versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.27 no.2 São Paulo mar./abr. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014013
As habilidades de percepção viso-motora são importantes preditores para o desempenho da escrita, incluindo tanto a legibilidade quanto a velocidade de escrita( 1 , 2 ). Os processos perceptivos da escrita consistem em habilidades visuais (tarefas de cópia) e habilidades auditivas (tarefas de ditado), coordenação motora e integração viso-motora (coordenação olho-mão)( 3 ). Os processos cognitivos envolvidos na escrita podem ser divididos em processos visuais e viso-motores, planejamento cognitivo e processos de memória de trabalho( 4 ) e habilidades de linguagem, como as de codificação fonológica e ortográfica( 5 ).
A dislexia pode ser manifestada em três subtipos, sendo o subtipo fonológico decorrente de uma disfunção na região do giro temporal superior e regiões temporo-parietais, acarretando alterações de processamento auditivo. Autores(6) indicam que a diminuição da capacidade de processar a informação auditiva pode ser a base dos problemas fonológicos apresentados nesse subtipo. O que sustenta a teoria do déficit fonológico é a hipótese de que existe uma alteração do processamento auditivo. Esse processamento se relaciona à velocidade com a qual a amplitude de um sinal acústico é processada após o aparecimento de um som. A alteração nesse processamento acarreterá o comprometimento da percepção de unidades menores da fala, como, por exemplo, a percepção de que as palavras podem ser segmentadas em sílabas e fonemas. Além disso, um fator importante relacionado ao processamento auditivo, subjacente à segmentação da fala, é o processamento do ritmo o qual influenciará a percepção de fonemas iniciais (habilidade de aliteração) e de elementos suprassegmentais (rima e prosódia). Assim, se as diferenças sutis de processamento auditivo não são registradas, como consequência, haverá alterações na aquisição de habilidades fonológicas.
O subtipo visual segundo a literatura( 7 ) é decorrente de disfunção nas regiões parieto-occipitais, acarretando alterações de processamento visual e o subtipo misto, decorrente de disfunção em regiões temporo-occipto-parietais.
Escolares com dislexia do subtipo visual apresentam como manifestações leitura de palavras de forma invertida( 8 ), dificuldades para identificar as letras que são imagens especulares uma da outra (p-q, p-b, m-w), tanto em situação de leitura como de escrita( 9 ). Além disso, podem apresentar déficits em habilidades motoras finas, que ocasionam alterações de traçado de letra e grafia em tarefas de cópia( 10 ), dificuldades na coordenação bimanual e destreza manual que justificariam a ocorrência da disgrafia nessa população( 11 ). Autores( 12 ) referiram que o desenvolvimento motor e o desenvolvimento cognitivo estão inter-relacionados, devido ao seu processamento envolver áreas do córtex pré-frontal e cerebelo. Desse modo, foi proposta pelos autores a hipótese do déficit de automatização, a qual relaciona os déficits cognitivos e a habilidade motora. Segundo essa hipótese, os escolares com dislexia apresentam dificuldade em realizar atividades automáticas, como a leitura e a escrita, devido às falhas de realização de movimentos e de sequencialização automáticas que são necessárias à realização dos movimentos oculares para a realização da leitura e para a realização de movimentos viso-motores para a execução da escrita manual.
A necessidade de investigar e conhecer o desempenho percepto-viso-motor desses escolares com dislexia está no fato de que muitas das alterações na escrita, identificadas como erros ortográficos, podem na verdade estar encobrindo erros de natureza caligráfica, como, por exemplo, o mal traçado da letra que desencadeia uma escrita ininteligível( 13 ). Desta forma, torna-se necessária a proposição de estudos que utilizem procedimentos normatizados de avaliação percepto-viso-motora, para que programas de intervenção sejam elaborados, com a finalidade de diminuir o impacto do mal traçado de letra sobre a ortografia desses escolares com dislexia.
Apesar de existirem estudos internacionais( 12 , 14 ) investigando a relação percepto-viso-motora, leitura e escrita na população de escolares com dislexia, no Brasil esses estudos são restritos, o que dificulta o estabelecimento do perfil viso-motor dessa população( 13 ). Como a Fonoaudiologia é a área que investiga as alterações de processamento da informação e seu impacto na aquisição e desenvolvimento da linguagem, cabe ao fonoaudiólogo a proposição de programas de intervenção que objetivem minimizar o impacto dessas alterações na ortografia e na caligrafia desses escolares.
Com base no exposto, este estudo teve como objetivo verificar a eficácia de um programa de intervenção com habilidades percepto-viso-motoras para escolares com dislexia.
Este estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Marília (SP), sob o protocolo nº 0149/2009.
Participaram deste estudo 20 escolares do terceiro ao quinto ano do Ensino Fundamental de uma escola da cidade de Marília (SP). Todos os escolares deste estudo apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis. A faixa etária dos escolares variou de 8 anos a 11 anos e 11 meses de idade, distribuídos em dois grupos:
• Grupo I (GI): composto por dez escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia, regularmente matriculados em escola regular do município de Marília (SP) e em fila de espera para atendimento no Centro de Estudos da Educação e Saúde da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Marília (SP), submetidos ao programa de intervenção.
Os escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia que participaram deste estudo foram diagnosticados pela mesma equipe de profissionais do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem do Centro de Estudos da Educação e da Saúde da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Marília (SP), e do Ambulatório dos Desvios da Aprendizagem do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UNESP, Botucatu (SP), composta por médico neurologista infantil, neuropsicólogo, psicopedagogo e fonoaudiólogo.
• Grupo II (GII): composto por dez escolares com bom desempenho acadêmico, matriculados regularmente em escola regular do município de Marília (SP), pareados segundo gênero e faixa etária com os escolares do GI, submetidos ao programa de intervenção elaborado para este estudo.
Os escolares desse grupo foram indicados pelos professores com base na obtenção de nota superior a 5,0 em avaliações de português e matemática em dois bimestres consecutivos. Esses critérios são baseados no relatório do professor, previstos nos Relatórios Pedagógicos do SARESP( 15 ).
Foram excluídos deste estudo escolares com histórico de deficiência auditiva, visual, cognitiva ou motora constante em prontuário escolar ou relato dos professores, escolares submetidos a programas de intervenção em habilidades percepto-visomotoras e/ou fonológicas, presença de outras síndromes genéticas e deficiência intelectual, presença de comorbidade com transtornos do déficit de atenção e hiperatividade e outras comorbidades, bem como os escolares que não apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis.
A escolha pela participação de escolares a partir do terceiro ano do Ensino Fundamental ocorreu pelo fato de que, nessa etapa de ensino, os escolares já devem estar alfabetizados e escrevendo com letra cursiva e pelo menos há uma exposição de três anos ao treino na expressão escrita, de acordo com o documento do Ministério da Educação - Secretaria de Educação Básica "Catálogo da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica- Alfabetização e Linguagem"(16). Por isso, os escolares do terceiro ano são capazes de escrever, sob cópia, um verso de forma legível e compreensível, segundo os padrões exigidos pela cultura em que se inserem.
Entretanto, enfatizamos que, para a seleção dos escolares, foi solicitado aos professores que os selecionassem apenas pelo critério de nota, e não pela qualidade da letra.
A escolha de um grupo controle composto por escolares com bom desempenho acadêmico se baseia na literatura( 17 , 18 ), que evidencia que mesmo os escolares sem problemas de aprendizagem podem apresentar alteração na qualidade de letra e isso pode ser decorrente da falta de investimento educacional em estratégias percepto-viso-motoras que desenvolvam a escrita manual rápida e legível. Assim, como este é um programa elaborado com finalidade de intervir no impacto das alterações perceptivas-motoras em escolares com dislexia, para melhor controle de sua eficácia, o mesmo foi aplicado em escolares que, supostamente, por apresentarem bom desempenho acadêmico, não apresentam alterações neuropsicológicas que possam justificar o seu mau traçado de letra.
Os procedimentos utilizados para avaliação em situação de pré e pós-testagem foram: o Teste de Habilidades Perceptivas Visuais (TVPS-3)( 19 ), composto pelo seguinte conjunto de habilidades: discriminação visual, memória visual, relação viso-espacial, constância de forma, memória sequencial visual, figura-fundo visual e closura visual.
A qualidade da escrita foi analisada por meio dos critérios de análise da Escala da Disgrafia( 20 ). Essa Escala é composta por dez itens de avaliação, que avaliam a presença de linhas flutuantes; linhas ascendentes/ descendentes; espaço irregular entre as palavras; letras retocadas; curvatura das angulações das arcadas dos M, N, U, V; pontos de junção; colisões e aderências; movimentos bruscos; irregularidade de dimensões e más formas. O critério de pontuação utilizado para análise da qualidade da escrita variou de zero a 17 pontos, sendo considerado como padrão de escrita disgráfica o escolar que obteve nota igual ou superior a oito pontos e meio - equivalente a 50% da nota total da Escala.
Para a intervenção, foi aplicado nos escolares deste estudo o Programa de Intervenção com as Habilidades Percepto-visomotoras, elaborado como parte de um projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)( 21 ), desenvolvido com base na descrição da literatura( 22 , 23 ), no que se refere tanto aos exercícios selecionados como ao tempo de intervenção recomendado.
Portanto, os exercícios constantes nesta intervenção com as habilidades percepto-viso-motora têm por prioridade trabalhar as bases para a identificação, elaboração e a compreensão das mensagens visuais, bem como o estabelecimento de códigos para melhora da codificação e decodificação de caráter geral relativo à imagem visual da letra, palavra e imagem para uma possível representação em um ato motor, como a escrita e a leitura( 22 , 23 ).
Este programa foi composto por oito exercícios, sendo um exercício de coordenação viso-motora e sete exercícios de percepção visual (discriminação visual, relação viso-espacial, constância de forma, memória visual e memória sequencial, figura-fundo visual e closura visual), desenvolvidos para serem trabalhados em 12 sessões do programa de intervenção. Os exercícios do programa de intervenção foram desenvolvidos para serem trabalhados em dois blocos, conforme descritos a seguir:
Exercícios de coordenação viso-motora: linha tracejada vertical; linha tracejada horizontal; linha tracejada na diagonal; linha tracejada em zigue- zague; linha tracejada na vertical/ horizontal; tracejado em forma de semi- círculo; tracejado em forma de círculo; linha tracejada ondulada; linha tracejada em forma de "u"; linha tracejada em forma de "le".
Exercícios de Percepção Visual: esses exercícios envolveram a discriminação visual do estímulo; relação viso-espacial-objetivo; constância de forma- objetivo; memória visual sequencial-objetivo; figura-fundo visual-objetivo; closura visual-objetivo.
Os exercícios do programa de intervenção que envolviam estímulos linguísticos para representação de figuras e palavras foram extraídos do banco de palavras do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, elaborado a partir dos livros didáticos da língua portuguesa utilizados pelos professores da Rede Pública de Ensino Municipal de Marília (SP).
O programa de intervenção foi aplicado de forma individual em 12 sessões, com duração de 50 minutos cada, duas vezes por semana. A coleta com os escolares dos grupos GI e GII foi realizada no Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem, no contraturno das aulas.
A análise estatística foi realizada pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), em sua versão 20.0. Os resultados estatísticos foram analisados no nível de significância de 5% (0,05), discriminado com asterisco nas tabelas referentes aos resultados. Os testes utilizados para análise estatística foram o teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon e o Teste de McNemar.
As tabelas mostram o desempenho dos grupos GI e GII, em situação de pré e pós-testagem na Escala de Disgrafia( 20 ), analisadas com a aplicação do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.
Foram considerados os seguintes critérios de análise da escala: presença de linhas flutuantes (LF); linhas ascendentes/ descendentes (LAD); espaço irregular entre as palavras (EI); letras retocadas (LR); curvaturas e angulações das arcadas dos M, N, U, V (CAA); pontos de junção (PJ); colisões e aderências (CA); movimentos bruscos (MB); irregularidade de dimensões (ID) e más formas (MF).
Nota-se que houve diferença na comparação entre a pré e pós-testagem para os critérios de linhas flutuantes, letras retocadas, colisões e aderências e movimentos bruscos, sugerindo melhora do traçado de escrita dos escolares do grupo GI após serem submetidos à intervenção viso-motora (Tabela 1).
Tabela 1. Distribuição da média, do desvio padrão e do valor de p referente aos desempenhos dos escolares do Grupo I em situação de pré e pós-testagem na Escala de Disgrafia
Variáveis | n | Média | Desvio padrão | Valor de p |
---|---|---|---|---|
LF pré | 10 | 1,30 | 0,67 | 0,034* |
LF pós | 10 | 0,70 | 0,67 | |
LAD pré | 10 | 0,90 | 0,52 | 0,052 |
LAD pós | 10 | 0,50 | 0,53 | |
EI pré | 10 | 0,80 | 0,42 | 0,067 |
EI pós | 10 | 0,30 | 0,42 | |
LR pré | 10 | 1,70 | 0,67 | 0,023* |
LR pós | 10 | 0,70 | 0,82 | |
CAA pré | 10 | 1,00 | 0,00 | >0,999 |
CAA pós | 10 | 1,00 | 0,00 | |
PJ pré | 10 | 1,30 | 0,67 | >0,999 |
PJ pós | 10 | 1,30 | 0,82 | |
CA pré | 10 | 1,05 | 1,01 | 0,020* |
CA pós | 10 | 0,00 | 0,00 | |
MB pré | 10 | 1,60 | 0,70 | 0,008* |
MB pós | 10 | 0,75 | 0,72 | |
ID pré | 10 | 0,70 | 0,48 | 0,180 |
ID pós | 10 | 0,40 | 0,52 | |
MF pré | 10 | 0,90 | 0,32 | 0,157 |
MF pós | 10 | 1,10 | 0,32 |
*Valores significativos (p≤0,05) - Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon Legenda: LF = presença de linhas flutuantes; LAD = linhas ascendentes/ descendentes; EI = espaço irregular entre as palavras; LR = letras retocadas; CAA = curvaturas a angulações das arcadas dos M, N, U, V; PJ = pontos de junção; CA = colisões e aderências; MB = movimentos bruscos; ID = irregularidade de dimensões; MF = más formas
Em relação aos escolares do grupo GII, foi possível observar que houve diferença na comparação entre a pré e a póstestagem, para os critérios de linhas flutuantes e letras retoca-das (Tabela 2).
Tabela 2. Distribuição da média, do desvio padrão e do valor de p referente aos desempenhos dos escolares do Grupo II em situação de pré e pós-testagem na Escala de Disgrafia
Variáveis | n | Média | Desvio padrão | Valor de p |
---|---|---|---|---|
LF pré | 10 | 1,00 | 0,67 | 0,046* |
LF pós | 10 | 0,60 | 0,52 | |
LAD pré | 10 | 0,75 | 0,42 | 0,257 |
LAD pós | 10 | 0,60 | 0,46 | |
EI pré | 10 | 0,20 | 0,35 | 0,317 |
EI pós | 10 | 0,10 | 0,21 | |
LR pré | 10 | 1,40 | 0,70 | 0,008* |
LR pós | 10 | 0,70 | 0,48 | |
CAA pré | 10 | 1,00 | 0,47 | 0,317 |
CAA pós | 10 | 0,90 | 0,32 | |
PJ pré | 10 | 1,50 | 0,85 | 0,086 |
PJ pós | 10 | 1,05 | 0,50 | |
CA pré | 10 | 0,45 | 0,76 | 0,109 |
CA pós | 10 | 0,00 | 0,00 | |
MB pré | 10 | 1,20 | 0,63 | 0,206 |
MB pós | 10 | 0,80 | 0,63 | |
ID pré | 10 | 0,30 | 0,48 | 0,317 |
ID pós | 10 | 0,20 | 0,42 | |
MF pré | 10 | 1,00 | 0,00 | >0,999 |
MF pós | 10 | 1,00 | 0,00 |
*Valores significativos (p≤0,05) - Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon Legenda: LF = presença de linhas flutuantes; LAD = linhas ascendentes/ descendentes; EI = espaço irregular entre as palavras; LR = letras retocadas; CAA = curvaturas a angulações das arcadas dos M, N, U, V; PJ = pontos de junção; CA = colisões e aderências; MB = movimentos bruscos; ID = irregularidade de dimensões; MF = más formas
De acordo com os resultados descritos nas tabelas anteriores, foi possível realizar a comparação entre a classificação dos escolares dos grupos GI e GII, em relação à presença ou ausência de disgrafia em situação de pré e pós-testagem, para a Escala de Disgrafia, através da aplicação do Teste de McNemar (Tabela 3).
Tabela 3. Comparação entre a classificação dos escolares dos grupos I e II quanto à presença e à ausência de disgrafia na pré e pós-testagem
Grupo | Dpré | Dpós | Total | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 1 | 2 | |||
GI | 8 | 2 | 4 | 6 | 10 | 0,219 |
80,00% | 20,00% | 40,00% | 60,00% | 100,00% | ||
GII | 3 | 7 | 0 | 10 | 10 | 0,083 |
30,00% | 70,00% | 0,00% | 100,00% | 100,00% | ||
Total | 11 | 9 | 4 | 16 | 20 | 0,039* |
55,00% | 45,00% | 20,00% | 80,00% | 100,00% |
*Valores significativos (p≤0,05) - Teste de McNemar Legenda:Dpré = disgrafia pré-testagem; Dpós = disgrafia pós-testagem; 1 = presença de disgrafia; 2 = ausência de disgrafia; GI = Grupo I; GII = Grupo II
Foi possível verificar que houve diferença em relação à classificação dos escolares dos grupos GI e GII para a Escala de Disgrafia, indicando que os escolares, após serem submetidos ao programa de intervenção viso-motora, apresentaram melhora na qualidade da escrita.
Para a análise do desempenho dos grupos GI e GII no TVPS3( 19 ), foi utilizado o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.
Comparando as médias entre a pré e a pós-testagem dos escolares do GI, houve diferença para as habilidades de discriminação visual, memória visual, relação viso-espacial, constância de forma, memória sequencial visual, figura-fundo visual e closura visual, na comparação entre a pré e pós-testagem (Tabela 4).
Tabela 4. Distribuição da média, do desvio padrão e do valor de p referente aos desempenhos dos escolares do Grupo I em situação de pré e pós-testagem no Teste de Habilidades Perceptivas Visuais (TVPS-3)
Variáveis | n | Média | Desvio padrão | Valor de p |
---|---|---|---|---|
DVpré | 10 | 5,90 | 3,07 | 0,008* |
DVpós | 10 | 10,40 | 3,44 | |
MVpré | 10 | 6,60 | 3,50 | 0,007* |
MVpós | 10 | 9,70 | 2,98 | |
REpré | 10 | 8,70 | 4,55 | 0,007* |
REpós | 10 | 14,40 | 2,59 | |
CFpré | 10 | 7,80 | 4,26 | 0,005* |
CFpós | 10 | 11,20 | 4,26 | |
MSpré | 10 | 8,00 | 3,40 | 0,020* |
MSpós | 10 | 10,40 | 1,90 | |
FFpré | 10 | 6,30 | 3,09 | 0,043* |
FFpós | 10 | 9,40 | 3,78 | |
CVpré | 10 | 5,60 | 3,75 | 0,005* |
CVpós | 10 | 10,80 | 2,82 |
*Valores significativos (p≤0,05) - Postos Sinalizados de Wilcoxon Legenda: DV = discriminação visual; pré = pré-testagem; pós = pós-testagem; MV = memória visual; RE = relação viso-espacial; CF = constância de forma; MS = memória sequencial visual; FF = figura-fundo visual; CV = closura visual
Nota-se que a média de acertos em situação de pós-testagem foi superior em relação à pré-testagem, evidenciando que os escolares com dislexia do desenvolvimento beneficiaram-se com o programa de intervenção percepto-viso-motor.
Comparando as médias entre a pré e a pós-testagem dos escolares do GII, houve diferença para as habilidades de memória visual, constância de forma, figura-fundo visual e closura visual (Tabela 5).
Tabela 5. Resultados dos desempenhos dos escolares do Grupo II em situação de pré e pós-testagem em relação ao Teste de Habilidades Perceptivas Visuais (TVPS-3)
Variáveis | n | Média | Desvio padrão | Valor de p |
---|---|---|---|---|
DVpré | 10 | 8,20 | 3,39 | 0,137 |
DVpós | 10 | 10,40 | 2,80 | |
MVpré | 10 | 7,80 | 4,32 | 0,042* |
MVpós | 10 | 11,60 | 3,84 | |
REpré | 10 | 11,90 | 4,23 | 0,765 |
REpós | 10 | 12,30 | 5,25 | |
CFpré | 10 | 7,40 | 3,06 | 0,024* |
CFpós | 10 | 11,30 | 4,64 | |
MSpré | 10 | 9,80 | 2,44 | 0,106 |
MSpós | 10 | 11,00 | 3,02 | |
FFpré | 10 | 8,30 | 2,98 | 0,007* |
FFpós | 10 | 12,30 | 4,08 | |
CVpré | 10 | 9,80 | 3,97 | 0,049* |
CVpós | 10 | 12,70 | 1,83 |
*Valores significativos (p≤0,05) - Postos Sinalizados de Wilcoxon Legenda: DV = discriminação visual; pré = pré-testagem; pós = pós-testagem; MV = memória visual; RE = relação viso-espacial; CF = constância de forma; MS = memória sequencial visual; FF = figura-fundo visual; CV = closura visual
Nota-se que a média de acertos em situação de pós-testagem foi superior em relação à pré-testagem, evidenciando que os escolares com bom desempenho acadêmico apresentaram melhora nas habilidades visuais, após serem submetidos ao programa de intervenção viso-motor (Tabela 5).
Os resultados obtidos pelos escolares com dislexia deste estudo apresentaram maior número de alterações na grafia em relação aos escolares com bom desempenho acadêmico nos subi-tens da Escala de Disgrafia( 20 ), o que corrobora a literatura( 13 , 14 ).
A presença de disgrafia em escolares com dislexia tem sido relatada na literatura e, geralmente, os autores referem que nesses escolares são encontradas alterações de traçado de letra em tarefas de cópia(25) e destreza manual( 26 ). De acordo com a literatura( 23 ), problemas no controle motor fino e/ou baixa habilidade perceptiva podem prejudicar o desempenho em tarefas de leitura, escrita e aritmética, afetando o aprendizado da criança na sala de aula, além da interferência em suas conquistas, motivações e autoestima.
Os dados descritos levam à reflexão de que a escrita disgráfica não é uma característica exclusiva de escolares com dislexia do desenvolvimento, visto que as alterações no traçado da escrita estão presentes nos dois grupos. Esse dado está de acordo com a literatura nacional( 13 , 27 ) e internacional( 28 ), as quais referiram que de 10 a 34% das crianças em idade escolar não conseguem desenvolver de forma eficiente a escrita e o desenvolvimento acadêmico, fato que pode ser justificado pela falta de investimentos da escola em atividades que envolvam experiências motoras finas e globais( 29 ).
Ao analisar o desempenho dos escolares nas duas situações de avaliação, verificou-se um aumento do número de escolares que não apresentaram disgrafia na pós-testagem, indicando que um programa especificamente desenvolvido para a intervenção com as habilidades de percepção viso-motoras proporcionou uma situação favorável e rica em materiais escritos e com interações com as práticas de escrita, o que pareceu influenciar positivamente o desenvolvimento da escrita manual.
Em relação aos subitens avaliados na Escala de Disgrafia( 20 ), os escolares com dislexia apresentaram dificuldades nos seguintes critérios: linhas ascendentes/descendentes, espaço irregular entre as palavras, curvaturas a angulações das arcadas dos M, N, U, V, pontos de junção, colisões e aderências, irregularidade de dimensões e más formas, o que corrobora o estudo feito por Caraciki( 30 ), que descreve essas características como sendo as principais manifestações do quadro de disgrafia.
Na avaliação das habilidades de percepção visual, realizada por meio da aplicação do TVPS-3( 19 ), identificou-se neste estudo que os escolares com bom desempenho acadêmico obtiveram desempenho superior em relação aos escolares com dislexia, o que corrobora a literatura atual( 19 ). De acordo com a literatura( 11 , 14 ), a presença de alterações motoras e viso-motoras encontradas em escolares com dislexia é justificada devido ao aumento da vulnerabilidade do trabalho neural, responsável pela integração sensório-motora da informação. Tal justificativa pode ser utilizada para esclarecer o desempenho inferior dos escolares com dislexia em relação ao grupo com bom desempenho acadêmico.
Quanto à comparação nas situações de pré e pós-testagem do desempenho nas habilidades visuais, verificou-se que os escolares com dislexia apresentaram melhor desempenho na pós-testagem, em todas as habilidades avaliadas no TVPS-3( 25 ), enquanto que os escolares com bom desempenho acadêmico apresentaram melhora apenas nas habilidades de memória visual, constância de forma, figura-fundo visual e closura visual. Isso demonstra a importância da realização de programas de intervenção elaborados especificamente para o trabalho com habilidades percepto-viso-motoras, pois esses podem ser utilizados para melhorar as habilidades visuais dessa população no contexto clínico e educacional( 13 ).
Concluímos também que a escassez de estudos nessa temática foi uma limitação desta pesquisa, pois não foi possível realizar uma comparação mais aprofundada e completa dos resultados obtidos com outros estudos. Dessa forma, será relevante que ocorra a continuidade de estudos com o uso do programa de intervenção com as habilidades percepto-viso-motoras, para que novos achados possam ser evidenciados, discutidos e comparados com os resultados encontrados na população de disléxicos deste estudo.
Além disso, há uma limitação neste estudo comum aos estudos realizados com escolares com dislexia na realidade brasileira, que é a dificuldade de conduzir estudos com uma amostra populacional com idades cronológicas próximas, uma vez que tal população procura tardiamente os serviços públicos de diagnóstico e de intervenção.
Com base no exposto, este estudo teve como objetivo verificar a eficácia de um programa de intervenção com habilidades percepto-viso-motoras para escolares com dislexia.
Concluímos que o uso do programa de intervenção com as habilidades percepto-viso-motoras apresentou efeitos positivos, pois promoveu mudanças qualitativas relevantes no traçado da escrita dos escolares deste estudo.
Para os escolares com dislexia, foi evidenciado desempenho superior na pós-testagem de todas as habilidades visuais de discriminação; memória; relação viso-espacial; constância de forma; memória sequencial visual; figura-fundo visual e closura visual, além de melhor desempenho na qualidade da escrita, pois diminuiu a ocorrência de linhas flutuantes; letras retocadas; colisão e aderência e movimentos bruscos - enquanto que, para os escolares com bom desempenho acadêmico, ocorreu desempenho superior após a realização do programa de intervenção em apenas quatro habilidades visuais, ou seja, em memória visual, constância de forma, figura-fundo visual e closura visual. Em relação à qualidade da escrita, esses escolares apresentaram melhora nos aspectos de linhas flutuantes e letras retocadas.
Portanto, tanto os escolares com dislexia como aqueles com bom desempenho acadêmico submetidos ao programa de intervenção apresentaram desempenho superior em situação de pós-testagem quando comparados à situação de pré-testagem, sendo que, para os escolares com dislexia, o impacto do programa de intervenção ocorreu em todas as habilidades visuais e na melhora do traçado de escrita.
O fato de os escolares com bom desempenho acadêmico terem apresentado melhora em habilidades visuais e traçado de letra apenas reforça a necessidade de implementação do uso de estratégias que estimulem a percepção viso-motora no contexto de sala de aula, sendo essa uma das importantes orientações que devem ser realizadas por fonoaudiólogos aos profissionais que atuam diretamente em intervenção clínica com escolares disléxicos ou com escolares com dificuldades de aprendizagem.