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Embolia pulmonar e AVC isquêmico associado à trombectomia mecânica

Embolia pulmonar e AVC isquêmico associado à trombectomia mecânica

Autores:

Paulo Bastianetto,
Daniel Mendes Pinto

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Vascular Brasileiro

versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301

J. vasc. bras. vol.13 no.2 Porto Alegre abr./jun. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.059

INTRODUÇÃO

A remoção precoce dos trombos após um episódio de trombose venosa profunda (TVP) aguda tem o objetivo de reduzir a incidência da síndrome pós trombótica. Esta síndrome, caracterizada pelas alterações decorrentes da hipertensão venosa crônica, como dermatite de estase, dermatoesclerose e úlceras venosas, ocorre entre 20 e 59% dos casos( 1 , 2 ). A retirada dos trombos agudos, ou seja, a trombectomia, pode ser feita por via cirúrgica convencional ou percutânea, através de cateteres com diferentes mecanismos de funcionamento.

Várias séries de casos e análises retrospectivas mostram benefícios da trombectomia mecânica percutânea no tratamento da TVP proximal( 1 - 3 ). Entretanto, alguns riscos estão associados ao uso desta tecnologia.

O objetivo deste relato é descrever complicações graves que ocorreram em um caso após a trombectomia percutânea: acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico e embolia pulmonar. Com esta descrição, discutimos sobre a técnica do procedimento, os riscos envolvidos e os resultados informados na literatura.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do gênero feminino, 29 anos, internada com quadro de dor importante e edema volumoso do membro inferior esquerdo (MIE). A paciente fazia uso de anticoncepcional oral, era não tabagista e tinha história familiar positiva para TVP.

Ecodoppler mostrava trombose venosa aguda em veias femoral superficial, femoral comum e ilíaca externa do MIE.

Foi iniciado tratamento com heparina não fracionada (HNF) contínua. Houve persistência dos sintomas após dois dias de tratamento e novo ecodoppler revelou extensão do processo trombótico para veias poplítea e safena magna. Estes sinais, associados à piora do edema, à dor contínua, ao aumento da tensão muscular e à cianose do MIE, configuravam quadro de Phlegmasia Cerulea Dolens. Foi proposto o tratamento com trombectomia percutânea associado à infusão de trombolítico, que foi aceito pela paciente.

Cinco dias após início dos sintomas, foi realizada a trombectomia percutânea através da seguinte técnica:

• paciente em decúbito ventral, punção da veia poplítea esquerda guiada por ultrassom e posicionado introdutor 6 Fr;

• recanalização do segmento trombosado com guia hidrofílico;

• pelo cateter de trombectomia, foi feito bolus inicial de 20 mg de alteplase (r-tPA) utilizando a técnica de pulse-spray;

• após aguardar 15 min, foi iniciado processo de aspiração de trombos com dispositivo Angiojet®, utilizando cateter Xpeedior® 6F. Foram aspirados 460 mL em um tempo total de uso de 420 segundos, no sentido crânio-podálico.

Durante o procedimento, a paciente apresentou dispnéia intensa, hipoxemia, bradicardia e cianose central e de extremidades. Foi posicionada em decúbito dorsal e entubada. Encaminhada à unidade de terapia intensiva, foi feito um ecocardiograma transtorácico que evidenciou um aumento importante associado à hipocontratilidade do ventrículo direito (VD), com pressão estimada da artéria pulmonar de 46 mmHg (valor de referência: até 25 mmHg). Com a hipótese de embolia pulmonar maciça, foi iniciado tratamento com r-tPA sistêmico, dose total de 100 mg infundidos em 2 horas.

A angiotomografia de tórax comprovou a embolia pulmonar com acometimento das artérias pulmonares e dos ramos lobares inferiores bilateralmente (Figura 1). A dosagem de peptídeo natriurético cerebral (BNP, valor de referência até 154 pg/mL) chegou a 5.296 pg/mL, dado associado à insufiência cardíaca, com mau prognóstico e aumento da mortalidade na embolia pulmonar.

Figura 1 Angiotomografia que mostra falha de enchimento em artéria pulmonar esquerda (seta). 

Após o tratamento com trombolítico sistêmico, no dia seguinte a paciente encontrava-se extubada, com melhora dos parâmetros respiratórios e redução da pressão em artéria pulmonar. Foi mantida anticoagulada com HNF venosa.

No terceiro dia após a trombectomia, a paciente apresentou hemiparesia direita associada a perda de visão, sonolência e afasia. A ressonância magnética (RNM) identificou áreas de isquemia múltiplas bilaterais, acompanhando território da artéria cerebral média e cerebral posterior esquerda, e infartos cerebelares bilaterais (Figura 2). O tratamento com HNF foi suspenso, sendo realizado o implante de filtro na veia cava inferior.

Figura 2 Ressonância Nuclear Magnética (RNM). 

Ecocardiograma transesofágico evidenciou forame oval patente com desvio de fluxo do átrio direito para o esquerdo, confirmando a hipótese de AVC isquêmico por embolia paradoxal. Cinco dias após o diagnóstico do AVC, houve alta do CTI, com melhora importante do quadro neurológico.

Após a trombectomia venosa, apesar das graves complicações, a paciente apresentou melhora do edema, da dor e da cianose do MIE. Vinte e oito dias após a internação, recebeu alta em uso da warfarina, meia elástica compressiva, contra-indicação ao uso de estrógenos, com acompanhamento pelas áreas de Neurologia, Cirurgia Vascular e Fisioterapia. A pesquisa genética identificou trombofilia, com mutação heterozigota nos genes da protrombina e da metilenotetrahidrofolatorredutase A1298c.

Após 6 meses, a paciente exerce suas atividades laborativas usuais, tendo como déficit neurológico somente hemianopsia bilateral, regressiva. Ecodoppler venoso de controle revelou ausência de refluxo venoso profundo ou superficial, com TVP fêmoro-poplítea em recanalização. Clinicamente, sem sinais de edema no membro acometido.

DISCUSSÃO

Na TVP ilíaco-femoral, a evolução para síndrome pós-trombótica (SPT) varia entre 20 e 59%, quando tratada somente com anticoagulantes, e para 5 e 31%, quando tratada com trombolítico intratrombo( 2 , 3 ). Com uso de trombolíticos, a remoção completa dos trombos ocorre em até 45% das vezes, enquanto que, no tratamento com anticoagulação isolada, somente em 4%( 3 , 4 ).

Quando comparada com a trombólise isolada, a utilização dos dispositivos de trombectomia mecânica promove uma remoção mais rápida e completa do trombo. Associar a trombectomia ao uso de trombolíticos leva a vantagens: menor tempo em unidade de terapia intensiva e de internação hospitalar; menor número de venografias de controle, e menor dosagem do agente trombolítico. A trombectomia associada a trombolíticos, desta forma, pode levar a menos complicações hemorrágicas e redução da morbidade( 5 , 6 ) (Tabela 1).

Tabela 1 Indicações para trombectomia percutânea6. 

Indicação Nível de evidência e grau de recomendação
Primeiro episódio de TVP aguda ilíaco-femoral, até 14 dias de início dos sintomas, baixo risco de sangramento, boa capacidade funcional e expectativa de vida aceitável. 2C
Pacientes com TVP ilíaca-femoral associada ou não à trombose fêmoro-poplítea com ameaça à viabilidade do membro (phlegmasia cerulea dolens) 1A

Existem disponíveis no mercado vários dispositivos de trombectomia, com diferentes mecanismos de ação: aspiração simples de trombos, hidrodinâmica (aspiração por pressão negativa de jatos de soro fisiológico), fragmentação e mecanismos combinados( 7 ).

O dispositivo utilizado neste caso, Angiojet® (Possis Medical Inc., Mineapolis, MN), atua baseando-se no efeito Venturi. O cateter utilizado, Expeedior®, tem dois lúmens: um para infusão de soro fisiológico e outro para aspiração do fluido e do coágulo. Um jato de solução salina de alta pressão é direcionado da ponta para trás do cateter, criando assim um efeito de vácuo, que força a entrada do coágulo após sua maceração. O cateter não mantém contato com a parede do vaso e o jato de alta pressão não provoca desnudação do endotélio, mantendo assim a atividade antitrombótica do mesmo preservada.

As principais complicações relacionadas à trombectomia mecânica são a hemólise e a embolia pulmonar. A hemólise ocorre devido à fragmentação das hemácias decorrentes do contato com os jatos de soro. Quase todos os pacientes apresentam hemoglobinúria( 8 , 9 ). É essencial a hidratação venosa, com o objetivo de evitar o dano renal. Nossa paciente não apresentou hemólise importante.

Vários estudos evidenciam embolia pulmonar assintomática entre 5,3% e 17%, além de poucos casos sintomáticos( 10 - 13 ). O filtro de veia cava evita a embolização de trombos maiores, porém não limita a passagem de microtrombos para a circulação pulmonar. Desta forma, o benefício do uso do filtro de cava nos pacientes submetidos à trombectomia aspirativa não está estabelecido na literatura. Alguns grupos podem se beneficiar da proteção com o filtro, como no caso de pacientes com baixa reserva cadiopulmonar ou quando o trombo se estende para a veia cava( 14 ).

Nos pacientes com persistência do forame oval, a trombose venosa apresenta um risco maior do que o habitual, devido à possibilidade de embolia paradoxal. Em 25% da população, o forame oval pode permanecer patente. O diagnóstico é feito com ecocardiograma transesofágico. Muitas vezes, o forame fecha-se inicialmente para tornar a abrir em situações de sobrecarga do ventrículo direito( 15 ). No caso relatado, o AVC extenso foi associado ao forame oval patente. O aumento da pressão em artéria pulmonar pode ter favorecido o desvio de coágulos para o átrio esquerdo e a consequente embolização cerebral. Este mecanismo pode explicar o fato de a isquemia cerebral ter ocorrido somente no terceiro dia após a embolia pulmonar.

A partir da ocorrência deste caso e devido à alta prevalência de persistência do foramen oval na população, optamos por estudar com ecocardiograma transesofágico todos os pacientes que serão submetidos à trombectomia.

A trombectomia mecânica e a infusão de trombolíticos são opções eficazes para desobstrução de veias ilíacas e redução da síndrome pós trombótica. São procedimentos considerados seguros. As complicações relatadas na literatura referem-se principalmente à hemólise ou à embolia pulmonar pouco sintomática. Porém, este relato mostra um caso de embolia pulmonar maciça e AVC isquêmico, complicações potencialmente letais, associadas à técnica considerada adequada. Para aumentar a segurança da trombectomia, são necessários protocolos de estudo dos pacientes e definição de questões, como: o volume de trombos a ser aspirado, a duração da aspiração de trombos e o tempo de infusão do trombolítico, além de se definir quando indicar a proteção com filtro de veia cava.

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