versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.4 Porto Alegre out./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.0110
O reparo endovascular se estabeleceu como uma modalidade segura e efetiva no tratamento do Aneurisma de Aorta Abdominal. Uma das principais complicações deste tipo de tratamento é o Vazamento ou Endoleak, caracterizado como persistência de fluxo sanguíneo dentro do saco aneurismático, ou seja, fora do lúmen da endoprótese1–3.
Os vazamentos podem ser classificados em cinco tipos, sendo o do tipo 2 o mais frequente deles, resultante de fluxo retrógrado para o saco aneurismático através de ramos aórticos, não tendo relação com a prótese em si. A história natural deste tipo de Endoleak permanece incerta e o momento do tratamento, bem como a abordagem em si, são controversos, já que, em ate 50% dos casos, há resolução espontânea. Entretanto, os Vazamentos do tipo 2 persistentes (duração > 6 meses) ou aqueles associados a crescimento do saco aneurismático têm sido tratados, pois sua presença está associada a eventos adversos. Entre as técnicas utilizadas, são descritas a ligadura arterial cirúrgica aberta e laparoscópica, e a embolização por punção transabdominal, translombar e por micronavegação4.
O objetivo deste artigo é fazer uma breve revisão de literatura e avaliar a segurança e a efetividade da embolização por micronavegação para o tratamento do Vazamento tipo 2.
Foi realizada uma revisão dos prontuários dos pacientes submetidos ao Reparo Endovascular do Aneurisma de Aorta abdominal no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, no período de janeiro a dezembro de 2012, sendo identificados cinco pacientes que apresentavam Endoleak tipo 2 persistente por mais de seis meses, no acompanhamento. Optou-se então por tratamento invasivo dos vazamentos, seguindo a literatura vigente e sob a justificativa de evitar complicações pela perpetuação do fluxo sanguíneo dentro do saco aneurismático. O sucesso técnico foi definido como ausência de vazamento visualizado ao final do procedimento em angiografia de controle. O sucesso terapêutico foi definido como ausência de vazamento em exame tomográfico de controle por mais de seis meses.
Foram tratados quatro pacientes do sexo masculino e uma do sexo feminino, e a idade variou de 61 a 85 anos. Foram utilizadas as seguintes próteses no reparo endovascular dos aneurismas: duas próteses Talent (Medtronic), uma Anaconda (Terumo), uma Zenith (Cook) e uma Excluder (Gore).
Foi realizada a reconstrução tridimensional das angiotomografias mais recentes e o vazamento foi confirmado por exame angiográfico seletivo, em todos os pacientes. Esse procedimento, apesar de aumentar o risco de complicações relacionadas ao uso de contraste iodado, viabiliza uma melhor programação para a intervenção, definindo o material e a tática a serem utilizados, diminuindo, assim, complicações relacionadas ao procedimento e aumentando a chance de sucesso. As artérias identificadas como responsáveis pelo vazamento, segundo os exames de imagem, foram a artéria mesentérica inferior em dois casos, as artérias lombares em dois casos e o ramo da artéria glútea superior em um caso.
Previamente ao procedimento, todos os pacientes passaram por reavaliação clínica e os riscos e benefícios do tratamento foram explanados, obtendo-se, assim, um termo de consentimento. Em todos os pacientes, o procedimento se iniciou com punção da artéria femoral comum mais adequada para acesso ao vaso alvo, com posicionamento de introdutor valvulado, pela Técnica de Seldinger. O vaso de acesso foi então seletivado utilizando-se cateter diagnóstico sobre guia hidrofílico 0,035'; no caso da mesentérica inferior, foi seletivada a artéria mesentérica superior, e nos casos das lombares e glútea, foi utilizada a artéria ilíaca interna como vaso de acesso. Feito isso, realizou-se troca por bainha Destination 6F (Terumo) de 45 cm sobre fio-guia rígido 0,035', iniciando-se então a micronavegação com cateter Progreat (terumo) 2.4F, 130 cm.
Após alcançar a artéria responsável pelo vazamento, o microcateter foi avançado até a sua origem no interior do aneurisma, possibilitando assim a embolização não só da artéria alvo, como também do ponto central do vazamento dentro do saco aneurismático. Essa preocupação em se embolizar a artéria e o ponto central do vazamento se deve ao fato de que este espaço criado pelo fluxo de sangue pode acabar sendo fator predisponente a novo vazamento, por diferença de pressão com outro ramo advindo do saco aneurismático.
O material embólico utilizado em todos os casos foi o meio de contraste iodado oleoso (Lipiodol – Guerbet) associado ao adesivo tissular de monômeros de n-butil-2-cianoacrilato (Histoacryl – B.Braun), que se polimeriza rapidamente ao contato com o sangue. Devemos ter cuidado ao manipular esses materiais, já que o n-butil-2-cianoacrilato se polimeriza rapidamente também ao contato com os íons de soluções salinas. Sendo assim, deve-se utilizar somente soro glicosado durante o procedimento. Além disso, a injeção do material embólico deve ser acompanhada de um movimento de recuo rápido do microcateter, evitando que a sua extremidade distal fique aderida no sítio de embolização. Deve-se também lavar rapidamente a luz do microcateter com soro glicosado, a fim de evitar sua obstrução por resquício de material embólico.
Em todos os casos, houve sucesso angiográfico e as tomografias de controle de todos os pacientes evidenciavam ausência de Vazamento tipo 2 e diminuição do saco aneurismático. A Figura 1 mostra a tomografia inicial de acompanhamento ambulatorial de um dos pacientes e as Figuras 2, 3, 4, 5 e 6 mostram o passo a passo do procedimento. A Figura 7 confirma o sucesso terapêutico.
Figura 1 Tomografia computadorizada evidenciando Vazamento ou endoleak tipo 2 pela Artéria Mesentérica Inferior. Pode ser notada a presença de contraste fora da luz da endoprotese e dentro do saco aneurismático.
O Vazamento ou Endoleak é uma complicação frequente do Reparo Endovascular do Aneurisma de Aorta Abdominal (REVA), ocorrendo em cerca de 15 a 40% dos pacientes submetidos a esse tratamento. O Endoleak tipo 2 é o mais frequente e pode corresponder a até 30% de todos os vazamentos1–3.
O mecanismo de formação do Endoleak tipo 2 permanece incerto. Apos o REVA, forma-se uma comunicação entre ramos arteriais que advém do território tratado, como mesentérica inferior e/ou ramos lombares. Normalmente, um dos ramos funciona como fonte do vazamento e o(s) outro(s), como via(s) de escoamento, fechando, assim, um circuito que perpetua o fluxo dentro do saco aneurismático. Esse mecanismo depende de fatores locais de resistência vascular, conexões interarteriais e outros fatores ainda não bem explicados4,5.
A história natural deste tipo de Endoleak é controversa, sendo que a grande maioria tem curso benigno e se resolve espontaneamente durante o acompanhamento. Malignidade, doença coronariana e doença pulmonar obstrutiva crônica são associadas a altas taxas de fechamento espontâneo. Quando persistente por mais de 6 meses, está associado a aumento do saco aneurismático em até 55% dos casos. Entretanto, a ruptura do aneurisma associada a esse tipo de vazamento é rara e ocorre somente em 2 a 6% dos casos6.
Por estes motivos, a abordagem ideal para tratamento do Endoleak tipo 2 ainda é tema controverso. Alguns autores falam a favor da intervenção em todos os vazamentos persistentes por mais de 6 meses, independentemente de crescimento do saco aneurismático. O risco de contínuo crescimento e ruptura, o risco de remodelamento aórtico, levando ao aparecimento de outros vazamentos (tipo 1 ou 3), e a necessidade de acompanhamento repetitivo com tomografia contrastada são as razões para essa abordagem precoce7. Já outros autores são contra o tratamento imediato e se apoiam no fato de que a maioria dos Vazamentos do tipo 2 se resolve espontaneamente, chegando a uma taxa em torno de 50% em seis meses. Além disso, os custos e os riscos do acompanhamento radiográfico muitas vezes são menores do que aqueles associados à intervenção precoce7–9. Na nossa casuística, o tratamento foi realizado somente em pacientes nos quais o Vazamento tipo 2 persistiu por mais de 6 meses, apresentando ou não crescimento do saco aneurismático.
Entre as abordagens descritas na literatura, a via endovascular é a mais estudada e amplamente utilizada, dada a sua pouca invasividade, sua eficácia e sua segurança. Outras possibilidades de tratamento do Vazamento tipo 2 incluem a ligadura dos ramos por via aberta ou laparoscópica e a embolização do saco aneurismático por punção direta guiada por tomografia. Tais métodos se destinam basicamente aos casos em que a micronavegação não obteve sucesso ou não estava disponível. Vários relatos na literatura atestam a eficácia do método laparoscópico na ligadura da artéria mesentérica inferior e das artérias lombares. Métodos combinados laparoscópicos e endovasculares também são relatados10–12. A via transabdominal ou translombar é também uma opção e sua escolha depende da localização anterior ou posterior do vazamento dentro do saco aneurismático. Podem ser utilizados métodos auxiliares, como a fluoroscopia e a ultrassonografia13. Os colóns sigmoide e transverso podem ser contrastados com o uso de bário, auxiliando e guiando a punção. Uma grande vantagem desse método é a embolização direta do sítio central do vazamento, evitando, assim, o recrutamento de novos vasos. Baum et al. mostraram que os pacientes que foram submetidos à embolização somente do ramo principal do vazamento, por via endovascular, foram mais suscetíveis à recorrência, provavelmente devido ao desenvolvimento de circulação colateral por recrutamento de outros ramos. Assim, pode-se comparar esse mecanismo a uma má formação vascular, na qual somente o tratamento do nidus (leia-se: embolização do ponto central do vazamento dentro do saco aneurismático) é verdadeiramente efetivo, inibindo a recorrência14,15. Isso corresponde ao procedimento realizado na casuística apresentada, na qual se pode ver, nos exames de controle, o material embólico preenchendo o saco aneurismático16.
Atenção no acompanhamento dos pacientes embolizados deve continuar, mesmo após sucesso do tratamento, visto que alguns deles continuam a apresentar crescimento do saco aneurismático. Sarac et al.17 mostraram que pacientes tabagistas estão mais propensos a crescimento do saco aneurismático, mesmo apos uma embolização de Vazamento tipo 2 efetiva. Além disso, podem surgir outros tipos de vazamento com o remodelamento aórtico, decorrentes da presença da endoprótese ou do desenvolvimento de doença proximal ou distal.
O tratamento do Vazamento tipo 2 por embolização por micronavegação é um método efetivo e seguro, sendo considerado uma opção para esta complicação após o Reparo Endovascular do Aneurisma de Aorta Abdominal. Sua utilização, entretanto, requer treinamento adequado em técnicas endovasculares avançadas. Mais estudos são necessários a fim de melhor elucidar a fisiopatologia e a história natural do Vazamento tipo 2, além de definir critérios precisos para indicação do tratamento invasivo ou do acompanhamento radiológico.