versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.4 Porto Alegre out./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.0083
O envelhecimento da população mundial é fenômeno recente na história da humanidade. Atualmente, na maioria dos países desenvolvidos, 10% da população tem mais de 50 anos e 95% das mulheres atingem a menopausa (i.e. última menstruação confirmada após 12 meses de amenorreia decorrente da falência ovariana). Os aspectos físicos da saúde geral e do bem-estar emocional declinam durante a transição da menopausa. Os sintomas climatérios acometem entre 60 e 80% das mulheres, e são reconhecidos como indutores de desconforto físico e emocional, que aumentam com a severidade dos sintomas. O exercício físico vem sendo frequentemente associado à prevenção desses sintomas e do aparecimento de doenças, bem como ao tratamento não farmacológico de distúrbios metabólicos e cardiovasculares1.
A maior parte das investigações que envolvem o exercício físico dedica-se a estudar os efeitos do exercício aeróbico e/ou anaeróbico sobre o metabolismo dos lipídios, principalmente no período pós-prandial1,2. Alguns autores têm verificado os efeitos do exercício sobre os parâmetros sanguíneos em populações com risco aumentado de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV), como mulheres no período pós-menopausa3,4.
As DCV são responsáveis por mais de 33% dos casos de morte no mundo, por 23% da mortalidade no sexo feminino, sendo a principal causa de morte em mulheres acima dos 60 anos de idade5,6. Acredita-se que essa maior vulnerabilidade esteja relacionada com a diminuição dos níveis séricos de estrogênio (i.e. estradiol endógeno), que possui efeito cardioprotetor por promover um perfil lipídico antiaterogênico e por sua ação direta sobre o endotélio. Além disso, a incidência de obesidade em mulheres nesta faixa etária é maior do que a dos homens pela maior inatividade física e pela dieta rica em gorduras7,8, o que aumenta ainda mais a sua propensão ao desenvolvimento de DCV.
Alguns autores têm defendido e mostrado os efeitos benéficos do exercício de força (EF), que são exercícios praticados contra uma resistência externa (pesos, equipamentos com roldana, barras ou utilizando o peso do próprio corpo), sendo utilizados principalmente para o aumento da força muscular. Observe-se que os exercícios de força também podem ser utilizados para a redução da lipemia pós-prandial (LPP), pelo aumento da atividade da lipase lipoproteica (LLP), uma enzima chave na hidrólise do triacilglicerol6,9,10.
Ademais, o EF aumenta a sensibilidade dos tecidos musculares à insulina11,12, diminui a concentração plasmática de triglicerídeos (TG) durante os períodos entre as refeições13 e aumenta acentuadamente a oxidação de lipídios durante o repouso em até 24horas após o término da sessão de EF14. Este aumento na mobilização e na utilização de lipídios pode ser particularmente útil para reduzir a LPP de repouso. Entretanto, muito pouco se sabe sobre o real efeito dos EF na LPP de mulheres pós-menopausa.
Sendo assim, o objetivo desta revisão foi investigar e avaliar na literatura nacional e internacional os efeitos do EF nas concentrações plasmáticas de lipoproteínas em mulheres pós-menopausa.
Para a realização desta revisão, foram pesquisadas referências atuais sobre o tema a ser abordado, sendo que os artigos foram selecionados nas bases de dados Pubmed, EBSCO, Europubmed, Cochrane e Sportdiscus. Foram utilizados artigos atuais datados do período entre 1979 e 2012, com grande número de citações de pesquisadores reconhecidos no assunto, e publicados em revistas nacionais e internacionais. Para essa busca, foram utilizadas como palavras-chave: strength training], lipoprotein], exercise], resistance training], cardiovascular diseases], postmenopausal] e women], bem como expressões equivalentes na língua portuguesa. O critério de inclusão de artigos no estudo foi de trabalhos que contemplassem a combinação de, no mínimo, duas das palavras-chave anteriormente referidas com treinamento de força].
As lipoproteínas têm como função solubilizar e transportar os lipídeos, substâncias geralmente hidrofóbicas, em meio aquoso plasmático. Os principais lipídeos são os ácidos graxos livres, colesterol e TG. O TG é a forma de armazenamento energético mais importante do organismo, depositado nos tecidos adiposo e muscular, e consiste em três ácidos graxos e uma molécula de glicerol15. O colesterol é um elemento do grupo dos lipídios presentes no organismo; é essencial para a vida, pois é usado na produção de hormônios, ácidos biliares e membranas das células. Apenas 30% do colesterol presente no organismo provém da dieta, o restante é sintetizado de forma endógena. Porém, o excesso de lipoproteínas de baixa densidade (LDL), lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) e lipoproteínas de densidade intermediária (IDL) pode se acumular nas paredes das artérias e provocar as DCV. A hipercolesterolemia pode ocorrer por causas genéticas e/ou dietéticas; na maioria das vezes, se dá por uma alimentação desequilibrada, rica em gorduras saturadas e pela falta de atividade física regular. Para que o colesterol possa circular pelo sangue, este é transportado pelas lipoproteínas16. As lipoproteínas são denominadas apo-lipoproteínas (apos) e são classificadas em quatro grandes classes, que podem ser separadas em dois grupos: (1) as ricas em TG, maiores e menos densas, representadas pelos quilomícrons, de origem intestinal (responsáveis pelo transporte dos lipídios absorvidos pelo intestino, originários da dieta e da circulação hepática), e pelas VLDL, de origem hepática; (2) as ricas em colesterol e de densidade alta ou high density lipoprotein (HDL). Existem ainda as IDL e as lipoproteínas de densidade intermediária ou IDL, e a lipoproteína (a) Lp (a)], que é o resultado da ligação covalente de uma partícula de LDL com apo (a)17,18. Dentre as quatro classes de lipoproteínas citadas, principalmente as concentrações de colesterol total (CT), TG, HDL-colesterol e LDL-colesterol são frequentemente avaliadas na literatura para a análise de dislipidemias e propensão à DCV16. Os valores de referência para o diagnóstico das dislipidemias em adultos acima dos 20 anos estão apresentados na Tabela 119.
Tabela 1 Valores de referência para o diagnóstico das dislipidemias em adultos acima dos 20 anos (adaptado de Pearson et al.19).
Lípides | Valores | Nível |
---|---|---|
Colesterol Total (CT) | < 200 | Ótimo |
200-239 | Limítrofe | |
≥ 240 | Alto | |
LDL-colesterol (LDL-c) | < 100 | Ótimo |
100-129 | Desejável | |
130-159 | Limítrofe | |
≥ 190 | Muito alto | |
HDL-colesterol (HDL-c) | < 40 | Baixo |
< 60 | Alto | |
Trigicerídeos (TAG) | < 150 | Ótimo |
150-200 | Limítrofe | |
201-499 | Alto | |
≥ 500 | Muito alto |
Na literatura científica, o entendimento da utilização do termo 'liberação de TG' é de suma importância para o delineamento de qual dos dois mecanismos de liberação de TG poderia estar sendo afetado. O primeiro é mediado pela quebra e pela remoção de AG fora dos TG e das partículas ricas em lipoproteínas que circulam no sangue. A redução na liberação de TG pode ocorrer com a regulação e o aumento da quantidade ou da atividade da enzima LPL. O segundo método de apuramento dos TG no plasma ocorre quando a partícula de triacilglicerol é absorvida pelo fígado por meio do seu receptor. Os TG, quando ingeridos em excesso, podem se depositar nas paredes das artérias e formar placas de gordura, os ateromas, capazes de obstruir a passagem do sangue, estimular a formação de coágulos e contribuir para o estreitamento dos vasos sanguíneos, principalmente se o HDL-c estiver em baixa concentração plasmática20. O mecanismo de formação e utilização de TG e o processo de fornecimento de Ácidos Graxos (AG) estimulado pelo treinamento de força está detalhadamente descrito em estudo anterior dos mesmos autores21.
A menopausa é caracterizada por encerramento dos ciclos menstruais e ovulatórios da mulher, ocorrendo em uma média de 47 a 54 anos de idade22. À medida que o período perimenopausa avança, os ovários tornam-se resistentes às ações do hormônio folículo-estimulante (FSH), o que gera um aumento da concentração desse hormônio4. Além disso, a perimenopausa é caracterizada por aumento do índice de massa corporal (IMC); diminuição da atividade física, da densidade mineral óssea8 e do metabolismo basal11; aumento da grelina, independentemente do IMC, e da leptina em mulheres não obesas, além de maior estresse oxidativo e marcadores inflamatórios23, e maiores concentrações de TG e LDL. Há também maior densidade de partículas de LDL e menor concentração de HDL, o que também aumenta o risco para DCV; observa-se, ainda, diminuição de massa muscular (sarcopenia). A menopausa é a depleção dos folículos ovarianos, resultando na incapacidade de produção de hormônios como estrogênio, somada às mudanças fisiológicas que ocorrem na perimenopausa24.
As mulheres, como os homens, compartilham vários fatores de risco para DCV, como histórico familiar, maus hábitos alimentares, obesidade, tabagismo, dislipidemia, hiper-homocisteinemia, disfibrinogenemia, sedentarismo, diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica (HAS). As mulheres jovens apresentam um risco significativamente menor de desenvolver DCV quando comparadas aos homens da mesma faixa etária25. No entanto, com o avanço da idade, especialmente após a menopausa, esse risco se aproxima ao dos homens. Esta maior vulnerabilidade está relacionada à diminuição dos níveis séricos de estrogênio. Esses hormônios parecem proteger as mulheres pela promoção de um perfil lipídico antiaterogênico e pela sua ação direta sobre o endotélio5. Com a menopausa, as mulheres perdem o efeito cardioprotetor do estradiol endógeno25. Portanto, qualquer intervenção que reduza o risco de desenvolvimento de DCV é particularmente relevante para este grupo. Em adição a isso, os possíveis efeitos das concentrações hormonais cíclicas no metabolismo lipídico e de carboidratos podem confundir os estudos realizados com mulheres pré-menopausa11.
A síndrome metabólica ou plurimetabólica, chamada anteriormente de síndrome X, é caracterizada pela associação de fatores de risco para as DCV – isquemia coronariana e cerebral –, doenças vasculares periféricas e diabetes mellitus3,25. Tem como fisiopatologia a resistência à ação da insulina no tecido muscular, o que obriga o pâncreas a produzir uma quantidade maior desse hormônio. Síndrome metabólica é uma doença da civilização moderna, associada à obesidade, como resultado da alimentação inadequada e do sedentarismo25.
O exercício aeróbico é comumente prescrito como uma estratégia não farmacológica para a prevenção e o tratamento da obesidade e da dislipidemia; já o treinamento de força, como uma possível intervenção preventiva e no tratamento da obesidade e da dislipidemia, continua ainda incerto5. O treinamento de força resulta em efeitos inconsistentes sobre o IMC, a massa e a porcentagem de gordura corporal em adultos obesos e com diabetes mellitus tipo II26. Da mesma forma, o treinamento de força tem se mostrado eficiente para a redução das concentrações séricas de CT, TG e LDL-c, bem como para o aumento das concentrações de HDL-colesterol4,6,9–11; entretanto, vários autores relatam que, após diferentes períodos de treinamento de força (e.g. 8 e 20 semanas), não ocorre nenhum efeito sobre as concentrações plasmáticas dos lipídios e lipoproteínas17,22.
As inconsistências e os conflitos da literatura sobre as conclusões anteriores podem ser devidos às diferenças no período de duração do treinamento, aos tipos de treinamento de força, ao volume total de treinamento e à intensidade do trabalho realizado, bem como às características dos participantes.
Poucos estudos investigaram as respostas do treinamento de força nas concentrações de lipídios e lipoproteínas em mulheres pós-menopausa. O estudo de Fahlman et al.27 analisou as respostas dos TG em mulheres idosas pós-menopausa com idades entre 70 e 87 anos, e excesso de peso; os indivíduos foram designados aleatoriamente para dois grupos, um aeróbio (três dias/semana, 20 a 50 minutos, com 70% da frequência cardíaca de reserva) e outro força (três dias/semana, uma e três séries, oito exercícios, oito repetições máximas) durante dez semanas. As repetições máximas (RM) são o número total de movimentos articulares que os sujeitos conseguem realizar para um determinado exercício. Nesse estudo, o treinamento aeróbio apresentou aumento significativo nas concentrações séricas de CT e HDL-colesterol, com a concomitante redução de LDL-colesterol e TG. O grupo treinamento de força também aumentou as concentrações de HDL-colesterol e reduziu favoravelmente CT, LDL-colesterol e TG, apesar de esses valores de aumento e redução, percentualmente, serem mais significativos para o grupo aeróbio. Em contraste, Elliott et al.22 examinaram os efeitos do treinamento de força (três dias/semana, três séries em seis exercícios a 80% de dez RM), por oito semanas, nas concentrações de lipídios e lipoproteínas circulantes, bem como avaliaram a força muscular em mulheres pós-menopáusicas com idade entre 49 e 62 anos. O estudo anterior utilizou uma amostra de sujeitos que realizava reposição hormonal, o que pode ter influenciado os resultados da pesquisa.
O trabalho recente de Wooten et al.5 observou, em mulheres pós-menopausa, sem tratamento de reposição hormonal, após 12 semanas de treinamento de força, uma redução significativa nas concentrações sanguíneas de CT e LDL–colesterol, apesar de não ter encontrado nenhuma diferença no IMC e no percentual de gordura ou de massa muscular corporal dessas mulheres, quando comparadas com o grupo controle. Semelhantemente ao encontrado em estudos que utilizaram o treinamento de força, os efeitos de uma única sessão de EF sobre os lipídios e lipoproteínas apresentam resultados inconsistentes, também. Em homens saudáveis, Wallace et al.28 relataram reduções significativas na concentração de TG (20%) e um aumento no HDL-colesterol (11%) e no HDL3-colesterol (12%), nas 24 horas após uma sessão de EF com volume alto de treinamento e intensidade moderada (sete exercícios com intensidade entre oito e 12 RM). Note-se que, embora os participantes tenham completado uma única série e sessão com volume baixo e alta intensidade de treinamento (sete exercícios com intensidade entre um e cinco RM), nenhuma alteração significativa nas concentrações séricas de lipídios e lipoproteínas foi observada. Em contrapartida, Hill et al.29 observaram um aumento no HDL-c imediatamente após uma única sessão de EF com alta intensidade (três séries, oito exercícios e dez RM) em homens saudáveis; no entanto, a mudança na concentração de HDL-c pode ter sido devida à indução do exercício nas mudanças do volume plasmático após o término da sessão, já que os ajustes de volume do plasma não foram realizados nesta investigação.
Os resultados da literatura em relação aos efeitos agudos e crônicos do treinamento de força no metabolismo e na concentração de lipoproteínas em mulheres pós-menopausa ainda são frágeis e inconsistentes. Independentemente disto, na maioria dos estudos supracitados, os autores consensualmente sugerem que o treinamento de força aumenta a oxidação de gorduras em repouso e também é uma ação não farmacológica para a gestão de peso corporal de mulheres pós-menopausa.