versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1622
O câncer de próstata metastático com bloqueio androgênico é tratado por meio de castração cirúrgica ou química com análogos de hormônio liberador de hormônio luteinizante LHRH (aLHRH). Apesar de haver um controle inicial quase completo da doença, eventualmente a castração não previne a progressão da enfermidade. Nesse estágio, refere-se à doença como câncer de próstata refratário à castração. O tratamento padrão do câncer de próstata refratário à castração consiste na manipulação hormonal de segunda opção e, algumas vezes, de terceira escolha(1), com a adição de um bloqueador de receptor de androgênio e alta dose de cetoconazol, respectivamente. Entretanto, eventualmente a doença se torna refratária a hormônios e, nesta etapa, o tratamento é quimioterapia e bifosfonatos. Desde 2004, o tratamento padrão para a doença hormônio-refratária é a quimioterapia com docetaxel, de acordo com dois estudos que mostraram, pela primeira vez, um ganho na sobrevida geral(2,3). Nem todos pacientes apresentam a mesma tolerabilidade ao docetaxel. Quando há falha no tratamento com o docetaxel, não há, em ensaios randomizados, evidência de outro esquema que aumente a sobrevida. Tanto a mitoxantrona como o etoposídeo já são utilizados separadamente e produzem alguma atividade contra o câncer de próstata. Se considerarmos o perfil de toxicidade bem leve, a possibilidade de usar o etoposídeo oral e o baixo custo desta associação, podemos sugerir tal combinação para conseguir um efeito aditivo contra o câncer de próstata. Não há estudos publicados com esta associação.
Avaliar a combinação de mitoxantrona (MX) e etoposídeo oral (E) como tratamento de câncer de próstata hormônio-refratário em termos de eficácia e toxicidade.
O protocolo foi aprovado pelo Comitê Institucional de Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP), Brasil, e os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e informado. No período entre 2005 e 2006, 12 pacientes consecutivos com câncer de próstata metastático hormônio-refratário foram tratados com MX+E em um hospital público de cuidados terciários, em Santo André. Os requisitos para inclusão dos pacientes foram: metástases documentadas, funções hepática, renal e cardíaca adequadas, performance status ≤ 2 e expectativa de vida de pelo menos três meses. Era necessária a interrupção do tratamento por pelo menos um mês antes de iniciar MX+E, para eliminar a resposta de confusão que pode ocorrer imediatamente após esta interrupção. Os indivíduos em uso de a-LHRH continuaram com a medicação durante todo o período da pesquisa. Todos os pacientes apresentavam níveis de testosterona de castração abaixo de 30 ng/ml.
Como durante o estudo clínico a produção de etoposídeo oral foi descontinuada, a inclusão de novos pacientes precisou ser interrompida. O quadro 1 mostra as características dos pacientes.
Quadro 1 Características dos pacientes
Características | |
---|---|
Idade mediana (anos) | 69 (55 – 75) |
Metástase óssea | 12 (100%) |
Metástase em tecido mole | 6 (50%) |
Pacientes com tratamento quimioterápico prévio | 1 |
Tratamento hormonal prévio (mediana) | 3 (1 – 3) |
Tempo desde diagnóstico de metástase (mediana) | 33 meses (4 – 56) |
n = 12.
O MX foi administrado na dose de 5 mg/m2 nos dias 1 e 8, a cada 21 dias (dose cumulativa máxima de 140 mg/m2), e etoposídeo oral em 50 mg/dia, dos dias 1 ao 14, a cada 21 dias. Apenas um paciente tinha recebido quimioterapia prévia (docetaxel) e apresentava doença progressiva. Além do esquema quimioterápico, todos os pacientes receberam ácido zoledrônico todos os meses devido à existência de metástases ósseas existentes.
A resposta foi avaliada em cada ciclo, com níveis de PSA, fosfatase alcalina e exame clínico. Exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética foram realizados a cada três meses, e de cintilografia óssea a cada seis meses, exceto quando houve alguma suspeita bioquímica ou clínica de progressão da doença. A resposta foi classificada de acordo com os critérios do PCWG1 (Prostate-Specific Antigen Working Group) (4), ou seja, doença progressiva mensurável; metástase óssea progressiva; PSA elevado e metástases estáveis e PSA elevado sem outra evidência de doença metastática. A toxicidade foi classificada conforme os Critérios Comuns para Toxicidade (v3.1) do National Institute of Cancer (NCI) (classificação da toxicidade por sistemas de órgãos e escores de intensidade de 1 a 5)(5).
A tabela 1 apresenta a resposta e a toxicidade. O seguimento mediano foi de 11 meses (4 a 31) e o número mediano de ciclos recebidos foi 4 (2-8). Dois pacientes alcançaram resposta parcial associada a controle significativo da dor por sete e quatro meses, respectivamente, e um paciente apresentou doença estável por quatro meses. A sobrevida mediana para os pacientes foi 17 meses. Sete pacientes receberam quimioterapia subsequente (cinco em esquemas com docetaxel) e três pacientes alcançaram respostas parciais. Cinco pacientes não apresentaram toxicidade.
Tabela 1 Resposta e toxicidade
Idade (anos) | Local das metástases | Número de ciclos | Toxicidade (grau) | Melhor resposta | TPP (meses) |
---|---|---|---|---|---|
55 | O | 3 | - | DP | 2 |
57 | O/TM | 2 | Re (3) | DP | 2 |
69 | O/TM | 2 | Re (3) | DP | 2 |
63 | O/TM | 8 | Ca (2) | RP | 7 |
74 | O/TM | 4 | - | DP | 2 |
75 | O | 4 | He (4) | DP | 2 |
55 | O/TM | 2 | He (3) | DP | 2 |
66 | O/TM | 7 | - | RP | 4 |
75 | O | 2 | - | DP | 2 |
67 | O | 3 | - | DP | 2 |
71 | O | 2 | He (3) | DP | 2 |
71 | O | 6 | He (4) | DE | 4 |
O: osso; TM: tecido mole; Re: renal; Ca: cardíaca; He: hematológica; DP: doença progressiva; RP: resposta parcial; DE: doença estável; TPP: tempo para progressão.
A associação MX+E foi bem tolerada. Quatro pacientes desenvolveram toxicidade hematológica graus 3 ou 4 e necessitaram de redução de dose. Um paciente apresentou toxicidade cardíaca grau 2, e dois pacientes toxicidade renal grau 3, sendo que todos melhoraram e voltaram aos níveis iniciais. Nenhum paciente faleceu como consequência de toxicidade.
Apesar do pequeno número de pacientes neste estudo piloto, 3 em 12 indivíduos claramente apresentaram benefícios significativos com MX+E. Não há nenhum estudo publicado com essa combinação até o momento e, portanto, não é possível fazer comparações. Considerando-se o perfil de toxicidade aceitável, essa combinação é uma alternativa válida a ser acrescentada à gama de esquemas terapêuticos que têm efeito moderado na doença hormônio-refratária. Um paciente que apresentou doença progressiva em uso de docetaxel recebeu MX+E, atingindo uma resposta parcial por quatro meses. Por outro lado, dos sete pacientes que logo depois receberam quimioterapia com docetaxel, três apresentaram resposta parcial, o que sugere que não existe tolerabilidade prejudicial no tratamento considerado padrão. A sobrevida geral mediana foi de 17 meses e está de acordo com a esperada para essa população de pacientes. Embora a quimioterapia com docetaxel seja o padrão, sua tolerabilidade não é universal e, frequentemente, são necessários esquemas alternativos menos tóxicos. Destaca-se o baixo custo do esquema MX+E, cerca de um sexto do tratamento com docetaxel. O achado recente de atividade significativa de abiraterona, um inibidor de CYP17 (importante enzima na síntese de androgênios), em pacientes que falharam na castração(6) e até naqueles em que o tratamento com docetaxel não foi efetivo, levanta novamente a questão do papel persistente do receptor androgênico em sinalizar vias que levam à progressão da doença, mesmo no estágio chamado de hormônio-refratário. Desafia outra vez a nomenclatura de doença hormônio-refratária e levanta a possibilidade de a manipulação hormonal ser intercalada entre os tratamentos quimioterápicos tanto devido à eficácia como ao fato de poder garantir períodos de tratamento ativo, sem quimioterapia.
A associação MX+E foi tolerada e levou à resposta parcial na doença hormônio-refratária. Não pareceu interferir na tolerabilidade ao tratamento subsequente com taxana. Pode-se considerar MX+E como uma opção de tratamento para pacientes com câncer de próstata hormônio-refratário.