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Empiema e pneumonia pneumocócica bacterêmica em menores de cinco anos de idade

Empiema e pneumonia pneumocócica bacterêmica em menores de cinco anos de idade

Autores:

Maria Regina Alves Cardoso,
Cristiana Maria Costa Nascimento-Carvalho,
Fernando Ferrero,
Eitan Naaman Berezin,
Raul Ruvinsky,
Clemax Couto Sant'Anna,
Maria Cristina de Cunto Brandileone,
Maria de Fátima Bazhuni Pombo March,
Ruben Maggi,
Jesus Feris-Iglesias,
Yehuda Benguigui,
Paulo Augusto Moreira Camargos

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713

J. bras. pneumol. vol.40 no.1 São Paulo jan./fev. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000100010

Streptococcus pneumoniae é amplamente reconhecida como a principal causa de mortalidade associada à pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e ocorrida durante a hospitalização, além de ser a causa mais comum de empiema em crianças. Relatou-se que a incidência de PAC pneumocócica complicada (PAC-PC) está aumentando em todo o mundo.( 1 ) Em crianças escocesas na faixa etária de 1-4 anos, houve um aumento de dez vezes nas admissões por empiema no período compreendido entre os anos 1980 e o ano de 2005.( 2 ) Esse aumento pode estar relacionado à suscetibilidade do hospedeiro, a características individuais, e à virulência do patógeno.

Poucos estudos investigaram as características da PAC-PC, especialmente as da PAC-PC associada a empiema pleural ou bacteremia - embora poucos casos de pneumonia pneumocócica sejam bacterêmicos - em crianças com menos de 5 anos de idade, nas quais o risco de morte por PAC é maior. A pneumonia pneumocócica bacterêmica (PPB) é considerada um estágio avançado da pneumonia pneumocócica grave, em que o reconhecimento precoce e o manejo adequado podem ter efeito positivo no desfecho.( 3 ) Como o empiema pleural e a PPB são potencialmente graves, é importante reconhecer suas peculiaridades clínicas a fim de administrar prontamente o tratamento oportuno.

Em um estudo recente de pacientes com PAC hospitalizados, as taxas de prevalência de derrame pleural e empiema foram de 27% e 17%, respectivamente.( 3 ) Em outro estudo, empiema foi encontrado em 83 (11%) de 767 crianças hospitalizadas com PAC; em comparação com as crianças com PAC sem empiema, as com empiema eram mais velhas, apresentavam períodos sintomáticos mais longos e tinham mais chance de receber anti-inflamatórios não esteroides.( 4 ) O objetivo do presente estudo foi comparar crianças menores de 5 anos com PPB àquelas com empiema pneumocócico (EP) quanto a suas características clínicas, radiológicas e laboratoriais.

Um estudo de coorte aninhado transversal foi conduzido em 12 centros na Argentina, no Brasil e na República Dominicana e incluiu 2.536 crianças de 3-59 meses de idade hospitalizadas com PAC grave; os resultados foram publicados anteriormente.( 5 ) No momento da admissão, foram realizadas hemoculturas e, quando apropriado, culturas de líquido pleural. S. pneumoniae foi isolada em 283 crianças por meio de procedimentos-padrão usados em laboratórios de referência locais. A maioria (90%) das crianças vivia em áreas urbanas, e nenhuma recebera a vacina pneumocócica conjugada ou anti-inflamatórios esteroides/não esteroides. Foram considerados casos de PPB aqueles em que S. pneumoniae foi isolada em hemocultura. Foram considerados casos de EP aqueles em que S. pneumoniae foi isolada em cultura de líquido pleural.

Os critérios de exclusão foram os seguintes: sinais de pneumonia muito grave (incluindo desnutrição grave, estridor em criança calma, inconsciência, convulsões, batimento de aletas nasais e cianose central) e infecções simultâneas. Também foram excluídos os pacientes com EP e PPB concomitantes (n = 3) e aqueles com derrame pleural de causa desconhecida (n = 50).

Consideramos resposta favorável ao tratamento inicial (doses convencionais de ampicilina ou penicilina G intravenosa tanto para os pacientes com PPB como para aqueles com EP) a melhora clínica inequívoca nas primeiras 48 h após a admissão ao hospital; consideramos falha do tratamento a ausência de melhoria (febre persistente - temperatura corporal medida no mínimo a cada 6 h - taquipneia, dificuldade em respirar ou hipoxemia) após pelo menos 48 h de antibioticoterapia ou a deterioração durante a terapia antimicrobiana.( 5 ) Dados demográficos, clínicos, radiológicos e laboratoriais foram obtidos no momento da admissão. Além disso, foram registrados o tempo de hospitalização e o desfecho do tratamento. Foi realizada uma análise estatística descritiva, e foram usados dois modelos de regressão logística múltipla, com controle da idade em ambos. Um dos modelos incluiu variáveis obtidas no momento da admissão e o outro incluiu variáveis obtidas durante a hospitalização.

O presente estudo incluiu 230 crianças com menos de 5 anos de idade (102 crianças com EP e 128 com PPB). Não houve diferença significativa entre os dois grupos no tocante ao uso de antibióticos antes da hospitalização (p = 0,23). A Tabela 1 apresenta a distribuição de frequência e a comparação (análise multivariada) dos dois grupos de crianças no momento da admissão e durante a hospitalização.

Tabela 1  Comparação (análise multivariada) de crianças com empiema pneumocócico e com pneumonia pneumocócica bacterêmica no momento da admissão ao hospital e durante a hospitalização. 

Características EP PPB OR ajustada (IC95%) p
(n = 102) (n = 128)
No momento da admissão ao hospital
Idade (meses)a 19 (12-33) 13 (9-22) 1,03 (1,00-1,05) 0,01
Duração da doençab
= 3 dias 17,7 34,4 1 0,013
4-6 dias 39,2 35,1 2,84 (1,23-6,58)
= 7 dias 43,1 30,5 3,12 (1,35-7,20)
Taquipneiab,c 91,2 75,6 4,16 (1,54-11,22) 0,005
Dificuldade em respirarb 87,9 70,9 3,61 (1,51-8,63) 0,004
Temperatura corporal > 37,5°C no momento da admissão ao hospitalb 42,4 68,2 0,32 (0,17-0,63) 0,001
Letargiab 53,5 67,7 0,35 (0,17-0,71) 0,004
Contagem de leucócitos > 15.000 células/mm3b 48,5 29,8 2,13 (1,10-4,13) 0,02
Durante a hospitalização
Dificuldade em respirar no 3º diab 57,6 27,0 2,9 (1,52-5,56) 0,001
Temperatura corporal (°C) no 3º diaa 37,6 (37,0-38,8) 37,0 (36,6-38,0) 1,65 (1,05-2,59) 0,028
Falha do tratamentob 17,6 12,5 0,39 (0,14-1,07) 0,06
Tempo de hospitalizaçãoa 11 (7-15) 7 (5-10,5) 1,09 (1,02-1,17) 0,004

EP: empiema pneumococico

PPB: pneumonia pneumococica bacteremica

aValores expressos em mediana (intervalo interquartil)

bValores expressos em %

cFR > 50 ciclos/min nas criancas com idade de 3-11 meses e > 40 ciclos/min naquelas com idade > 12 meses.

Em suma, nossa análise de regressão logística mostrou que, no momento da admissão, as crianças com EP eram mais velhas e apresentavam maior período sintomático antes da hospitalização. Além disso, taquipneia, dificuldade em respirar e contagem de leucócitos > 15.000 células/mm3 foram mais comuns nessas crianças. Febre persistente foi um dos achados mais comuns durante os primeiros dias de hospitalização e exigiu investigação (radiografia de tórax, ultrassonografia de tórax ou ambas). Febre (temperatura axilar > 37,5°C) e letargia basal/no momento do diagnóstico tenderam a ser mais comuns nas crianças com PPB. O tempo de hospitalização tendeu a ser maior para as crianças com EP (p < 0,001; dados não apresentados).

Nas crianças com EP, os sorotipos mais comuns foram o 14, o 1, o 6B, o 3, o 9V, o 19A e o 5, os quais corresponderam a 92,4% de todos os sorotipos encontrados nessas crianças. Nas crianças com PPB, os sorotipos mais comuns foram o 14, o 6B, o 5, o 1, o 6A, o 9V e o 19F, os quais corresponderam a 84,9% de todos os sorotipos encontrados nessas crianças. Em outras palavras, os sorotipos 1, 5, 6B e 14 foram encontrados tanto no EP como na PPB, ao passo que os sorotipos 6A, 9V, 19A e 19F foram encontrados ou no EP ou na PPB. Vale notar que os sorotipos 6A e 19A não fazem parte da vacina pneumocócica conjugada 10-valente atualmente usada no Brasil.

Até onde sabemos, o presente estudo é o primeiro a se concentrar especificamente em PPB e EP em crianças com menos de 5 anos de idade. Portanto, os resultados aqui apresentados não podem ser comparados aos de outros estudos. Na verdade, nossas análises mostraram que é provável que haja grande diferença entre crianças com PPB e crianças com EP no tocante às características demográficas, aos aspectos clínicos e aos achados hematológicos (isto é, à contagem de leucócitos).

Embora nossos objetivos e métodos tenham sido diferentes dos de François et al.,( 4 ) alguns dos resultados foram semelhantes. François et al. estudaram 767 crianças com PAC e constataram que 83 (11%) apresentavam empiema.( 4 ) As crianças com PAC e empiema eram mais velhas e apresentavam período sintomático maior do que aquelas com PAC sem empiema.( 4 ) Curiosamente, o tempo de hospitalização no presente estudo foi bastante semelhante ao relatado em um estudo com 33 crianças brasileiras com empiema (isto é, 12 dias).( 6 ) Além disso, o sorotipo 1 foi um dos quatro sorotipos encontrados tanto nas crianças com EP como naquelas com PPB (isto é, os sorotipos 14, 1, 6B e 5), um achado que está de acordo com os do estudo de François et al.,( 4 ) realizado em um país desenvolvido.

Em suma, nosso estudo investigou pacientes com PAC com menos de 5 anos de idade e mostrou achados clínicos e laboratoriais no momento da admissão e durante os três primeiros dias de hospitalização. Nossos achados podem ajudar os clínicos e pediatras a distinguir crianças com EP de crianças com PPB. Como essas duas doenças críticas estão associadas a altas taxas de morbidade e mortalidade, o diagnóstico clínico, laboratorial e radiológico rápido é crucial para o manejo adequado.

REFERÊNCIAS

1. Grijalva CG, Nuorti JP, Zhu Y, Griffin MR Increasing incidence of empyema complicating childhood community-acquired pneumonia in the United States. Clin Infect Dis. 2010;50(6):805-13. PMid:20166818
2. Roxburgh CS, Youngson GG, Townend JA, Turner SW. Trends in pneumonia and empyema in Scottish children in the past 25 years. Arch Dis Child. 2008;93(4):316-8. PMid:18006562
3. Calado C, Nunes P, Pereira L, Nunes T, Barreto C, Bandeira T. Are there any differences in the community acquired pneumonias admitted to hospital over the past decade?. Rev Port Pneumol. 2010;16(2):287-305. PMid:20437005
4. François P, Desrumaux A, Cans C, Pin I, Pavese P, Labarère J. Prevalence and risk factors of suppurative complications in children with pneumonia. Acta Paediatr. 2010;99(6):861-6. PMid:20178517
5. Cardoso MR, Nascimento-Carvalho CM, Ferrero F, Berezin EN, Ruvinsky R, Camargos PA, et al. Penicillin-resistant pneumococcus and risk of treatment failure in pneumonia. Arch Dis Child. 2008;93(3):221-5. PMid:17848490
6. Amorim PG, Morcillo AM, Tresoldi AT, Fraga Ade M, Pereira RM, Baracat EC. Factors associated with complications of community-acquired pneumonia in preschool children. J Bras Pneumol. 2012;38(5):614-21. PMid:23147054