versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.23 no.3 Brasília jul./set. 2014
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000300020
to evaluate the Brazilian influenza vaccination strategy's safety and effectiveness.
systematic review of scientific literature. The keywords "influenza", "Brazil", "vaccine", "vaccine coverage", "effectiveness", and "adverse events" were used to search the following databases for the period 1999-2013: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, US National Library of Medicine, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências Sociais, Biblioteca Virtual em Saúde, Scientific Electronic Library Online, and Google Scholar.
784 publications were retrieved. 73 were included in the study after applying the exclusion criteria. Vaccine coverage is high, although lower than registered on the information system. Ecological studies on influenza-related mortality and hospitalizations provide conflicting estimates, some pointing to a reduction (16 articles) and others to an increase (4 articles) in the rates after vaccine introduction.
studies suggest that the vaccine is safe and effective, although the reduction in influenza-related mortality and hospitalizations was modest.
Key words: Influenza; Influenza Vaccines; Effectiveness; Immunization Coverage; Review
evaluar la efectividad y la seguridad de la estrategia brasileña de vacunación contra la influenza.
revisión sistemática de la literatura. Se usaron las palabras clave influenza, Brasil, vacuna, cobertura vacunal, efectividad y evento adverso en la búsqueda en las siguientes bases de datos: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, US National Library of Medicine, Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias Sociales, Biblioteca Virtual en Salud, Scientific Electronic Library Online e Google Scholar, en el período 1999 a 2013.
fueron identificadas 784 publicaciones en las bases de datos, de las cuales 73 atendieron a los criterios de inclusión. La cobertura vacunal fue elevada, aunque menor que la registrada en el sistema de informaciones. Los estudios ecológicos de mortalidad y hospitalizaciones presentaron resultados conflictuantes: reducción de los indicadores (16 artículos) y aumento (4 artículos) luego de la introducción de la vacunación.
los estudios sugieren que la vacuna es segura y efectiva, sin embargo la reducción de la mortalidad y de hospitalizaciones por causas relacionadas a la influenza fue modesta.
Palabras-clave: Influenza; Vacunas contra la Influenza; Efectividad; Cobertura de vacunación; Revisión
Em 1999, o Brasil iniciou a execução de uma política pública de vacinação contra influenza. Desde então, os grupos alvos da intervenção expandiram-se, com ampliação máxima no ano de 2010, por ocasião da campanha de vacinação contra a influenza pandêmica A(H1N1)pdm09, quando mais de 89 milhões de pessoas foram vacinadas, correspondendo a uma cobertura vacinal de 47% da população brasileira.1
As campanhas anuais de vacinação vêm sendo consideradas como altamente bem-sucedidas, tendo em vista a adesão das populações alvo à iniciativa. As coberturas vacinais em indivíduos de 60 anos ou mais, primeiro grupo contemplado pela vacinação, variaram entre 65 e 85%. As coberturas vacinais entre indivíduos de 60 anos ou mais ficaram acima de 70% em todos os anos da série, exceto no ano 2000. Em mais da metade dos anos, a cobertura atingiu proporções acima de 80% (anos de 1999, 2003 a 2006, 2009, 2011 e 2012) (dados disponíveis em: http://pni.datasus.gov.br/Consultas/Campanhas).
A partir do ano de 2010, o Ministério da Saúde passou a apurar também a cobertura vacinal dos outros grupos alvos das campanhas de vacinação contra influenza: as crianças entre 6 meses e 2 anos de idade, os profissionais de saúde, as grávidas, os indígenas, e os portadores de doenças crônicas. Em todos os grupos a cobertura vacinal situou-se acima de 70% no período de 2010 a 2012.
Apesar do aparente sucesso das estratégias de vacinação adotadas, ainda pouco se conhece sobre os efeitos da vacinação contra influenza na população brasileira. Para a avaliação da efetividade das estratégias de vacinação contra influenza, é importante recuperar os objetivos da iniciativa. O Ministério da Saúde, no seu Informe Técnico da Campanha de Vacinação contra Influenza 2013, informa que o objetivo da campanha é "reduzir a mortalidade, as complicações e as internações decorrentes das infecções pelo vírus da influenza, na população alvo".2
As infecções respiratórias agudas (IRA) são talvez as doenças mais frequentes na população. Entretanto, apenas uma pequena proporção dos acometidos por IRA demanda os serviços de saúde. Além dos vírus influenza, uma série de outros agentes etiológicos, virais e bacterianos, podem estar associados aos quadros de IRA. Além disso, o diagnóstico etiológico das IRA, com a confirmação laboratorial do agente, não é feito de forma rotineira pela rede de serviços de saúde no país.
Com a limitação da cobertura de diagnóstico etiológico das IRA, uma alternativa para a investigação do impacto da vacinação contra influenza tem sido a observação dos seus efeitos na frequência de casos e óbitos de doenças relacionadas à influenza, grupo que muitas vezes inclui não apenas a influenza, mas também as pneumonias (códigos J10 a J18 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão - CID-10) e bronquites (códigos J40 a J42 da CID-10).
O efeito da vacinação na redução da ocorrência de influenza depende das coberturas vacinais, e da coincidência entre os subtipos virais contidos na vacina e aqueles circulantes na população na temporada. As vacinas sazonais contra influenza, tanto as de vírus vivos atenuados, quanto às de vírus inativados, são vacinas trivalentes, que incluem sempre um subtipo do vírus influenza B, um subtipo do vírus A/H1N1 e um subtipo do vírus A/H3N2. A composição das vacinas sazonais é atualizada a cada ano, trabalho realizado pela Rede de Vigilância Global de Influenza, gerida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde 1999, foi adotada a atual configuração com duas recomendações a cada ano, uma para a composição da vacina do Hemisfério Norte, e outra, para a vacina do Hemisfério Sul. A partir da temporada de 2012/2013 do Hemisfério Norte, foi licenciada em alguns países uma vacina tetravalente, incluindo mais um subtipo do vírus influenza B.3 , 4
O propósito deste artigo é avaliar a efetividade e segurança da estratégia brasileira de vacinação contra influenza. Além da busca de publicações abordando a efetividade, foram incluídos também aqueles estudos sobre a ocorrência de eventos adversos após a vacinação contra influenza.
A presente revisão, realizada em 2014, teve como base estudo anterior, publicado em 2010.5 Foi realizada uma revisão sistemática da literatura científica sobre a efetividade da vacinação contra influenza no Brasil. Foram usadas as seguintes palavras-chave: "influenza", "Brasil", "vacina", "efetividade", "cobertura vacinal" e "evento adverso", em diferentes combinações.
Na primeira etapa, foram utilizadas as palavras-chave "influenza" e "Brasil". Subsequentemente, foram sendo acrescentadas as palavras-chave "vacina", "efetividade" e "evento adverso". Em cada uma das etapas, foi gerada uma lista de referências que atendiam aos critérios de busca estabelecidos. Foram pesquisadas as bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências Sociais (Lilacs), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Scopus e Portal Periódicos da CAPES. Foi também feita uma busca no Google Scholar, utilizando as palavras-chave ["Brasil", "influenza" e "efetividade vacinal"] e ["Brasil", "efetividade vacinal" e "influenza"]clusivamente nestas combinações. A revisão incluiu todas as publicações, sem restrição de data. As consultas às bases de dados foram feitas entre maio e junho de 2014.
As listas de publicações recuperadas na busca às distintas bases de dados, utilizando-se as distintas combinações entre as palavras-chave, foram inicialmente comparadas, visando à eliminação de duplicidades. Em seguida, as publicações foram selecionadas pela análise dos seus títulos, no sentido de confirmar que elas abordavam as questões de interesse. Aquelas que foram selecionadas nesta etapa passaram à fase seguinte de análise dos seus resumos, de forma a assegurar que elas abordavam a efetividade e a segurança das estratégias brasileiras de vacinação contra a influenza.
As estimativas sobre efetividade das estratégias brasileiras de vacinação contra influenza e fatores associados foram investigadas nos artigos, bem como os dados sobre segurança de vacinação. Assim, como critério de inclusão considerou-se qualquer publicação que abordasse aspectos relacionados à efetividade e à segurança das campanhas de vacinação realizadas no Brasil. Foram considerados elegíveis estudos epidemiológicos observacionais (inquéritos, estudos de caso-controle, estudos de coorte e estudos ecológicos) e relatos de caso, estes relativos à segurança da vacinação. As variáveis consideradas na análise dos achados foram o desenho do estudo, a abrangência espacial e temporal, e os desfechos analisados; e nos estudos de segurança da vacinação, a frequência e o tipo de evento adverso investigado.
Os trabalhos foram inicialmente selecionados com base na data de publicação. Publicações com data anterior ao ano de 1999, ano de início da realização das campanhas de vacinação contra a influenza no Brasil, não foram incluídas nesse estudo. Além do critério anteriormente citado, foram também excluídos artigos cujos objetos de estudo eram métodos laboratoriais; ensaios clínicos de vacinas contra influenza realizados no Brasil; estudos de imunogenicidade de vacinas contra influenza que não incluíram desfechos relacionados à efetividade; publicações que abordavam a vacinação contra influenza de outros grupos populacionais não incluídos na estratégia oficial (por exemplo, vacinação de trabalhadores de empresas específicas); relatos de investigação de surtos; e artigos de revisão.
Estas etapas foram desenvolvidas em conjunto pelos três autores. Em algumas situações, foi necessária a leitura da publicação na íntegra, para confirmar a inclusão. Uma vez selecionadas as publicações, foi feita a revisão de suas listas de referências bibliográficas, no sentido de identificar alguma publicação que eventualmente tivesse escapado das demais estratégias de busca. A aplicação dos critérios de inclusão e exclusão foi feita por dois dos autores, de forma independente. Quando houve divergência quanto à inclusão ou não, a decisão foi tomada em consenso ou em maioria, por pelos menos dois dos autores.
As publicações selecionadas foram então classificadas em cinco grupos, conforme o recorte abordado em relação às estratégias brasileiras de vacinação: estudos de efetividade com abordagem individual (estudos de caso-controle e estudos de coorte, que, por serem poucos, foram agrupados em uma única categoria); estudos de efetividade com abordagem ecológica; inquéritos de cobertura vacinal (estudos transversais); estudos de segurança da vacina; e estudos de sazonalidade. Nessa classificação, procurou-se utilizar a questão de maior destaque em cada publicação, uma vez que algumas delas abordavam mais de um dos aspectos utilizados na classificação. Em relação aos estudos de cobertura vacinal, quando considerada pertinente, foi feita a comparação das estimativas obtidas com os dados administrativos de coberturas vacinais, apurados pelo Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI). Os dados oficiais de coberturas vacinais foram obtidos no portal do Datasus (http://pni.datasus.gov.br/Consultas/Campanhas).
Na avaliação da qualidade dos artigos incluídos na análise, buscou-se inicialmente o desenho do estudo, considerando-se como mais relevantes aqueles com desenho individualizado. Em seguida, considerou-se o desfecho utilizado, privilegiando-se aqueles com desfechos específicos (casos de influenza confirmados por diagnóstico laboratorial). Nos inquéritos de cobertura vacinal, foram considerados de melhor qualidade aqueles realizados em amostras representativas da população alvo, selecionadas de forma aleatória; e nos estudos ecológicos de séries temporais, aqueles que utilizaram metodologias que contemplassem a variabilidade sazonal e cíclica da ocorrência dos desfechos. Nos estudos ecológicos de séries históricas, os aspectos utilizados para avaliação de qualidade foram a abrangência geográfica, o período de tempo analisado e a análise estatística, privilegiando-se aqueles que utilizaram métodos analíticos capazes de incorporar a variabilidade sazonal da ocorrência da doença.
Foram encontrados 784 artigos que preencheram os critérios de busca adotados. Utilizando-se o critério de data da publicação, e pela análise dos seus títulos, 617 foram excluídas. Os resumos das 167 publicações restantes foram analisados, com vistas à aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Destas, 88 foram excluídas após esta etapa, e em seis delas foi necessária a análise da publicação na íntegra. Ao final do processo, 73 publicações foram incluídas no estudo (Figura 1).
Das 73 publicações selecionadas, foram identificadas 31 publicações que, de alguma maneira, abordaram a efetividade da vacinação no Brasil. Subsequentemente, essas publicações foram divididas em dois subgrupos, conforme a metodologia adotada: um grupo maior (n=25) 6 - 30 de publicações, que adotou uma abordagem ecológica para análise da efetividade (Figura 2); e um grupo menor (n=6), que usou metodologias de base individual (Figura 3). Dos estudos ecológicos, 11 trabalharam com dados de mortalidade, 6 - 16 oito com dados de internações hospitalares,17 - 24 três com ambos,25 - 28, e um grupo foi composto por três publicações que enfocaram a questão da sazonalidade da influenza no Brasil e sua relação com a efetividade das estratégias de vacinação.28 - 30 Dos artigos que discutiram a sazonalidade, dois trabalharam com séries históricas de diagnósticos laboratoriais29 - 30 e um com dados de mortalidade.28
Figura 2 Estudos ecológicos sobre efetividade da vacina contra influenza e sazonalidade, Brasil, 1999 a 2013
Figura 3 Estudos sobre a efetividade da vacina contra influenza com desenho individualizado, Brasil, 1999 a 2013
Apesar de diferenças quanto à abrangência geográfica, períodos analisados e metodologia estatística, a maioria dos estudos aponta para uma redução na mortalidade por causas relacionadas à influenza após o início das campanhas de vacinação.6 , 10 , 12 , 13 , 15 , 16 , 27 Essa redução seria mais evidente nas regiões Sul, Sudeste do país.10 , 13 , 15 , 20 Um estudo observou redução na mortalidade por doenças isquêmicas do coração após a implantação da vacinação.14 Por outro lado, alguns estudos observaram aumento na mortalidade por essas causas.7 , 9 , 11 , 25 Em relação às hospitalizações por causas relacionadas à influenza, cinco estudos observaram redução das internações hospitalares,18 - 22 sendo essa redução mais pronunciada nos estados da região Sul. 18 - 20 Dois estudos observaram uma redução das internações no ano seguinte à pandemia,17 , 23 e um estudo apontou um aumento nas internações hospitalares no período vacinal.25 O estudo de Façanha,26 utilizando dados referentes a uma capital nordestina, não observou alterações nas taxas de mortalidade ou internações hospitalares ao comparar os períodos pré e pós-vacinais. Bós e Mirandola (2012) observaram associação entre a mortalidade por doenças respiratórias e a cobertura vacinal em nível municipal. Nos municípios do Rio Grande do Sul com cobertura vacinal abaixo da meta estabelecida pelo Ministério da Saúde, a mortalidade foi significativamente maior.8 Utilizando dados de mortalidade e de vigilância laboratorial, alguns estudos contribuíram para a discussão sobre a sazonalidade da influenza. Para Alonso et al.,28 a influenza se dissemina em ondas no sentido norte - sul do Brasil, com a ocorrência de picos de mortalidade por pneumonia inicialmente nos estados da região Norte, seguindo-se a região Nordeste, e posteriormente as regiões Sudeste e Sul. De acordo com esses autores, os picos de ocorrência no Norte e Nordeste ocorreriam antes do período para o qual são agendadas as campanhas de vacinação. Assim, a não observação de um efeito na redução da mortalidade nessas regiões seria em parte explicada pela vacinação ocorrer após o pico de incidência da doença. Os estudos com dados de vigilância laboratorial corroborariam essa hipótese.29 , 30
A maioria dos estudos ecológicos (n = 18) adotou metodologia estatística baseada na comparação de médias e regressão linear,8 , 9 , 11 , 13 - 17 , 21 - 27 , 29 , 30 enquanto sete deles utilizaram métodos capazes de incorporar a variabilidade cíclica e sazonal da ocorrência da doença.6 , 7 , 10 , 13 , 18 , 20 , 28
Apenas seis estudos de efetividade da estratégia vacinal brasileira utilizando desenhos individualizados foram recuperados pela revisão (Figura 3).31 - 36 Cinco deles usaram desfechos clínicos na avaliação de efetividade31 , 32 , 34 - 36 e apenas um usou um desfecho com diagnóstico laboratorial.33 Três deles avaliaram a efetividade vacinal em estudos transversais.32 , 34 , 36 Gutierrez et al.,32 em estudo pioneiro, realizado entre indivíduos de 60 anos e mais que compareceram à segunda campanha de vacinação (em 2000), observaram uma redução significativa no número de episódios de infecções respiratórias relatados pelos idosos vacinados na campanha de 1999. Vilarino et al.36 observaram uma redução significativa na frequência de internações hospitalares entre os vacinados. Os outros três estudos avaliaram a efetividade da vacinação em estudos de coortes. Machado et al.,33 em uma coorte de pacientes transplantados de medula, observaram uma efetividade vacinal de 80%, para aqueles vacinados há mais de 6 meses. Prass et al.,35 em uma coorte de idosos vacinados em uma unidade de atenção primária, observaram uma efetividade vacinal de 80% para episódios referidos de infecções respiratórias e de 90% para hospitalização. Furtado et al.,31 em estudo realizado em município de pequeno porte, observaram um risco relativo de internação hospitalar de 8,09 e 2,64 entre os idosos não vacinados, em 2007 e 2008, respectivamente. Já no estudo de Nakamura et al. (2012), também utilizando desfecho inespecífico (relato de "gripe"), observou-se resultado oposto: os vacinados apresentaram maior frequência do desfecho.34
Foram incluídas nesta revisão sistemática as publicações que tinham como objetivo a verificação das coberturas vacinais (Figura 4). A este grupo decidiu-se agregar também os estudos que buscaram discutir as razões para a adesão ou não à vacinação contra influenza. A maioria destes, mas não todos, incluiu alguma medida de cobertura vacinal. Dos 24 artigos incluídos nessa categoria, 14 trazem estimativas de cobertura vacinal na população de 60 anos e mais,32 , 37 - 51 cinco em profissionais de saúde,52 - 56 e três em portadores de doenças crônicas.33 , 53 , 57 Entre os profissionais de saúde, os inquéritos demonstram baixas coberturas vacinais. Em três dos hospitais universitários de maior destaque no país, as coberturas vacinais apuradas foram de 19,7%,52 3,1%55 e 34,4%.56 Em outro estudo, realizado no interior do estado de São Paulo, verificou-se que a cobertura entre profissionais de saúde era de 43,2%; entre os fatores significativamente associados à vacinação estavam o tempo de serviço e o fato de o profissional trabalhar na pediatria; ser médico associou-se a não vacinação.54 Entre pacientes portadores de doenças crônicas, os estudos apontaram uma cobertura vacinal de 44,2%33 e 0,0%53, e entre 15,3% e 35,8%.57 No único estudo encontrado abordando a cobertura vacinal em grávidas, Kfouri et al. (2012) observaram alta cobertura em pacientes de serviço de "alto padrão".58 O maior volume de estudos de cobertura vacinal abordou a população de 60 anos e mais, grupo populacional alvo das estratégias de vacinação desde o início. A maioria deles traz estimativas de cobertura obtidas em inquéritos populacionais, com seleção aleatória de participantes. Alguns trazem dados de cobertura vacinal entre pacientes da rede de atenção primária, ou de serviços especializados. As estimativas dos inquéritos de cobertura vacinal, em sua maioria, foram semelhantes aos dados administrativos.41 - 47 Entretanto, alguns estudos demonstraram grandes diferenças, como o realizado em duas comunidades de baixa renda no Rio de Janeiro, onde as coberturas no inquérito foram de 50,2% e 38,8%, comparadas com o dado de 75,7% para toda a cidade do Rio de Janeiro no mesmo ano.39 Em Belo Horizonte, cobertura no inquérito de 66,3%, comparada a 85,5% nos dados do SI-PNI.50 Em Londrina, o inquérito apurou uma cobertura de 73% em 2007, comparada a 50,5% nos dados administrativos,42 e em Teresina observou-se uma cobertura de 89,1% entre os idosos na área de abrangência de uma unidade do Programa de Saúde da Família (PSF), enquanto foi de 64,8% o percentual informado pelo SI-PNI.37 Alguns estudos realizados entre a clientela de serviços, tanto de atenção primária, quanto de serviços especializados, observaram coberturas maiores do que aquelas apuradas pelo SI-PNI.48 , 51 Dois estudos realizados entre a clientela de um dos principais serviços de referência na cidade de São Paulo observaram cobertura inferior àquela informada pelo SI-PNI para o município. 32 , 38 Foram incluídos também neste grupo de publicações aquelas que tinham como foco a abordagem das razões para a adesão ou não à vacinação contra influenza. Entre os fatores associados à adesão à vacinação, destacaram-se o conhecimento sobre a campanha de vacinação, a indicação médica, uma atitude positiva em relação à vacinação, e a crença de que a vacina protege. Por outro lado, entre as razões para não adesão à vacinação, aparecem: não considerar que a vacina é necessária; o temor de eventos adversos; que a vacina causa gripe; dificuldade de acesso (transporte aos locais de vacinação); e falta de informação quanto à data da campanha.38 , 42 , 47 , 49
Foram incluídos na análise 20 artigos que abordaram a ocorrência de eventos adversos. Quase todos os artigos recuperados foram publicados após a ocorrência da pandemia de influenza pelo vírus influenza A(H1N1)pdm09 (Figura 5). Uma parte deles apresenta relatos de casos de eventos adversos raros59 - 66 temporalmente associados à vacinação contra o subtipo pandêmico de 2009, tais como casos de Síndrome de Guillain-Barré, narcolepsia, paralisia oculomotora e rabdomiólise. Há também estudos transversais e de coorte, que incluíram os eventos adversos na investigação de razões para a não vacinação67 - 69 e estudos em clientelas específicas,70 - 75 além de estudos realizados entre profissionais de saúde76 e indivíduos de 60 anos ou mais.77 , 78
O propósito desta revisão foi buscar na literatura científica a resposta à pergunta se a estratégia brasileira de vacinação contra influenza vem logrando o seu objetivo de "reduzir a mortalidade, as complicações e as internações decorrentes das infecções pelo vírus da influenza, na população alvo".2 Diferentemente de outras doenças para as quais existem vacinas disponíveis, no caso da influenza não se tem como objetivo a redução da incidência, e sim a redução na frequência de complicações e óbitos dela decorrentes. A revisão sugere que a vacina é segura e efetiva, entretanto o seu impacto na redução na mortalidade e hospitalizações por causas relacionadas à influenza foi modesto.
Inúmeros fatores podem estar associados à efetividade de uma estratégia de vacinação contra influenza. Entre eles podem-se destacar a cobertura vacinal, a coincidência entre os subtipos circulantes na população e aqueles incluídos na composição da vacina, fatores relacionados aos indivíduos vacinados (imunossupressão, comorbidades etc.), e ainda questões metodológicas, relacionadas à própria definição de efetividade adotada e da forma como ela é aferida.79
Em relação às coberturas vacinais, os dados administrativos informam que a meta inicial de 70% de cobertura na população de 60 anos e mais foi atingida em todos os anos, exceto no ano 2000. A meta foi posteriormente elevada para 80%, e também vem sendo cumprida. Após a vacinação contra o subtipo pandêmico, em 2010, o Ministério da Saúde passou a contabilizar também a cobertura entre os demais grupos alvos da vacinação, e neles a meta de 80% de cobertura, ou valores muito próximos à meta, vêm sendo atingidos. As coberturas tendem a ser mais altas nos estados do Nordeste e Norte do país. A comparação dos resultados de inquéritos de cobertura vacinal com os dados do SI-PNI deve ser feita com cautela, pois aqueles, com frequência, referem-se a unidades geográficas menores ou referem-se apenas à clientela de determinados serviços. Apesar disso, os dados dos estudos aparentemente confirmam os administrativos. Em sua maioria os estudos observaram coberturas acima de 60%, mais elevadas nas regiões Norte e Nordeste que nas demais regiões. Apenas um dos estudos ecológicos da efetividade da vacinação no Brasil utilizou os dados de coberturas vacinais.8
Outro fator que pode influenciar de forma decisiva a efetividade da vacinação contra influenza é a coincidência entre os subtipos virais em circulação na população e aqueles incluídos na composição vacinal da estação. Há poucas publicações sobre os resultados da vigilância sentinela de influenza no Brasil, e menos ainda estudos que analisem a coincidência dos subtipos. Na realidade, nesta revisão identificou-se um único estudo que abordou a questão da coincidência entre os subtipos vacinais e os circulantes na população. Usando os dados de isolamento viral de dois dos centros de referência nacionais de influenza, localizados nas regiões Norte e Sudeste, os autores discutem diferentes cenários, visando ao incremento da efetividade das campanhas de vacinação. Até o período da publicação, os subtipos virais isolados nos dois laboratórios apresentavam proporção de coincidência semelhante, tanto à composição das vacinas do Hemisfério Sul, quanto às do Hemisfério Norte. Segundo o estudo, o uso da vacina do Hemisfério Sul mais cedo do que o atualmente agendado (por exemplo em janeiro) ou o uso da formulação do Hemisfério Norte poderiam aumentar o sucesso das campanhas.29
Os estudos ecológicos de morbidade e mortalidade abordando a efetividade das campanhas de vacinação têm produzido resultados conflitantes, uma vez que parte dos estudos identificou um efeito de redução da morbidade e mortalidade relacionadas à influenza, enquanto a outra parte observou taxas inalteradas ou mesmo um aumento delas após a introdução da vacinação. Em grande medida, esse aparente conflito de resultados poderia ser explicado pelas grandes diferenças metodológicas entre os estudos. A seleção dos desfechos utilizados não foi a mesma. Como o diagnóstico etiológico das infecções respiratórias não é feito nem registrado de forma rotineira pele rede de serviços de saúde, os estudos ecológicos utilizam a categoria de causas de morbidade e mortalidade relacionadas à influenza, como uma variável proxy. Parte dos estudos incluem apenas os óbitos e internações por influenza e pneumonia (J09 a J18), outros incluem também outras causas respiratórias, como as bronquites (J40 a J42), as doenças pulmonares obstrutivas (J44) e outras. Além disso, a mudança da versão da CID em 1997 pode também ter introduzido erros de classificação do diagnóstico.
Uma outra questão diz respeito às diferenças quanto aos períodos analisados e a abrangência geográfica dos estudos. Outras questões metodológicas, como o uso ou não de padronização de taxas, e os distintos modelos estatísticos utilizados para análise das séries históricas, também podem ter influenciado os resultados. Não foi possível observar diferenças nos resultados entre os estudos que utilizaram metodologias estatísticas mais simples e aqueles mais sofisticados, tendo por referência o sentido das mudanças observadas na comparação entre os períodos pré e pós-vacinais.
Outros fatores a serem considerados são o aumento da cobertura e da qualidade das informações de mortalidade no Brasil, com uma marcante redução da proporção de óbitos classificados como "mal definidos", que ocorre em paralelo aos períodos analisados na maioria dos estudos, e a adoção de uma tabela simplificada de procedimentos pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) em 2008.80 O estudo que observou redução na mortalidade por doença isquêmica do coração no período vacinal também apresenta problemas metodológicos, pois a queda da mortalidade começou a ser observada antes do início das estratégias de vacinação contra influenza.14 Ainda, outro fator a ser considerado na interpretação desses estudos é o envelhecimento da população, que levaria a um aumento da mortalidade por todas as causas, em particular à mortalidade por doenças respiratórias.
Na realidade, a redução da mortalidade como efeito da vacinação contra influenza é uma temática controversa. O uso de desfechos inespecíficos e a atribuição de uma grande proporção das mortes que ocorrem no inverno à influenza têm sido considerados por alguns autores como responsáveis pelo exagero nos benefícios atribuídos à vacinação.80 , 82 Nichol83 postula que os estudos ecológicos de mortalidade por influenza frequentemente assumem que a razão entre a mortalidade associada à influenza e a mortalidade durante o inverno seria aproximadamente igual à razão entre a mortalidade associada à influenza e a mortalidade durante a estação de influenza. Ao fazer isso, a maioria dos estudos subestima o numerador e superestima o denominador, produzindo falsas estimativas de efetividade.
Além do uso de desfechos inespecíficos, os estudos ecológicos de morbidade e mortalidade relacionadas à influenza utilizam medidas médias de exposições, que atribuem aos indivíduos características dos grupos, e eventualmente identificam associações que podem não ser válidas para o nível individual, o que configura a chamada "falácia ecológica".
Um fator adicional que poderia ter influenciado os estudos ecológicos brasileiros seria o padrão diferenciado de sazonalidade da influenza nas diferentes regiões do país. Usando os dados de mortalidade, Alonso et al.28 postulam que o padrão sazonal de mortalidade relacionada à influenza muda à medida que se desloca do norte para o sul do país. Os picos de mortalidade relacionada à influenza ocorreriam mais cedo no ano nas regiões equatoriais do Brasil, e mais tarde, coincidindo com o inverno, à medida que se movem na direção sul. Assim, como as campanhas de vacinação são geralmente realizadas no período entre a última quinzena de abril e a primeira quinzena de maio, elas estariam sendo realizadas após o pico de ocorrência de influenza na região Norte e em parte da região Nordeste, o que pode estar contribuindo para reduzir a efetividade das campanhas, e consequentemente influenciando os resultados dos estudos ecológicos. De fato, a maioria dos estudos ecológicos sugere não haver redução na mortalidade e nas internações hospitalares após as campanhas nas regiões Norte e Nordeste. Esse comportamento provavelmente influencia os resultados dos estudos de base nacional, reduzindo os efeitos benefícios da vacinação. Paradoxalmente, as coberturas vacinais têm sido maiores nas regiões nas quais os benéficos esperados seriam menores, considerando-se o agendamento das campanhas.
Apenas seis estudos com desenho individualizado analisaram a efetividade das estratégias brasileiras de vacinação. Deles, apenas um apresentou estimativa de efetividade usando desfecho com confirmação laboratorial do diagnóstico de influenza por IFI.33 Os outros cinco estudos utilizaram desfechos inespecíficos e apenas um deles apresentou uma estimativa de efetividade vacinal (80% de efetividade na prevenção de episódios clinicamente definidos como gripe entre idosos na região Sul do país).35 Os demais, utilizando desfechos clínicos, observaram um risco relativo maior para os não vacinados,35 e uma menor proporção de ocorrência de episódios de "gripe" e internações entre os vacinados.32 , 36 Em contraponto, Nakamura et al. (2012), em uma amostra de conveniência de usuários da rede de atenção primária (n=196), observaram o oposto, ou seja, uma maior prevalência de relatos de episódios de "gripe" entre os vacinados. Vale ressaltar que a proporção de não vacinados no estudo foi de 20%.34
Em artigo de revisão publicado em 2005, Cunha et al.84 discutiram as questões relacionadas à vacinação de idosos contra influenza no Brasil. Os autores apontaram as limitações dos dados sobre a ocorrência de influenza no país, em especial para as regiões Norte e Nordeste, nas quais a sazonalidade da influenza não é tão evidente, e também, chamaram atenção para o limitado número de estudos sobre o impacto da vacinação. Considerando que "não se observa uma redução na carga da doença em todas as regiões brasileiras", eles questionaram se o atual calendário de vacinação é razoável, e postularam a necessidade de aprimoramento da vigilância epidemiológica da influenza no Brasil.
A revisão das publicações sobre a segurança da vacinação contra influenza no país revelou a quase inexistência de artigos sobre este tópico antes da grande campanha de vacinação contra o subtipo pandêmico A(H1N1)pdm09, realizada em 2010. Talvez o fato de, pela primeira vez, o Ministério da Saúde ter desenvolvido estratégias mais detalhadas de vacinação para os diferentes grupos de portadores de doenças crônicas, com a parceria das sociedades médicas especializadas, tenha motivado grupos de pesquisa que até então não demonstravam interesse no tema vacinação contra influenza a ele se dedicarem. A ampla divulgação na mídia e o questionamento dos próprios pacientes quanto à indicação da vacinação também podem ter contribuído para aumentar o interesse sobre o tema. Foram identificadas 20 publicações com relatos de casos de eventos adversos raros, temporalmente associados à vacinação. Os estudos que utilizaram desenhos transversais ou longitudinais indicam que a maioria dos eventos adversos após a vacinação contra influenza são reações locais, ou reações sistêmicas leves e de curta duração, o que contribui para reafirmar a segurança das vacinas utilizadas.
A amplitude da busca realizada, incorporando inclusive documentos listados em bases como o Google Scholar, capaz de recuperar documentos não publicados, e o Lilacs, que lista também trabalhos acadêmicos e institucionais não publicados (dissertações, teses, brochuras etc.), reduziu a possibilidade de ocorrência de viés de publicação. A identificação de publicações com resultados conflitantes reforça a avaliação de que o viés de publicação, se existente, não teve impacto relevante nesta revisão. A diversidade metodológica dos estudos e das formas de apresentação dos resultados impediu a utilização de técnicas quantitativas de aferição de viés de publicação.
Entre as limitações deste estudo, destacamos que, ao se trabalhar com artigos publicados, os resultados de uma revisão sistemática são de alguma forma moldada por eles, padecendo de alguns dos problemas do universo do qual ela se origina. O volume da produção científica sobre a experiência brasileira de vacinação contra influenza é pequeno, considerando as dimensões da iniciativa. A sua diversidade metodológica e de abrangência espacial e temporal impossibilitou a realização de uma metanálise, que sintetizasse quantitativamente o impacto da vacinação. Diante do pequeno número de estudos e de sua diversidade, a opção adotada pelos autores foi de não incluir nenhum critério de exclusão que considerasse a qualidade dos artigos incluídos na revisão.
Esta revisão sistemática sobre a efetividade das campanhas de vacinação contra influenza no Brasil, realizadas desde o ano 1999, sugere que:
As coberturas vacinais são elevadas, porém inferiores aos dados apurados pelo SI-PNI.
A vacinação é segura. Nos estudos que abordaram a ocorrência de eventos adversos em amostras representativas da população vacinada, observou-se que a maioria dos casos foram leves e de resolução rápida. No entanto, a vacinação contra o subtipo viral pandêmico no ano de 2010 levou à publicação de uma série de relatos de casos de eventos adversos raros temporalmente associados à vacinação.
São poucas as estimativas de efetividade. A maioria delas deriva de estudos ecológicos, que apresentam uma modesta redução da mortalidade e das internações hospitalares por causas relacionadas à influenza. Essa redução não é evidenciada nas regiões Norte e Nordeste do país, um achado que provavelmente relaciona-se ao padrão sazonal de ocorrência de influenza nas regiões equatoriais e tropicais. Uma mudança no calendário das campanhas, com a sua antecipação nessas regiões, deveria ser considerada.
A tendência mundial, principalmente após a ocorrência da pandemia de influenza de 2009, tem sido a ampliação do uso da vacina contra influenza. O Brasil também tem ampliado o seu uso, e a perspectiva para o futuro, com a produção nacional da vacina, é que o uso se amplie ainda mais. Assim, fica evidente o desafio à comunidade científica brasileira de produzir mais e melhores estudos que contribuam para a avaliação desta intervenção.