versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.44 no.2 São Paulo mar./abr. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562017000000449
Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a estratégia End TB, a qual tem três pilares - atenção e prevenção integradas, centradas no paciente; políticas arrojadas e sistemas de apoio; e intensificação da pesquisa e inovação - e tem o conceito intrínseco da eliminação da tuberculose.1-4 A eliminação da tuberculose foi definida como < 1 caso por milhão de habitantes, sendo que a pré-eliminação foi definida como < 10 casos por milhão. Desde então, os três pilares foram oficialmente adotados por diversos países5: em 2015, pelo Brasil, a Etiópia, a Federação Russa, a África do Sul e o Vietnã; e, em 2016, pela Índia, a Indonésia, a Suazilândia e a Tailândia.
Após uma consulta conjunta da OMS/European Respiratory Society (ERS) com países com baixa incidência de tuberculose (< 10 casos por 100.000 habitantes), realizada em Roma em 2014, a OMS lançou seu Quadro para a Eliminação da Tuberculose em Países de Baixa Incidência.1 O documento identificou oito áreas principais a serem abordadas a fim de eliminar a tuberculose em tais países.1
Em termos epidemiológicos, as estratégias de controle da tuberculose se concentram na identificação precoce e no tratamento efetivo dos casos de tuberculose infecciosa (para quebrar a cadeia de transmissão e reduzir a incidência); a eliminação da tuberculose é uma estratégia adicional que tem como ponto central a identificação de indivíduos latentemente infectados e seu tratamento (para esterilizar o “reservatório” de pessoas infectadas e garantir futuras gerações de indivíduos livres de infecção),1,6,7 investindo hoje para prevenir casos de tuberculose amanhã.1,6,7 Há evidências de que, quando aplicada de forma consistente, a estratégia de eliminação da tuberculose é efetiva. Inuit Por exemplo, foi relatado que a mesma reduziu a incidência de tuberculose em até 17% ao ano em populações inuit (“esquimós”).8
Uma questão inicial a ser respondida é se há algum relato de experiências com a estratégia de eliminação da tuberculose em países com alta carga da doença. Estudos recentes realizados no Chipre e em Omã mostraram que a implementação adequada dos elementos básicos da estratégia End TB pode conduzir a epidemiologia da tuberculose rumo ao limiar de pré-eliminação.9,10 Uma segunda pergunta é até que ponto a estratégia de eliminação da tuberculose pode ser aplicada na América Latina e no Caribe, onde há diversos países de baixa incidência - incluindo as Bahamas, o Chile, a Costa Rica, Cuba, a República Dominicana, a Jamaica e Porto Rico, bem como Trinidad e Tobago - e outros que estão se aproximando desse limiar - incluindo o Brasil, o Uruguai e a Colômbia - sendo que estes na última categoria também foram convidados para a consulta técnica da OMS/ERS em Roma em 2014.
Paralelamente à publicação do quadro da OMS,1 a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) elaborou dois importantes documentos. Em 2015, a organização emitiu um documento incluindo os três pilares da estratégia End TB, o Plano Estratégico da OPAS,11 que foi subsequente ao seu Plano de Ação para a Prevenção e Controle da Tuberculose. cross-cuttingLançado em 2013, o plano de ação da OPAS concentrava-se apenas no controle da tuberculose, utilizando indicadores epidemiológicos (isto é, aumento do número de pacientes com tuberculose confirmada bacteriologicamente que foi tratada com sucesso), promovendo abordagens transversais em saúde e cobrindo comorbidades (por ex., infecção pelo HIV e transtornos de saúde mental).12 Esses documentos foram seguidos pelo Roteiro para Eliminação da Tuberculose na América Latina e no Caribe, elaborado em conjunto pela ERS e a Asociación Latinoamericana del Tórax (ALAT), para orientar os programas nacionais de tuberculose no sentido da implementação das estratégias da OPAS. É claro que há uma considerável heterogeneidade na América Latina em termos de ações e programas epidemiológicos, e, portanto, os objetivos estratégicos mencionados acima foram atingidos em ritmos diferentes.3,4 Um exemplo é fornecido pela epidemiologia da tuberculose no México (Figura 1), onde a incidência relatada da doença está abaixo do limiar de baixa incidência em um terço dos estados, é < 20 por 100.000 habitantes em outro terço e é maior que isso no terço restante.
Figura 1 Incidência de casos relatados de tuberculose pulmonar e de mortalidade associada no México (por 100.000 habitantes em 2016 e 2015, respectivamente), por estado. Ministério da Saúde do México.
Em 2017, o Ministério da Saúde do Brasil emitiu um documento visando à eliminação da tuberculose, o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública. O plano foi concebido com o objetivo de reduzir a incidência da tuberculose (para < 10 casos/100.000 habitantes) e a mortalidade (para < 1 óbito/100.000 habitantes) até 2035, definindo as abordagens para a implementação de cada um dos três pilares da estratégia End TB da OMS.13
Na América Latina, fez-se um visível progresso em relação aos objetivos estabelecidos para a incidência, prevalência e mortalidade da tuberculose.3,4 Entre os notáveis sucessos obtidos estão o aumento das taxas de detecção, a melhora da garantia de qualidade laboratorial, um melhor manejo sistemático dos casos de tuberculose multirresistente (TBMR) e a promoção do envolvimento da comunidade, bem como a coordenação de parceiros técnicos e financeiros.3,4
Embora tenha havido uma diminuição do número relatado de novos casos no Brasil, essa diminuição foi modesta (apenas 1,5% ao ano), e mais precisa ser feito para melhorar os desfechos do tratamento, reduzir as perdas de acompanhamento e prevenir o surgimento de TBMR.14 É evidente que há necessidade de compromisso político (com financiamentos adequados e arcabouço legal), de cuidados verdadeiramente centrados no paciente e de atenção às comorbidades, bem como de controle de fatores de risco, como diabetes, infecção pelo HIV, uso de drogas ilícitas, tabagismo e transtornos mentais.15 Também se deve dar atenção especial a grupos vulneráveis (por ex., migrantes da zona rural para as grandes cidades, migrantes Sul-Sul (isto é, migrantes entre países em desenvolvimento), pessoas que vivem em favelas, populações indígenas desassistidas, moradores de rua e pessoas privadas de liberdade).16
As oito áreas centrais identificadas no Roteiro para Eliminação da Tuberculose na América Latina e no Caribe fornecem um guia claro para se alcançar as metas de eliminação da tuberculose na região:
identificação e apoio a populações vulneráveis
abordagem de questões migratórias e transfronteiriças
reforço da pesquisa operacional, canalizando-a por meio de planos de pesquisa nacionais acordados, priorizados pelas redes nacionais de pesquisa de tuberculose e adequadamente financiados para abordar o pilar “intensificação da pesquisa/inovação” da estratégia End TB
promoção do compromisso político para os cuidados e prevenção da tuberculose, a fim de implementar elementos do pilar “políticas arrojadas/sistemas de apoio” da estratégia End TB
adaptação da estratégia em nível nacional e regional, promovendo ao mesmo tempo a colaboração global
aumento da detecção e tratamento ativos da tuberculose latente, bem como da tuberculose ativa, de acordo com os princípios da eliminação da tuberculose5,17
garantia de tratamento precoce e de alta qualidade dos casos de tuberculose resistente e de TBMR, ao mesmo tempo assegurando, para todos, testes de sensibilidade aos fármacos com métodos moleculares convencionais e/ou novos e a disponibilidade dos fármacos de segunda linha necessários (para abordar, com a área central 1, as ações incluídas no pilar “atenção/prevenção integrada, centrada no paciente” da estratégia End TB
melhora da vigilância contínua, monitoramento e avaliação das atividades para verificação do progresso em relação às metas planejadas e à eliminação da tuberculose
Também são propostos indicadores para o monitoramento e a avaliação de cada um desses componentes (Tabela 1).3,4
Tabela 1 Indicadores de impacto e de implementação da estratégia End TB da Organização Mundial da Saúde para países da América Latina e do Caribe.
Indicadores de impacto | Marcos | Metas | ||
---|---|---|---|---|
2020 | 2025 | 2030 a | 2035 b | |
Redução do número de mortes por TB em comparação a 2015 | 35% | 75% | 90% | 95% |
Redução da taxa de incidência de TB em comparação a 2015 | 20% | 50% | 80% | 90% |
Famílias que enfrentam custos catastróficos por causa da TB | 0% | 0% | 0% | 0% |
Indicadores de implementação | Nível de meta recomendado | |||
Cobertura do tratamento da TB | ≥ 90% | |||
Taxa de sucesso do tratamento da TB | ≥ 90% | |||
Domicílios que experimentam custos catastróficos por causa da TB | 0% | |||
Casos de TB relatados recentemente e diagnosticados utilizando testes rápidos recomendados pela OMS | ≥ 90% | |||
Cobertura do tratamento da infecção tuberculosa latente | ≥ 90% | |||
Cobertura de investigação de contatos | ≥ 90% | |||
Cobertura de sensibilidade aos fármacos para pacientes com TB | 100% | |||
Cobertura do tratamento, novos fármacos anti-TB | ≥ 90% | |||
Documentação do status HIV entre os pacientes com TB | ≥ 90% | |||
Razão caso/fatalidade | ≤ 5% | |||
Disponibilidade do orçamento planejado para TB | 100% | |||
Implementação de atividades planejadas de monitoramento e avaliação | 100% |
TB: tuberculose; e OMS: Organização Mundial da Saúde. aObjetivos de desenvolvimento sustentável. bMetas da estratégia End TB da Organização Mundial da Saúde.
A contribuição das redes de pesquisa em tuberculose, conforme proposto pela OMS em 2015, é fundamental para se trabalhar de acordo com as prioridades regionais.18 O projeto conjunto da ERS/ALAT/Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia em tuberculose e a Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose estão fazendo contribuições significativas gerando as evidências necessárias para a implementação bem-sucedida da estratégia de eliminação da tuberculose.19 Alguns dos resultados preliminares são bastante encorajadores,20-35 mostrando a importância da implementação dos três pilares da estratégia End TB da OMS na América Latina.