versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.5 Rio de Janeiro set./out. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170069
A cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) e a intervenção coronária percutânea (ICP) são estratégias amplamente utilizadas no tratamento da doença arterial coronariana (DAC) associadas à terapia médica (TM) otimizada. No entanto, nos últimos anos, evidências reduziram a indicação dos procedimentos de revascularização em pacientes estáveis, com resultados conflitantes em relação aos benefícios e impacto na mortalidade quando comparados às opções iniciais de tratamento.1-9 Estudos prévios sugeriram que a ICP diminui os sintomas sem efeito prognóstico a longo prazo, mesmo quando comparada ao tratamento médico isolado.7,8 Dados mais recentes reforçaram a superioridade da CRM na prevenção de eventos cardíacos maiores em pacientes com doença multiarterial, especialmente em pacientes com doença arterial coronariana mais complexa e diabetes.10-12 No entanto, esses estudos mostraram resultados similares entre a CRM e a ICP quando pacientes com doenças menos complexas foram avaliados.10,12
Entre 2005 e 2008, 166.514 ICPs foram realizadas no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com média anual de 41.628 procedimentos ou 22/100.000 habitantes. Desses, 37% foram eletivos em pacientes com DAC estável. Os stents farmacológicos (SF) não são cobertos pelo SUS, e provavelmente uma proporção significativa dos pacientes brasileiros não têm terapia medicamentosa otimizada e acesso aos procedimentos de revascularização, com diferenças entre as regiões geográficas do Brasil.13 Portanto, os resultados de muitos ensaios clínicos podem não ser generalizáveis para a prática clínica do mundo real.
Mesmo em países desenvolvidos, existem lacunas na literatura sobre a eficácia das estratégias de tratamento em pacientes com DAC estável. Existem poucos ensaios clínicos comparando as opções terapêuticas e essa falta de conhecimento causa complexidade no processo de tomada de decisão. O objetivo desse estudo foi avaliar o prognóstico a longo prazo de pacientes com DAC estável tratada com terapia médica como opção inicial de tratamento, em comparação com pacientes submetidos à ICP ou CRM em um hospital público no Brasil.
Trata-se de um estudo de coorte prospectivo realizado em pacientes ambulatoriais de um hospital universitário de nível terciário do sul do Brasil. Entre 1998 e 2011, foram admitidos 560 pacientes consecutivos com DAC estável. Todos os pacientes tinham DAC documentada, definida conforme a presença de pelo menos um dos seguintes itens: histórico documentado de infarto agudo do miocárdio (IAM), revascularização miocárdica percutânea ou cirúrgica, lesão > 50% em pelo menos uma artéria coronária avaliada por angiografia, ou presença de angina e teste não-invasivo positivo de isquemia.14
Os pacientes foram divididos em três grupos, de acordo com a estratégia de intervenção basal, adotada antes da inclusão nesse estudo: TM, ICP ou CRM. Durante o acompanhamento, os pacientes foram tratados por uma equipe multidisciplinar de acordo com as diretrizes atuais e a critério dos médicos assistentes. Os pacientes submetidos à ICP ou CRM durante o seguimento foram identificados, embora eles tenham sido analisados de acordo com sua classificação original. Todos os pacientes incluídos no estudo tinham dados clínicos e laboratoriais completos no início do estudo, pelo menos três consultas e um ano de seguimento. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa Institucional.
Pacientes estáveis foram periodicamente avaliados a cada 3 a 6 meses. Em cada visita, foi preenchido um formulário padronizado, o qual incluiu o histórico corrente da doença, controle de fatores de risco cardiovascular, novos eventos cardíacos (incluindo dados de admissão e procedimentos invasivos), exames laboratoriais e cardíacos e tratamento farmacológico e não-farmacológico. As comorbidades relevantes foram avaliadas através de questionário e revisão de prontuários.
Os desfechos de interesse primários foram morte por qualquer causa e ocorrência de um evento cardiovascular adverso maior (ECAM), definido como síndrome coronária aguda (SCA), acidente vascular cerebral e morte. A síndrome coronária aguda foi definida como admissão hospitalar causada por dor torácica ou sintomas relacionados e um diagnóstico médico na alta hospitalar de IAM ou angina instável. Também foram avaliadas a mortalidade por todas as causas e a necessidade de revascularização (cirúrgica ou percutânea).
As variáveis contínuas foram expressas como média ± 1 desvio-padrão (DP) e as não-contínuas foram expressas como mediana e intervalo interquartil (IIQ) e foram comparadas utilizando-se o teste t pareado ou o teste de postos com sinais de Wilcoxon, conforme apropriado. Os dados categóricos foram apresentados como frequências e foram comparados pelo teste Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Todos os testes foram bicaudais. Resultados de longo prazo foram comparados entre aqueles inicialmente submetidos a tratamento médico, com os resultados daqueles submetidos à CRM e ICP, independentemente do tipo de stent. A análise primária avaliou o tempo até o primeiro ECAM. As curvas de sobrevivência foram obtidas através da análise de Kaplan-Meier e comparadas utilizando teste de postos com sinais. Análises multivariadas de Cox foram utilizadas para comparar a sobrevida livre de eventos entre os grupos. Nas análises multivariadas, os parâmetros clínicos ou significativamente associados aos principais desfechos foram incluídos nos modelos. Os resultados foram ajustados para sexo, idade, diabetes, tabagismo, disfunção ventricular, doença renal crônica e presença de comorbidades, como doença vascular periférica, doença cerebrovascular, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença hepática e câncer. As variáveis que tiveram algum efeito sobre a variável de interesse foram selecionadas pelo método manual e pelo método stepwise (p < 0,10). Todos os dados foram analisados utilizando-se o programa SPSS (versão 11.0.0, SPSS, Chicago, Illinois, EUA) e os valores de P inferiores a 0,05 foram considerados significativos.
O seguimento médio do estudo foi de 5,1 anos. Dos 560 pacientes, 288 (51,4%) foram inicialmente tratados com TM, 159 (28,4%) com ICP e 113 (20,2%) com CRM. As características basais dos pacientes de acordo com a estratégia de manejo são mostradas na Tabela 1. Os pacientes no grupo ICP mostraram maior probabilidade de apresentar IAM prévio do que os dos outros dois grupos. Os pacientes do grupo CRM tinham mais hipertensão, dislipidemia, disfunção ventricular esquerda e, como esperado, maior proporção de pacientes com doença coronariana triarterial.
Tabela 1 Características basais dos pacientes
Total n = 560 | TM n = 288 | ICP n = 159 | RM n = 113 | p valor | |
---|---|---|---|---|---|
Idade, anos | 62 ± 11 | 62 ± 11 | 61 ± 12 | 63 ± 10 | 0,16 |
Sexo masculino | 329 (58,8) | 170(59) | 85 (53,5) | 74 (65,5) | 0,14 |
Diabetes Melito | 198 (35,4) | 110 (38,2) | 47 (29,6) | 41 (36,3) | 0,18 |
Hipertensão | 438 (78,2) | 226 (78,5) | 114 (71,7) | 98 (86,7) | 0,01 |
Dislipidemia | 355 (63,4) | 178 (61,8) | 96 (60,4) | 81 (71,7) | 0,05 |
Tabagismo (atual) | 83 (14,8) | 45 (15,6) | 31 (19,5) | 7 (6,2) | 0,02 |
Tabagismo (prévio) | 264 (47,1) | 132 (45,8) | 67 (42,1) | 65 (57,5) | 0,02 |
Infarto do miocárdio | 289 (51,6) | 130 (45,1) | 108 (67,9) | 51 (45,1) | < 0,001 |
Doença cerebrovascular | 58 (10,4) | 33 (11,5) | 15 (9,4) | 10 (8,8) | 0,67 |
Insuficiência renal | 86 (15,4) | 36 (12,5) | 25 (15,7) | 25 (22,1) | 0,06 |
FEVE (%) | 54 ± 13 | 55 ± 14 | 54 ± 13 | 50 ± 11 | 0,01 |
FEVE <50% | 188 (33,6) | 94 (32,6) | 43 (27) | 51 (45,1) | < 0,01 |
Doença triarterial | 81 (14,5) | 30 (17,3) | 14 (10,8) | 37 (41,6) | < 0,001 |
Os dados são expressos como média ± desvio padrão ou como número (%).Os valores de p foram obtidos através do teste do qui-quadrado para as variáveis categóricas e do teste t de Student para as variáveis contínuas.TM: terapia medicamentosa; ICP: intervenção coronária percutânea; RM: revascularização miocárdica; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
A mortalidade por todas as causas ocorreu em 69 pacientes (12,3%), com incidência anual de mortalidade de 2,5% ao ano (13 eventos/ano). As taxas de sobrevivência acumuladas para os pacientes atribuídos a cada grupo foram 89% para TM, 88% para ICP e 84% para CRM (p = 0,82). Durante o seguimento, 115 pacientes (20,5%) foram submetidos à ICP e 56 pacientes (10%) foram submetidos à CRM. A taxa de eventos e as comparações entre os grupos estão mostradas na Tabela 2. Os pacientes dos grupos ICP e CRM apresentaram maior incidência de SCA (22,6% e 23,9%, respectivamente) quando comparados ao grupo TM (14,9%, p = 0,04). Por outro lado, a taxa de cirurgia de revascularização miocárdica durante o seguimento foi maior nos grupos TM (14,2%) e ICP (6,9%) quando comparados com o grupo CRM (3,5%) (p < 0,01).
Tabela 2 Desfechos primários e secundários
Total n = 560 | TM n = 288 | ICP n = 159 | RM n = 113 | p valor | |
---|---|---|---|---|---|
Desfechos combinados | 168 (30) | 77 (26,7) | 52 (32,7) | 39 (34,5) | 0,21 |
Morte | 69 (12,3) | 32 (11,1) | 19 (11,9) | 18 (15,9) | 0,41 |
SCA | 106 (18,9) | 43 (14,9) | 36 (22,6) | 27 (23,9) | 0,04 |
AVC | 14 (2,5) | 9 (3,1) | 5 (3,8) | 0 | 0,16 |
Morte cardiovascular | 40 (7,1) | 23 (9) | 7 (4,4) | 10 (8,8) | 0,27 |
Insuficiência cardíaca | 24 (4,3) | 10 (3,5) | 6 (3,8) | 8 (7,1) | 0,26 |
Revascularização subsequente* | |||||
ICP | 115 (20,5) | 54 (18,8) | 37 (23,3) | 24 (21,2) | 0,51 |
RM | 56 (10) | 41 (14,2) | 11 (6,9) | 4 (3,5) | < 0,01 |
Os dados são expressos como número total de eventos (%).Os valores de p foram obtidos através do teste exato de Fisher para variáveis categóricas.SCA: síndrome coronariana aguda; AVC: acidente vascular cerebral; TM: terapia medicamentosa; ICP: intervenção coronária percutânea; RM: revascularização do miocárdioAlguns pacientes tiveram infarto do miocárdio não-fatal ou acidente vascular cerebral antes de sua morte subsequente, portanto, o número de eventos combinados é menor do que a soma de cada evento. Nas análises de sobrevivência, foi utilizado o tempo até o primeiro evento.
*Os valores representam o primeiro procedimento de revascularização em pacientes que foram originalmente tratados com terapia medicamentosa
Ao final do seguimento, não houve diferença significativa na mortalidade ajustada entre os grupos (hazard ratio [HR] para o grupo ICP, 1,05, intervalo de confiança de 95% [IC95%], 0,59 a 1,84 e HR para o grupo CRM, 1,20; IC 95% 0,68 a 2,15), com curvas de sobrevivência virtualmente idênticas (Figura 1A). Na análise multivariada do modelo de Cox, idade, sexo masculino, diabetes e doença cerebrovascular foram preditores de mortalidade global (Tabela 3). Considerando a ocorrência de eventos maiores combinados, a ICP foi associada independentemente com pior prognóstico (HR 1,50, IC 95% 1,05 a 2,14), sem diferença entre TM e CRM (HR 1,24, IC 95% 0,84 a 1,83) (Figura 1B). Disfunção ventricular, diabetes e doença cerebrovascular também foram preditivos de eventos maiores (Tabela 3).
Tabela 3 Análises multivariada comparando a sobrevida livre de eventos entre os grupos, ajustada para os parâmetros clínicos
Desfecho | HR | IC95% | p |
---|---|---|---|
Morte | |||
Idade | 1,04 | 1,01 - 1,07 | 0,005 |
Sexo masculino | 2,17 | 1,14 - 4,13 | 0,018 |
Diabetes | 2,22 | 1,28 - 3,86 | 0,005 |
Doença cerebrovascular | 5,07 | 2,89 - 8,90 | < 0,001 |
Insuficiência renal | 1,65 | 0,93 - 2,91 | 0,086 |
Morte, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral | |||
Disfunção ventricular esquerda | 1,43 | 1,06 - 1,95 | 0,022 |
Diabetes | 1,58 | 1,16 - 2,15 | 0,004 |
Doença cerebrovascular | 1,73 | 1,16 - 2,59 | 0,008 |
Grupo ICP | 1,50 | 1,05 - 2,14 | 0,026 |
Grupo RM | 1,24 | 0,84 - 1,83 | 0,270 |
Revascularização | |||
Disfunção ventricular esquerda | 1,46 | 1,05 - 2,05 | 0,025 |
Diabetes | 1,88 | 1,37 - 2,59 | < 0,001 |
Infarto do miocárdio prévio | 0,58 | 0,42 - 0,82 | 0,002 |
Grupo ICP | 1,85 | 1,13 - 3,02 | 0,015 |
Grupo terapia medicamentosa | 1,55 | 1,01 - 2,41 | 0,049 |
HR: Hazard Ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%; ICP: intervenção coronária percutânea; RM: revascularização do miocárdio
Figura 1 Probabilidade não-ajustada de sobrevivência livre de eventos nos pacientes dos grupos de tratamento com TM, RM e ICP, ajustado para parâmetros clínicos. A: mortalidade global; B: eventos combinados de morte, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral; C: revascularização.
Ambos os grupos TM e ICP apresentaram maior probabilidade de necessitar revascularização adicional (ICP ou CRM) durante o seguimento, após a análise multivariada (HR = 1,55, IC95% 1,01 a 2,41 e HR = 1,85, IC95% 1,13 a 3,02, respectivamente) (Figura 1C). A mediana do tempo até a revascularização subsequente foi de 32 meses (IIQ: 11 a 79) na TM, 32 meses (IIQ 8 a 79) na ICP e 38 meses (IIQ 24 a 83) no grupo CRM (p = 0,019). Disfunção ventricular e diabetes também foram preditivos de revascularização adicional, e o infarto agudo do miocárdio prévio foi inversamente associado com esse desfecho (Tabela 3).
Analisamos também as taxas de eventos combinados maiores em pacientes com diabetes e doença coronariana triarterial, fatores identificados como determinantes na escolha da terapia em pacientes com DAC estável. Não houve diferença significativa no desfecho entre a estratégia de manejo inicial em pacientes com doença coronariana triarterial (HR = 1,22, IC 95% 0,36 a 4,15 no grupo ICP e HR = 1,05, IC 95% 0,40 a 2,73 no grupo CRM). No entanto, em pacientes com diabetes, o grupo PCI foi preditor de eventos maiores combinados nas análises multivariadas (HR = 2,14; IC 95% 1,26 a 3,63).
O presente estudo relata os resultados de uma coorte de um ambulatório de um hospital universitário de nível terciário do Sul do Brasil. Os países em desenvolvimento são caracterizados por um acesso limitado a terapias e dificuldades na incorporação de novas tecnologias, onde a lacuna na aplicação dos resultados dos ensaios clínicos é ainda mais evidente.
As diretrizes nacionais e internacionais para o manejo de pacientes com DAC estável recomendam revascularização com CRM para pacientes sintomáticos com doença não-protegida da artéria coronária esquerda principal, doença triarterial com ou sem doença da artéria descendente anterior esquerda proximal ou doença biarterial com artéria descendente anterior esquerda proximal (Classe de recomendação I). Para os mesmos pacientes, a ICP tem uma Classe de recomendação IIa para melhora da sobrevida. No entanto, todas as recomendações de revascularização para melhorar a sobrevivência são baseadas no nível de evidência B ou C.14-16 As diretrizes enfatizam a importância de se usar uma abordagem da Equipe Cardíaca para decidir qual terapia é a melhor para cada paciente, demonstrando que a estratégia terapêutica ideal em pacientes com DAC estável não é simples.15
O estudo Second Medical, Angioplasty, or Surgery Study (MASS II) foi o primeiro ensaio clínico randomizado com DAC estável multiarterial que comparou as três estratégias terapêuticas atuais: ICP com stents convencionais versus CRM versus TM isolada.9 Os dados de seguimento de 5 e 10 anos não mostraram diferenças na mortalidade global entre os grupos. A CRM foi superior à TM e à ICP para os desfechos combinados de IAM, revascularização adicional e mortalidade.17,18 Os resultados do nosso estudo foram consistentes com os achados do estudo MASS II em relação à mortalidade geral e revascularização subsequente, sugerindo que a estratégia inicial com TM pode ser considerada, reconhecendo-se que durante um acompanhamento de longo prazo um procedimento de revascularização pode ser necessário. No entanto, o seguimento de 10 anos do estudo MASS II mostrou uma maior incidência de IAM na TM e ICP em comparação aos pacientes submetidos à CRM, o que demonstra o melhor prognóstico dos pacientes cirúrgicos.18
A ausência de diferença de mortalidade entre as estratégias TM e ICP corrobora as descobertas do estudo Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation (COURAGE), que mostrou taxas de mortalidade de 7,6% no grupo ICP e 8,3% no grupo TM.8 O subestudo nuclear do estudo COURAGE, no entanto, observou uma relação graduada entre o risco de eventos e a extensão e gravidade da isquemia residual ao final do seguimento. Além disso, a revascularização com ICP resultou em uma redução mais efetiva da isquemia do que a TM de forma isolada. Embora não evidenciada pelo estudo clínico, uma interpretação pragmática desses dados indica revascularização para pacientes com mais de 10% de isquemia durante o teste de estresse.19 Nosso estudo não avaliou dados de testes de estresse e não considerou o grau de isquemia na análise, limitando a capacidade de identificar um subgrupo de pacientes com pior prognóstico no grupo TM. Por outro lado, uma sub-análise do estudo STICH mostrou que, em pacientes com DAC com disfunção ventricular grave (fração de ejeção ≤ 35%), a isquemia miocárdica induzível não identificou pacientes com pior prognóstico ou aqueles com maior benefício da CRM sobre a TM isoladamente.20
Resultados semelhantes em relação à mortalidade global foram observados no estudo BARI 2D, no qual a sobrevida cumulativa não diferiu significativamente entre os grupos de revascularização (88,3%) e TM (87,8%, p = 0,97).11 Essas taxas são muito semelhantes às encontradas em nosso estudo. No entanto, observou-se um pior prognóstico no grupo ICP quando eventos combinados foram analisados, especialmente no subgrupo de pacientes diabéticos. Essa diferença pode ser atribuída ao uso de stents convencionais em nossos pacientes (a opção disponível no sistema público de saúde de nosso país), em oposição à ampla utilização de stents farmacológicos no estudo BARI 2D. Os eventos cardiovasculares maiores, significativamente reduzidos em pacientes selecionados para submeter-se à CRM em comparação com TM, diferem dos nossos resultados.
O estudo FREEDOM mostrou que os eventos combinados de morte, IAM e acidente vascular encefálico ocorreram com maior frequência em pacientes que foram submetidos à ICP em comparação com CRM (26,6% vs. 18,7%, respectivamente).12 Estes resultados são consistentes com os estudos ARTS,21 CARDia22 e SYNTAX (análise de subgrupos),10 nos quais taxas mais elevadas de eventos cardiovasculares adversos maiores foram observadas em pacientes diabéticos submetidos à ICP em vez da CRM. Semelhante aos nossos resultados, as taxas de revascularização foram significativas no grupo ICP. Do mesmo modo, uma meta-análise recente de seis estudos randomizados utilizando estratégias de terapia contemporânea comparou a CRM e a ICP com SFs.23 Embora não houvesse diferenças significativas nas taxas de morte ou IAM em 1 ou 2 anos, essas diferenças foram evidentes após 5 anos de acompanhamento, favorecendo a CRM.
A análise de subgrupos realizada em nossos pacientes com doença triarterial não mostrou diferença nos eventos combinados entre as estratégias de manejo inicial. Embora a doença multiarterial seja considerada uma DAC complexa, os resultados do estudo SYNTAX demonstraram a importância de estimar a gravidade das lesões e mostraram que os eventos cardíacos maiores não diferiram significativamente entre ICP e CRM em pacientes com baixo escore SYNTAX.10 O presente estudo não mediu a complexidade da doença coronariana, limitando sua capacidade de fornecer dados comparativos sobre a melhor estratégia de revascularização para pacientes com doença multiarterial. Em um grande estudo observacional norte-americano, pacientes com mais de 65 anos com DAC multiarterial tiveram uma melhor sobrevivência em longo prazo quando submetidos à CRM em comparação com pacientes submetidos à ICP.24 Resultados similares foram encontrados em um pool de dados obtidos de três grandes estudos randomizados que compararam resultados em longo prazo entre esses grupos,25 mostrando taxas mais baixas de IAM e revascularização repetida em pacientes com DAC multiarterial e de artéria coronária esquerda principal e IAM prévio. Demonstramos também um pior prognóstico no grupo ICP em pacientes em geral, mas não conseguimos demonstrar diferenças no subgrupo de doença multiarterial.
Nosso estudo teve limitações inerentes aos estudos observacionais. Além disso, utilizou dados de uma única instituição em um hospital de referência, e assim os resultados não podem ser generalizados. Entretanto, nossos resultados representam a prática clínica no mundo real em um sistema de saúde pública.
O presente estudo mostra que os pacientes com DAC estável que são inicialmente tratados com terapia médica em vez de revascularização coronária têm taxas semelhantes de morte por qualquer causa e eventos cardiovasculares maiores, quando comparados com aqueles inicialmente tratados de forma invasiva.