versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.38 no.3 São Paulo jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160047
O hiperparatireoidismo secundário (HPTS) continua a ser uma complicação frequente em pacientes com doença renal crônica (DRC), particularmente naqueles em diálise. Conforme a gravidade da DRC progride, há evidências de alterações moleculares irreversíveis na glândula paratireoide que exigem tratamento precoce e apropriado.1,2 Nos últimos anos, grande ênfase tem sido dada não apenas à necessidade de tratamento imediato, mas também de garantir uma resposta rápida ao tratamento: pacientes são classificados como respondedores ou não respondedores ao tratamento com metabólitos e análogos da vitamina D. Além disso, estudos recentes têm demonstrado associação entre distúrbios do metabolismo mineral e piores desfechos, sugerindo que um melhor controle desses parâmetros pode melhorar a mortalidade dos pacientes com DRC.3-5
Estudos experimentais e clínicos sugerem que paricalcitol endovenoso, um ativador seletivo do receptor de vitamina D, pode suprimir a síntese de paratormônio (PTH) no nível da transcrição;6,7 este efeito é obtido com menos impacto sobre os níveis séricos de Ca e P do que os efeitos dos metabólitos não seletivos da vitamina D utilizados até a presente data,8-10 tornando-o uma alternativa útil no tratamento do HPTS.
O objetivo geral do estudo foi avaliar a eficácia e a segurança do paricalcitol endovenoso administrado durante seis meses como parte do manejo clínico convencional, com acompanhamento da resposta ao tratamento e monitorização dos parâmetros biológicos de pacientes com HPTS em diálise virgens de tratamento com metabólitos de vitamina D ou que não responderam às terapias atuais.
Foi realizado um ensaio clínico prospectivo, multicêntrico, aberto, não comparativo, fase 4, comparando o estado clínico e laboratorial de pacientes antes e após seis meses de tratamento com paricalcitol endovenoso entre janeiro de 2008 e setembro de 2009.
O estudo foi realizado no Uruguai e incluiu cinco centros de diálise.
O plano inicial era para recrutar 30 pacientes em hemodiálise (HD) crônica com diagnóstico de HPTS que fossem virgens de tratamento com metabólitos de vitamina D ou que não apresentassem resposta à terapia atual. O consentimento informado foi obtido antes da participação e foi documentado no histórico do paciente de acordo com a regulamentação local.
Os pacientes tinham que ter 18 anos de idade ou mais, HPTS definida por níveis de paratormônio intacto (PTHi) > 300 pg/mL, e estar em hemodiálise crônica; ser virgens de tratamento com metabólitos da vitamina D ou fracasso do tratamento com vitamina D3 definido por níveis séricos de PTH > 300 pg/ml, níveis séricos elevados de Ca (> 11 mg/dL) ou P (≥ 6,5 mg/dL) três meses antes do recrutamento; ou baixa adesão do paciente ao tratamento definida como interrupção do tratamento por conta de efeitos colaterais, gosto desagradável, grande número de comprimidos, ou outros motivos no caso dos produtos orais.
Foram excluídos do estudo pacientes com hiperparatireoidismo grave (níveis de PTHi > 1500 pg/mL); aqueles com hipersensibilidade conhecida e/ou toxicidade por metabólitos da vitamina D e/ou outros ingredientes do produto; indivíduos que participaram de estudo clínico no mês anterior ou que estivessem atualmente matriculados em outro ensaio clínico; sujeitos que não toleram ou não podem tomar quelantes de P que contenham Ca ou alumínio; pacientes grávidas ou amamentando; pessoas com insuficiência hepática grave; e indivíduos com malignidade confirmada.
A eficácia do tratamento foi avaliada pela medição dos níveis séricos de PTHi (pg/mL) para cada paciente, registrada no momento da inclusão (linha de base) e durante as consultas de seguimento. A eficácia do tratamento foi definida como a proporção de pacientes com redução de pelo menos 30% nos níveis de PTHi. As variáveis de segurança incluíram níveis séricos de Ca e P, produto Ca x P, níveis séricos de transaminase glutâmico oxalacética (TGO), níveis séricos de transaminase glutâmico-pirúvica (TGP) e hemograma completo (HC).
Também foram medidos os níveis séricos de ureia e creatinina sérica, de modo a avaliar o tratamento dialítico e os níveis de albumina plasmática. Hipercalcemia foi definida como nível sérico de Ca ≥ 11,5 mg/dL; hiperfosfatemia como nível sérico de P > 7,0 mg/dL; e produto Ca x P elevado como > 70 mg2/dL2.
Em todos os casos os valores de Ca foram corrigidos com base nos níveis de albumina sérica. O uso de quelantes de fosfato também foi registrado e os médicos foram solicitados a registrar o nome dos ingredientes ativos, dosagens e a data de início do tratamento. Características demográficas básicas e dados clínicos (medicações concomitantes, início da DRC, número e tipo de tratamentos anteriores para HPTS, tempo de diálise, índice de massa corporal, frequência cardíaca e pressão arterial) também foram registrados.
Os médicos monitoraram rotineiramente as evidências clínicas e laboratoriais de eventos adversos de cada paciente ao longo do estudo e registraram todas as observações em detalhe, incluindo data de início, descrição, gravidade, evolução, duração e desfecho, relacionamento com o medicamento do estudo, etiologia alternativa para eventos considerados e não relacionadas com o medicamento do estudo, diagnóstico final (quando conhecido) e ações tomadas.
Evento adverso foi definido como qualquer ocorrência clínica desfavorável que, em qualquer dose, tenha resultado no óbito do paciente, em risco de óbito, necessidade de internação hospitalar ou prolongamento da internação, ou deficiência/incapacidade persistente ou significativa.
Os pacientes foram seguidos por um período mínimo de seis meses a partir de sua inclusão no estudo. O período de seguimento e mensurações das variáveis estudadas podem ser resumidos em três fases consecutivas conforme abaixo:
Durante a Fase 0 (pré-inclusão e período de inclusão), as medições de linha basal foram realizadas no início da semana hemodiálise (níveis séricos de PTHi, Ca, P, produto Ca x P, albumina, TGO, TGP, ureia sérica, creatinina sérica e HC). Durante a Fase I (primeiros três meses, incluindo o período de titulação dose), as dosagens de paricalcitol foram tituladas. O período de titulação foi definido como o tempo para atingir a faixa alvo de PTHi (150-300 pg/ml) ou para atingir uma redução de 30% nos níveis de PTHi em relação aos valores iniciais. Assim, a duração do período de titulação pode ser diferente para cada paciente individual. Durante esta fase, PTHi, Ca, P e medições do produto Ca x P foram realizadas da seguinte forma: durante o período de ajuste da dose, Ca, P e produto Ca x P foram medidos semanalmente e os níveis de PTHi a cada duas semanas; após o período de ajuste da dose, Ca, P e produto Ca x P foram medidos a cada duas semanas e os níveis de PTHi mensalmente. HC e medições de ureia sérica, creatinina e albumina foram realizados mensalmente, assim como os níveis de TGO e TGP. Durante a Fase II (últimos três meses), os níveis de Ca, P e produto Ca x P foram medidos em bases mensais, enquanto que os níveis de albumina e PTHi foram medidos no quarto e sexto meses do estudo. Exames de sangue de rotina foram realizados mensalmente.
Todas as amostras de sangue foram colhidas antes do início da sessão de diálise, no começo de cada semana (durante a primeira sessão de diálise), e foram analisadas nas 24 horas seguintes. Um laboratório central qualificado realizou todos os testes laboratoriais. Foi utilizada solução de fosfomolibdato no sistema 300i Alcyon (Abbott Laboratories, North Chicago, Illinois, EUA) para determinar os níveis séricos de P. Os níveis séricos de Ca foram medidos com a técnica Arsenazo III usando o instrumento Alcyon 300i. A medição dos níveis de PTHi foi determinada por ensaios imunoenzimáticos que utilizam o sistema IMMULITE 2000 (Siemens Healthcare, Malvern, Pensilvânia, EUA).
O protocolo permitiu a prescrição de quelantes de fosfato que contivessem ou não Ca ou alumínio ao longo do estudo, conforme necessário, com quantificação do uso de quelantes de fosfato. Interrupção do tratamento foi definida da seguinte forma: decisão voluntária do paciente de abandonar o estudo; ocorrência de evento adverso grave ou não grave que tenha levado a suspensão do tratamento; paciente precisou de tratamento incompatível com a injeção de paricalcitol (por exemplo, compostos de fosfato, compostos relacionados com a vitamina D ou varfarina); paciente necessitou de outro tratamento que pudesse afetar sua permanência no estudo; ou qualquer outra situação que, na opinião do médico, tornou aconselhável a remoção do paciente do estudo (por exemplo, incapacidade do paciente de seguir as instruções médicas). Os dados foram coletados por meio de fichas clínicas preenchidas pelo médico, e todos os dados foram inseridos em um banco de dados eletrônico para fins de análise estatística.
A equipe clínica dos centros participantes proporcionou acesso direto aos dados originais (incluindo o histórico dos pacientes e prontuários) para que os supervisores do estudo verificassem e efetuassem as correções necessárias sobre os dados das fichas clínicas. Em cada visita, os supervisores verificavam os documentos originais e garantiam que os investigadores realizassem o estudo de acordo com o protocolo e em conformidade com todas as disposições pertinentes.
O paricalcitol endovenoso foi administrado segundo as regulamentações uruguaias para a prescrição de medicamentos e o protocolo do estudo. A dosagem inicial para todos os pacientes variou entre 0,04 e 0,1 µg/kg e foi ajustada segundo os níveis de PTHi de cada individuo ao início do estudo da seguinte forma: 0,04 µg/kg se o PTHi estivesse em níveis entre 300 e 500 pg/mL; 0,07 µg/kg se o PTHi estivesse entre 500 e 800 pg/mL; e 0,1 µg/kg se o PTHi estivesse em níveis > 800 pg/mL. As doses de paricalcitol foram administradas por meio de injeção em bolus durante a HD, não mais do que uma vez a cada dois dias.
Na ausência de resposta satisfatória, a dose foi aumentada em 2-4 ug em intervalos de duas a quatro semanas, com base na avaliação do médico responsável. Durante o período de ajuste da dose, os níveis de Ca, P, e PTHi foram medidos como descrito anteriormente. Pacientes que apresentaram hipercalcemia (níveis séricos de Ca 311,5 mg/dL), hiperfosfatemia persistente (níveis séricos P > 7,0 mg/dL) ou produto Ca x P persistente > 70 Mg2/dL2, tiveram a dose reduzida (ou o tratamento interrompido, se necessário) até que os parâmetros retornassem para o intervalo normal. As injeções de paricalcitol eram então retomadas em doses mais baixas.
Se fosse necessário diminuir a dose, ela seria reduzida em 2-4 µg (ou 25% da dose anterior) em intervalos de 2 a 4 semanas, conforme a avaliação do médico responsável. Caso não fosse observada resposta satisfatória do PTHi e elevação de Ca, P, produto Ca x P, a dose seria novamente aumentada em intervalos de duas a quatro semanas. Se a qualquer momento os níveis de PTHi caíssem para < 150 pg/mL, o medicamento seria temporariamente interrompido ou a dose seria titulada para baixo até que o PTHi fosse controlado.
Então, se as medidas subsequentes dos níveis de PTHi retornassem para o intervalo alvo (150-300 pg/ml), o médico responsável receitaria a última dose administrada. Caso o PTHi fosse mantido < 150 pg/ml, o tratamento seria suspenso, e assim por diante. Uma vez que a dose de titulação fosse alcançada, ela seria mantida até o final do período de seguimento.
As injeções de paricalcitol utilizadas no presente estudo foram fornecidas pelo Abbott Laboratories Uruguay S.A através da farmácia de cada centro, independente da inclusão dos pacientes no estudo. De acordo com as recomendações do Ministério da Saúde para a realização de ensaios clínicos, cada pacote com cinco ampolas de 1 ml (5 µg/mL cada) continham rótulo com os dizeres "Medicamento para Estudo Clínico - URUG-06-01," o número correlato da amostra, dados regulatórios e os dizeres "Para Uso Exclusivo em Estudo Clínico."
O desfecho primário do estudo foi a proporção de pacientes com redução de pelo menos 30% nos níveis de PTHi ao final do seguimento (na consulta final), em comparação com níveis basais de PTHi. Os desfechos secundários do estudo foram a avaliação da segurança da injeção de paricalcitol com base na análise dos principais eventos adversos clínicos e/ou episódios de hipercalcemia, hiperfosfatemia e elevações do produto Ca x P; e a avaliação do tempo de resposta necessário para alcançar uma redução dos níveis de PTHi para o intervalo clínico-alvo (faixa de PTHi 150-300 pg/mL), em consonância com as diretrizes Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI).11
As variáveis contínuas foram calculadas como média/mediana e desvio padrão (DP)/intervalo interquartil, respectivamente, e foram comparadas pelo teste t ou o teste U de Mann-Whitney. Os dados categóricos foram resumidos em porcentagens e foram comparados usando o teste exato de Fisher ou o teste qui-quadrado, dependendo dos valores esperados.
As variações dos níveis séricos de PTHi de cada sujeito foram obtidos com base na diferença entre o valor ao final do período de seguimento (última consulta) e o nível de PTHi ao início do estudo (o valor basal foi utilizado como referência). A diminuição percentual individual também foi calculada para cada medição efetuada após o início do estudo. A redução percentual média de PTHi foi relatado usando intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Os níveis de PTHi no início do estudo e após o tratamento foram comparados por meio do teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas. Valores de p bicaudal < 0,05 foram classificados como estatisticamente significativos.
O cálculo do tamanho da amostra foi baseado no desfecho primário, o percentual de pacientes com pelo redução de pelo menos 30% nos níveis de PTHi ao final do período de seguimento (em relação aos níveis basais de PTHi), assumindo uma estimativa prévia de p = 0,5 (ausência ou desconhecimento de evidências prévias), IC de 95% para a estimativa e 0,2 como a estimativa de erro ou imprecisão. Sob tais parâmetros foi necessária uma amostra de 24 pacientes.
O protocolo do presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Medicina da Universidade da República (UDELAR). Os materiais de estudo, todas as versões de protocolo, fichas clínicas e formulários de relato de reações adversas foram submetidos e aprovados pela comissão antes de qualquer procedimento.
O estudo foi realizado de acordo com as exigências éticas da Declaração de Helsinque, revisão escocesa (Edimburgo, Outubro de 2000), com as alterações feitas na Assembleia Geral da Associação Médica Mundial (da WMA), Tóquio 2004, aplicáveis a pesquisas envolvendo seres humanos, e de acordo com o Decreto 189/998 do Ministério da Saúde Uruguaio sobre Boas Práticas Clínicas de Investigação em Farmacologia Clínica.
A decisão e o início do tratamento foram, em todos os momentos, baseados no julgamento clínico do pesquisador. Todos os pacientes foram informados sobre os aspectos do estudo e assinaram formulário de consentimento antes da realização de qualquer procedimento de triagem relacionado ao estudo. Os investigadores receberam o formulário de consentimento informado padrão passado aos pacientes antes de sua inclusão no estudo, onde constavam os dados sobre o objetivo do estudo, os benefícios e riscos esperados, além de uma declaração de participação voluntária.
O investigador explicou a natureza do estudo de forma clara e respondeu a todas as questões colocadas pelos possíveis participantes do estudo. Os pacientes foram informados de que poderiam se recusar a participar e que estariam livres para se retirar do estudo a qualquer momento, sem quaisquer repercussões. Uma via assinada e datada do formulário de consentimento foi dada ao paciente e outra foi mantida pelo investigador.
Na fase de pré-inclusão, 26 dos 43 pacientes elegíveis satisfizeram os critérios de inclusão e iniciaram o tratamento do estudo. Durante o período de seguimento, sete pacientes abandonaram o estudo (quatro por causa de mudanças na técnica de diálise ou transplante, um por óbito e dois retiraram o consentimento para continuar no estudo). A duração média de tratamento desses sete pacientes foi de dois meses; a dose média de paricalcitol administrada foi de 4.6 µg, administrada em frequência máxima de uma vez a cada dois dias. Dezenove pacientes concluíram os seis meses de tratamento com paricalcitol.
Os dados basais demográficos, clínicos e laboratoriais dos 19 pacientes que completaram seis meses de tratamento com paricalcitol encontram-se descritos nas Tabelas 1 e 2. A dose inicial média de paricalcitol foi de 4,2 ± 1,3 µg; ao final fo estudo, a dose média foi de 3,1 ± 2,8. Uma redução na dose média foi observada na segunda metade do período de seguimento.
Tabela 1 Dados demográficos e características basais dos pacientes
Pacientes | (n = 19) | |
---|---|---|
Dados categóricos | N (%) | |
Sexo feminino | 10 | (52) |
Disfunção pulmonar | 5 | (26) |
Doença pulmonar obstrutiva crônica | 3 | (16) |
Asma | 1 | (5) |
Tabagismo | 1 | (5) |
Distúrbio cardiovascular | 14 | (73) |
Hipertensão | 10 | (52) |
Cardiopatia isquêmica | 4 | (21) |
Diabetes | 2 | (10) |
Uso de calcitriol oral (pré-inclusão) | 10 | (52) |
Dados quantitativos | Md | (Q1-Q3) |
Idade na inclusão (anos) | 61 | (52-68) |
Peso (quilogramas) | 70 | (60-82) |
Tempo em hemodiálise (meses) | 53 | (32-93) |
Md (Q1-Q3), mediana (primeiro e terceiro quartil, respectivamente)
Tabela 2 Baseline laboratory evaluations
N | Média | DP | Min | Max | |
---|---|---|---|---|---|
PTHi (pg/mL) | 19 | 684 | 298 | 325 | 1370 |
Cálcio sérico (mg/dL) | 19 | 8,8 | 0,76 | 7 | 10,3 |
Fósforo sérico (mg/dL) | 19 | 5,0 | 0,92 | 3,1 | 6,6 |
Hemoglobina (g/dL) | 19 | 11,1 | 0,6 | 9,0 | 12,5 |
Albumina (g/dL) | 19 | 3,92 | 0,3 | 3,4 | 4,6 |
Glicemia (mg/dL) | 19 | 114,29 | 52,5 | 73 | 285 |
TGO (IU/L) | 19 | 16,2 | 10,88 | 8 | 55 |
TGP (IU/L) | 19 | 16,9 | 21,49 | 2 | 102 |
PTHi, paratormônio intacto; TGO, transaminase glutâmico oxalacética; TGP, transaminase glutâmico-pirúvica. DP, desvio padrão; Min, mínimo; Max, máximo.
Foi realizada uma análise de eficácia a partir dos dados dos 19 pacientes que completaram os seis meses de tratamento. Dezessete indivíduos (89,5%) apresentaram diminuição superior a 30% nos níveis de PTHi. Ao final do período de seguimento, os pacientes mostraram um decréscimo significativo nos níveis de PTHi basais (p < 0,002), com uma redução média de 371,8 pg/mL (IC 95%, 273,3-470,2). Os níveis basais de PTHi variaram de 325-1370 pg/mL, com nível médio de PTHi de 684 pg/mL (DP, ± 298 pg/mL). Os níveis finais de PTHi variaram de 74-928 pg/mL, com valor médio de 312 pg/mL (DP, ± 211 pg/mL). A variação média dos níveis de PTHi durante o período de observação encontram-se resumidos na Figura 1, e as variações individuais de PTHi são mostrados na Figura 2.
Figura 1 Evolução dos níveis de PTHi (pg/mL) durante o período do estudo para os 19 pacientes que concluíram os seis meses de tratamento com paricalcitol. Dados expressos em médias e IC 95%.
Figura 2 Níveis basais e no sexto mês de PTHi (pg/mL) para os 19 pacientes que concluíram os seis meses de tratamento com paricalcitol.
Os percentuais de redução do PTHi entre a consulta inicial e a consulta final variaram entre 4% e 81%. Sucesso terapêutico (níveis de PTHi entre 150 e 300 pg/ml) ao final do período de estudo foi observado em 12 pacientes (63%). O tempo médio para o sucesso terapêutico foi de dois meses (intervalo interquartil, 1-2 meses); sete pacientes atingiram a meta dentro do primeiro mês de tratamento. Uma maior proporção de pacientes com nível basal de PTHi < 800 pg/mL atingiu o sucesso terapêutico em comparação aos indivíduos com níveis de PTHi ≥ 800 pg/ml (87% x 25%; p < 0,037).
Níveis séricos de Ca foram analisados durante os seis meses de tratamento de acordo com o protocolo do estudo. Apesar da elevação média significativa observada nos níveis séricos de Ca de 0,6895 mg/dL do mês zero até o sexto mês (teste t pareado, p < 0,002), o nível sérico médio de Ca ao final do estudo foi aceitável. A evolução mensal dos níveis séricos médios de Ca são apresentados na Tabela 3 e na Figura 3. Os níveis médios de Ca em cada tempo de observação (meses 1, 2, 3, 4, 5 e 6) foram calculados com base nos dados da semana anterior do mês correspondente (ou seja, quarta semana do primeiro mês; quarta semana do segundo mês). Nenhum dos pacientes apresentou sintomas clínicos de hipercalcemia.
Tabela 3 Evolução mensal dos níveis séricos de Ca
Níveis de Ca* | Média | IC 95% |
---|---|---|
Linha Basal | 8,8 | 8,46-9,20 |
Mês 1 | 9,4 | 9,07-9,74 |
Mês 2 | 9,2 | 8,97-9,49 |
Mês 3 | 9,5 | 8,80-10,30 |
Mês 4 | 9,5 | 9,22-9,88 |
Mês 5 | 9,4 | 9,16-9,70 |
Mês 6 | 9,5 | 9,18-9,86 |
Ca, cálcio; IC, intervalo de confiança.
*Níveis médios de Ca em cada etapa de observação (meses 1, 2, 3, 4, 5 e 6) foram calculados com dados da última semana do mês correspondente.
Figura 3 Evolução dos níveis séricos de Ca (mg/dL) durante o período do estudo para os 19 pacientes que concluíram os seis meses de tratamento com paricalcitol. Dados expressos em médias e IC 95%.
Os níveis séricos de P também foram avaliados durante os seis meses de tratamento (Figura 4). Não houve aumento significativo dos níveis médios de P ao longo do estudo. De acordo com o produto Ca x P, não foram observadas diferenças entre os valores basais e da consulta final (Ca x P médio de 44,44 Mg2/dL2 na linha basal x 50,1 Mg2/dL2 no sexto mês; p = 0,405). Na consulta final, 16 pacientes (84%) apresentaram níveis de produto Ca x P < 65 Mg2/dL2.
Episódios de hipercalcemia e hiperfosfatemia foram resumidos para os pacientes que concluíram os seis meses de tratamento conforme planejado. Das 283 medições de níveis séricos de Ca, apenas dois episódios de hipercalcemia foram observados durante o período de estudo (no mesmo paciente), correspondendo a uma taxa de 0,7% (segundo os valores de protocolo definidos para hipercalcemia, níveis séricos de Ca > 11,5 mg/dL). Baseado na diretriz mais recente da K/DOQI (níveis séricos de Ca > 10,5 mg/dl), a frequência de hipercalcemia foi de 6,25%.
De acordo com os níveis séricos de P, 126 das 283 medidas obtidas (44%) foram > 5,5 mg/dL (de acordo com as mais recentes diretrizes da K/DOQI) e houve 34 episódios (12%) da hiperfosfatemia com base nos critérios definidos no protocolo (P sérico > 7 mg/dL), o que resultou na interrupção temporária do tratamento, conforme estabelecido no protocolo. Onze pacientes (58%) apresentaram hiperfosfatemia pelo menos uma vez. O número de episódios de hiperfosfatemia por paciente variou da seguinte maneira: quatro pacientes com um episódio, três pacientes com dois episódios e quatro pacientes com três ou mais episódios.
Foi realizada uma análise de segurança para todos os pacientes que receberam pelo menos uma dose do medicamento do estudo; 27 pacientes foram incluídos na análise de segurança. Oito eventos adversos diferentes foram observados, três graves (óbito, dispneia de origem cardíaca e pneumonia) e cinco não graves (arritmia, hiperfosfatemia, hipercalcemia, elevações de TGO e TGP e náuseas). Os dados referentes a eventos adversos são apresentados na Tabela 4. Seis eventos adversos foram consideradas independentes e dois como provavelmente relacionados ao medicamento do estudo. Todos os eventos adversos graves observados não foram considerados como relacionados ao tratamento com o medicamento do estudo.
Tabela 4 Eventos adv ersos *
Eventos adversos |
Relacionados n (%) |
Não relacionados n (%) |
Total n (%) |
---|---|---|---|
Graves | |||
Óbito | 0 | 1 (4) | 1 (4) |
Dispneia de origem | |||
cardíaca ou dor | 0 | 1 (4) | 1 (4) |
torácica | |||
Pneumonia | 0 | 1 (4) | 1 (4) |
Não graves | |||
Arritmia | 0 | 1(4) | 1 (4) |
Hiperfosfatemia | 15 (55) | 0 | 15 (55) |
Hipercalcemia | 1 (4) | 0 | 1 (4) |
Elevação de TGO e TGP | 0 | 1 (4) | 1 (4) |
Náusea | 0 | 1 (4) | 1 (4) |
TGO, transaminase glutâmico oxalacética; TGP, transaminase glutâmico-pirúvica.
*Dados de todos os pacientes incluídos (n = 27) que receberam pelo menos uma dose do medicamento do estudo.
O evento adverso mais comumente relatado foi hiperfosfatemia, observada em 15 pacientes; todos os casos de hiperfosfatemia eram assintomáticos e não foram considerados graves. Trinta e quatro episódios de hiperfosfatemia foram observados em 15 pacientes a partir de 337 medições dos níveis séricos de P dos 27 pacientes do estudo: seis pacientes tiveram apenas um episódio, cinco tiveram dois episódios e quatro tiveram três ou mais episódios; um paciente manifestou seis episódios. Hipercalcemia foi relatada em apenas um paciente, que sofreu dois episódios. Apenas um paciente apresentou discretas elevações assintomáticas dos níveis de TGO e TGP, com valores de 111 UI/L e 175 UI/L, respectivamente, no sexto mês do estudo.
Distúrbios do metabolismo mineral e ósseo são prevalentes em pacientes com DRC e representam uma importante causa de morbidade, diminuição da qualidade de vida, calcificações extra-esqueléticas e aumento da mortalidade cardiovascular. Dados do Registro Uruguaio de Diálise,12 que contem os dados de todos os pacientes em diálise desde 1980, apresentam um perfil persistente de hiperparatireoidismo e calcificações cardiovasculares, com um baixo percentual de pacientes dentro da faixa adequada de controle do metabolismo de íons bivalentes e um baixo percentual de pacientes com tratamento adequado para esses distúrbios.
Até 2012, dos 2714 pacientes submetidos a HD no Uruguai, apenas 53,7% tinham níveis adequados de Ca; 40,4% tinham níveis adequados de P; e 38,9% tinham níveis adequados de PTH, de acordo com as diretrizes do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO).13,14
A combinação de níveis elevados de PTH e níveis baixos de 1,25-dihidroxivitamina D3 foi associada a perda óssea, doenças cardiovasculares, imunossupressão e níveis mais elevados de marcadores de inflamação, que ajudam a manter os taxas elevadas de morbimortalidade. Por outro lado, o tratamento de HPTS com compostos ativos da vitamina D foi associado a reduções de mortalidade cardiovascular e por todas as causas.15-17
À medida que a doença renal progride, faz-se necessário elevar as doses de análogos da vitamina D de modo a suprimir a secreção de PTH; estes incrementos são limitados pela elevação dos níveis de P e Ca. Alguns estudos observacionais demonstraram que o paricalcitol proporciona melhor controle sobre os níveis séricos de PTHi, Ca e P quando comparado ao calcitriol.18
Nosso estudo incluiu um acompanhamento rigoroso de resposta e de ajuste de dose, considerando os níveis de PTH, Ca e P. Os resultados mostram que o tratamento com paricalcitol é eficaz, como indicado pela redução de 30% nos valores de PTH em relação ao início do estudo observado em 89,5% dos pacientes. Durante os seis meses de tratamento, 63% dos pacientes obtiveram sucesso terapêutico. Estes resultados são comparáveis aos resultados de outros estudos.19-21
A resposta ao tratamento foi observada após uma mediana de oito semanas, com sete pacientes respondendo dentro do primeiro mês, período relativamente mais curto em comparação ao tempo necessário com outros derivados ativos da vitamina D.22
Os níveis de cálcio elevaram-se ligeiramente durante o estudo, mas mantiveram-se dentro dos limites de segurança segundo as diretrizes da K/DOQI; a maioria dos pacientes mantiveram níveis de P normais. Diferentes respostas foram obtidas em pacientes cujos níveis de PTH no início do estudo eram > 800 pg/mL ou < 800 pg/mL. Em pacientes com níveis de PTH > 800 pg/mL (quatro pacientes), apenas um atingiu o nível alvo na consulta final (25%). Por outro lado, 12 dos 15 pacientes restantes (75%) tiveram resposta adequada até o final do estudo. Estes resultados reproduzem os dados relatados pelo grupo dinamarquês em seu ensaio randomizado, em que a melhor resposta com paricalcitol foi obtida em pacientes com níveis pré-tratamento de PTH semelhantes.22
Em termos de eficácia e tolerabilidade, nossos resultados também foram comparáveis aos de outros estudos observacionais. Na análise realizada aos seis meses de estudo, Fernström23 observou que 40% dos pacientes tinham níveis de PTH em conformidade com a meta da K/DOQI; 7,4% tinham níveis abaixo da meta; e 53,7% tinham níveis acima da meta, com níveis de Ca medianos ligeiramente aumentados e os níveis estáveis de P sérico.
A vitamina D desempenha um papel fundamental na manutenção da homeostase mineral. Distorções do equilíbrio, em termos de Ca, P, PTH e outros elementos tais como o fator de crescimento de fibroblastos (FGF-23), podem induzir calcificação vascular. Além disso, a deficiência de vitamina D em suas formas natural e ativa representa risco potencial de calcificações, doença cardiovascular e redução da sobrevida.24
Atualmente, acredita-se que os ativadores do receptor da vitamina D desempenham um papel duplo nas calcificações vasculares, tal como defendido por estudos recentes.25-29 Em níveis fisiológicos, a vitamina D pode ter efeitos protetores sobre o processo de calcificação vascular, principalmente através da regulação do metabolismo ósseo. Utilizando um modelo murino, Mathew et al.30 demonstraram que apesar do efeito protetor que o tratamento com calcitriol e paricalcitol exerce sobre calcificações aórticas em intervalos de doses suficientes para controlar HPTS, doses mais elevadas podem promover calcificação. Estudos histomorfométricos de biópsias ósseas levaram os autores a postular que as ações esqueléticas dos ativadores do receptor da vitamina D poderiam explicar esse efeito "protetor," reduzindo a expressão do gene relacionado ao fenótipo osteoblástico na aorta e regulando a formação óssea.
Em grandes populações, alguns estudos demonstram os benefícios do tratamento com paricalcitol em comparação ao calcitriol, não apenas no controle dos níveis de Ca e P, mas também sobre efeitos da DRC e da doença metabólica óssea.31,32 Algumas explicações para esta diferença podem ser retiradas de modelos experimentais. Em ratos submetidos a paratireoidectomia e restrições nutricionais de Ca e P, o paricalcitol induziu menor incremento nos níveis de Ca e P do que o calcitriol, devido à menor absorção intestinal de Ca e P.
Os mecanismos do papel do Ca e P nas calcificações arteriais foram particularmente destacados in vitro por Giachelli et al.33-35 Calcificação vascular, progressão da DRC, morbidade e mortalidade têm sido associadas a níveis séricos de P dentro do limite superior do intervalo de normalidade em ambientes experimentais e clínicos.36,37
Por outro lado, o PTH encontra-se elevado no início do curso da doença renal, mesmo na presença de níveis normais de Ca e P; foi mostrado que o FGF-23 também pode estar aumentado. Gutierrez e outros grupos demonstraram que o FGF-23 regula o metabolismo do P em indivíduos saudáveis e pacientes com DRC, e que poderia ser responsável por manter baixos os níveis séricos de P nas fases iniciais da DRC.38 O FGF-23 é um hormônio fosfatúrico produzido pelos osteócitos , que também regula para baixo a produção de 1,25 vitamina D e a expressão de RNAm e co-transportadores sódio-dependentes de fosfato (Na/Pi). O FGF-23 também foi associado a calcificações vasculares, progressão da doença renal e mortalidade cardiovascular e por todas as causas.39,40
Ao analisar uma coorte clínica de 1501 pacientes, Scialla et al.41 postularam que, apesar de ser um marcador de risco aumentado de mortalidade, o FGF-23 não está associado e não induz calcificações vasculares da mesma forma como as elevações de P. A ação do FGF-23, principalmente sobre o sistema cardiovascular e a hipertrofia cardíaca como descrito por Faul et al.,42 pode ser explicada por uma via diferente daquela da absorção de P ou da calcificação induzida por fosfato. Nakanishi et al.43 propuseram o nível de FGF-23 como preditor de hiperparatireoidismo refratário em pacientes em diálise.
Curiosamente, em uma reunião recente, Kuro-O44 postulou que o fosfato extracelular era tóxico para as células em altas concentrações, quando elevado na urina por sobrecarga. Tal circunstância pode levar a dano renal (lesão tubular e fibrose intersticial). O fosfato extracelular pode exercer um efeito citotóxico através da formação de nanopartículas insolúveis com Ca e fetuína A, chamadas de partículas proteicas de cálcio. Estas partículas podem induzir respostas celulares como a transformação osteogênica de células lisas vasculares, e foram detectadas no sangue de animais e pacientes com DRC. Portanto, metabolismo mineral, inflamação, calcificações vasculares e envelhecimento podem ser tratados conjuntamente como determinantes da progressão da doença renal.
Estas observações corroboram a afirmação de que o FGF-23 é um marcador de risco, mas também destacam a importância do controle precoce do fosfato no ambiente clínico e do tratamento do distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica (DMO-DRC), conforme identificado por de Oliveira et al.45
O presente estudo tem algumas limitações. O nosso objetivo era incluir 24 indivíduos, mas foram recrutados apenas 19 pacientes. Além disso, o período de seguimento foi de apenas seis meses. Finalmente, de forma errônea e arbitrária, definimos hiperfosfatemia como P > 7 mg/dl, valor este que não corresponde aos níveis preconizados pelas diretrizes do KDIGO.
Em resumo, propomos ser relevante estudar os eixos endócrinos (níveis de PTH, vitamina D e FGF-23) à medida que a filtração glomerular entra em declínio. Os resultados podem subsidiar decisões clínicas. Consideramos também ser adequada a introdução de derivados da vitamina D, particularmente seus análogos como o paricalcitol, tendo em conta a sua eficácia e tolerância, principalmente em níveis de PTH entre 150 e 800 pg/mL.
Em conclusão, os resultados deste estudo apoiam o uso de paricalcitol endovenoso como tratamento eficaz e bem tolerado para o controle dos níveis de PTHi em pacientes em hemodiálise com HPTS com impacto mínimo sobre os teores de Ca e P.