versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.1 São Paulo jan./fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.12.008
Em sua maioria, os sintomas informados por idosos, como tontura, instabilidade postural, perturbações da marcha e quedas,1 podem ser consequências de diversas doenças com origem no sistema vestibular.2 Esses transtornos do sistema vestibular constituem um problema significativo na assistência à saúde.
A tontura é prevalente em 5-10% da população mundial, é a sétima queixa mais frequente em mulheres e a quarta mais frequente em homens. Aproximadamente 47% dos homens e 61% das mulheres com mais de 70 anos são afetados por tontura. A tontura ocorre em 65% dos indivíduos com 65 anos ou mais que vivem na comunidade e em 81-91% daqueles de mesma idade tratados em clínicas ambulatoriais geriátricas.3
A deterioração da função vestibular pode ocasionar quedas com muitas consequências, inclusive com comprometimento físico (lesões nos tecidos, mudanças na marcha), alterações psicológicas (medo de cair, depressão), mudanças sociais (isolamento, dependência) e mudanças econômicas (custo dos medicamentos, reabilitação).
O controle postural, uma habilidade complexa que envolve a orientação postural e a manutenção do equilíbrio, depende de informações processadas centralmente, relacionadas a mecanismos aferentes visuais, vestibulares e somatossensitivos4 da ação neuromuscular proporcional dos mecanismos eferentes. As informações relacionadas aos sistemas visual, vestibular e somatossensitivo devem ser integradas e selecionadas levando em conta o ambiente e o tipo de tarefa a ser feita para a manutenção da estabilidade postural.5
No caso de pacientes com transtornos vestibulares, podem ocorrer desordens na integração sensória ou no processamento das informações que geram conflito entre os sistemas visual, vestibular e somatossensitivo e isso pode explicar a permanência dos sintomas do transtorno vestibular crônico, por exemplo em pacientes incapazes de modular a informação sensitiva de tal modo que ela seja adequada para garantir o equilíbrio postural.2
Entre as principais terapias recomendadas para o tratamento de transtornos vestibulares, além dos vários sintomas otoneurológicos, incluem-se as terapias farmacológicas, a cirurgia e a reabilitação vestibular (RV). RV é um tipo de terapia caracterizada por sua ação fisiológica no sistema vestibular, que funciona nos mecanismos centrais de neuroplasticidade de modo a gerar mecanismos de adaptação, habituação ou substituição no sistema vestibular e a melhorar os sintomas vestibulares.6
Acredita-se que a reabilitação vestibular possa promover a cura em 30% dos casos, além de conseguir outros resultados positivos em 85% dos indivíduos.7 Portanto, é importante procurar por modos efetivos para melhorar os sintomas otoneurológicos e impedir quedas, bem como para avaliações clinicamente viáveis que possam ser introduzidas na prática clínica cotidiana para essa população.
Mauerberg-Decastro8 desenvolveu um instrumento cujo objetivo é a melhoria da estabilidade corporal – o sistema de âncoras –, que funciona como um mediador da informação háptica entre o chão e o corpo do participante. O sistema háptico, ou feedback de contato, funciona por meio da exploração ativa do ambiente (estático ou dinâmico), que envolve a interpretação de estímulos espaço-temporais em sua interação com diversos tipos de mecanorreceptores.9
O sistema de âncoras pode ajudar o sistema vestibular na obtenção de um novo ajustamento dos mecanismos sensitivos e/ou na melhoria do sistema somatossensitivo com a redução dos conflitos no processamento das informações, o que contribui para a melhoria do equilíbrio. Assim, este estudo teve por objetivo a avaliação dos efeitos agudos do sistema das âncoras para avaliação do equilíbrio na posição ereta (limite de estabilidade) em indivíduos com tontura crônica de origem vestibular periférica que não responderam à reabilitação vestibular tradicional.
A amostra foi composta por indivíduos com mais de 50 anos, de ambos os gêneros, que se apresentaram com tontura crônica e instabilidade de equilíbrio de origem vestibular periférica como sua principal queixa.
Esses pacientes foram admitidos na Clínica Ambulatorial de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), em Ribeirão Preto (SP), Brasil, na qual foram diagnosticados por um médico especializado em otorrinolaringologia.
Os pacientes com tontura crônica de origem vestibular periférica (com sintomas que ocorriam havia pelo menos três meses após o primeiro episódio, sem tratamento)10 foram encaminhados ao Departamento de Fonoaudiologia, para tratamento com reabilitação vestibular (RV) convencional. Os pacientes que não responderam positivamente à reabilitação durante pelo menos três meses foram encaminhados ao Laboratório de Avaliação e Reabilitação do Equilíbrio (Laboratory of Assessment and Rehabilitation of Equilibrium – Lare), para participação no estudo.
Os critérios de qualificação foram: indivíduos de ambos os gêneros; ter mais de 50 anos; diagnóstico de tontura crônica e com redução do equilíbrio postural de origem vestibular periférica; tontura inespecífica ou sensações de tontura com etiologia periférica; episódios semanais e mensais durante pelo menos seis meses; e sintomas de vertigem, tontura e falta de estabilidade postural que não responderam positivamente à RV convencional, inclusive à reorganização do reflexo vestíbulo-ocular (RVO).
Os critérios de exclusão para a pesquisa foram: uso de medicação (benzodiazepínicos e anticonvulsivantes) que afetasse o equilíbrio ou bloqueadores dos canais de cálcio (cinarizina e flunarizina); restrição da mobilidade, limitação visual e comprometimento cognitivo que impedisse o desenvolvimento das avaliações e a intervenção proposta; ou presença de doença sistêmica sem qualquer controle farmacológico. Todos os pacientes que não atenderam aos critérios de qualificação ou que não concordaram em participar no protocolo receberam orientações com relação à importância da reabilitação para o equilíbrio por meio da fisioterapia (fig. 1).
Figura 1 Fluxograma da amostra (*RV: reabilitação vestibular convencional em progresso; **MEEM, miniexame do estado mental).
Usamos o miniexame do estado mental (MEEM) para exclusão dos indivíduos que se apresentassem com comprometimento cognitivo.3,11
Esse estudo transversal foi aprovado pelo Comitê de Ética para Pesquisa com Seres Humanos do Hospital das Cínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Brasil, protocolo nº 3350/2013. Todos os participantes foram informados com relação ao estudo e concordaram em participar, mediante consentimento livre e informado.
A avaliação do equilíbrio foi feita durante o teste de limite de estabilidade (LDE), com o uso do sistema Balance Master® (Neurocom International, Inc., Clackamas, OR).12–14
LDE é um teste dinâmico que analisa a capacidade do indivíduo de mover o centro de pressão (COP) em direções predeterminadas. Para tanto, pede-se ao voluntário que transfira seu peso ao máximo possível em oito direções preestabelecidas em torno do seu eixo central, emprega-se a estratégia do tornozelo em vez do quadril, e sem mudar a base. Esses alvos são representados no monitor, em tempo real, em frente ao indivíduo, em oito pontos dispostos em um círculo. Cada ponto é dividido em ângulos de 45º e a uma distância do centro que representa um nível de dificuldade de 100% do limite de estabilidade previamente calculado pelo aparelho, com base na altura do indivíduo. Neste estudo, os pontos foram estabelecidos e representados pelos números 1 (anterior), 3 (lateral direito), 5 (posterior) e 7 (lateral direito), para representar o deslocamento do COP nas direções anteroposterior e mediolateral.
Para evitar estratégias posturais inadequadas para o teste LDE, que não é intuitivo,15 foram concedidos cinco minutos a todos os participantes para que se familiarizassem com a plataforma, recebessem feedback visual e orientações concernentes às estratégias para deslocamento do COP durante os movimentos a serem feitos.
O indivíduo foi avaliado em três posições: Posição 1, de pé com os braços pendentes ao lado do corpo; Posição 2, de pé com os cotovelos flexionados em 90º (simulando a posição de segurar as âncoras); e Posição 3, cotovelos flexionados em 90º e segurando as âncoras (fig. 2). Fizemos a randomização com o objetivo de determinar a ordem das posições. Houve um período de cinco minutos de descanso entre cada posição.
Figura 2 Posições adotadas durante avaliações com o uso do equipamento Balance Master®. Posição 1, de pé com os braços pendentes ao lado do corpo; Posição 2, de pé com os cotovelos flexionados em 90º (simulando a posição de segurar as âncoras); Posição 3, cotovelos flexionados em 90º e segurando as âncoras.
O sistema de âncoras se fundamenta no desenvolvimento de uma ferramenta não rígida, que consiste em cordas flexíveis presas a um peso na extremidade que toca o chão, e o indivíduo segura a corda na outra extremidade.8
Na posição com uso das âncoras, o voluntário segura as âncoras de modo a manter os cabos flexíveis estendidos e o peso em contato constante com o chão.
As variáveis avaliadas no teste LDE16 foram latência de movimento (LM), média em segundos transcorridos desde o estímulo visual até o início do movimento; ponto final da excursão (PFE), definido como a maior altura de deslocamento do COP no primeiro movimento em cada direção, medido em percentual de deslocamento contra o máximo deslocamento possível, considerado como 100%; e controle direcional do movimento (CDM), definido como a capacidade do indivíduo de manter o eixo do movimento paralelo ao eixo-alvo e medido como percentual, para comparação da quantidade de movimento intencional na direção do alvo vs. quantidade de movimento corretivo não direcionado para o alvo. Essa variável é calculada pela fórmula movimento intencional - movimento corretivo/movimento não pretendido e é expressa como percentual (%). Se todo movimento voluntário tiver sido direcionado para o alvo em uma linha reta, a quantidade de movimento corretivo é igual a 0 e o escore é 100% e os dados obtidos nessa proximidade são considerados como melhores.
Com o objetivo de garantir a segurança de todas as avaliações na plataforma, o investigador responsável e um assistente se posicionavam perto do participante, para que fosse evitado qualquer episódio de queda, e observavam as estratégias de movimento feitas pelos voluntários durante os testes.17
Para o cálculo do tamanho da amostra foi usado o programa de computador GraphPad StatMate e a variável “latência de movimento” do limite de estabilidade no sistema Balance Master® foi considerada como desfecho primário, o que resultou em um tamanho da amostra = 17, poder da amostra = 0,9 e erro α = 0,05.
Consideramos o valor médio de cada variável em seguida a três experimentos em cada excursão de movimento. Todos os dados foram submetidos a uma análise descritiva e a um teste de normalidade (Shapiro-Wilk); para tanto, empregamos o programa estatístico SPSS®, versão 13.0. Nenhum dos dados mostrou distribuição normal; assim, a inferência estatística foi feita com o uso do teste não paramétrico (Kruskal-Wallis), para comparação das diferentes posições com e sem o uso do sistema de âncoras. Consideramos um nível de significância de 95%, com base no teste post hoc de Tukey.
A tabela 1 descreve as características antropométricas da amostra de 30 voluntárias. Os pacientes recrutados do sexo masculino não atenderam aos critérios de inclusão do estudo.
Tabela 1 Características antropométricas da amostra avaliada
Variáveis | Média ± DP (n = 30) |
---|---|
Idade (anos) | 64,65 ± 8,69 |
Massa corporal (Kg) | 72,57 ± 7,66 |
Altura (m) | 1,61 ± 0,05 |
IMC (Kg/m2) | 28,14 ± 3,65 |
IMC, índice de massa corporal.
Os dados a seguir descrevem o teste LDE, no qual as posições foram selecionadas de modo a representar as oscilações anteroposterior (1 e 5) e mediolateral (3 e 7).
Para a variável LM, o deslocamento anterior foi significantemente menor com o uso do sistema de âncoras, em comparação com as demais posições avaliadas (tabela 2).
Tabela 2 Média e desvio padrão da variável LM (latência de movimento), em segundos, do limite de estabilidade
Variáveis | Posição 1 | Posição 2 | Posição 3 | Valor p | |
---|---|---|---|---|---|
1 × 3 | 2 × 3 | ||||
LM (1), seg | 1,23 ± 0,40 | 1,64 ± 0,65 | 1,15 ± 0,47 | 0,003a | 0,003a |
LM (3), seg | 1,23 ± 0,47 | 1,81 ± 0,98 | 1,51 ± 0,46 | 0,19 | 1,0 |
LM (5), seg | 0,91 ± 0,55 | 1,30 ± 1,07 | 0,85 ± 0,51 | 1,0 | 0,57 |
LM (7), seg | 1,23 ± 0,42 | 1,60 ± 0,77 | 1,30 ± 0,29 | 1,0 | 0,36 |
aDiferença significante (p < 0,05) de acordo com o teste de múltiplas comparações de Kruskal-Wallis.
LM (1), deslocamento anterior; LM (3), deslocamento lateral direito; LM (5), deslocamento posterior; LM (7), deslocamento lateral esquerdo. Posição 1, de pé com os braços pendentes ao lado do corpo; Posição 2, de pé com os cotovelos flexionados em 90º (simulando a posição de segurar as âncoras); Posição 3, cotovelos flexionados em 90º e segurando as âncoras; 1 × 3, posição 1 vs. posição 3; 2 × 3, posição 2 vs. posição 3.
O ponto de excursão máxima (PFE) foi maior quando a âncora foi usada na Posição 1, isto é, sem uso das âncoras, e na qual o voluntário ficava com os braços pendentes ao longo do corpo, na posição lateral esquerda (tabela 3).
Tabela 3 Média e desvio padrão da variável PFE (ponto final da excursão), em porcentagem (%), do limite de estabilidade
Variáveis | Posição 1 | Posição 2 | Posição 3 | Valor p | |
---|---|---|---|---|---|
1 × 3 | 2 × 3 | ||||
PFE (1) (%) | 61,75 ± 19,10 | 58,93 ± 10,21 | 58,86 ± 22,49 | 1,0 | 1,0 |
PFE (3) (%) | 67,70 ± 19,42 | 74,40 ± 18,22 | 71,98 ± 22,99 | 1,0 | 1,0 |
PFE (5) (%) | 58,56 ± 21,79 | 60,13 ± 18,23 | 53,12 ± 13,42 | 1,0 | 0,72 |
PFE (7) (%) | 59,21 ± 18,20 | 77,56 ± 18,11 | 73,94 ± 20,15 | 0,01a | 1,0 |
aDiferença significante (p < 0,05) de acordo com o teste de múltiplas comparações de Kruskal-Wallis.
PFE (1), deslocamento anterior; PFE (3), deslocamento lateral direito; PFE (5), deslocamento posterior; PFE (7), deslocamento lateral esquerdo. Posição 1, de pé com os braços pendentes ao lado do corpo; Posição 2, de pé com os cotovelos flexionados em 90º (simulando a posição de segurar as âncoras); Posição 3, cotovelos flexionados em 90º e segurando as âncoras; 1 × 3, posição 1 vs. posição 3; 2 × 3, posição 2 vs. posição 3.
Foi observado maior controle direcional (valores mais próximos de 100%) durante o deslocamento nas direções anterior e posterior (p < 0,05) com o uso das âncoras vs. outras posições. Isso significa que o voluntário teve maior controle do movimento ao se direcionar para os alvos anterior e posterior, depois de ter feito menor número de movimentos corretivos durante a rotina (tabela 4).
Tabela 4 Média e desvio padrão da variável CDM, em porcentagem (%), do limite de estabilidade
Variáveis | Posição 1 | Posição 2 | Posição 3 | Valor p | |
---|---|---|---|---|---|
1 × 3 | 2 × 3 | ||||
CDM (1) (%) | 84,02 ± 8,45 | 83,56 ± 5,33 | 88,85 ± 4,08 | 0,03a | 1,0 |
CDM (3) (%) | 86,63 ± 4,81 | 81,38 ± 4,61 | 80,15 ± 7,53 | 1,0 | 1,0 |
CDM (5) (%) | 68,82 ± 22,81 | 63,34 ± 20,71 | 78,88 ± 7,99 | 0,001a | 0,01a |
CDM (7) (%) | 78,21 ± 14,06 | 85,36 ± 3,81 | 87,12 ± 4,82 | 0,01 | 1,0 |
aDiferença significante (p < 0,05) de acordo com o teste de múltiplas comparações de Kruskal-Wallis.
CDM (1), deslocamento anterior; CDM (3), deslocamento lateral direito; CDM (5), deslocamento posterior; CDM (7), deslocamento lateral esquerdo. Posição 1, de pé com os braços pendentes ao lado do corpo; Posição 2, de pé com os cotovelos flexionados em 90º (simulando a posição de segurar as âncoras); Posição 3, cotovelos flexionados em 90º e segurando as âncoras; 1 × 3, posição 1 vs. posição 3; 2 × 3, posição 2 vs. posição 3.
A literatura tem demonstrado que quanto melhor o equilíbrio postural, maior será a capacidade funcional de indivíduos com transtornos vestibulares periféricos crônicos; e que quanto maior o comprometimento da capacidade funcional, maior será o risco de quedas para essas pessoas.16
A vestibulopatia periférica pode acarretar uma condição de disfunção crônica na qual as atividades feitas em determinado ambiente podem causar aferentes sensitivos conflitantes, particularmente quando dependem de maior controle postural, o que afeta o limite de estabilidade do indivíduo.
O LDE foi avaliado com o objetivo de identificar déficits de equilíbrio em indivíduos com vestibulopatia periférica crônica.16 Estudos avaliaram o LDE por posturografia computadorizada, de modo a medir a estabilidade funcional de indivíduos com disfunção vestibular, o que possibilita a identificação de possíveis mudanças na área elíptica e na velocidade de oscilação do centro de pressão.18–20
Em uma revisão sistemática feita por Ricci et al. (2010), que abordou a reabilitação vestibular em adultos de meia-idade e idosos, os autores constataram que, além da avaliação do equilíbrio corporal estático e dinâmico pelos testes clássicos, a posturografia computadorizada tinha sido usada na maioria dos estudos, particularmente no teste LDE da latência de movimento, ponto máximo de excursão, e no controle direcional das variáveis de movimento.20
A média de idade na população do presente estudo foi de 64,6 anos. De acordo com achados publicados, alguns autores sugerem que a idade possa ser um possível fator para a perda da função vestibular, devido às alterações eletrofisiológicas e estruturais no sistema vestibular, que podem ter consequências importantes para o controle postural em indivíduos com apenas 40 anos e que podem causar inúmeros sintomas otoneurológicos, como a tontura.21,22
Além disso, a prevalência de participantes mulheres no presente estudo confirma o que já foi descrito na literatura – que a tontura é mais prevalente em mulheres, numa proporção de 2:1. Uma predisposição orgânica para os transtornos vestibulares pode estar relacionada a uma variação hormonal intrínseca e/ou transtornos metabólicos e as mulheres sofrem o maior número de quedas.23–25
No presente estudo, observamos benefícios imediatos com o uso do sistema de âncoras na melhoria do LDE, particularmente em relação ao maior deslocamento lateral esquerdo, ao melhor controle direcional anterior e posterior e à menor latência de movimento anteriormente, em concordância com as variáveis PFE, CDM e LM, respectivamente.
Portanto, pode haver benefício com o uso do sistema de âncoras como mediador da informação háptica entre o chão e o corpo do usuário, para melhoria do desempenho de equilíbrio.9,26
Ademais, esse sistema fornece informações sobre força, movimento, textura e forma (aceleração, gravitacional e inerte) envolvidos na percepção mecânica do ambiente por meio dos esforços do sistema cinestésico e da pele, como, por exemplo, o toque de um dedo com alguma estática para a diminuição da oscilação do corpo.26
Os benefícios do sistema de âncoras também foram observados no estudo de Freitas et al.11 em indivíduos idosos saudáveis que empregaram esse sistema. Esses autores dividiram os participantes em três grupos, de acordo com a frequência de uso do sistema de âncoras (0%, 50% e 100%) na posição de pé. A limitação do período de sessões a 50% melhorou o controle postural vs. uso do sistema de âncoras por mais tempo. Os autores sugeriram que esse resultado era decorrente do uso da informação háptica pelo sistema nervoso central, como forma de recalibrar o processo de integração sensitiva, para melhoria do controle postural.15
Com o uso do sistema de âncoras, os voluntários no presente estudo foram capazes de mover mais o COP no deslocamento lateral esquerdo (PFE) vs. condições sem o uso das âncoras e com o braço pendente nos lados do corpo.
Portanto, o sistema de âncoras pode ser ferramenta importante na reabilitação em programas de equilíbrio corporal, porque uma redução no limite da estabilidade em indivíduos com comprometimento do controle postural pode causar dificuldade durante a execução de tarefas na posição ortostática, por exemplo, ao pegar objetos, ou mesmo quando ocorre colisão de alguma força externa com o indivíduo.16 Quanto menor o limite de estabilidade, pior será a capacidade do indivíduo de se movimentar sem alterar a base de suporte e isso o torna mais propenso a sofrer lesão por quedas.17
Com relação à LM, os voluntários deste estudo levaram menos tempo para iniciar o movimento na direção anterior com o uso do sistema de âncoras vs. condições sem âncoras e com os braços ao longo do corpo. Isso pode estar relacionado ao fato de que, ao usar o sistema de âncoras, o indivíduo pode sentir mais confiança para se movimentar em direção aos alvos, com o uso do sistema háptico como meio auxiliar ao sistema de controle postural, de modo a manter o COP dentro do limite de estabilidade, sem mudança na base.
Outro achado interessante deste estudo foi a variável CDM, na qual o uso do sistema de âncoras permitiu ao voluntário atingir os alvos predeterminados nas posições de deslocamento anterior e posterior com maior controle e, portanto, com o deslocamento do COP com a mínima correção possível do movimento.
Izquierdo et. al. (2011) trataram pacientes idosos com vestibulopatia periférica crônica com um programa de reabilitação do equilíbrio corporal baseado na posturografia dinâmica computadorizada e observaram, depois de duas semanas de treinamento, uma melhoria de 13,8% na variável CDM do limite de estabilidade.18 Esse achado foi similar ao obtido em nosso estudo, no qual o sistema de âncoras implicou melhoria imediata de 10,06% no controle do movimento direcional.
O feito positivo imediato obtido com o uso do sistema de âncoras em indivíduos com transtorno vestibular e que não melhoraram depois da reabilitação vestibular convencional sugere que essa é uma ferramenta que pode ser empregada como estratégia terapêutica para a melhoria do equilíbrio, por meio da recalibragem dos sistemas sensitivos, principalmente os somatossensitivos.
Considerando que essa é uma forma relativamente nova de exploração das informações hápticas com a finalidade de melhorar o controle postural em indivíduos com vestibulopatia periférica crônica, o mecanismo fisiológico e as formas pelas quais o sistema de âncoras pode melhorar o controle postural nesses indivíduos ainda não foram amplamente explorados na literatura.
Mas, se compararmos o uso das âncoras com modalidades de biofeedback como forma de treinamento para melhoria do controle postural, podemos aderir à teoria de Horak, que diz que a informação sensitiva fornecida com frequência pode ser compreendida pelo sistema de controle postural como um sistema sensitivo extra, que pode ser empregado ou explorado mais profundamente em detrimento de outro sistema que esteja em posição de desvantagem ou que seja impreciso.25
Este estudo é relevante porque demonstra que o sistema de âncoras pode melhorar o limite de estabilidade do indivíduo portador de disfunção vestibular crônica e ajudar no controle postural e, finalmente, pode ser empregado em protocolos de exercícios para reabilitação do equilíbrio.
O sistema de âncoras, mediante o uso da informação háptica para o controle postural, proporcionou melhoria imediata no limite de estabilidade em indivíduos com vestibulopatia periférica crônica que não tinham respondido à reabilitação vestibular.