivos. Um estudo retrospectivo mostrou que os pacientes tratados com tacrolimo têm uma carga viral e taxas de fibrose hepática semelhantes aos pacientes tratados com ciclosporina, embora a função renal fosse superior nos pacientes tratados com tacrolimo.6

Um estudo recente sobre transplantes hepáticos mostrou um efeito benéfico do sirolimo (SRL) sobre a recorrência viral monitorada pelas transaminases, a carga viral e o exame histológico. O estudo também relatou melhores taxas de sobrevida após transplante hepático nos pacientes HCV-positivos que receberam SRL, comparado aos pacientes nos esquemas baseados nos inibidores da calcineurina.7 Não houve alterações significativas no logaritmo das cópias virais ou quaisquer alterações na função hepática nos receptores de transplantes renais HCV-positivos que passaram a usar SRL; porém, receptores de transplantes hepáticos em uso de monoterapia com SRL apresentaram uma redução na replicação viral.8,9

Tal como o SRL, o everolimo (EVR) é um potente inibidor da mTOR (mTORi) que tem sido usado como um agente imunossupressor nos pacientes com transplantes renais. Até há pouco tempo atrás, o único tratamento disponível contra o HCV era o uso de gama-interferon, uma abordagem associada a um alto risco de rejeição. No decorrer deste estudo, os resultados dos tratamentos antivirais de ação direta se tornaram disponíveis, sendo que estes medicamentos se mostram seguros, eficazes e com efeitos colaterais mínimos nos pacientes receptores de transplantes renais.10-13 Entretanto, o tratamento do HCV ainda necessita de pesquisas adicionais; não há um protocolo específico para a imunossupressão nestes pacientes. Além disso, a maioria dos ensaios clínicos exclui pacientes HCV-positivos. Até onde sabemos, encontra-se na literatura apenas um estudo não-randomizado14 sobre o uso dos inibidores da mTOR como medicamentos em potencial para reduzir a carga viral do HCV nos pacientes transplantados renais, justificando assim a importância do presente estudo.

MATERIAIS E MÉTODOS

DESENHO DO ESTUDO

Trata-se de um estudo unicêntrico, prospectivo, randomizado, exploratório, controlado, aberto para comparar a carga viral por HCV em receptores de transplantes renais convertidos ao EVR versus pacientes mantidos em uso de inibidores da calcineurina (CNI). O protocolo de estudo foi aprovado por um Comitê de Ética independente e registrado no banco de dados do ClinicalTrials.gov sob o número NCT01469884. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento informado antes da inclusão no estudo. O estudo foi conduzido de acordo com as diretrizes do Good Clinical Practices e da Declaração de Helsinki. Este estudo foi financiado em parte pela Novartis.

POPULAÇÃO

Pacientes adultos receptores de transplante renal com sorologia HCV-positiva e em tratamento com CNI tendo pelo menos três meses de seguimento foram considerados para inclusão no estudo. Os critérios de exclusão foram: (i) receptores de transplantes de múltiplos órgãos; (ii) TFGe < 30 mL/min; (iii) razão proteína urinária /creatinina > 0,5 (g/g); (iv) dislipidemia grave; (v) sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência humana; (vi) sorologia positiva para hepatite B; (vii) cirrose hepática; e (viii) pacientes com episódios de rejeição aguda nos três meses antes da inclusão.

COLETA DE DADOS

Os pacientes foram monitorados ambulatorialmente e dados clínicos e laboratoriais foram avaliados a cada 3 meses. O seguimento laboratorial incluiu os exames de rotina, HCV RNA, e medida dos níveis sanguíneos de cada um dos medicamentos imunossupressores. Eventos adversos clínicos, incluindo efeitos colaterais medicamentosos, rejeição, infecção e alterações nos exames laboratoriais foram documentadas a cada consulta.

QUANTIFICAÇÃO DE HCV RNA SÉRICO

Amostras de soro foram coletadas prospectivamente no local do estudo a cada 3 meses durante 12 meses após a inclusão no estudo. O HCV RNA sérico foi quantificado pela análise RT-PCR quantificado em tempo real (Abbott Real-Time HCV, Abbott Molecular Ind. Des Plaines, IL 60018 USA). A carga viral foi expressada em valores logarítmicos.

RANDOMIZAÇÃO

Pacientes elegíveis foram aleatorizados (1:1). Uma sequência de números aleatórios foi gerada por um programa de computador e colocada em envelopes opacos numerados sequencialmente.

BRAÇOS DE TRATAMENTO

Grupo 1: EVR + medicamento antiproliferativo e/ou prednisona. A conversão foi feita abruptamente em todos os pacientes. O CNI foi interrompido um dia antes do dia da conversão (dia 1). O EVR foi administrado inicialmente no dia 1 e uma dose de 1.5 mg foi ajustada duas vezes ao dia para manter uma concentração sanguínea total mínima de EVR entre 6 e 10 ng/mL. O medicamento antiproliferativo (ácido micofenólico ou azatioprina) foi mantido e não podia ser interrompido permanentemente durante o estudo ou conversão. A dosagem de prednisona foi mantida até que se atingisse níveis adequados de EVR e sua retirada não foi permitida em momento algum após a conversão.

Grupo 2: CNI + medicamento antiproliferativo e/ou prednisona. Os pacientes foram mantidos em uso de CNI [tacrolimo (TAC), ajustado para manter uma concentração sanguínea total mínima entre 5 e 10 ng/mL, ou ciclosporina (CyA) ajustada para manter uma concentração sanguínea total mínima entre 100 e 200 ng/mL]. O medicamento antiproliferativo (ácido micofenólico ou azatioprina) e a prednisona foram mantidos e não podiam ser interrompidos permanentemente durante o estudo.

DEFINIÇÕES

Episódios de rejeição aguda confirmados por biópsia foram graduadas de acordo com a classificação de Banff 2007. O nível mínimo (C0) foi usado para concentrações sanguíneas totais para a ciclosporina e o tacrolimo. Considerou-se a dislipidemia grave como presente quando o nível de triglicérides em jejum era ≥ 400 mg/dL ou o nível de colesterol total em jejum era ≥ 350 mg/dL ou o nível de colesterol-LDL era ≥ 160 mg/dL, mesmo com o uso de tratamento adequado para a redução lipídica.

DESFECHO PRIMÁRIO

O desfecho primário foi uma redução em duas ou mais ordens de grandeza da carga viral do HCV nos adultos receptores de transplantes renais após a conversão do CNI para o EVR.

DESFECHOS SECUNDÁRIOS

Desfechos secundários incluíram falha terapêutica, perda do enxerto ou óbito. Também avaliamos a função renal (TFGe pela fórmula MDRD) e a razão proteína/creatinina urinária (g/g). Análise de segurança incluíram a incidência de eventos adversos, tais como a dislipidemia, o início de diabetes mellitus após o transplante, anemia, infecção do trato urinário, rejeição aguda ou tumores malignos.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os desfechos primários e secundários foram analisados na população com intenção-de-tratar. Os grupos de tratamento foram comparados por meio do teste χ2 ou o teste exato de Fisher, sendo as variáveis qualitativas apresentadas na forma de números e porcentagens. As variáveis quantitativas, verificadas pelo teste de Shapiro-Wilk (para a distribuição normal) e apresentadas como médias e desvios-padrão, foram comparadas por meio do teste t. O tempo médio após transplante foi comparado por meio do teste U de Mann-Whitney (faixa interquartil para a distribuição não-normal). Os desfechos primários foram analisados por meio da análise de variância (ANOVA) com medidas repetidas. Todos os testes estatísticos foram bilaterais, com um nível de significância de 0,05 e foram realizados no software SPPSS versão 20.

RESULTADOS

POPULAÇÃO

Todos os pacientes que preencheram os critérios de inclusão foram convidados a participar do estudo. Trinta pacientes foram incluídos entre 26 de janeiro de 2012 e 16 de dezembro de 2014. Foram acompanhados durante um ano após a randomização. Vinte-e-seis pacientes completaram o período de estudo de um ano. Dois pacientes foram considerados como falha na triagem por apresentar sorologia HCV-negativa. Um paciente foi excluído por apresentar uma taxa proteinúria/creatinúria acima de 1. Um paciente retirou seu consentimento. Todos os pacientes randomizados receberam os tratamentos alocados e foram incluídos na população com intenção-de-tratar.

Oito dos 30 pacientes receberam tratamento de indução com globulina antitimócito (ATG) ou antagonista do receptor IL-2 (IL2RA). A distribuição foi semelhante entre os dois grupos de estudo. As características clínicas e demográficas dos pacientes são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 Características clínicas e demográficas dos adultos receptores de transplantes renais no momento da inclusão no estudo. 

Total Pacientes
N = 30
Controles (CNI)
N=15
Conversão (EVL)
N=15
P
Idade do receptor, anos (média ± SD) 39,80 ± 11,3 39,67 ± 1,9 40,00 ± 11,1 0,93
Gênero do receptor, masculino, N (%) 21 (70,0) 11(73,3) 10 (66,7) 1,00
Etnia do receptor, caucasiano, N (%) 25 (83,3) 11 (73,3) 14 (93,3) 0,33
Condição basal
Hipertensão (%) 6 (20,0) 4 (26,7) 2 (13,3)
APKD (%) 2 (6,7) 1 (6,7) 1 (6,7)
CGN (%) 3 (10,0) 1 (6,7) 2 (13,3)
Não determinado (%) 11 (36,7) 5 (33,3) 6 (40,0)
Outro (%) 8 (26,7) 4 (26,7) 4 (26,7)
Níveis de anticorpos painel-reativos acima de zero, N (%)* 16/25 (64) 8 (66,7) 8 (61,5) 1,00
Incompatibilidade HLA (média ± SD) 3,31 ± 1,43 3,20 ± 1,56 3,45 ± 1,29 0,66
Tempo decorrido desde o transplante (média IR), meses 84,59 (23,75;129,0) 84,00 (26,00;123,0) 85,00 (19,00;154,0) 0,78
Diabetes mellitus de início após o transplante, N (%) 3 (10,0) 1 (6,7) 2 (13,3) 0,10
Idade do doador, anos (média ± SD) 39,80 ± 13,9 42,3 ± 12,1 37,20 ± 15,4 0,32
Doadores de critérios expandidos, N (%) 2 (6,7) 1 (6,7) 1 (6,7) 1,00
Gênero do doador, masculino, N (%) 15 (50,0) 6 (40,0) 9 (60,0) 0,46
Tipo de doador, cadáver, N (%) 23 (76,7) 11 (73,3) 12 (80,0) 1,00
Tratamento de indução, N (%)
ATG 4 (50,0) 2 (50,0) 2 (50,0) 0,40
IL2RA 4 (50,0) 3 (75,0) 1 (25,0)
Imunossupressão basal
TAC + MPA + PRED (%) 18 (60,0) 9 (60,0) 9 (60,0)
CYA + AZA + PRED (%) 4 (13,3) 0 (0) 4 (13,3)
CYA + MPA + PRED (%) 7 (23,3) 5 (33,3) 2 (13,3)
TAC + AZA + PRED (%) 1 (3,3) 1 (6,7) 0 (0)
Genótipo do HCV, receptor
Genótipo 3 13 (56,5) 10 (71,4) 3 (33,3) 0,07
Genótipo 1 10 (43,5) 4 (28,6) 6 (66,7)
Sub-genótipo 1a 7 (70,0) 6 (85,7) 1 (14,3)
Sub-genótipo 1b 3 (30,0) 2 (66,7) 1 (33,3)

APKD = doença renal policística do adulto; CGN = glomerulonefrite crônica; TAC = tacrolimus; MPA = ácido micofenólico; CYA = ciclosporina; AZA = azatioprina; PRED = prednisona; EVL = everolimus; CNI = inibidor da calcineurina; HCV = vírus da hepatite C; HLA = antígenos de leucócitos humanos; IR= interquartil; N = número; Med = mediana;

*o screening de anticorpos painel-reativos foi realizado em apenas 25 pacientes. ATG = globulina antitimócito; IL2RA = antagonista do receptor IL-2.

DESFECHOS PRIMÁRIOS

Níveis de HCV, expressos em valores logarítmicos, foram comparáveis entre os dois grupos e entre pacientes de um mesmo grupo. A análise estatística não mostrou nenhum efeito de interação entre tempo e Grupo (valor pG*M = 0,852), entre Grupos com o decorrer do tempo (valor pM = 0,889) e entre o Grupo 1 e o Grupo 2 (valor pG = 0,286). Os níveis de carga viral média na linha de base e após 3, 6, 9 e 12 meses foram, respectivamente, de 6,1 ± 0,83; 6,3 ± 0,95; 6,2 ± 0,87; 5,6 ± 1,8; 6,1 ± 0,62 no Grupo 1, e 5,8 ± 0.74; 5,7 ± 0.,89,; 5,8 ± 0,60; 5,7 ± 0.,85; 5,8 ± 0,93 respectivamente no Grupo 2 (Gráfico 1). Em nenhum dos pacientes houve uma redução de duas ou mais ordens de grandeza na carga viral do HCV.

Gráfico 1 Niveis de HCV, expressos em valores logaritmicos, foram comparaveis entre os grupos e entre pacientes de um mesmo grupo. A analise estatistica nao mostrou efeito de interacao entre tempo e grupo, entre grupos ao longo do tempo e entre os Grupos 1 e 2. 

DESFECHOS SECUNDÁRIOS

Os pacientes no Grupo 1 apresentaram uma incidência mais elevada de dislipidemia (66,7 vs. 23,1%; p = 0,03) e eventos de proteinúria (53,3 vs. 7,7%; p = 0,01) (dois pacientes apresentaram uma razão p/c > 1,0) comparados ao Grupo 2 (Tabela 2). Durante o seguimento, houve uma redução no valor médio da hemoglobina no grupo de conversão (Tabela 3). Um terço dos pacientes no grupo de conversão preencheu os critérios de anemia. No entanto, esta diferença não foi significativa comparada ao grupo controle (33,3 vs. 7,7%; p = 0,17). Diabetes mellitus de início pós-transplante (7,7 vs. 6,7%; p = 1,00) e infecção do trato urinário foram semelhantes nos dois grupos (20,0 vs. 7,7%; p = 0,60) (Tabela 2).

Tabela 2 Eventos adversos de interesse especial que ocorreram durante o seguimento. 

Total Pacientes
N = 28
Controle (CNI)
N = 13
Conversão (EVL)
N = 15
P
Anemia, N (%) 6 (20,0) 1 (7,7) 5 (33,3) 0,17
Dislipidemia, N (%) 13 (43,3) 3 (23,1) 10 (66,7) 0,03
Diabetes mellitus de início pós-transplante, N (%) 2 (6,7) 1(7,7) 1 (6,7) 1,00
Proteinúria (> 0,5 upr) N (%) 9 (30,0) 1 (7,7) 8 (53,3) 0,01
Infecção do trato urinário, N (%) 4 (13,3) 1 (7,7) 3 (20,0) 0,60

EVL = everolimus; CNI = inibidor da calcineurina; upr = razão proteína urinária/creatinina; N = número.

Tabela 3 Evolução dos resultados laboratoriais nos dois grupos durante o período de seguimento. 

Basal Mês 1 Mês 3 Mês 6 Mês 9 Mês 12 P
AST (U/L)
CNI 47,76 49,77 40,00* 45,15 41,53 42,30 *0,03
EVL 46,93 57,93 67,33 60,80 58,40 53,14
ALT (U/L)
CNI 64,69 60,23 49,54 56,23 54,76 52,00 ns
EVL 47,47 58,27 66,87 60,40 56,80 53,93
GGT (U/L)
CNI 102,08 100,38 99,38 104,00 95,30 80,00 ns
EVL 120,20 132,67 146,33 128,13 114,73 105,38
AP (U/L)
CNI 80,31 81,08 79,92 89,38 84,72 89,30 ns
EVL 81,40 80,47 82,29 85,87 75,06 72,58
Hemoglobina (g/dL)
CNI 15,30* 14,96* 14,87* 15,09* 15,26* 14,93* *≤0,01
EVL 13,51 12,81 12,50 13,25 13,24 13,05
Leucócitos (/µL)
CNI 7264 10834 6295 6887 6833 13888 ns
EVL 5526 5133 5842 5710 5828 5956
Linfócitos (/µL)
CNI 1734 1653 1710 1738 1650 1677 ns
EVL 1524 1446 1449 1650 1616 1547
Plaquetas (/µL)
CNI 182615 177307 186000 188000 176230 185384 ns
EVL 194866 194533 197933 209133 216600 205133
LDL−C (mg/dL)
CNI 98,62 96,26* 100,08 98,5 94,30 90,61 *0,02
EVL 99,00 127,21 114,07 114,71 111,20 115,14
HDL–C (mg/dL)
CNI 50,69 50,08 48,92 47,08 48,92 46,46 ns
EVL 49,33 46,60 43,20 44,67 46,06 47,64
Tacrolimo (ng/ml) 8,07 6,60 6,61 5,90 5,78 6,30 ns
Ciclosporina (ng/ml) 51,00 42,66 44,00 44,33 41,33 45,66 ns
Everolimo (ng/ml) N/A 7,21 5,36 5,02 5,12 4,75 ns

AST = aspartato aminotransferase; ALT = alanina aminotransferase; GGT = gamma-glutamil transferase;

*Diferença significativa; ns = sem diferença estatisticamente significativa (P > 0,05); AP = fosfatase alcalina; EVL = Everolimus; CNI = inibidor da calcineurina; C = colesterol.

A TFGe média na linha de base e nos meses 1, 3, 6, 9 e 12 após a randomização foram respectivamente 47,91 ± 12,26; 54,12 ± 15,33; 51,08 ± 15,66; 53,13 ± 17,09; 53,74 ± 15,97; 52,99 ± 15,64 mL/min no Grupo 1, e 50,37 ± 8,63; 47.,91 ± 7.,79; 52,56 ± 11,45; 52,36 ± 10,66; 53,74 ± 15,97; 51,71 ± 9,71 mL/min, respectivamente no Grupo 2. Não houve diferença estatística entre os grupos (Gráfico 2).

Gráfico 2 A TFGe media na linha de base e aos meses 1, 3, 6, 9 e 12 apos a randomizacao, sem diferenca estatistica entre os grupos. 

Somente no terceiro mês de seguimento os níveis de aspartato aminotransferase (AST) foram maiores no grupo de conversão, mas este aumento foi inferior a duas vezes e meia (Tabela 3).

O nível mínimo de everolimo foi mantido acima de 5,0 ng/mL durante o seguimento. Somente após 12 meses de tratamento os níveis estiveram discretamente reduzidos (4,75 ng/mL), porém esta diferença não foi estatisticamente significativa (Tabela 3).

Durante o período de seguimento não houve episódios de rejeição aguda, tumores malignos, perdas de enxerto ou óbitos.

DISCUSSÃO

Estudos prévios e meta-análises têm mostrado que o uso dos inibidores da mTOR está associado a taxas menores de infecção pelo citomegalovírus (CMV)15,16 e a uma redução nas taxas de infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV)17-19. Isso pode ser atribuído à replicação limitada dos vírus em sistemas biológicos através de diversas vias e alterações celulares.20 A proteína NS5A foi associada a uma replicação aumentada do vírus da hepatite C por meio dos fosfopeptídeos p70S6K. A inibição da via mTOR/p70S6K resulta em uma redução da fosforilação dos fosfopeptídeos NS5A in vivo e com isso uma redução na replicação viral.21 Além disso, observou-se que a proteína mTOR exerce um papel protetor in vitro contra a apoptose em células infectadas por HCV.22

No presente estudo, não observamos estes resultados em receptores de transplantes.8 Não houve diferença estatística na redução da carga viral entre os dois grupos. Nenhum dos pacientes obteve a redução de dois log esperada na carga viral durante o período de seguimento; os resultados mostraram que nem mesmo uma redução logarítmica simples foi obtida.

Uma vez que foi analisada somente a carga viral, sem análise histológica do dano hepático, não podemos afirmar que houve falta de atividade antiviral do EVR nos pacientes HCV-positivos.

No terceiro mês de seguimento, o nível de AST foi mais elevado no grupo de conversão. Flutuações intermitentes nas enzimas podem ocorrer como resultado de efeitos adversos a vários medicamentos ou mesmo relacionado ao comportamento intrínseco do vírus. A correlação entre a concentração de transferase, carga viral e a gravidade das lesões histológicas não está bem estabelecida em indivíduos imunocompetentes HCV-positivos e em receptores de transplantes renais.23

Alguns estudos sugerem que o uso de mTORi pode estar associado a uma evolução menos agressiva da infecção por HCV, porém o nível de evidência é baixo.24 Estudos em transplantes hepáticos têm relatado um efeito benéfico dos inibidores da mTOR sobre a carga viral em paciente com HCV após o transplante hepático comparado a esquemas baseados em CNI.7,9 Uma coorte retrospectiva incluiu 67 receptores HCV-positivos de transplantes hepáticos, 39 dos quais em uso de inibidores do mTOR e 28 em uso de CNI desde o transplante. Todos os pacientes receberam uma dosagem máxima de prednisolona até o mês 3 e micofenolato mofetil. Os pacientes no grupo em uso de inibidor da mTOR mostraram uma redução em duas ou mais ordens de grandeza na carga viral entre os valores basais e os meses 9 e 12 de seguimento. Entretanto, a carga viral destes pacientes no momento do transplante era muito mais elevada do que aquela observada nos pacientes no presente estudo.7

Soliman et al. conduziram um estudo prospectivo não-randomizado e sugeriram que os inibidores da mTOR têm o potencial de suprimir a replicação viral nos pacientes receptores de transplantes renais HCV-positivos. Foi administrada SRL em 10 pacientes com disfunção do aloenxerto causada por nefrotoxicidade pela ciclosporina que então foram comparados a 15 pacientes em uso de ciclosporina (grupo controle). O estudo mostrou uma redução significativa nos níveis de HCV PCR. Entretanto, o estudo analisou os valores de carga viral absoluta ao invés de valores logarítmicos, um método que difere daquele recomendado pela literatura.25 A avaliação de valores absolutos é considerada um método de monitoramento aquém do ideal devido à alta variabilidade da carga viral detectada pelo RT-PCR.

Acreditamos que a concentração sanguínea total mínima do EVR não esteve relacionada à falta de um efeito na redução da carga viral do HCV, uma vez que o nível médio foi mantido acima de 5,0 ng/mL. Apenas no 12º mês de tratamento os níveis de EVR estiveram discretamente reduzidos (4,75 ng/mL) devido à uma redução da dose relacionada a efeitos colaterais. Além disso, o tempo decorrido entre o transplante e os genótipos HCV foi semelhante entre os grupos.

Não havia dados de ensaios clínicos sobre transplantes renais no momento em que este estudo foi concebido. O principal ponto forte deste estudo é a sua natureza prospectiva e randomizada; sua principal limitação é ser unicêntrico e pequeno. Outra restrição é o seguimento de um ano, embora num estudo de receptores de transplantes hepáticos foi possível observar respostas diferentes em um número reduzido de pacientes após 9 meses de tratamento.7 O uso de mTORi após o transplante poderia levar a uma prevenção mais eficiente da replicação viral; ressalva-se que neste estudo os pacientes foram incluídos mais de 23 meses após o transplante.

Um estudo relatou que os eventos adversos mais prevalentes com os inibidores do mTOR foram a dislipidemia e a proteinúria.16 Em nosso estudo, dois pacientes apresentaram uma razão proteinúria/creatinúria acima de 1. Um deles respondeu favoravelmente ao tratamento com o inibidor da ECA; o outro não respondeu a este tratamento, porém a proteinúria reduziu-se após a conversão ao TAC.

Até recentemente, as principais abordagens para evitar a progressão do HCV antiviral eram o tratamento com interferon e ribavirina. Estes tratamentos não estão indicados nos pacientes receptores de transplantes renais devido ao alto risco de rejeição. Enquanto desenvolvíamos o nosso estudo, uma nova geração de agentes antivirais diretos (AADs) foi aprovada. Mostrou-se que os AADs eram seguros e eficazes, tendo efeitos colaterais mínimos em pacientes transplantados renais.10-13 No Brasil, os programas de tratamento ainda aguardam pesquisas adicionais, porém mostram resultados promissores.26

Em conclusão, o nosso estudo não demonstrou uma redução da carga viral em receptores de transplantes renais HCV-positivos após a conversão ao EVR associado com o tratamento antiproliferativo de manutenção.

REFERÊNCIAS

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