versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.6 São Paulo nov./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015218
Para falar dos efeitos da prematuridade na aquisição da linguagem e na maturação auditiva, convém relembrar que o nascimento a termo é definido como aquele que ocorre com idade gestacional entre 37 e 42 semanas e o pré-termo abaixo de 37 semanas(1). Também interessa ressaltar que a idade gestacional define se a prematuridade é moderada (32 a 36 semanas de idade gestacional), acentuada (28 a 31 semanas) ou extrema (inferior a 28 semanas). Esse fator, somado ao peso ao nascer (baixo peso <2.500gramas; muito baixo peso <1500 gramas e moderado entre 1500 e 2499 gramas)(2), define as condições biológicas fundamentais, que somadas às condições perinatais e ambientais, podem determinar o desenvolvimento dessas crianças.
Sabe-se que quanto maior o avanço no campo médico, maior a sobrevida de bebês com extremo baixo peso (500-600 gramas) e maior a responsabilidade das equipes de saúde no acompanhamento evolutivo de tais bebês(2,3). Esse aumento da sobrevivência de prematuros cada vez menores e mais imaturos impõe o questionamento quanto à qualidade de sua vida futura, além de um interesse crescente na predição do desenvolvimento global de longo prazo dessas crianças(4,5). Cabe ressaltar que para estas análises no bebê prematuro recomenda-se, para os dois primeiros anos de vida, que seja considerada a idade corrigida(6), também designada idade pós-concepção. A idade corrigida traduz o ajuste da idade cronológica em função do grau de prematuridade e é avaliada pelo método de Capurro ou New Ballard(7).
A partir desse interesse, vários autores têm detectado sinais neurológicos anormais durante o primeiro ano de vida desses recém-nascidos, embora haja dificuldades dos estudos em prever se esses sinais serão transitórios ou definitivos(4-8). Observa-se que bebês prematuros estão sob maior risco para déficits no desenvolvimento em relação aos bebês a termo, tendo a criança prematura maiores chances de apresentar problemas no desenvolvimento cognitivo, de atenção e dificuldades de autorregulação, e essas dificuldades tendem a permanecer durante a infância, associando-se a dificuldades de aprendizagem, de atenção e de problemas comportamentais(3-8).
Assim, ressalta-se a importância de estudar o desenvolvimento do bebê nascido pré-termo dentro de um contexto guiado pela associação de diversos fatores de risco, que envolvem variáveis como o nascimento e os resultados do estado clínico de saúde do bebê durante o período de internação hospitalar(1).
Sabe-se que algumas intercorrências neonatais podem causar deficiência auditiva e se caracterizam como indicadores de risco para a deficiência auditiva (IRDA), tais como a permanência em UTI Neonatal por 48 horas ou mais, peso ao nascimento menor que 1500 gr e/ou pequeno para a idade gestacional (PIG); nessa classificação também se encontram os grandes para idade gestacional (GIG), grandes para idade gestacional, e os adequados para idade gestacional (AIG), considerados adequados para idade gestacional); hiperbilirrubinemia/ exosanguineotransfusão; ototóxicos e ventilação mecânica prolongada(9). Em função de tais fatores, o acompanhamento auditivo criterioso dessas crianças, que permita monitorar o desenvolvimento das habilidades auditivas e identificar qualquer tipo de alteração auditiva, em tempo de aproveitar o período ideal para a aquisição da linguagem (primeiros três anos de vida), é fundamental para evitar efeitos da audição no desenvolvimento da linguagem, conforme sugerem alguns estudos que encontraram déficits linguísticos receptivos e expressivos nesses bebês(10). Entre os déficits encontrados estão a menor extensão do vocabulário, o atraso da aquisição da linguagem, a menor complexidade da linguagem, dificuldades no processamento fonológico e na memória de curto prazo(11).
Assim, ao se perceber que a prematuridade é um fator de risco biológico ao desenvolvimento global da criança, que pode ser especialmente nocivo à maturação da via auditiva e da linguagem, este artigo objetiva verificar quais os prejuízos a prematuridade causa à linguagem e à audição.
A revisão sistemática é realizada a partir da formulação de perguntas específicas que direcionam a busca das publicações, portanto a pergunta da investigação do presente estudo foi: “Que prejuízos a prematuridade causa à linguagem e à audição?”
Para a seleção e avaliação dos estudos científicos levantados na busca eletrônica, foram estabelecidos critérios contemplando os aspectos: tipos de estudos, participantes, intervenção, avaliação dos resultados. Os artigos identificados pela estratégia de busca inicial foram avaliados independentemente por dois juízes, conforme os seguintes critérios de inclusão: linguagem, prematuridade e audição nos prematuros, análise estatística com nível de significância e testes utilizados. Além disso, um terceiro juiz comparou as duas buscas e selecionou os artigos em comum. A partir destes critérios, espera-se que todos os artigos importantes e relevantes para a conclusão deste estudo sejam encontrados e incluídos.
Foram selecionados para análise, os estudos publicados nos últimos 5 anos, ou seja, entre os anos de 2011 e 2015, nos idiomas: inglês, espanhol ou português. Quanto ao nível de evidência científica, foram utilizados os critérios demonstrados no Quadro 1(12). Foram incluídos nesta pesquisa os estudos com nível de evidência 2, 3 e 4.
Quadro 1 Avaliação do Nível de Evidência(12)
1 | Revisões Sistemáticas e Metanálise de estudos clínicos de ensaios randomizados controlados |
2 | Ensaios randomizados controlados |
3 | Estudos de intervenções não randomizados |
4 | Estudos descritivos (estudos transversais, estudos de coorte, projetos de caso-controle) |
5 | Estudos de caso |
6 | Opiniões de Especialistas |
Foram incluídas nesta revisão as pesquisas realizadas com crianças nascidas prematuras.
Os estudos selecionados deveriam ter avaliações de linguagem e/ou audição.
Os estudos foram selecionados a partir da existência de testes estatísticos, bem como da verificação de resultados que respondessem à pergunta proposta: “Que prejuízos a prematuridade causa à linguagem e à audição?”
Para o levantamento dos descritores, utilizou-se o vocabulário estruturado e trilíngue – Descritores em Ciências da Saúde (Decs), criado pela Bireme para uso em indexação de artigos de revistas científicas, livros, anais de congressos, relatórios técnicos e outros tipos de materiais, assim como para ser usado na pesquisa e recuperação de assuntos da literatura científica nas bases de dados.
Nesta pesquisa, foram utilizados tanto descritores em inglês como em português, foram eles: language/linguagem, hearing/audição, prematurity/ prematuridade.
Elaborou-se uma estratégia de busca específica, empregando os descritores em grupos com no mínimo duas palavras-chave: Hearing AND prematurity/audição AND prematuridade, language AND prematurity/linguagem AND prematuridade, language AND prematurity AND hearing/linguagem AND prematuridade AND audição. Não foram utilizados termos adicionais.
Para o levantamento bibliográfico dos possíveis artigos a serem incluídos nesta revisão sistemática, as seguintes fontes de pesquisa foram consultadas: LILACS, MEDLINE, Biblioteca Cochrane e Scielo. Essas bases foram acessadas por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e da Pubmed. A última busca de dados ocorreu em julho de 2015.
A busca resultou em 288 referências (soma da busca realizada por dois juízes). Dessas 288 referências, 142 foram encontradas pelos dois juízes. Um dos juízes encontrou 20 referências a mais, totalizando um número de 162 referências encontradas na busca. No Quadro 2, destacam-se os resultados por base de dados.
Quadro 2 Resultado da busca nas bases de dados
Descritores | Banco de dados | TOTAL | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
LILACS | IBECS | MEDLINE | PUBMED | |||
Hearing AND prematurity/audição AND prematuridade | 12 | 2 | 32 | 3 | 49 | |
language AND prematurity/linguagem AND prematuridade | 11 | 1 | 78 | 92 | 182 | |
language AND prematurity AND hearing/linguagem AND prematuridade AND audição | 18 | 3 | 12 | 24 | 57 | |
Excluídos | 18 | 5 | 61 | 42 | 126 |
Os artigos de Revisão Sistemática/Metanálise, Estudo de Caso, Opiniões de Especialistas foram excluídos da amostra final. Foram excluídos, ainda, artigos que não contemplassem todos os critérios de inclusão.
O terceiro juiz analisou todas as referências encontradas pelos dois juízes que realizaram as buscas e comparou os achados. Na Figura 1, observam-se quantos artigos foram excluídos por não apresentarem os critérios de inclusão exigidos e o número de artigos utilizados na amostra final.
Os artigos encontrados pelos dois juízes e que foram considerados relevantes ao tema pelo terceiro juiz estão descritos no Quadro 3.
Quadro 3 Artigos selecionados conforme critérios de inclusão
Título do Artigo | Ano | Autores | Amostra | Grupo controle | Avaliações Realizadas | Teste Estatístico | Nível de Significância |
---|---|---|---|---|---|---|---|
ADHD and learning disabilities in former late preterm infants: a population-based birth cohort. |
2013 | Harris et al.(21) | 256 pré-termo entre 34/37 sem. de IG |
4.419 a termo de 37 a 42 semanas de IG | Kaplan-Meier | Teste x2 e Wilxocon | Nível de significância 0,05 |
Análise das Emissões otoacústicas transientes em recém-nascidos a termo e pré-termo | 2014 | Cavalcante e Isaac(37) | 25 pré-termo | 41 a termo | Emissões Otoacústicas Transientes | Anova | Nível de confiança de 95% |
Anterior cingulate and frontal lobe white matter spectroscopy in early childhood of former very LBW premature infants. | 2011 | Phillips et al.(13) | 28 pré-termo | 15 a termo | Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley III | Mann-whitney e Wilcoxon | Nível de significância 0,05 |
Attention problems and language development in preterm low-birth-weight children: cross-lagged relations from 18 to 36 months. | 2011 | Ribeiro et al.(14) | 1288 pré-termo | 37.010 a termo | Child Behavior Checklist (CBCL), Ages and Stages Questionnaires (ASQ) | SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) – covariância | Nível de significância 0,05 |
Auditory evoked potentials in premature and full-term infants. | 2011 | Porto et al.(31) | 17 pré-termo | 19 a termo | Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico e Potencial Evocado Auditivo de Estado Estável | Mann-whitney e Wilcoxon | Nível de significância 0,05 |
Caracterização eletrofisiológica da audição em prematuros pequenos para idade gestacional | 2013 | Angrisani et al.(35) | 35 pré-termo PIG | 37 prematuros AIG | Emissões Otoacústicas Transientes, Timpanometria e Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico | Quiquadrado (Exato de Fisher) | Nível de significância 0,05 |
Comparação do desenvolvimento da linguagem de crianças nascidas a termo e pré-termo com indicadores de risco para surdez | 2011 | Lima et al.(30) | 44 crianças /UTIN ao nascer, com algum IRDA | A termo e prematuros | Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem – ELM; Avaliações auditivas | Foi utilizado o sistema SAS. Teste Exato de Fisher | Nível de significância 0,05 |
Comparison of non verbal learning difficulties in preschoolers born preterm with the term born peers. | 2014 | Patil e Metgud D(25) | 100 pré-termo moderados -32 a 36 semanas | 100 a termo | First STEP Screening Test for Evaluating Preschoolers | Quiquadrado (Exato de Fisher) | Nível de significância 0,05 |
Developmental outcome in preterm infats <29 weeks gestation with < Stage 3 retinopathy of prematurity (ROP): relationship to severity of ROP. | 2012 | Todd et al.(23) | 68 prematuros com IG inferior a 29 semanas | Não | Griffiths Mental Development Scale | ANOVA com Tukey’s post-hoc test, Quiquadrado, Teste Exato de Fisher e Mann–Whitney U-test ou Kruskal–Wallis test | Nível de significância 0,05 |
Does maternal depression predict developmental outcome in 18 month old infants? | 2012 | Piteo et al.(16) | 48 pré-termo | 312 a termo | Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley III | Quiquadrado (Exato de Fisher) | Intervalo de Confiança 95% |
Earlier speech exposure does not accelerate speech inquisicion. | 2012 | Peña et al.(33) | 56 pré-termo | 92 a termo | Mismatche Response | Anova | Nível de significância 0,05 |
Effect of clinical and histological chorioamnionitis on the outcome of preterm infants |
2013 | Nasef et al.(18) | 274 RN com menos de 30 semanas de IG, de UTIN | Corioamnionite clínica, corioamnionithistológica, sem corioamnionite | Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley III | Teste de Tukey; Quiquadrado; Exato de Fisher; OR | Intervalo de Confiança 95% |
Effect of primary language on developmental testing in children born extremely preterm | 2013 | Lowe et al.(17) | 850 pré-termo com menos de 28 semanas de IG (98 primeira língua espanhola e 752 primeira língua inglesa) | Não | Bailey III E Brief Infant Toddler Social Emotional Assessment (BITSEA) | Quiquadrado (Exato de Fisher) | Nível de significância 0,05 |
Estudo maturacional da via auditiva em prematuros nascidos pequenos para a idade gestacional | 2014 | Angrisani et al.(34) | 35 pré-termo PIG | 41 prematuros AIG | Emissões Otoacústicas Transientes, Timpanometria e Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico | Teste de Tukey | Nível de Significância de 5% |
Evaluation of optic nerve development in preterm and term infants using handheld spectral-domain optical coherence tomography. | 2014 | Tong et al.(20) | 90 prematuros (< 30 sem de IG) | 60 a termo (>36 sem IG) | Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley II | Wilcoxon; Kruskal-Wallis e Tukey’s | Nível de Significância de 5% |
Executive function skills are associated with reading and parent-rated child function in children born prematurely. | 2012 | Loe et al.(22) | 72 pré-termo <36 semanas e <2.500g | 42 a termo >37 semanas e >2.500g | Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery (CANTAB), QI, The Woodcock–Johnson III Tests of Achievement (WJ-III), Child Behavior Checklist for ages 6–18 (CBCL) | Quiquadrado (Exato de Fisher) | Nível de significância 0,05 |
Extremely preterm birth affects boys more and socio-economic and neonatal variables pose sex-specific risks | 2015 | Mansson et al.(38) | 217 prematuros extremos do gênero masculino e 181 do gênero feminino | não | Bayley Scales of Infant and Toddler Development, third edition (Bayley-III) | Teste t de Student | Nível de Significância de 5% |
Follow-up study of 2 year olds born at very low gestational age in Estonia. | 2013 | Toome et al.(19) | 155 prematuros-(IG <32 sem | sim/termo | Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley III | Teste U de Mann-whitney, Exato de Fisher e OR (odd ratio) | Nível de Significância de 5% |
Impact of gestational age on neonatal hearing screening in vaginally-born late-preterm and early-term infants. | 2013 | Smolkin et al.(36) | 1.572 nascidos com mais de 35 semanas de IG | a termo de 38 a 40 semanas de IG | EOAT, PEATE-A | Teste U de Mann-whitney e x2 | Intervalo de Confiança 95% |
Impaired language abilities and white matter abnormalities in children born very preterm and/or very low birth weight. | 2013 | Reidy et al.(26) | 198 prematuros com menos de 30 semanas de IG | 70 a termo | Clinical Evaluation of Language Fundamentals (CELF-4) | Teste U de Mann-whitney, Exato de Fisher | Nível de Significância de 5% |
Indicadores cognitivos, linguísticos, comportamentais e acadêmicos de pré-escolares nascidos pré-termo e a termo | 2011 | Oliveira et al.(32) | 17 prematuros (<37 semanas de IG) de baixo peso (<2.500g) | 17 a termo (>37 semanas) e peso >2.500g | Instrumento de Avaliação do Repertório Básico para Alfabetização (IAR); Comportamental: Child Behavior Checklist (CBCL); Linguística: Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP), Teste de Vocabulário por Imagens Expressivo (LAVE); Cognitiva: Escala Colúmbia de Maturidade Intelectual, Children’s Analogical Thinking Modifiability-CATM | Teste t de Student | Nível de significância 0,05 |
Neonatal white matter abnormalities an important predictor of neurocognitive outcome for very preterm children. | 2012 | Woodward et al.(24) | 104 prematuros extremos com menos de 32 semanas de IG. | 107 a termo | Clinical Evaluation of Language Fundamentals (CELF-P) | Odds Ratio | Nível de Significância de 5% |
Neurodevelopmental outcomes following late and moderate prematurity: a population-based cohort study. | 2015 | Johnson et al.(27) | 1.130 pré-termo (moderado e tardio) | 1.255 a termo | SES-Index scores, Parent Report of Children’s Abilities-Revised (PARCA-R), Scores for non-verbal cognition (NVC) |
X2 Test Regressão de Poisson (Regressão Logística) |
Confiabilidade de 95% |
Preverbal skills as mediators for language outcome in preterm and full term children | 2011 | De Schuymer et al.(28) | 25 pré-termo | 35 a termo | Reynell Developmental Language Scales, Early Social Communication Scales. | MANOVA, Pearson | Nível de significância 0,05 |
Psychomotor development of preterm infants aged 6 to 12 months. | 2012 | Eickmann et al.(15) | 45 pré-termo | 90 a termo | Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley III | Teste t de Student ou Análises de Variância (ANOVA) | Nível de Significância de 5% |
Specific language and reading skills in school-aged children and adolescents are associated with prematurity after controlling for IQ | 2011 | Lee et al.(29) | 65 pré-termo | 35 a termo | Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence (WASI), Comprehensive Evaluation of Language Fundamentals–Fourth Edition (CELF-4), Peabody Picture Vocabulary Test–Third Edition (PPVT-III), Test for Recep- tion of Grammar–Version Two (TROG-2), Woodcock-Johnson III Tests of Achievement (WJ-III) |
MANCOVA, ANOVA, Quiquadrado | Intervalo de Confiança 95% |
Legenda: LBW = Low Birth Weight; IQ = Intelligence Quotient
Inicialmente serão apresentadas as principais características dos estudos e, a seguir, os principais resultados.
Dos estudos selecionados, sete foram publicados no Brasil e 19 publicados na literatura internacional. O número da amostra dos estudos variou de 34 a 34.010 recém-nascidos, entre crianças prematuras e a termo. Dos 26 estudos selecionados, 20 compararam grupos de crianças nascidas pré-termo com grupos de crianças nascidas a termo. Dois dos estudos fizeram comparações entre prematuros pequenos para idade gestacional (PIG) e adequados para idade gestacional (AIG). Em quatro estudos, a amostra era composta de crianças com prematuridade extrema, um estudo fez uma análise entre os gêneros com prematuridade extrema, um estudo avaliou os prematuros tardios e os demais trabalhos foram realizados em crianças com prematuridade acentuada e moderada.
Nos estudos revisados foram utilizadas avaliações de linguagem e/ou audição em bebês prematuros e a termo. Em quatro estudos, foram utilizadas, para análise da audição, as Emissões Otoacústicas (EOA); quatro utilizaram o Potencial Evocado de Tronco Encefálico (PEATE) e, em dois artigos, utiliza-se também como avaliação a timpanometria. Apenas em um dos artigos foi verificada a Resposta Auditiva de Estado Estável (RAEE). Outro estudo utilizou audiometria de reforço visual.
Para avaliação de linguagem, a maioria dos artigos utilizou a Escala Bayley de Desenvolvimento Infantil(13-38). Os estudos selecionados dividiram-se em trabalhos que buscavam avaliar os efeitos e riscos da associação de anormalidades e outros aspectos do desenvolvimento com a prematuridade. Nestes, as avaliações de linguagem e audição faziam parte dos procedimentos para realização de tais estudos, de forma complementar(13-27). Já outros estudos encontrados, tinham como foco principal, questões de linguagem e/ou audição em crianças prematuras(28-38).
Para expor os resultados, foram criadas as seguintes categorias: estudos que relacionam prematuridade a outros estados clínicos e seus efeitos no desenvolvimento infantil, dentre eles audição e linguagem, e estudos que têm como foco principal questões de linguagem e/ou audição relacionadas à prematuridade.
A seguir são elencados estudos que têm as avaliações em linguagem e/ou audição como análise secundária:
Um estudo(18) observou que crianças prematuras que nasceram de mães com corioamnionite clínica obtiveram escores abaixo da média no desenvolvimento de linguagem pela Escala Bayley de Desenvolvimento Infantil, aos 18 meses, pontuando a associação da corioamnionite clínica ao neurodesenvolvimento lento em prematuros, sobretudo à linguagem. Já, quando se observam bebês submetidos à retnopatia da prematuridade, um estudo revelou que as crianças prematuras com retinopatia em distintos níveis não tiveram associação entre escores de audição e fala aos 3 anos na Escala Mental de Griffiths, mas as com menor idade gestacional, baixo peso e do gênero masculino demonstraram menor desempenho de linguagem(23). Também, em outro estudo(20), não houve associação entre escores de linguagem no Bayley aos 18 e 22 meses com presença de doenças do nervo óptico.
Em três estudos(13,24,26), estudou-se a associação entre escores de linguagem e anomalias da substância branca no período neonatal. A variável baixo peso ao nascer apresentou-se associada a anomalias da substância branca no desfecho de linguagem alterada nas avaliações realizadas entre 18 e 22 meses(13), quatro(24) e seis anos(24,26), demonstrando o atraso de linguagem como possível desfecho.
Outra variável que parece influenciar a linguagem é o gênero, já que meninas prematuras demonstraram melhor pontuação em testes cognitivos, de linguagem e motor fino do que meninos(38), embora ambos os gêneros tenham apresentado desempenho similar quando submetidos a questões ambientais, socioeconômicas e de multilingualismo(17). Apenas bebês com espanhol como primeira língua apresentaram escore rebaixado quando avaliados pelo Bayley em inglês, quando esta era sua segunda língua(17).
Aspectos psicossociais como humor materno, em especial a depressão materna nos seis primeiros meses após o parto, não se associaram a alterações de linguagem aos 18 meses por meio da avaliação do Bayley(16).
Quando analisadas as funções executivas em sua relação com a linguagem, vários estudos demonstraram correlação positiva entre alterações na atenção e demais funções executivas e pior desempenho de linguagem(22,27), correlacionando-a também a menor idade gestacional(27), pior aprendizagem não verbal(27). As crianças prematuras demonstraram funções executivas mais pobres(22), embora não difiram dos bebês nascidos a termo na presença de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade(21). Um estudo(14), contudo, demonstra que a atenção aos 18 meses prevê alterações de linguagem aos 36 meses, afirmando a capacidade de atenção como precursora da linguagem, embora a atenção não se relacione à escolaridade materna de forma positiva como a linguagem em geral está. Além disso, neste estudo(14), o gênero e a idade corrigida emergiram como preditores da linguagem aos 18 meses.
Os estudos a seguir têm como foco principal investigar as possíveis associações entre a prematuridade e sua relação com a audição e/ou linguagem.
Uma das pesquisas(30) selecionadas comparou o desenvolvimento da linguagem aos 12 e 24 meses de crianças nascidas a termo e pré-termo a partir de um estudo longitudinal. Quarenta e quatro crianças que permaneceram em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal por mais de 48 horas foram acompanhadas até os 24 meses. Aquelas que apresentavam alteração de linguagem na Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem, os pais recebiam orientações de como estimular o desenvolvimento da linguagem com base nos itens previstos na própria escala. Os desvios transitórios encontrados nesse grupo de crianças aos 12 meses normalizaram-se aos 24 meses, demonstrando a importância e a necessidade de se orientar os pais para a intervenção adequada, evitando-se assim que alterações persistam durante a primeira infância. Outro estudo(28) também destacou o risco para um desenvolvimento pré-verbal menos favorável em crianças prematuras, confirmando que as condições de nascimento afetam o desenvolvimento da linguagem parcialmente por meio de habilidades pré-verbais, o que é importante para a prática clínica.
Outros estudos(15-29-32) pontuam a necessidade de monitorização de crianças nascidas prematuras independentemente ou não de outras variáveis, como gênero, status socioeconômico, baixo peso. Ao observarem que, na média dos índices de linguagem referentes à comunicação expressiva, os prematuros apresentaram menor índice, torna-se importante a investigação e a compreensão do desenvolvimento das crianças submetidas a fatores de risco.
Dois estudos(34,35) avaliaram prematuros pequenos para idade gestacional em relação à audição. Em um dos estudos, os autores(34) acompanharam a maturação da via auditiva em recém-nascidos prematuros pequenos para a idade gestacional (PIG), por meio do estudo das latências absolutas e interpicos do potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) nos primeiros seis meses de idade em comparação com adequados para idade gestacional (AIG). Os resultados de ambos os estudos(34,35) evidenciaram simetria entre as orelhas em ambos os grupos PIG e AIG, observando que esses se comportam da mesma maneira do ponto de vista auditivo. Observou-se também que lactentes adequados e pequenos para a idade gestacional pré-termo têm maturação acelerada, principalmente nos três primeiros meses, caracterizando, desta forma, um período de recuperação (catch up) do ponto de vista da audição. Assim, denota-se que a influência da prematuridade no processo de maturação do sistema nervoso auditivo central é maior que a influência do fator peso ao nascer.
Em estudo que avaliou o efeito da idade gestacional no teste da orelhinha, realizado com Emissões Otoacústicas (EOA), autores(36) compararam crianças prematuras tardias com crianças a termo e verificaram uma necessidade duas vezes maior para repetir os testes de audição no primeiro grupo, pois essas crianças apresentaram taxas de falhas maiores na primeira EOA realizada até 42 horas após o nascimento. Como não houve significância em relação às taxas de insucesso após 42 horas em ambos os grupos, concluíram que os resultados em prematuros tardios estão relacionados ao atraso na maturação do sistema auditivo após o nascimento, concordando com um dos estudos selecionados(34), ao verificarem que a maturação do sistema auditivo tem maior influência que fatores como peso ao nascer. Outro artigo(33) também evidencia a importância da maturação, pois se verificou que, embora bebês prematuros possam se beneficiar da exposição mais cedo ao ambiente linguístico favorecedor para transmissão da fala, tal exposição não tem efeitos isolados na aquisição da linguagem. Perceberam que a aquisição da linguagem no primeiro ano de vida também depende da maturação do Sistema Nervoso Central e não apenas da exposição à fala, pois a formação de representações fonológicas pelo ambiente é fortemente condicionada pelo cérebro e fatores relacionados à maturação, ou seja, a linguagem não é favorecida apenas pelo tempo de exposição à língua, mas pelas condições maturacionais da criança.
Um dos trabalhos(31) buscou investigar a aplicabilidade clínica, em crianças prematuras e a termo, do PEATE TB e da RAEE na frequência de 2 kHz, e outro(37) avaliou a via auditiva por meio de emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAE-T). Observaram-se diferenças importantes no tempo de duração da RAEE e nas bandas de frequência de 3 kHz e 4 kHz nas EOAE-T. A pesquisa por meio do PEATE (estímulo Tone Burst) e da RAEE foi realizada com a idade pós-conceptual de 47 semanas, provavelmente a maturação ocorrida entre a 35ª e a 47ª semana foi responsável pela semelhança de comportamento verificada nos indivíduos dos grupos termo e pré-termo. Pontua-se o exame de EOAE-T como instrumento importante para a avaliação do sistema auditivo periférico de recém-nascidos a termo e pré-termo, sendo possível visualizar respostas independentemente do gênero e idade gestacional.
Os artigos selecionados para esta revisão sistemática, em sua maioria, apontam para os efeitos da prematuridade em relação à aquisição da linguagem, sejam tais efeitos comorbidades de outros estados clínicos, associados à prematuridade, ou relacionados a prematuridade em si, como fator de risco biológico. Alguns dos estudos verificaram prejuízos relacionados aos desfechos da linguagem de crianças prematuras, tendo, estas, apresentado comprometimento de linguagem em relação às crianças nascidas a termo(13-32). Há ainda, um estudo(19) que encontrou associação com a deficiência auditiva.
Em contrapartida, dois estudos(20-23) não verificaram associação de retinopatia da prematuridade com os desfechos na linguagem, porém o estudo sugere que a idade gestacional, baixo peso ao nascer e gênero podem ser mais influentes a longo prazo nessas crianças, sendo necessário o monitoramento dessa população, assim como observou-se em outros estudos revisados(15-29). Esses resultados evidenciaram a importância de um acompanhamento dessas crianças desde o nascimento, embora em nenhum deles haja um acompanhamento de fatores psíquicos como os propostos por Kupfer et al.(39), ressaltados como estreitamente relacionados à aquisição da linguagem(40).
Entre os fatores psicossociais que podem alterar o desenvolvimento infantil, os estados de humor materno foram analisados em estudo com IRDIs(41). Apesar da relação usual entre humor materno alterado e maior risco ao desenvolvimento infantil, observou-se, em um dos estudos(16), a inexistência de associação significativa entre depressão materna nos primeiros seis meses após o parto e de linguagem após o controle de prematuridade infantil, amamentação, status e nível socioeconômico. Tal estudo também discorda dos achados de outros autores(42) que destacaram aspectos de responsividade e sensibilidade materna como preditores de melhor linguagem receptiva e expressiva nas crianças.
São essas habilidades linguísticas, relacionadas à recepção e expressão, que se apresentam comprometidas na maioria dos estudos revisados, nos quais verifica-se a presença de dificuldades de aquisição nos diferentes domínios da língua(26). Tais achados correspondem aos encontrados no estudo(43) que identificou diferenças em muitos aspectos do desenvolvimento fonético e fonológico, tais como inventário consonantal, aos 12 e 18 meses de idade e a complexidade silábica aos 18 meses de idade em crianças prematuras. Referente às habilidades consideradas pré-linguísticas, outro estudo revisado(28) concorda com o citado anteriormente(43), ao comprovar que tais habilidades são influenciadas pela situação de nascimento da criança.
Os autores acima(43) apontam ainda que são encontrados poucos estudos sobre as capacidades vocais e comunicativas de crianças pré-termo e estes têm produzido resultados contrastantes referentes ao desenvolvimento linguístico de crianças prematuras. No entanto, os autores afirmam ser necessário investigar se este desenvolvimento apresenta peculiaridades que podem explicar as habilidades linguísticas diferenciais encontradas em algumas amostras de populações pré-termo, tal como é apontado pela maioria dos estudos desta revisão, pois, a partir destes, verificam-se prejuízos na linguagem das crianças em idade pré-escolar e escolar, ou seja, após o período crítico de desenvolvimento da linguagem.
Dessa forma, percebe-se a prematuridade como um fator de risco biológico ao desenvolvimento de linguagem da criança. No entanto, nessa análise, cabe ressaltar a interação do fator biológico com o fator ambiental, como fatores de risco potencializadores nos efeitos ao desenvolvimento da linguagem(44). O fator ambiental, sendo entendido como uma variável moderadora, interfere e modifica a relação entre risco biológico e desfechos do desenvolvimento infantil. Essa observação demonstra a importância de se atentar a variáveis ambientais, pouco exploradas nos estudos encontrados, visto que apenas dois deles(14-16) destacaram a importância de tais variáveis em associação com a prematuridade e seus efeitos na linguagem da criança.
A relação entre genética e ambiente é dinâmica e também cumulativa na sua capacidade de influenciar o desenvolvimento do indivíduo e alterar comportamentos subsequentes. Somado a isso, outro estudo(42) verificou que comportamentos interativos maternos exercem efeito moderador diferencial no desenvolvimento de crianças vulneráveis com antecedentes de risco biológico.
Ainda, para pensar a situação de prematuridade, além do risco biológico e sua associação com o ambiente, um parto prematuro pode colocar em risco não só a vida física do bebê, mas também suas primeiras marcas subjetivas, seus vínculos afetivos, além de todo um descompasso, por parte dos pais, entre o que se sonhou com um filho imaginário e o que se passa com o filho real(45). Dessa forma, o bebê fica em situação de risco, podendo mesmo vir a ser de alto risco biopsicossocial, pois a mãe pode desconstruir-se e perder o desejo de ocupar a função materna pela ausência real do bebê, o que pode levar a mãe a não remeter ao bebê suas demandas (não supondo nele “nada” que responda), como também situá-la como não receptora dos apelos do bebê. Tal fato foi observado no estudo de caso(46), no qual a mãe não conseguia identificar as demandas do bebê, que apresentava prematuridade e risco psíquico como fatores de risco ao seu desenvolvimento.
Nesta perspectiva, toda a construção da mãe e do bebê fica afetada, prejudicando o cumprimento de sua função, pois, para realizar satisfatoriamente esta tarefa, a mãe, como principal cuidadora, deve estar emocionalmente estável. O risco psíquico atinge a mãe, o bebê e o vínculo, fundamental para que o desenvolvimento se dê(3,4), em especial o desenvolvimento da linguagem(11).
Considerando as condições auditivas, sabe-se que o acompanhamento auditivo de crianças prematuras também se torna de extrema importância, não só por se evitar ou remediar problemas auditivos, como também minimizar seus efeitos na aquisição da linguagem. Alguns resultados das pesquisas permitem pensar que existe a influência da prematuridade no processo de maturação do sistema nervoso auditivo central, incluindo a maturação da via auditiva, além do fator peso ao nascer, podendo influenciar negativamente o processo de aquisição da linguagem e aprendizagem(33-36). Aliado a esses trabalhos, outro estudo(47) observou associação estatisticamente significante entre a maturação da via auditiva, cognição e comunicação (aos 12 meses) e linguagem receptiva (aos 24 meses).
Isso demonstra que crianças prematuras podem não apresentar alterações auditivas periféricas, quando da realização do exame (audição normal), mas tal resultado não garante o pleno desenvolvimento da maturação da via auditiva. Por isso, é necessário o acompanhamento longitudinal das crianças nascidas prematuras, em função da maturação ocorrer nos primeiros dois anos de vida e a experimentação sonora adequada pode ser imprescindível neste período de maior plasticidade(48). Tal experimentação, além das condições biológicas e ambientais às quais a criança está exposta, também se ancora no processo de interação, no qual adulto e criança são parceiros. As relações familiares têm papel fundamental para a aquisição de habilidades iniciais pela criança(49).
Assim, o acompanhamento de uma adequada maturação do sistema auditivo é fundamental a fim de que se propicie o desenvolvimento das habilidades auditivas, as quais vão proporcionar à criança a aquisição da linguagem e, consequentemente, os aprendizados futuros que dela dependem. Tal acompanhamento deve ser realizado possibilitando a detecção e intervenção precoce, quando necessárias, nos casos de prejuízos à audição e à linguagem.
A partir dos estudos revisados pôde-se constatar que a prematuridade bem como os aspectos relacionados a ela (idade gestacional, baixo peso e intercorrências ao nascer) podem influenciar negativamente a audição e a aquisição da linguagem.
Os estudos indicam que a prematuridade é um fator de risco que pode influenciar o processo de maturação do sistema auditivo central, podendo, assim, trazer prejuízos à audição de crianças prematuras. A aquisição da linguagem no primeiro ano de vida depende de uma adequada maturação da via auditiva central, pois a formação de representações linguísticas pelo ambiente é fortemente condicionada pelo cérebro e fatores relacionados à maturação. Nesse sentido, pontua-se a importância de atentar para as condições maturacionais da via auditiva da criança prematura, pois a linguagem é favorecida por tais condições.
Observou-se ainda, que a prematuridade afeta o desenvolvimento das habilidades pré-linguísticas e o desfecho de linguagem na criança prematura. O atraso e alterações no desenvolvimento da linguagem, prejuízos nos aspectos fonético e fonológico, tais como inventário consonantal e a complexidade silábica destas crianças, podem estar relacionadas ao nascimento prematuro e aos aspectos intrínsecos à prematuridade. Assim, torna-se importante para a prática clínica o acompanhamento de crianças submetidas a fatores de risco, tais como a prematuridade, a fim de investigar e compreender o desenvolvimento das habilidades auditivas e linguísticas dessas crianças.