versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.13 no.4 São Paulo out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015AO3418
A menopausa provoca a diminuição lenta e gradativa dos hormônios estrógeno e progesterona, produzindo aumento da reabsorção óssea e diminuição da absorção de cálcio pelo tecido ósseo. Dessa forma, os ossos ficam mais fragilizados e aumenta a predisposição ao aparecimento de doenças, como a osteoporose(1,2) e osteoartrite.(3) A diminuição dos níveis de estrógeno acelera a meia-vida da cartilagem e aumenta a erosão da superfície da cartilagem,(4) sendo que o modelo animal tem se apresentado como útil ferramenta para estudos relacionados à lesão da cartilagem pós-ovariectomia.(5)
A imobilização é amplamente utilizada em lesões musculoesqueléticas, e pode gerar graves prejuízos ao sistema musculoesquelético e, particularmente, à cartilagem articular, além de acarretar em incapacitação temporária ou permanente do indivíduo e em elevação dos custos de cuidados em saúde.(6,7)Vários tratamentos têm sido propostos para períodos de reabilitação pós-imobilização. No entanto, o exercício físico tem sido o mais preconizado, por melhorar a força muscular, prevenir fraturas e promover reparações na estrutura tecidual muscular, óssea e cartilaginosa.(7-11)
Assim justifica-se este estudo tendo em vista a elevação da expectativa de vida da população, o entendimento de que a menopausa pode levar a doenças como a osteoporose e osteoartrite (que são grandes problemas de saúde pública), as incapacitações e os efeitos deletérios nas estruturas teciduais decorrentes de uma imobilização, além da necessidade de tornar evidência científica recursos terapêuticos amplamente utilizados na prática clínica.
Analisar os efeitos do exercício físico sobre a histomorfometria da cartilagem de ratas induzidas à osteoporose e submetidas à imobilização.
Foram utilizadas 36 ratas da linhagem Wistar, adultas (10±2 semanas), nulíparas, com peso médio de 317,2±22,1g, mantidas em gaiolas de polipropileno com livre acesso à água e à ração, fotoperíodo claro/escuro de 12 horas e temperatura ambiente controlada (25°±1°C). O estudo foi realizado conforme as normas éticas internacionais de experimentação animal, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Unioeste, sob o parecer 4.112.
As ratas foram separadas aleatoriamente em seis grupos:
– G1 (n=6): as ratas foram submetidas à cirurgia simulada de ooforectomia (pseudo-ooforectomia) e permaneceram 60 dias sem intervenção.
– G2 (n=6): pseudo-ooforectomia e permaneceram 60 dias sem intervenção. Após, foi realizada imobilização do membro posterior direito (MPD) por 2 semanas. Posteriormente, ficaram em remobilização livre pelo mesmo período, sendo apenas colocadas em contato com uma escada nos últimos 10 dias.
– G3 (n=6): pseudo-ooforectomia e permaneceram 60 dias sem intervenção. Após, foi realizada imobilização do MPD por 2 semanas, sendo posteriormente submetidas ao exercício de subida em escada durante 10 dias, com intervalo de 2 dias após a quinta sessão. Foram realizadas 10 subidas na primeira semana (5 dias) e 20 na segunda semana (5 dias), com intervalo de 1 minuto entre as subidas.
– G4 (n=6): cirurgia de ooforectomia bilateral e permaneceram 60 dias sem intervenção.
– G5 (n=6): ooforectomia bilateral e permaneceram 60 dias sem intervenção. Após, foi realizado imobilização e remobilização semelhante ao G2.
– G6 (n=6): ooforectomia bilateral e permaneceram 60 dias sem intervenção. Após, foram realizados procedimentos de imobilização e de remobilização, semelhante ao G3.
Para a realização da ooforectomia, pseudo-ooforectomia, imobilização e eutanásia, as ratas foram pesadas e submetidas a um protocolo de anestesia, que consistiu em injeção intraperitoneal de cloridrato de xilazina (12mg/kg) e cloridrato de cetamina (95mg/kg).
Na realização da ooforectomia, após realizada a anestesia, foram realizadas a tricotomia e a antissepsia com álcool iodado na região de baixo ventre, sendo, em seguida, feita a incisão cirúrgica longitudinal, com lâmina de bisturi número 11. Após acessar a cavidade peritoneal, foi afastado o tecido adiposo, até que se conseguissem identificar as tubas uterinas e ovários. Em seguida, realizou-se sutura com fio catgut 4.0 simples na área dos cornos uterinos, promovendo a ressecção dos ovários bilateralmente.
Ao final do procedimento, foram realizadas suturas internas com fio reabsorvível catgut 4.0 simples e as externas, com fio de nylon 4.0. A pseudo-ooforectomia consistiu na realização de todas as etapas cirúrgicas semelhantes à ooforectomia, com exceção da remoção dos ovários. Subsequente à cirurgia, as ratas permaneceram por 60 dias sem qualquer intervenção, livres na gaiola.
Foi realizada imobilização conforme modelo proposto por Booth e Kelso,(12) sendo readequado para somente um dos membros, como proposto por Matheus et al.,(13)com adaptação do material utilizado para confecção de órtese estática gessada. Previamente à imobilização, realizou-se o procedimento anestésico, sendo, em seguida, realizada a MPD, desde o quadril até o tornozelo, envolvido por uma malha tubular juntamente de ataduras de algodão. Em seguida, foi moldada a órtese contensora, de aproximadamente 50g, utilizando-se atadura gessada de secagem rápida, com o MPD em extensão completa de joelho e tornozelo em flexão plantar máxima, nas ratas de G2, G3, G5 e G6.
Após a retirada da imobilização, as ratas de G3 e G6 foram submetidas ao exercício de subida em escada, com 10 repetições na primeira semana (5 dias) e 20 repetições na segunda semana (5 dias), com intervalo de 1 minuto entre as subidas e de 2 dias entre as semanas. As ratas de G2 e G5 realizaram remobilização livre na gaiola, sendo colocadas em contato com uma escada a 10cm da caixa escura, uma vez apenas, no mesmo período em que era realizado o exercício com G3 e G6. O equipamento utilizado para a realização do exercício físico consistiu de uma escada com 67 degraus, com espaçamento de 1,5cm entre os degraus da grade, 20,5cm de largura, 118cm de altura e ângulo de inclinação de 80° (aproximadamente). Na região superior, havia uma câmara escura de 28,5cm de comprimento, 18,5cm de altura e 15cm de largura, que servia para que as ratas descansassem entre as séries de subidas, e para que se sentissem atraídas para um refúgio e estimuladas a realizarem o exercício.
Ao final do experimento, as ratas foram pesadas, anestesiadas e eutanasiadas por meio de decapitação em guilhotina. Após, foram retiradas as tíbias direitas e esquerdas, submetidas à rotina de laboratório, sendo diafanizadas e incluídas em parafina, com a realização de cortes de 7µm em micrótomo e a confecção das lâminas com cortes em plano frontal, que foram coradas em hematoxilina e eosina (HE). As lâminas foram fotomicrografadas em microscópio Olympus DP71® em três pontos para as análises da cartilagem articular, denominados P1, P2 e P3, que correspondem respectivamente às porções lateral, intermédia e medial da tíbia. Para a análise da placa epifisária, foi realizada fotomicrografia do ponto intermediário. Foi utilizado aumento de 200 vezes para a realização de mensurações da espessura da cartilagem articular e placa epifisária, e também para a contagem do número de condrócitos. As imagens foram submetidas à análise por meio do programa Image Pro-Plus 6.0®. Para a análise histomorfológica, foram observadas, na cartilagem articular, a estrutura e a organização celular, como presenças de alterações na superfície articular.
Os dados da pesquisa foram avaliados por meio da comparação dos resultados obtidos no membro posterior esquerdo (MPE − controle) e MPD (imobilizado), entre as ratas do mesmo grupo e entre os grupos experimentais. Para isso, foi utilizado o programa BioEstat 5.0, com os valores apresentados em média e desvio padrão. Foi realizado o teste t de Student pareado para a comparação entre o lado direito e esquerdo, dentro do mesmo grupo, e Análise de Variância (ANOVA) unidirecional para comparação entre grupos experimentais para os lados direito e esquerdo. O nível de significância estatística considerado foi de p≤0,05.
Para a espessura da cartilagem articular, observou-se diminuição significativa do MPD em relação ao MPE nas ratas do G5 (p=0,0138). Na comparação intergrupos, para o MPD, houve redução significativa do G4 em relação ao G1, G2, G3 e G6, como também do G5 em relação ao G1 e G6 (F(5;29)=13,88; p<0,0001). No MPE, notou-se diminuição significativa nas ratas de G4 em relação às outras (F(5;29)=10,72; p<0,0001) (Figura 1).
MPD: membro posterior direito; MPE: membro posterior esquerdo.
Figura 1 Espessura da cartilagem articular superior da tíbia, comparando-se as ratas distribuídas entre os grupos de estudo (G1, G2, G3, G4, G5 e G6) e os membros posteriores direito (alvo) e esquerdo (controle). Letras iguais significam semelhanças e letras diferentes significam diferenças significativas entre os grupos experimentais, para o mesmo lado
Na análise da espessura da placa epifisária, observou-se diminuição significativa do MPD em relação ao MPE em G5 (p=0,0187). Na comparação intergrupos para o MPD, notou-se redução significativa do G5 em relação aos outros grupos, além de maiores valores em G1 com relação ao G4 (F(5;29)=14,72; p<0,0001) (Figura 2).
MPD: membro posterior direito; MPE: membro posterior esquerdo.
Figura 2 Espessura da placa epifisária da tíbia, comparando-se as ratas distribuídas entre os grupos de estudo (G1, G2, G3, G4, G5 e G6) e os membros posteriores direito (alvo) e esquerdo (controle). Letras iguais significam semelhanças e letras diferentes significam diferenças significativas entre os grupos experimentais, para o mesmo lado
Em relação ao número de condrócitos, somente em G5 houve diminuição significativa do MPD em comparação com o MPE (p=0,0006). Na comparação entre os grupos experimentais, observou-se diminuição significativa de G2, G4 e G5 em relação ao G6, e também de G1 e G3 com respeito ao G5, na comparação entre os membros posteriores direitos (F(5;29)=10,16; p<0,0001). Entre os esquerdos, houve valores maiores de G6 ao comparar com G1, G2, G4 e G5 (F(5;29)=5,11; p<0,0021) (Figura 3).
MPD: membro posterior direito; MPE: membro posterior esquerdo.
Figura 3 Números de condrócitos na cartilagem articular superior da tíbia (unidade), comparando-se as ratas distribuídas entre os grupos de estudo (G1, G2, G3, G4, G5 e G6) e os membros posteriores direito (alvo) e esquerdo (controle). Letras iguais significam semelhanças e letras diferentes significam diferenças significativas entre os grupos experimentais, para o mesmo lado
Em G1 (grupo pseudo-ooforectomizado) e G4 (grupo ooforectomizado), não foram verificadas mudanças na estrutura da cartilagem articular e nem da placa epifisária, demonstrando aspectos morfológicos normais, mas, em G4, visualizou-se considerável diminuição na espessura e no número de condrócitos, como já evidenciada na análise histomorfométrica. Nas ratas de G2 (grupo pseudo- -ooforectomizado, imobilizado e com remobilização livre), foram observadas regiões de degeneração da cartilagem articular, perda da organização celular, floculações, diminuição da quantidade de condrócitos e algumas regiões com tecido de granulação (pannus). Já no G3 (grupo pseudo-ooforectomizado, imobilizado e remobilização em escada), notaram-se sinais de reparação das estruturas cartilaginosas, com presença de clones celulares e de pannus. Em G5 (grupo ooforectomizado, imobilizado e remobilização livre), foram evidenciadas degeneração da cartilagem articular, presença de fissuras e floculações, descontinuidade da tidemark e exposição de osso subcondral. Em G6 (grupo ooforectomizado, imobilizado e remobilização em escada), foram visualizados formação de pannus, invasão de vasos sanguíneos subcorticais na zona calcificada, aumento da quantidade de grupos isógenos e da espessura da zona calcificada (Figura 4).
CA: cartilagem articular; TM: tidemark; OS: osso subcondral; F: fissuras; Fl: floculações; GI: grupos isógenos.
Figura 4 Fotomicrografias da cartilagem articular superior da tíbia direita de ratas, G1 (A), G2 (B), G3 (C), G4 (D), G5 (E e F) e G6 (G e H); corte frontal; coloração em hematoxilina e eosina. (A) Vista panorâmica da cartilagem articular (CA), com evidência para a tidemark (TM) e visualização de parte de osso subcondral (OS); (B) presença de fissuras (F), floculações (Fl) e desorganização tecidual; (C) aumento da espessura da cartilagem articular, hipercelularidade e aumento do número de grupos isógenos (GI); (D) diminuição da espessura da cartilagem articular e organização celular normal; (E) perda da cartilagem articular (♦) com exposição de osso subcondral; (F) presença de floculações na superfície da cartilagem (FI); (G) recuperação da cartilagem articular (♦) com formação de pannuse presença de clones; (H) aumento da espessura da cartilagem articular, hipercelularidade e aumento de grupos isógenos
Os resultados do estudo apontam que a privação hormonal estrogênica, provocada pela ooforectomia, ocasionou perda significativa de cartilagem articular. Esse hipoestrogenismo altera o processo de remodelação do tecido cartilaginoso,(4)favorecendo o aparecimento da osteoartrose.(1,5,6,14,15) Tal fato pode ser agravado quando há necessidade do uso de imobilização, podendo provocar lesões irreversíveis à cartilagem articular, ou seja, a associação entre a ooforectomia e imobilização pode levar mais rapidamente à instalação de prejuízos nos tecidos muscular e cartilaginoso.(16-18)
A imobilização provoca degeneração da cartilagem articular, com alterações atróficas, redução de sua espessura e da síntese de proteoglicanos da matriz da cartilagem, irregularidade da superfície articular, necrose e ulceração da cartilagem, aumento do número de células inflamatórias, redução da massa e volumes totais da cartilagem.(7-9,16,19-24) Algumas destas características foram observadas no grupo pseudo-ooforectomizado e imobilizado, indicando efeitos agressivos da imobilização em apenas 2 semanas. Ainda, a deficiência de estrogênio leva a alterações na morfologia da cartilagem, direcionando à degeneração da mesma,(25)conforme foi observado que apenas o grupo ooforectomizado apresentou valores menores, com relação à espessura da cartilagem, do membro esquerdo entre os grupos.
O exercício físico é indicado como forma de tratamento para a artralgia advinda da osteoartrite pós-menopáusica.(26) Esse recurso tem sido o mais preconizado para remobilização, pois, por meio do movimento articular, é possível promover mudanças físicas, bioquímicas e histológicas que favorecem o retorno à síntese de macromoléculas e proporcionam reversibilidade, pelo menos parcial, das lesões causadas na cartilagem.(8,27,28) No entanto, Portinho et al.,(29) utilizando remobilização livre por 15 dias, associado a três séries, de 30 segundos, diárias, de alongamento do músculo sóleo não observaram mudanças na espessura da cartilagem articular pela imobilização e remobilização. Já Del Carlo et al.(9) verificaram que a imobilização por 45 dias provocou aumento da espessura articular e do número de condrócitos, irregularidade da superfície articular e perda de proteoglicanos da matriz da cartilagem.
Não foram encontrados estudos que verificassem os efeitos sobre a cartilagem, em ratas ooforectomizadas e submetidas à imobilização, com posterior remobilização em treino de subida em escada. Porém alguns apontam sucesso desse tipo de exercício na promoção de melhora na densidade mineral óssea, na rigidez óssea e na hipertrofia dos músculos gastrocnêmio, flexor longo dos dedos, plantar e tríceps braquial.(30-33)
No presente estudo, foi verificado que, em ratas pseudo-ooforectomizadas e submetidas à imobilização − tanto a remobilização livre (G2) como em escada (G3) − foram capazes de manter a espessura da cartilagem articular e placa epifisária, como também o número de condrócitos, em níveis semelhantes aos do membro não imobilizado. Isso ocorreu também com as ratas ooforectomizadas, imobilizadas e em remobilização em escada (G6). No entanto, tal benefício não foi alcançado com as ratas de G5, demonstrando que a imobilização provoca perdas significativas no tecido cartilaginoso em ratas ooforectomizadas, e a remobilização livre não foi capaz de reverter os efeitos deletérios no tecido cartilaginoso, ao contrário da remobilização em escada (G6), provavelmente por requerer uma carga intensa sobre a articulação, visto que a remobilização, com descarga de peso sobre a articulação, promove a secreção de proteoglicanos na matriz celular, viabilizando a restauração da estrutura da cartilagem.(8) Já foi demonstrado que o exercício em esteira mostrou-se útil em ratas ooforectomizadas quanto à proteção da cartilagem articular.(34)
As lesões da matriz extracelular e degradação completa da cartilagem articular podem derivar de maior atividade das metaloproteinases da matriz.(35) Na análise morfológica, foi verificado predomínio de áreas degradadas, principalmente em G5, que realizou ooforectomia, imobilização e remobilização livre; e área com predomínio de recuperação da cartilagem articular, em G2, G3 e G6, sendo mais evidente nas duas últimas, apontando, assim, efeito reparador do exercício físico. Havia principalmente presença de pannus, aumento de grupos isogênicos e clones celulares, que decorrem da presença de inflamação dos tecidos articulares.(36) Essas reações refletem um processo de recuperação frente aos danos ocasionados na cartilagem articular, visto a capacidade proliferativa dos condrócitos e reparo do osso subcondral, com aumento do aporte nutricional na região, alcançadas por meio de programas de remobilização.(9,36)
Em suma, observou-se que a ooforectomia, associada à imobilização, provocou diminuição da espessura da cartilagem articular e placa epifisária, além de diminuição do número de condrócitos, degeneração da cartilagem articular, perda da organização celular, floculações e pannus. A remobilização livre não foi capaz de recuperar as lesões ocasionadas no tecido cartilaginoso da tíbia de ratas ooforectomizadas e imobilizadas, mas a reversibilidade foi alcançada com a remobilização em escada, com melhora dos parâmetros morfométricos e morfológicos, com sinais de reparação das estruturas cartilaginosas, observados pela presença de clones celulares e depannus, invasão de vasos sanguíneos subcorticais na zona calcificada, aumento da quantidade de grupos isógenos e da espessura da zona calcificada.