versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.1 no.4 São Paulo out./dez. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180069
A fibromialgia (FM) é uma síndrome reumatológica não inflamatória, caracterizada por dor musculoesquelética crônica e difusa, geralmente acompanhada por outros sintomas não relacionados ao aparelho locomotor como fadiga, alterações cognitivas, qualidade de sono prejudicada e cefaleia1-3.
Dentre os principais sintomas, a dor é a principal manifestação clínica apresentada, fazendo com que se busque o diagnóstico e o tratamento. Outro fator em destaque é a presença de sintomas depressivos em pacientes com FM, indicando a relevância da abordagem dos aspectos psíquicos durante o tratamento2.
Recomenda-se o tratamento interdisciplinar para a fibromialgia, incluindo abordagem farmacológica e não farmacológica, que deve incluir estratégias educativas e a participação ativa do paciente no controle da doença2,3.
Sendo assim, o monitoramento associado à utilização de estratégias educativas pode promover melhora dos resultados do tratamento, reduzir a dor, as limitações físicas e os custos provocados por essas doenças4.
Em 2011, o Ministério da Saúde desenvolveu o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) visando a prevenção e controle por meio do eixo estratégico vigilância, informação, avaliação e monitoramento4.
Nesse contexto, as intervenções por telefone podem ser estratégias alternativas, com alto poder de abrangência, podendo ser utilizadas de modo exclusivo ou complementar, na educação e promoção da saúde, principalmente em pacientes com doenças crônicas5.
O enfermeiro é um profissional capacitado para aplicar intervenções educativas, informando os pacientes sobre a doença, o tratamento e o manuseio de sintomas, podendo impactar positivamente a qualidade de vida.
Diante desse panorama, o objetivo deste estudo foi avaliar o impacto de uma intervenção de enfermagem no controle da dor e nos sintomas depressivos de pacientes com FM.
Estudo quase-experimental com coleta de dados retrospectiva, do tipo série de casos, realizado por meio da revisão de banco de dados eletrônico, que incluiu 353 pacientes atendidos no período de janeiro de 2014 a março de 2017. A população foi composta por pacientes com FM atendidos por um serviço privado de monitoramento de pacientes crônicos, em um Programa denominado “Articulação”, direcionado ao monitoramento de pacientes com FM e Artrite Reumatoide (AR). Os pacientes com FM foram diagnosticados pelo médico responsável por meio do critério do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) 2010, e encaminhados para participar do Programa “Articulação”. Todos os que aceitaram participar foram incluídos no estudo. A amostra, de conveniência, foi constituída por 353 pacientes com FM.
A intervenção de enfermagem observada neste estudo tem abrangência nacional e monitora pacientes por telefone, além de incluir uma visita presencial ou contato via web (caso não haja visitador na região do paciente) para a avaliação inicial. O programa “Articulação” é composto por duas etapas: 1) Intervenção e 2) Autocontrole Trimestral, e tem o objetivo de melhorar a adesão e os resultados do tratamento de pacientes com FM e AR.
O fluxo inicia-se com o encaminhamento de pacientes de um plano de saúde para a empresa de monitoramento de pacientes crônicos, onde o avaliador realiza o contato inicial de boas-vindas, avalia os critérios de elegibilidade e convida para participar do programa. Quando o paciente se encaixa nos critérios de inclusão, o avaliador aciona um profissional para uma visita domiciliar, que realiza a avaliação inicial e a definição do nível de atenção e monitoramento.
O passo seguinte é o envio de uma carta-convite ao paciente e, a partir disso, inicia-se a fase de Intervenção, com duração de 6 meses, na qual enfermeiros realizam pelo menos um contato telefônico mensal para monitoramento e orientações, visando a estabilização da doença. As orientações de enfermagem na fase de Intervenção incluem informações sobre a doença e o tratamento, importância dos exames de controle e recomendações para a prática de exercícios físicos.
Após essa etapa, o paciente passa para a fase de Autocontrole Trimestral, na qual o enfermeiro entra em contato a cada 3 meses para avaliar a situação de saúde desses pacientes. Caso não haja a estabilização da doença ao final de 6 meses (fase de Intervenção), o paciente permanece com monitoramento mensal por mais seis meses, sendo reavaliado ao final desse período para definição do tipo de seguimento.
As variáveis demográficas e clínicas analisadas foram: sexo, idade, escolaridade, estado em que reside, tipo de monitoramento, sintomas, intensidade da dor, fármacos em uso, adesão ao tratamento e escore de risco para depressão.
A intensidade da dor foi avaliada por escala verbal numérica (EVN) de dor com variação de zero a 10, sendo “zero” nenhuma dor e “10” a pior dor que se pode imaginar, posteriormente classificada como dor leve (1 a 3), moderada (4 a 6) e intensa (7 a 10).
O risco de depressão foi avaliado por meio da escala Patient Health Questionnaire (PHQ-9), traduzida e validada para a língua portuguesa, já utilizada no acompanhamento de rotina do serviço de monitoramento com versão disponível online6.
A escala PHQ-9 é um instrumento que foi originalmente desenvolvido para identificar o risco de depressão na população geral, mas também pode ser utilizado para indicar gravidade de sintomas depressivos7. É um instrumento de aplicação rápida, composto por 9 itens que abordam humor deprimido, anedonia (perda de interesse ou prazer em fazer as coisas), problemas com o sono, cansaço ou falta de energia, mudança no apetite ou peso, sentimento de culpa ou inutilidade, problemas de concentração, sentir-se lento ou inquieto e pensamentos suicidas7. Cada sintoma é avaliado de acordo com a escala de Likert, sendo 0=“Nenhuma vez”, 1=“Vários dias”, 2=“Mais da metade dos dias” e 3=“Quase todos os dias”7. O escore total pode ser classificado em categorias que indicam o risco de depressão: 0=ausente; 1 a 5=leve; 6 a 14=moderada; 15 a 19=grave; 20 ou mais =muito grave6.
Este projeto seguiu as recomendações da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)8, segundo a qual não há necessidade de avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa para estudos que utilizam banco de dados com informações agregadas sem possibilidade de identificação individual dos participantes.
Os dados foram incluídos em Planilha do Programa Microsoft Excel® e analisados por meio do Programa Estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), no qual foram realizadas análises descritivas e inferenciais considerando apenas os dados existentes para cada item analisado. As variáveis contínuas foram expressas por média, desvio padrão e mediana, e as variáveis categóricas foram descritas em números e percentuais. A comparação entre as variáveis contínuas foi realizada por meio do teste t-pareado e a comparação entre as variáveis categóricas foi realizada utilizando o teste McNemar-Bowker. O nível de significância foi estabelecido com valor de p<0,05.
Foram analisados dados de 353 pacientes com FM, dos quais 96% eram do sexo feminino, com idade média de 51 anos (DP=12) e 54,6% possuíam ensino superior. Em relação à procedência, observou-se maior número de participantes dos estados de São Paulo (59,9%), Bahia (10,5%) e Rio de Janeiro (9,9%). Entre os pacientes avaliados, 63,6% estavam na fase de Intervenção Mensal e 36,4% estavam em Autocontrole Trimestral (Tabela 1).
Tabela 1 Características sociodemográficas da amostra, São Paulo, 2017
Variáveis | Fibromialgia (n=353) |
---|---|
n (%) | |
Sexo (n=347) | |
Feminino | 333 (96,0) |
Masculino | 14 (4,0) |
Idade (anos) (n=353) | |
Adulto jovem (18 a 39) | 12 (3,39) |
Adulto (40 a 64) | 250 (70,9) |
Idoso (65 e mais) | 91 (25,7) |
Escolaridade (n=282) | |
Não alfabetizado | 01 (0,4) |
Ensino fundamental | 09 (3,2) |
Ensino médio | 90 (31,9) |
Ensino superior | 154 (54,6) |
Pós-graduação | 28 (9,9) |
Procedência (n=352) | |
Norte | 1 (0,3) |
Nordeste | 61 (17,4) |
Centro-Oeste | 18 (5,2) |
Sudeste | 257 (72,9) |
Sul | 15 (4,3) |
Tipo de monitoramento (n=280) | |
Intervenção | 178 (63,3) |
Autocontrole trimestral | 102 (36,4) |
No início do acompanhamento, 43% dos participantes apresentavam dor persistente e generalizada, 39,6% tinham sintomas controlados e 11,5% referiam fadiga. Em relação ao tratamento farmacológico, 53,8% usavam antidepressivos, 49,5% analgésicos e 9,2% benzodiazepínicos.
Os dados de intensidade da dor foram comparados antes e após a Intervenção mensal e verificou-se redução significativa na intensidade média da dor (p<0,001). Já a redução do escore de depressão não foi significativa (p=0,093), como pode ser observado na tabela 2.
Tabela 2 Comparação dos escores de dor e depressão antes e após a intervenção, São Paulo, 2017
Variáveis | Média (DP*); Mediana | Valor de p** |
---|---|---|
Intensidade da dor antes | 5,39 (2,71); 6,00 | <0,001 |
Intensidade da dor após | 4,34 (5,0); 2,73 | |
Escore PHQ-9 antes | 5,47 (5,66); 4,00 | 0,093 |
Escore PHQ-9 após | 4,29 (5,96); 2,00 |
PHQ-9 = Patient Health Questionnaire;
*Desvio padrão
**Teste-t pareado.
A comparação da dor por categorias antes e após a Intervenção mostrou redução significativa dos casos de dor intensa e aumento dos casos de dor ausente, leve e moderada (p>0,001), conforme a figura 1.
Figura 1 Comparação da intensidade da dor segundo categorias antes e após a intervenção, São Paulo, 2017Valor de p<0,001; *McNemarBowker teste.
Quanto ao risco de depressão, a comparação dos escores por categorias mostrou que a intervenção reduziu os casos de depressão leve, moderada e muito grave e aumentou os casos sem risco de depressão e com depressão grave (p=0,01), conforme a figura 2.
À semelhança de outros estudos nacionais, este estudo encontrou predomínio de FM em mulheres com média de idade de 52 anos9. Quanto ao nível de escolaridade, houve predomínio de pacientes com formação em ensino superior, o que não reflete a realidade brasileira, mas pode ser explicado pelo fato de a população do estudo fazer parte de um plano de saúde privado, que oferece a intervenção de enfermagem e o monitoramento contínuo desses pacientes.
A comparação da intensidade média da dor antes e após a intervenção mostrou redução significativa da dor (de 5,4 para 4,3). A intensidade média da dor observada neste estudo foi inferior a outros estudos, que encontraram média de dor em torno de oito7,9 no Ambulatório de Reumatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e no Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário do Recife10,11.
Com relação aos sintomas depressivos, a redução do escore médio de depressão após a intervenção de enfermagem não foi significativa (p=0,093). No entanto, a comparação dos escores de depressão segundo categorias mostrou redução significativa nos casos de risco leve, moderado e muito grave e aumento dos casos de risco ausente e grave, indicando melhora dos sintomas depressivos para a maior parte dos participantes do estudo. Estudos demonstraram que a depressão é frequente em pacientes com FM12-14; sendo necessária a identificação e intervenção nesses casos, pois esses pacientes podem demonstrar piora de sintomas físicos quando apresentam distúrbios psicológicos não tratados15.
Em contrapartida, estudo realizado em 2013 demonstrou que 51% dos participantes acreditavam que a depressão e a ansiedade foram os fatores causadores da FM16. Porém, não foram encontrados dados científicos que confirmem essa relação.
Quanto ao tratamento farmacológico, verificou-se que 53,8% dos pacientes usavam antidepressivos, proporção que pode ser considerada baixa, visto que as recomendações internacionais para o tratamento da FM indicam os antidepressivos como a primeira linha de tratamento9.
A intervenção de enfermagem analisada neste estudo está em consonância com as recomendações do Consenso Brasileiro para tratamento da FM, que reafirma a importância das orientações e dos programas de autocontrole da dor17-19.
Nota-se, portanto, que a intervenção de enfermagem com monitoramento telefônico foi uma estratégia eficaz para melhorar os resultados do tratamento em pacientes com FM, confirmando a eficácia das recomendações dos consensos nacionais e internacionais para o tratamento dessa síndrome.
A intervenção de enfermagem demonstrou impacto positivo no controle da dor e na redução dos sintomas depressivos de pacientes com fibromialgia.