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Eficácia de um programa público de promoção de saúde bucal em crianças

Eficácia de um programa público de promoção de saúde bucal em crianças

Autores:

Ana Paula S. Alves,
Rise C.I.C. Rank,
Joana Estela R. Vilela,
Marcos S. Rank,
Wataro N. Ogawa,
Omar F. Molina

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.94 no.5 Porto Alegre set./out. 2018

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2017.07.012

Introdução

A saúde bucal faz parte da saúde geral e deve ser acessível a todas as pessoas, independentemente de idade, etnia, crença, cor, sexo ou situação socioeconômica.1 A odontologia procurou mudar a abordagem curativa dos problemas bucais para um trabalho mais amplo que vise a conhecer e atingir os fatores determinantes do processo saúde-doença. Essas mudanças promovem conscientização da manutenção da saúde com medidas e estratégias para que a assistência odontológica seja iniciada precocemente, evita e/ou reduz, assim, as sequelas dos principais problemas que afetam a saúde bucal da população.2 A odontologia para bebês tem ganhado boa atenção em todo o mundo e se tornou uma opção na prevenção e no controle de doenças bucais na primeira infância.3

A primeira infância é um período fundamental no desenvolvimento psicossocial do indivíduo e a promoção de saúde bucal para crianças abaixo de cinco anos é essencial para manter a saúde e o desenvolvimento adequado da digestão, fonação e respiração.1 A idade da primeira visita preventiva ao dentista tem um efeito positivo e significativo sobre as despesas com a saúde bucal, com menores custos para crianças que receberam tratamento preventivo precoce.4

Um estudo local5 demonstrou a alta demanda nesse município por assistência odontológica em crianças entre 2-5 anos com presença de dor e sequelas com doenças bucais. Um programa público de Promoção de Saúde Bucal em Crianças (PSBC), chamado Boquinha do Bebê, foi implantado em 2010 na cidade de Gurupi, Estado do Tocantins, Região Norte do Brasil, em parceria com a Prefeitura e o Centro Universitário UnirG (Centro Universitário de Gurupi). Esse programa trabalha da gestação até que a criança atinja cinco anos. Os profissionais fizeram o tratamento de crianças edêntulas e todas elas receberam exame clínico, limpeza bucal e controle trimestral. O projeto também orientou as mães com relação à dieta e elas receberam um cartão de retorno. Os profissionais acompanharam a erupção dentária e a estabilização de oclusão das crianças e as monitoraram até os cinco anos e, caso houvesse alguma mudança durante esse período, a equipe intervinha de acordo com as orientações dentárias da Academia Americana de Odontopediatria.6

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do programa de prevenção e promoção Boquinha do Bebê com assistência odontológica precoce, a fim de prevenir doenças bucais (cáries, gengivite ou má oclusões) em crianças atendidas desde 2010.

Métodos

Em estudo transversal e de coorte feito na região da Amazônia Legal, que abrange a microrregião da Ilha do Bananal, no escopo da rede de saúde pública de Gurupi (TO), com 1.836.091 quilômetros quadrados e 76.755 habitantes, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos do Centro Universitário UnirG, sob o número de protocolo 19895713.0.0000.5518.

Critérios de inclusão e exclusão

Crianças com de 36 a 60 meses foram aceitas em todos os grupos, ambos os sexos e frequentadores das 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município. A idade de três a cinco anos foi selecionada para possibilitar avaliação do efeito das atividades feitas por esse programa de saúde bucal, então foi estipulado que o estudo atingiu os resultados do programa com uma frequência mínima de 30 meses para G1 e 12 meses para G2.

Em 2015, dos 1.303 inscritos no programa com até seis meses no período de 2010 a 2014, 423 crianças (52%) abandonaram o programa após a primeira consulta, 171 (21%) após a segunda e 89 (11%) após a terceira e as outras desistências ocorreram após a quarta. Assim, durante o período do estudo de 2015, houve 488 registros devidamente finalizados de crianças até cinco anos que participaram efetivamente do programa.

Para obter homogeneidade da quantidade de amostra nesses grupos, o número estabelecido foi a quantidade do Grupo 1.

Grupo 1 (G1): Da amostra de 488 crianças até cinco anos, que participaram regularmente do PSBC, as crianças escolhidas para o estudo de coorte foram as com frequência semestral e que participaram do programa a partir do nascimento (até três meses). Essa amostra consistiu em 106 crianças de três a cinco anos, com um cálculo de amostra com possibilidade de erro de 5% e nível de confiança de 95%.

No Grupo 2 (G2) foram incluídas as crianças que participaram do programa a partir do nascimento (até três meses) por no mínimo 18 meses e abandonaram o programa por mais de 24 meses. Foram obtidos 145 registros telefônicos, nos quais 84 foram aleatoriamente convidados a participar do estudo.

O Grupo 3 (G3) consistiu em um número semelhante de crianças com demanda espontânea que buscaram vacinação nas UBS e que nunca haviam participado de programa de promoção de saúde bucal.

Os critérios de exclusão foram registros incompletos para o G1, falta de contato telefônico ou caso a criança tenha migrado para outro programa de prevenção para o G2 e se essas crianças não morassem na região estudada para o G3.

Foram avaliadas 252 crianças entre três e cinco anos de fevereiro de 2015 a março de 2016. As crianças do G1 e G2 foram selecionadas aleatoriamente por sorteio. As crianças do G1 foram atendidas nas consultas de rotina, as do G2 foram atendidas na clínica de saúde por meio de agendamento telefônico, na data e horário estabelecidos, e as do G3 foram selecionadas ao procurar as UBS para vacinação. No acompanhamento, três crianças do G1 foram excluídas por deixar de comparecer às consultas regulares, porém três foram selecionadas, permaneceu, assim, o número de 84 participantes. No G2, 14 crianças não compareceram à consulta e foram feitas novas inclusões até atingir o número de 84. No G3, as primeiras 84 autorizações de exames foram atingidas para o estudo, com uma visita semanal para cada uma das dez UBS.

Os responsáveis legais receberam esclarecimento sobre a metodologia e os objetivos da pesquisa, com direito a não participar sem prejuízo da assistência odontológica. Além disso, o responsável assinou um termo de concordância com a participação da criança na pesquisa.

Todos os exames e entrevistas foram feitos em uma sala adequada das UBS destinada para assistência às crianças do programa. A pesquisa foi dividida em dois estágios, o primeiro consistiu em uma entrevista com as mães, com 12 perguntas fechadas sobre seu conhecimento e suas atitudes com relação à saúde bucal da criança. Pedimos às mães que fornecessem informações sobre idade, renda familiar, escolaridade, trabalho, estado civil, número de filhos e conhecimento sobre a saúde bucal da criança. Perguntamos à criança sobre hábitos, higiene bucal e também a frequência do programa. A equipe do programa forneceu a todas as mães, durante a entrevista, uma orientação e reforço dos aspectos necessários com relação à faixa etária da criança. As crianças do G2 e G3 com algumas alterações bucais (cáries, doença periodontal ou má oclusões) detectadas durante o estudo foram encaminhadas para o serviço de odontopediatria na UBS.

No segundo estágio, a criança foi submetida a exame clínico da cavidade oral por um único examinador. Todos os exames foram feitos por um examinador treinado e qualificado, previamente calibrado (índice de concordância Kappa = 0,86); 10% da amostra total foram reexaminados durante a coleta de dados (Kappa = 0,89). Esse examinador foi responsável por todos os exames das crianças no consultório odontológico, que, após escovação e sob a luz do refletor, usou instrumentos como sonda periodontal, espelho dental e gaze.

As cáries dentárias foram registradas com base nos critérios de pesquisa de saúde bucal da Organização Mundial de Saúde (OMS)7 e nos métodos que usam o índice de dentes cariados, extraídos e obturados (DCEO) da dentição decídua. Os valores DCEO acima de 6,5 apresentam uma prevalência muito alta; os valores entre 45 e 6,5 demonstram alta prevalência; os valores entre 2,7 e 4,4 indicam nível moderado de cárie; os valores entre 1,2 e 2,6 indicam baixa prevalência; e os valores abaixo de 1,2 refletem prevalência muito baixa.

O indicador usado para medir alterações na mucosa gengival foi o Índice Gengival Modificado (IGM) proposto por Lobene et al.,8 com os valores dos critérios de observação: 0 - ausência de inflamação; 1 - inflamação leve: quando observada pequena mudança de cor e leves alterações na textura de qualquer parte da gengiva marginal e papila gengival; 2 - inflamação leve: os critérios acima, porém envolvem completamente ou quase toda a parte da gengiva marginal e a papila gengival; 3 - inflamação moderada: gengiva marginal e papilas gengivais brilhantes, avermelhadas, inchadas e/ou hipertróficas; 4 - inflamação grave: vermelhidão, edema e/ou hipertrofia da gengiva marginal ou papilas gengivais, sangramento espontâneo, congestão e/ou ulcerações.

Foram feitos testes para detectar sinais de má oclusão, como overjet, overbite e mordida cruzada.9Overjet foi analisado ao medir a proporção horizontal entre os incisivos superiores e inferiores com os dentes em oclusão. A distância entre a borda incisal dos incisivos superiores proeminentes e a face vestibular do inciso inferior correspondente foi medida com a sonda periodontal paralela ao plano oclusal. A distância foi considerada: normal para valores de até 3 mm; overjet para valores acima de 3 mm; e mordida cruzada anterior quando os incisivos estavam em distância de oclusão negativa da borda incisiva inferior do vestíbulo à borda incisal superior. Overbite foi medido pela distância vertical entre as bordas dos incisivos centrais superiores e inferiores com os dentes em oclusão. A distância foi considerada normal quando os incisivos superiores cobriram até 3 mm dos inferiores; e overbite para valores acima de 3 mm; e mordida aberta quando não houve sobreposição entre os incisivos superiores e inferiores com um espaço mínimo de 1 mm entre as duas bordas incisais. Foi considerado mordida cruzada posterior quando, em oclusão, os cúspides vestibulares dos molares inferiores estão deslocados da boca nos cúspides vestibulares dos molares maxilares. Foi considerado somente sua presença ou ausência, independentemente do lado.

Os dados clínicos e as informações obtidos por meio dos questionários foram descritos e as variáveis foram submetidas ao teste exato de Fisher e teste qui-quadrado (p < 0,05).

Resultados

O perfil familiar dessas crianças que apresentaram renda familiar de um a dois salários mínimos e a idade dos grupos avaliados com a média e desvio-padrão corresponderam a G1 (3,662 ± 0,753), G2 (3,698 ± 0,711) e G3 (3,714 ± 0,744). No nível de escolaridade das mães, em todos os grupos, prevaleceu o ensino médio completo.

Ao analisar os componentes percentuais do programa na tabela 1, constatamos que houve relevância estatística nos grupos, independentemente de parceiros, e no G1 e G2 a maioria era casada. O número de crianças para cada mãe foi de duas no G1, uma no G2 e três ou mais no G3 e essa diferença foi significativa entre os grupos.

Tabela 1 Distribuição em número e percentual do perfil da amostra (mães e crianças) 

G1 G2 G3 Total Valor de p
Crianças
Idade 3,66 ± 0,75 3,69 ± 0,71 3,71 ± 0,74 0,06
Sexo n % n % n % n %
Feminino 33 39,2 41 48,8 48 57,1 122 48,4
Masculino 51 60,8 43 51,2 36 42,9 130 51,6
Mães
Idade 29 ± 6,26 22 ± 4,06 20,5 ± 3,95 0,001a
Estado civil n % n % n % n %
Casada 59 70,2 57 67,8 38 45,3 154 61,1
Solteira 25 29,8 27 32,2 46 54,7 98 38,8
Número de filhos
1 29 34,5 33 39,2 17 20,3 79 31,3 < 0,001a
2 42 50 26 30,9 29 34,5 97 38,4
> 3 13 15,5 25 29,9 38 45,2 76 30,3
Total 84 100 84 100 84 100 252 100

aTeste qui-quadrado com nível de significância de p < 0,05.

Na tabela 2, apesar de várias mães terem relatado não terem recebido informações sobre saúde bucal no acompanhamento pré-natal, as mães no G3 praticamente não tinham informações e isso foi significativo entre os grupos.

Tabela 2 Distribuição em número e percentual de percepções e conhecimento das mães sobre o cuidado com a saúde bucal na primeira infância em todos os grupos 

Perguntas Resposta G1 G2 G3 Valor de p
n % n % n %
Você recebeu alguma informação sobre a saúde bucal de seu bebê durante a gravidez? Sim 25 30% 37 44% 14 7% < 0,001a
Não 58 70% 43 52% 70 83%
Até que idade seu filho foi amamentado? > 6 meses 16 18% 4 5% 10 12% 0,021a
6 meses 5 6% 7 8% 8 9%
< 6 meses 58 70% 73 87% 61 72%
Nunca 5 6% 0 0% 5 7%
Seu filho toma mamadeira? Nunca 51 60% 25 31% 27 32% < 0,001a
>1 ano e parou 21 25% 38 45% 29 34%
Sempre 12 15% 20 24% 28 34%
Seu filho chupa chupeta ou dedo? Não 78 92% 76 90% 64 76% 0,002a
Sim: Dedo 1 2% 1 2% 7 8%
Sim: Chupeta 5 6% 7 8% 13 16%
Quantas vezes ao dia você escova os dentes de seu filho? 1 vez 4 5% 14 16% 20 24% 9,87
2 vezes 34 40% 40 48% 51 60%
> 3 vezes 46 55% 18 36% 13 16%
Não respondeu 1 2% 1 2%
Você usa pasta? Sim: pasta de dente com fluoreto 76 90% 80 95% 68 81% 7,64
Sim: pasta de dente sem fluoreto 7 8% 4 5% 14 19%

aTeste qui-quadrado com nível de significância de p < 0,05.

As mães no G1 e G2 inscreveram seus filhos no programa de prevenção, ao passo que as mães no G3 pretendiam levá-los ao dentista somente quando houvesse necessidade de tratamento, cáries ou dor. O abandono ao programa pelo G2 foi justificado, na maioria (54%), pelo esquecimento do horário da consulta na UBS e 25% das mães disseram que não poderiam participar devido ao fato de terem começado a trabalhar.

Com relação ao conhecimento das mães sobre a pergunta "quando a criança deve consultar um dentista pela primeira vez?", o grupo de mães no G1 (69%) e no G2 (74%) respondeu "antes da erupção do primeiro dente" e no G3 (49%) elas responderam "após a erupção do primeiro dente" (29%) e "quando a criança apresentar algum desconforto ou dor".

O índice de dentes cariados, extraídos e obturados (DCEO) da OMS apresenta diferentes dados nos grupos, G1 0,05, G2 1,96 e G3 3,3.

Com relação às caries (tabela 3), houve uma relação linear entre as variáveis, caso em que todos os grupos apresentaram diferença significativa. Para gengivite, não houve diferença significativa ao comparar G1 e G2, porém houve diferença significativa entre G1 e G3. Nas oclusões, houve relação estatisticamente significativa entre os três grupos com relação à falta de frequência no programa e à presença de má oclusão das crianças. No G2 e G3, houve aumento da prevalência dessas mudanças, pois houve participação parcial ou não houve participação no programa.

Tabela 3 Apresentação dos dados analisados ao comparar grupo a grupo 

Dados analisados n % RR IC de 95% Valor de p
Cárie G1x G2 50 (30%) 0,149 0,064- 0,346 < 0,001a
G1x G3 64 (38%) 0,102 0,044- 0,24 < 0,001a
G2x G3 104(62%) 0,71 0,528- 0,953 0,038a
Gengivite G1x G2 22(13%) 0,603 0,321- 1,134 0,107
G1x G3 41(24%) 0,281 0,141- 0,561 < 0,001a
G2x G3 49(29%) 0,528 0,337- 0,826 0,002a
Má oclusão G1x G2 43(26%) 0,849 0,583- 1,237 0,47
G1x G3 61(36%) 0,512 0,342- 0,767 < 0,004a
G2 x G3 66(39%) 0,618 0,432- 0,884 0,007a
Hábitos G1x G2 102(61%) 0,534 0,396- 0,72 < 0,001a
G1x G3 106(63%) 0,483 0,36- 0,648 < 0,001a
G2x G3 132(79%) 0,872 0,62- 1,227 0,57
Higiene G1x G2 64(38%) 1,967 1,463- 2,645 < 0,001a
G1x G3 59(35%) 2,236 1,673- 2,99 < 0,001a
G2x G3 31(18%) 1,205 0,852- 1,70 0,42

IC de 95%, intervalo de confiança; RR, risco relativo.

aTeste exato de Fisher com nível de significância p < 0,05.

Das má oclusões, a mais prevalente nos grupos foi mordida aberta, seguida de mordida cruzada anterior e posterior, caso em que o grupo que nunca participou do programa (G3) apresentou uma diferença estatística nessa alteração bucal tanto quanto no G1.

Não foi encontrada diferença entre G2 e G3 com relação à higiene e aos hábitos.

Discussão

Os programas de cuidados infantis são mais efetivos do que a demanda espontânea, atingem a meta de manter a saúde bucal na população infantil, porém para provar o sucesso e a eficácia de um programa os resultados atingidos devem ser avaliados clinicamente após certo período.10 Portanto, esse projeto foi avaliado a fim de conhecer o perfil da comunidade participante, obter um diagnóstico a partir dos resultados obtidos, identificar os principais obstáculos que interferiram no programa e buscar soluções para atingir o objetivo da proposta na saúde primária.

Muitos autores11-13 concordam com a implantação de programas preventivos para neonatos, pois afirmam que a educação bucal transmitida para os responsáveis pelas crianças obteve grandes benefícios. As informações sobre cuidados de saúde bucal devem ser transmitidas às mães ainda em sua gestação para aumentar seu conhecimento sobre os cuidados na gestação, suas implicações gerais e bucais e para evitar problemas que podem ocorrer nas mães e nas crianças futuramente.14 As grávidas, quando recebem essas informações, promovem a saúde na família, bem como se tornam agentes multiplicadores na educação da saúde bucal. Durante o período gestacional, o sistema emocional das mulheres é mais sensível, torna-as mais receptivas, uma fase ideal para implantar novas ideias e conceitos com relação à saúde bucal.15 Este estudo constatou que as crianças que participaram do programa e as mulheres que receberam informações pertinentes desde a gravidez tiveram muito menos doenças bucais do que as que nunca participaram.

Em nosso estudo, o estado civil dos pais foi significativo, as mães no G3 tinham mais filhos e tinham 10 anos a menos do que as mães no G1. Segundo Moimaz et al.,16 a presença de crianças com cáries e o histórico materno de cáries foram associados à educação dessas mulheres, à baixa situação econômica familiar e às visitas ao dentista. Contudo, o estado civil dos pais não foi significativo (0,695), porém o número de filhos na casa com relação a cáries dentárias foi fortemente significativo (p < 0,0001).

Apesar de as mães no G1 e G2 terem recebido um cartão com a participação no programa e as informações sobre a data de retorno agendada, muitas ainda abandonaram o programa (G2). Essas mães alegaram vários motivos que as levaram a não comparecer às consultas, desde falta de tempo e retorno ao trabalho a esquecimento. Quando elas acreditam que está tudo bem nas primeiras visitas ao dentista, elas começam a procurar profissionais da saúde somente quando a doença se manifesta, demonstram a dificuldade de aceitar novos paradigmas na promoção e manutenção da saúde.17 O perfil das mães pode interferir na participação e colaboração de ações preventivas, considerando a condição socioeconômica,18 a idade das mães, o número de filhos e a presença de um parceiro.19

Há uma associação significativa entre consumo de sacarose e prevalência de cáries em crianças.20 Sabe-se que a abordagem da mulher grávida e do bebê, mesmo nos primeiros meses de vida, é extremamente importante para introdução de métodos alimentares educacionais e preventivos, possibilita maior envolvimento dos pais na amamentação, dieta sólida e líquida após seis meses de vida e motivação da higiene bucal dos neonatos. As doenças bucais relacionadas ao tipo de dieta da criança devem ser direcionadas aos responsáveis.21

Apesar de as crianças não conseguirem cuidar de sua higiene bucal até os cinco anos, a maior parte das mães no G3 permitiu que a criança fizesse higiene bucal. Em um estudo em que as mães (71%) relataram ter consciência da necessidade de escovação diária supervisionada, mas apenas 40% delas ajudam seus filhos, ou seja, quando entrevistadas, elas parecem reconhecer a importância da higiene bucal e mostraram conhecimento ao responder corretamente.22 O índice de cáries e a gengivite observados no G2 e G3 indicam que essa abordagem epidemiológica com um questionário nem sempre mostra a realidade dos hábitos e atitudes das famílias, que normalmente mostram apenas o conhecimento teórico dos problemas.

No Brasil, um estudo epidemiológico feito em 2010 mostrou uma redução de 13,6% na má oclusão aos 12 anos. Apesar de haver uma queda na prevalência de oclusões nessa idade, essa alteração oclusal ainda pode ser considerada um problema de saúde pública.23 Neste estudo, o resultado de má oclusão do G1 não foi tão alto quanto o esperado, porém dois fatores importantes, a herança genética da criança e os hábitos bucais persistentes, devem ser considerados. O fator genético pode ser atenuado, evita-se o uso de hábitos prejudiciais que podem estimular maiores deformidades e sequelas nessa criança.24 A mordida aberta foi a oclusão mais prevalente nos grupos deste estudo, que, apesar de conhecerem os possíveis fatores etiológicos genéticos presentes na criança, também pode ter sido adquirida pelos hábitos não nutricionais de chupeta e chupar dedo.

Mesmo para crianças do G1 e G2 que participaram até seis meses, algumas tinham hábitos de sucção, como mamadeira e chupeta, e quando a criança tinha quaisquer desses hábitos a equipe do programa trabalhou para removê-los. O hábito de sucção não nutritiva por chupeta entre os hábitos dos neonatos foi o mais frequente neste estudo. Chupar chupeta é um hábito prejudicial para a oclusão e os ossos do maxilar, causa desequilíbrio ao aparelho estomatognático.25 Um grande obstáculo para o sucesso do programa de prevenção foi a falta de comprometimento das famílias com as orientações, pois, além da inserção cada vez mais precoce de hábitos inapropriados que levaram a doenças bucais, a falta de presença nas consultas pode comprometer o controle e o incentivo de orientação pela equipe.26

As cáries dentárias são uma doença multifatorial que envolve a estrutura dentária, disbiose de biofilmes aderida à superfície dos dentes e carboidratos da dieta, podem resultar na dissolução do mineral dos dentes.27 Contudo, a simples remoção de microrganismos não é suficiente para administrar a progressão de uma lesão de cárie, é necessário controlar os fatores etiológicos. Já algumas estratégias se mostraram eficazes na redução da incidência de cáries em crianças, como orientação da adoção precoce de práticas alimentares saudáveis, escovação diária com concentração de 1000 ppm da pasta de dente de flúor.28 Em um estudo de crianças até cinco anos, 40% delas (589/1487) apresentaram cáries dentárias e a prevalência mais alta de cáries e gravidade ocorreu entre um e dois anos.8 As cáries atingem um número maior de crianças devido a hábitos alimentares inadequados (alto consumo de açúcar) e pouca higiene bucal.28

Os dados desta pesquisa demonstraram que o programa preventivo foi eficiente na prevenção de cáries, mesmo nas crianças que não continuaram no programa de prevenção, em comparação com as que nunca participaram. De acordo com a classificação de saúde bucal da Organização Mundial de Saúde (OMS),7 o índice DCEO neste estudo foi considerado muito baixo no G1, pouca incidência no G2 e incidência média no G3. Isso demonstra que o programa foi efetivo no controle de cáries nos primeiros cinco anos da criança.

O estudo demonstrou que as crianças mais protegidas contra cáries e doenças periodontais são as que participam efetivamente do programa (G1). Aquelas que receberam orientação, porém deixaram o programa (G2), não conseguiram prevenir doenças bucais. Assim, as visitas regulares ao dentista reforçam e motivam os procedimentos de prevenção corretos e, consequentemente, reduzem as doenças bucais.16

Segundo Lee et al.,29 as primeiras visitas desse programa focam em higiene bucal na criança; orientação alimentar; informações sobre hábitos bucais e prevenção de doenças dentárias, que levam a redução dos custos dentários. Nesse sentido, é necessário que as políticas públicas avaliem periodicamente seus programas de saúde, com estudos longitudinais, busquem amostras ideais e as tornem importante indicadores de promoção de saúde. Isso trará um retorno direto para a população estudada, pois possibilita redução nos custos de tratamento e das sequelas dos principais problemas bucais que afetam as crianças. Essas ações atingem resultados positivos e serão reflexos na melhoria da qualidade de vida dessa comunidade.

As crianças entre três e cinco anos que de fato participaram do programa de saúde bucal Boquinha do Bebê apresentaram menor número de cáries, gengivite, oclusão e menos hábitos prejudiciais quando comparadas com as que abandonaram ou nunca participaram do programa. Para promover a saúde bucal das crianças, os pais devem seguir as orientações para adotar hábitos saudáveis o quanto antes.

REFERÊNCIAS

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