versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.5 São Paulo nov. 2015 Epub 25-Ago-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150099
Diretrizes recomendam que na suspeita de doença arterial coronariana (DAC) estável, uma avaliação clínica (não-invasiva) deve ser realizada antes da realização da coronariografia.
Avaliar a eficácia da seleção de pacientes à coronariografia invasiva na suspeita de DAC estável.
Prospectivamente, selecionamos pacientes sem diagnóstico prévio de DAC referenciados a um centro terciário de grande volume. Características demográficas, fatores de risco, sintomatologia e resultados de exames não-invasivos foram correlacionados com a presença de DAC obstrutiva. Estimamos a probabilidade de DAC com base nos dados clínicos disponíveis e no valor incremental diagnóstico dos exames não-invasivos.
Um total de 830 pacientes foi incluído, mediana de idade de 61 anos, 49,3% homens, 81% hipertensos e 35,5% de diabéticos. Exames não-invasivos foram realizados em 64,8% dos pacientes. Na coronariografia, 23,8% dos pacientes tinham DAC obstrutiva. Os preditores independentes para DAC obstrutiva foram: sexo masculino (odds ratio [OR], 3,95; intervalo de confiança [IC] de 95%, 2,70 – 5,77), idade (OR por incremento de 5 anos, 1,15; IC 95%, 1,06 – 1,26), diabetes (OR, 2,01; IC 95%, 1,40 – 2,90), dislipidemia (OR, 2,02; IC 95%, 1,32 – 3,07), angina típica (OR, 2,92; IC 95%, 1,77 – 4,83) e teste não-invasivo prévio (OR 1,54; IC 95% 1,05 – 2,27).
Nesse estudo, menos de um quarto dos pacientes referenciados a um centro terciário para a realização de coronariografia por suspeita de DAC estável teve o diagnóstico confirmado. Uma melhor avaliação clínica e maior acesso a exames não-invasivos são necessários para aumentar a eficácia da seleção de pacientes para coronariografia invasiva.
Palavras-chave: Doença da Artéria Coronariana; Cateterismo Cardíaco; Seleção de Pacientes; Eficácia
Guidelines recommend that in suspected stable coronary artery disease (CAD), a clinical (non-invasive) evaluation should be performed before coronary angiography.
We assessed the efficacy of patient selection for coronary angiography in suspected stable CAD.
We prospectively selected consecutive patients without known CAD, referred to a high-volume tertiary center. Demographic characteristics, risk factors, symptoms and non-invasive test results were correlated to the presence of obstructive CAD. We estimated the CAD probability based on available clinical data and the incremental diagnostic value of previous non-invasive tests.
A total of 830 patients were included; median age was 61 years, 49.3% were males, 81% had hypertension and 35.5% were diabetics. Non-invasive tests were performed in 64.8% of the patients. At coronary angiography, 23.8% of the patients had obstructive CAD. The independent predictors for obstructive CAD were: male gender (odds ratio [OR], 3.95; confidence interval [CI] 95%, 2.70 - 5.77), age (OR for 5 years increment, 1.15; CI 95%, 1.06 - 1.26), diabetes (OR, 2.01; CI 95%, 1.40 - 2.90), dyslipidemia (OR, 2.02; CI 95%, 1.32 - 3.07), typical angina (OR, 2.92; CI 95%, 1.77 - 4.83) and previous non-invasive test (OR 1.54; CI 95% 1.05 - 2.27).
In this study, less than a quarter of the patients referred for coronary angiography with suspected CAD had the diagnosis confirmed. A better clinical and non-invasive assessment is necessary, to improve the efficacy of patient selection for coronary angiography.
Keywords: Coronary Artery Disease; Cardiac Catheterization; Patient Selection; Efficacy
Apesar dos grandes avanços na identificação de fatores de risco e abordagem diagnóstica, definir a presença de doença arterial coronariana (DAC) com obstrução significativa usando apenas métodos clínicos e não invasivos é, muitas vezes, uma tarefa difícil para o médico. Sabe-se que o procedimento padrão para o estudo da anatomia coronária é o estudo angiográfico invasivo. Entretanto, o teste deve ser criteriosamente solicitado, uma vez que é um procedimento invasivo não isento de complicações1.
Para os pacientes em condição clínica estável, as diretrizes atuais recomendam angiografia coronariana diretamente para aqueles considerados como tendo uma alta probabilidade de DAC, e acompanhamento clínico em pacientes com baixa probabilidade de DAC2-4. No entanto, a maioria dos doentes é classificada como tendo uma probabilidade intermediaria de DAC e, nesses casos, a necessidade de um procedimento invasivo está sujeita aos resultados dos testes não-invasivos ou à decisão do médico.
Em um recente registro norte-americano5 apenas 37,6% dos pacientes estáveis, sem diagnóstico anterior de DAC e encaminhados para a angiografia coronária, apresentavam lesões obstrutivas significativas, sugerindo que estratégias melhores são necessárias para a estratificação de risco. Tanto quanto sabemos, tais dados não estão disponíveis no Brasil.
O objetivo do presente estudo é analisar a eficácia da seleção de pacientes para a angiografia coronária por suspeita de DAC estável. Além disso, nosso objetivo é estimar a probabilidade de DAC obstrutiva com base em dados clínicos disponíveis antes do procedimento invasivo, bem como determinar o valor diagnóstico incremental que testes não‑invasivos anteriores poderiam apresentar.
Este é um estudo observacional transversal que coletou dados prospectivos de pacientes consecutivos encaminhados por médicos de centros de atenção secundária do Sistema Único de Saúde (SUS) a um centro cardiológico terciário para realizar angiografia coronária entre julho de 2012 e janeiro de 2013.
Os pacientes elegíveis tinham suspeita de DAC obstrutiva estável e foram encaminhados de forma eletiva para a angiografia coronária. Os pacientes com síndromes coronárias agudas (SCA) em curso, pacientes com obstrução > 50% em uma angiografia coronariana prévia, pacientes com histórico de infarto do miocárdio, revascularização miocárdica cirúrgica ou percutânea, foram excluídos. Também foram excluídos os pacientes encaminhados ao cateterismo para pré-operatório de cirurgia valvar ou transplante cardíaco.
As informações sobre as características demográficas, fatores de risco para DAC, sintomas e resultados dos testes não‑invasivos foram coletadas por uma equipe de cardiologistas antes que angiografia coronariana fosse realizada.
Os sintomas foram categorizados como angina típica, dor torácica atípica, equivalentes isquêmicos ou ausência de sintomas. A angina típica foi definida como (1) desconforto ou dor torácica, (2) provocada por esforço ou estresse emocional e (3) aliviada pelo repouso e/ou uso de nitrato. A dor torácica atípica incluiu pacientes com angina atípica (apenas dois dos critérios acima mencionados) e aqueles com dor torácica não anginosa (um ou nenhum dos critérios acima mencionados)6,7. Foram considerados equivalentes isquêmicos qualquer conjunto de achados clínicos (dispnéia, tontura, arritmias) que, no entender do médico, era consistente com DAC obstrutiva.
A presença ou ausência de fatores de risco clássicos para DAC foram estabelecidas de acordo com as informações dos pacientes. Foram considerados testes de diagnóstico não-invasivos quaisquer testes que sugerissem doença isquêmica, realizados antes da angiografia coronariana, como eletrocardiograma de repouso, teste ergométrico, cintilografia miocárdica, ecocardiograma de estresse ou de repouso, ou angiotomografia coronariana.
DAC obstrutiva foi definida como estenose ≥ 70% em alguma das artérias coronárias epicárdicas principais ou em seus ramos, ou estenose ≥ 50% no tronco da artéria coronária esquerda (TCE), de acordo com as recomendações do AHA/ACC6,8.
As características iniciais demográficas, fatores de risco para DAC, sintomas e resultados dos testes não-invasivos de pacientes com ou sem DAC obstrutiva foram comparados. As variáveis contínuas foram apresentadas como medianas e intervalos interquartis; as variáveis categóricas foram apresentadas como números absolutos e percentagens. As variáveis contínuas foram comparadas pelo teste de Mann‑Whitney não paramétrico, e as variáveis categóricas foram comparadas pelo teste do qui-quadrado.
Os modelos de regressão logística (análise uni e multivariada) foram ajustados para identificar fatores associados e preditores independentes para DAC obstrutiva. As variáveis com p < 0,10 na análise univariada foram selecionadas para a análise multivariada. Para avaliar se os fatores de risco e a realização de testes não-invasivos anteriores tinham qualquer poder incremental para prever a presença de DAC obstrutiva, foram considerados três modelos: um modelo básico (com sexo, idade e sintomas); um modelo clínico, que é o modelo básico com a adição de fatores de risco (diabetes, dislipidemia, hipertensão e tabagismo); e um terceiro modelo chamado modelo estendido, que adiciona a realização de testes não‑invasivos anteriores ao modelo clínico. A área sob a curva ROC (receive operator characteristics) foi utilizada para comparar a capacidade discriminatória dos três modelos, e o teste não-paramétrico foi usado para comparar os valores da estatística C entre os modelos9.
Valores de p < 0,05 foram considerados para indicar significância estatística na análise multivariada. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa SPSS para Windows versão 13.0.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição (protocolo número 4250).
Entre julho de 2012 e janeiro de 2013, foram realizadas 3.817 angiocoronariografias diagnósticas no Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, solicitadas por 118 centros diferentes do SUS. Desses pacientes, 2.987 (78,3%) foram excluídos dessa análise por terem sido recrutados durante uma SCA em curso, por apresentarem diagnóstico prévio de DAC ou por estarem em avaliação pré-operatória de cirurgia cardíaca. Nosso estudo analisou 830 pacientes submetidos à angiografia coronariana eletiva com suspeita de DAC obstrutiva, o que representou 21,7% de todos os pacientes encaminhados para a angiografia coronária durante este período.
A mediana de idade foi de 61 anos (intervalo interquartil 54-69 anos), e 49,3% dos pacientes eram do sexo masculino. A prevalência de hipertensão foi de 81,0%, a dislipidemia de 66,6%, diabetes 35,5% e 16,5% deles declararam serem fumantes atuais (Tabela 1).
Tabela 1 Características Basais dos pacientes
Característica | Total |
---|---|
n = 830 | |
Idade, anos | |
Mediana | 61 |
Intervalo interquartil | 54-69 |
Sexo Masculino, n (%) | 409 (49,3) |
Índice de massa corporal, kg/m2 | |
Mediana | 27,8 |
Interquartil | 24,9-31,2 |
Tabagismo, n (%) | |
Atual | 137 (16,5) |
Prévio | 318 (38,1) |
Diabetes, n (%) | 295 (35,5) |
Hipertensão, n (%) | 672 (81,0) |
Dislipidemia, n (%) | 553 (66,6) |
Clearance da creatinina *, mg/dL | |
Mediana | 83,2 |
Intervalo interquartil | 64,0-103,9 |
Doença arterial periférica, n (%) | 23 (2,8) |
Doença cerebrovascular, n (%) | 20 (2,4) |
Doença pulmonar obstrutiva crônica, n (%) | 76 (9,2) |
Apresentação clínica, n (%) | |
Ausência de sintomas | 156 (18,8) |
Angina típica | 277 (33,5) |
Dor torácica atípica † | 198 (23,9) |
Equivalente isquêmico‡ | 198 (23,9) |
Teste diagnóstico não invasivo §, n (%) | 538 (64,8) |
Teste ergométrico | 270 (32,5) |
Cintilografia de perfusão miocárdica por radionuclídeos | 182 (21,9) |
Ecocardiografia de estresse | 12 (1,4) |
Angiotomografia coronariana | 9 (1,1) |
Eletrocardiograma de repouso | 30 (3,6) |
Ecocardiografia de repouso | 33 (4,0) |
*A Fórmula de Cockroft Gault foi utilizada para estimar a clearance da creatinina.
†Sintomas atípicos foram definidos como angina atípica e dor torácica não anginosa.
‡Equivalente isquêmico foi definido como dispnéia, tontura ou arritmias.
§Eletrocardiograma de repouso, ecocardiograma de repouso, angiotomografia coronariana, teste ergométrico, cintilografia miocárdica ou ecocardiograma de estresse.
Dos pacientes encaminhados para angiografia coronariana, 33,5% apresentaram angina típica, 23,9% tinham dor atípica no peito (angina atípica ou dor torácica não anginosa), uma percentagem semelhante, 23,9%, apresentou sintomas equivalentes isquêmicos (dispnéia, tontura, arritmias), e 18,8% não apresentaram nenhum sintoma.
Observou-se que 538 pacientes (64,8%) realizaram algum teste diagnóstico não-invasivo antes da angiografia coronariana, mas apenas 464 (55,9%) realizaram testes cardíacos sob estresse (teste ergométrico, ecocardiograma de estresse e cintilografia de perfusão miocárdica sob estresse). O exame não-invasivo mais frequentemente realizado foi o teste ergométrico, em 32,5% deles.
A DAC obstrutiva (estenose ≥ 50% no TCE, ou ≥ 70% em artéria coronária epicárdica) foi encontrada em apenas 198 (23,8%) pacientes. Desses pacientes, 54,5% apresentaram doença uniarterial, 27,8% tinham doença biarterial, 13,1% apresentaram lesões em doença triarterial, e 5,6% tinham uma lesão significativa no tronco da coronária esquerda. Considerando a definição alternativa da DAC obstrutiva como uma lesão com estenose ≥ 50% em qualquer vaso epicárdico, a prevalência aumentou para 32,2%. Portanto, dois terços (67,8%) dos pacientes submetidos à angiografia coronária invasiva por suspeita de DAC obstrutiva estável não apresentava lesões significativas na cineangiocoronariografia.
A análise univariada mostrou seis variáveis significativamente associadas (p < 0,10) com a presença de DAC obstrutiva: idade, sexo masculino, diabetes, dislipidemia, presença de angina típica e a realização de teste não-invasivo anterior. Os pacientes que relataram hipertensão arterial (OR, 1,23; IC 95% 0,81-1,88, p = 0,33) ou tabagismo atual (OR, 1,06; IC 95% 0,70-1,63, p = 0,77) foram associados com uma maior probabilidade de DAC obstrutiva, mas sem significância estatística.
Na análise multivariada (Tabela 2), o sexo masculino (OR, 3,95; 95% CI, 2,70-5,77, p < 0,001), idade (OR para cada 5 anos incrementais, 1,15; 95% CI, 1,06-1,26, p = 0,002), diabetes (OR, 2,01; 95% CI, 1,40-2,90, p < 0,001), dislipidemia (OR, 2,02; 95% CI, 1,32-3,07, p < 0,001), angina típica (OR, 2,92; IC 95 %, 1,77-4,83, p < 0,001), e a realização de teste não‑invasivo (OR, 1,54; 95% CI, 1,05-2,27, p = 0,027), mostraram ser preditores independentes para a DAC obstrutiva.
Tabela 2 Preditores de DAC obstrutiva (estenose ≥ 50% no tronco da coronária esquerda ou ≥ 70% em qualquer artéria epicárdica)
Variável | Odds Ratio | Intervalo de Confiança 95% | Valor de p |
---|---|---|---|
Idade, aumento a cada 5 anos | 1,15 | 1,06-1,26 | 0,002 |
Sexo masculino | 3,95 | 2,70-5,77 | < 0,001 |
Diabetes | 2,01 | 1,40-2,90 | < 0,001 |
Dislipidemia | 2,02 | 1,32-3,07 | 0,001 |
Angina típica * | 2,92 | 1,77-4,83 | < 0,001 |
Teste diagnóstico não invasivo † | 1,54 | 1,05-2,27 | 0,027 |
*Em comparação com pacientes assintomáticos.
†Eletrocardiograma de repouso, ecocardiograma de repouso, angiotomografia coronariana, teste ergométrico, cintilografia miocárdica ou ecocardiograma de estresse.
A Tabela 3 resume o desempenho de cada um dos três modelos preditores. O modelo básico, que utiliza apenas as variáveis clínicas idade, sexo e a presença de angina típica, mostrou uma estatística-C de 0,703 (IC 95%, 0,652-,0754). O modelo clínico, que adicionou a presença de fatores de risco (diabetes, dislipidemia, hipertensão e tabagismo ativo) ao modelo básico, apresentou uma estatística-C de 0,728 (IC 95%, 0,678-0,778). O terceiro modelo, o estendido, que acrescentou a realização de testes não-invasivos ao modelo clínico, mostrou uma estatística-C de 0,739 (IC 95%, 0,701-,778). A análise comparativa da área sob a curva ROC não mostrou diferença significativa entre eles (Tabela 4).
Tabela 3 Odds ratio e intervalos de confiança de 95% dos modelos de predição para a presença de DAC obstrutiva (estenose ≥ 50% no tronco da coronária esquerda ou ≥ 70% em qualquer artéria epicárdica)
Modelo Básico | Modelo Clinico | Modelo Estendido | |
---|---|---|---|
Idade a cada 5 anos | 1,09 (0,98-1,21) | 1,07 (0,96-1,20) | 1,07 (0,96-1,20) |
Sexo masculino | 4.31 (2,69- 6,90) | 4,44 (2,75-7,18) | 4,39 (2,71-7,10) |
Angina típica | 3,00 (1,83- 4,94) | 2,80 (1,68- 4,69) | 2.94 (1,75-4,93) |
Diabetes | - | 1,90 (1,20- 3,02) | 1,91 (1,20-3,03) |
Dislipidemia | - | 1,80 (1,06- 3,07) | 1,82 (1,07- 3,10) |
Hipertensão | - | 0,66 (0,36- 1,22) | 0,66 (0,36-1,20) |
Fumante atual | - | 0,90 (0,48- 1,70) | 0,92 (0,49- 1,75) |
Teste diagnóstico não invasivo * | - | - | 1,43 (0,87- 2,34) |
Estatística-C | 0,703 (0,652 a 0,754) | 0,728 (0,678 a 0,778) | 0,739 (0,701 a 0,778) |
*Eletrocardiograma de repouso, ecocardiograma de repouso, angiotomografia coronariana, teste ergométrico, cintilografia miocárdica ou ecocardiograma de estresse.
Tabela 4 Comparação das áreas sob a curva ROC entre os modelos básico, clínico e estendido
Modelo | Valor de p |
---|---|
Básico* versus clínico† | 0,12 |
Básico versus estendido‡ | 0,09 |
Clínico versus estendido | 0,62 |
*Modelo Básico: sexo, idade, angina estável.
†Modelo Clínico: sexo, idade, angina estável, hipertensão, diabetes, fumante atual e dislipidemia.
‡Modelo Estendido: sexo, idade, angina estável, hipertensão, diabetes, fumante atual, dislipidemia e qualquer teste diagnóstico não invasivo prévio.
Nesse estudo, que incluiu pacientes sem DAC conhecida submetidos à angiografia coronariana, a eficácia da seleção de pacientes para a angiografia coronária foi baixa.
Dos 830 pacientes avaliados por suspeita de doença coronária significativa clínica (estenose ≥ 50% no TCE ou ≥ 70% em qualquer outra artéria coronária), apenas 198 (23,9%) pacientes tiveram essa hipótese confirmada pela angiografia coronariana. O percentual foi um pouco mais elevado (32,3%) quando a definição de DAC foi expandida para incluir estenose ≥ 50% em qualquer outra artéria coronária. Em cerca de dois terços dos pacientes (67,7%) a angiografia coronariana revelou coronárias sem qualquer processo aterosclerótico obstrutivo.
A comparação de nossos resultados com os encontrados em outros estudos é difícil por causa das diferentes definições utilizadas para a DAC obstrutiva, bem como diferentes critérios de inclusão. A maioria das publicações anteriores relata informações sobre populações de países de alta renda, e apenas algumas delas foram realizadas em países de renda média, como o Brasil. Galon e cols.10estudaram o perfil clínico-angiográfico de 1.282 pacientes submetidos a 1.410 coronariografias na cidade de São Paulo, entre março de 2007 e maio de 2008. Neste estudo, 72,7% dos cateterismos mostraram artérias coronárias com lesão obstrutiva significativa. No entanto, cerca de metade dos pacientes submetidos à angiografia coronariana apresentava SCA, e 16% já haviam sido diagnosticados com DAC anteriormente. Além disso, os autores consideraram como DAC obstrutiva a presença de lesões com estenose ≥ 50%.
O Registro CASS (Coronary Artery Surgery Study), publicado em 1986, envolvendo 21.487 cineangiocoronariografias, mostrou que 81,2% dos pacientes tinham uma obstrução coronária, definida como uma lesão ≥ 50% em qualquer artéria11. Mais recentemente, Patel e cols.5 publicaram um registro com 398.978 pacientes sem diagnóstico prévio de DAC, na ausência de SCA, submetidos à angiografia coronariana em 663 hospitais norte-americanos, entre janeiro de 2004 e abril de 2008. Como em nosso estudo, a presença de DAC obstrutiva (estenose ≥ 70%) foi baixa (37,6%). A ausência de doença coronária foi verificada em 39,2% dos pacientes.
De forma não surpreendente, observou-se que os preditores independentes mais fortes para a presença de DAC obstrutiva na angiografia coronária foram os fatores de risco tradicionais, isto é, idade, sexo masculino, presença de diabetes e dislipidemia, além da presença de angina típica. Por outro lado, em nosso estudo, hipertensão arterial e o tabagismo não apresentaram associação com a DAC obstrutiva na análise univariada. Para a hipertensão, uma possível explicação pode ter sido a alta prevalência detectada em nossa amostra em ambos os grupos. Quanto ao tabagismo, ele foi avaliado apenas qualitativamente através de relatos dos pacientes, e não foram consideradas características quantitativas, como o tempo de exposição e a intensidade do consumo.
Sabe-se que os exames não-invasivos para avaliação de isquemia são ferramentas úteis para o processo de tomada de decisão na prática clínica diária devido ao seu importante valor preditivo negativo em pacientes com probabilidade pré‑teste intermediária2, impedindo que estes indivíduos sejam desnecesariamente expostos aos riscos do teste invasivo.
Em nosso estudo, observou-se que aproximadamente 35% dos indivíduos foram encaminhados diretamente para a angiografia coronária sem testes não-invasivos anteriores. Essa porcentagem representa aproximadamente o dobro do encontrado por Patel e cols.5 (16%). Muitas são as possíveis razões para que, no âmbito do SUS, um paciente com suspeita de DAC estável seja encaminhado diretamente para a angiografia coronária antes de um teste funcional. Embora os dados oficiais mostrem que o número de testes não-invasivos realizados pelo SUS12 tenha praticamente duplicado, é provável que ainda haja uma grande demanda reprimida, aumentando a demora até a realização desses testes e tornando essa espera mais longa do que para a angiografia coronária.
A classificação de Forrester-Diamond13, criada em 1979, é recomendada ainda hoje pelas sociedades de cardiologia para avaliar a probabilidade do pré-teste de encontrar DAC obstrutiva (estenose ≥ 50%). Essa classificação utiliza apenas a idade, sexo e tipo de dor torácica. Embora seja útil por ser prática, ela é criticada por não considerar a presença de outros fatores tradicionais14. Em nosso estudo, observou-se que o valor da estatística-C foi maior (de 0,703 para 0,728), quando fatores de risco tradicionais foram adicionados ao modelo básico (idade, sexo e sintomas), embora sem diferença estatística significativa.
Em um estudo que avaliou os modelos para estimar a presença de DAC (estenose > 50%) em uma população de baixa prevalência, Genders e cols.15 encontraram resultados semelhantes ao nosso. Adicionando fatores de risco tradicionais (diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial e tabagismo) ao modelo básico (idade, sexo, sintomas), observou-se uma maior capacidade de discriminação (estatística-C de 0,77-0,79).
Deve-se mencionar que nosso estudo apresentou várias limitações. Não foi possível avaliar o desempenho do teste não‑invasivo de estresse (teste ergométrico, ecocardiograma de estresse, cintilografia miocárdica) porque não tínhamos informação sobre os pacientes que se submeteram ao teste não‑invasivo, mas não foram encaminhados para o cateterismo. Além disso, a interpretação dos resultados do teste foi feita pelo médico assistente. Informações importantes, tais como freqüência cardíaca máxima, escore de Duke e percentual de área isquêmica, que auxiliam a interpretação do teste de estresse não-invasivo, não estavam disponíveis. Além disso, a caracterização da dor torácica foi simplificada para angina típica ou sintomas atípicos (angina atípica ou dor torácica não anginosa).
Que seja de nosso conhecimento, esse é o primeiro estudo que descreve a abordagem clínica para pacientes com suspeita de DAC estável no âmbito do SUS. Apesar de ter sido realizado em um único centro, ele representa a realidade do processo de tomada de decisão clínica de mais de 100 centros secundários e terciários.
Em um cenário de prática clínica do SUS, a eficácia da seleção de pacientes sem diagnóstico prévio de DAC para a angiografia coronária foi baixa, sendo o diagnóstico confirmado em menos de um quarto dos pacientes. O valor diagnóstico incremental de um teste não-invasivo anterior foi baixo e não significativo. Uma melhor avaliação clínica e não-invasiva deve estar disponível aos pacientes do SUS, a fim de melhorarmos a eficácia na seleção para o exame invasivo.