Compartilhar

Emprego do peptídeo C na atenuação dos desfechos da doença renal do diabetes: uma revisão sistemática e meta-análise

Emprego do peptídeo C na atenuação dos desfechos da doença renal do diabetes: uma revisão sistemática e meta-análise

Autores:

Camila Marques Oliveira,
Caroline Pereira Domingueti

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.40 no.4 São Paulo out./dez. 2018 Epub 13-Ago-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2017-0027

INTRODUÇÃO

Na biossíntese da insulina ocorre a formação do peptídeo C por meio da clivagem da pró-insulina em insulina e peptídeo C. Esse peptídeo é constituído por 31 aminoácidos e sua sequência de aminoácidos apresenta variabilidade entre espécies, porém as posições de alguns resíduos de aminoácidos são preservadas em mamíferos ou alteram em apenas uma espécie.1 O peptídeo C é secretado na corrente sanguínea em uma concentração equimolar à da insulina, sendo utilizado clinicamente como indicador da secreção endógena desse hormônio.2

Há pouco tempo, o peptídeo C era visto como uma molécula inerte, contribuindo apenas na biossíntese da insulina,3 auxiliando seu correto dobramento e a formação de s pontes dissulfeto.1 Recentemente, foi proposto um papel funcional para o peptídeo C por meio de sua ligação às membranas celulares, diversidade de sinalização celular, efeitos fisiológicos e uma função protetora contra as complicações decorrentes do diabetes mellitus (DM).3 Estudos pré-clínicos demonstraram que o peptídeo C pode contribuir para a melhora dos desfechos relacionados à doença renal do diabetes (DRD).4,5

A DRD - uma das complicações microvasculares do DM - implica modificações estruturais e funcionais nos rins decorrentes de hiperglicemia crônica.2,6 As alterações estruturais englobam hipertrofia glomerular e renal, espessamento da membrana basal, atrofia tubular e fibrose intersticial, que colaboram para o desenvolvimento da hiperfiltração, proteinúria e declínio da função renal.2 A DRD acomete aproximadamente 20% a 30% dos pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2), e sua incidência prejudica a qualidade de vida e a sobrevivência dos pacientes com DM.6 A triagem da DRD é realizada por meio da determinação anual da excreção urinária de albumina (EUA) e da taxa de filtração glomerular (TFG).7

Alguns autores verificaram que a administração de peptídeo C em roedores diabéticos resultou em melhora da esclerose glomerular e diminuição do espessamento da membrana basal glomerular, da albuminúria e da hiperfiltração.5,8,9 Outro indício da relevância do peptídeo C na prevenção da DRD vem do resultado do transplante de ilhotas pancreáticas juntamente com o transplante de rim, quando a função persistente das ilhotas pancreáticas está associada à melhor sobrevida e função do enxerto renal.10 Portanto, o peptídeo C tem se mostrado bastante promissor para o tratamento e a prevenção da DRD, podendo complementar as estratégias terapêuticas atualmente disponíveis, as quais consistem no uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (captopril, enalapril, lisinopril, etc.) e em antagonistas do receptor de angiotensina (losartan, irbesartan, telmisartan, etc.).11 Sendo assim, este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura e meta-análise sobre a utilidade do peptídeo C para a atenuação dos desfechos da DRD.

METODOLOGIA

ESTRATÉGIA DE BUSCA

Foi realizada uma busca eletrônica nas bases de dados Medline (PubMed), Web of Science e Scielo. O Medical Subject Headings (MeSH) foi utilizado para a definição dos descritores das bases de dados PubMed e Web of Science, e o Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) foi utilizado para a definição dos descritores da base de dados Scielo.

A seleção dos artigos nas bases de dados PubMed e Web of Science foi feita com a inserção dos descritores "C-peptide", "C Peptide", "Connecting Peptide", "Proinsulin C-Peptide", "Proinsulin C Peptide", "C-Peptide, Proinsulin", "C Peptide, Proinsulin", em combinação com os descritores "diabetic nephropathies", "Nephropathies, Diabetic", "Nephropathy, Diabetic", "Diabetic Nephropathy", "Diabetic Kidney Disease", "Diabetic Kidney Diseases", "Kidney Disease, Diabetic", "Kidney Diseases, Diabetic", "Diabetic Glomerulosclerosis", "Kimmelstiel-Wilson Syndrome", "Kimmelstiel Wilson Syndrome", "Syndrome, Kimmelstiel-Wilson", "Kimmelstiel-Wilson Disease", "Kimmelstiel Wilson Disease", "Nodular Glomerulosclerosis", "Glomerulosclerosis, Nodular", "Glomerulosclerosis, Diabetic", "Intracapillary Glomerulosclerosis", utilizando-se o conector "AND" entre os termos. Já a seleção dos artigos na base de dados Scielo foi realizada a partir dos descritores "C-peptide" e "proinsulin C-peptide", em combinação com os descritores "diabetic nephropathies", "glomerulosclerosis, diabetic", "diabetic glomerulosclerosis", utilizando-se o conector "AND" entre os termos (Anexo 1).

CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE

Foram estabelecidos como critérios de elegibilidade ensaios clínicos e pré-clínicos in vivo, redigidos em inglês, português ou espanhol, pelos quais foi avaliada a utilidade do peptídeo C na atenuação dos desfechos da DRD. Os critérios de elegibilidade foram estabelecidos de acordo com a recomendação PRISMA,12 e consistiram em:

  • População: Animais que receberam administração apenas de peptídeo C ou seres humanos que receberam administração de hipoglicemiante e peptídeo C.

  • Exposição: Administração de peptídeo C.

  • Controle: Animais que receberam administração apenas de salina ou seres humanos que receberam administração de hipoglicemiante e salina.

  • Outcome (desfecho): Atenuação dos desfechos da DRD.

  • Study design (desenho do estudo): Ensaio clínico ou pré-clínico in vivo.

Os resultados das comparações realizadas entre os grupos de animais que receberam outras intervenções que não a administração de peptídeo C, tais como insulina e drogas, não foram incluídos na revisão sistemática. Os artigos de revisão, ensaios in vitro e relatos de caso foram excluídos. Não houve restrição do período de publicação dos artigos incluídos nesta revisão, e a busca nos bancos de dados foi realizada até junho de 2017.

SELEÇÃO DOS ARTIGOS

A seleção dos artigos foi realizada em duas etapas, ambas realizadas por duas pessoas de forma independente. Opiniões divergentes foram resolvidas por um acordo entre as duas pessoas. Na primeira etapa, os artigos foram identificados de acordo com os critérios de busca, e os artigos duplicados foram excluídos. Posteriormente, foi feita uma leitura preliminar do título e do resumo dos artigos encontrados, com o objetivo de incluir apenas os artigos que cumpriam os critérios de elegibilidade. Na segunda etapa, os artigos selecionados na primeira etapa foram lidos na íntegra, e aqueles que atendiam aos critérios de elegibilidade foram incluídos na revisão sistemática.

EXTRAÇÃO DE DADOS DOS ARTIGOS SELECIONADOS

Foram extraídos dos ensaios pré-clínicos selecionados os seguintes dados: linhagem de roedor utilizada no experimento; método de indução do DM; tempo de exposição do DM; origem do peptídeo C administrado; dose, via, local e tempo de administração do peptídeo C; tamanho amostral do grupo intervenção e do grupo controle; parâmetros avaliados para caracterizar a DRD; e resultados obtidos. A extração dos dados dos artigos foi realizada por duas pessoas de forma independente, e opiniões divergentes foram resolvidas por um acordo entre elas. Foram extraídos do ensaio clínico os seguintes dados: tipo de DM, dose e tempo de administração do peptídeo C, tamanho amostral do grupo intervenção e do grupo controle, parâmetros avaliados para caracterizar a DRD e resultados obtidos.

QUALIDADE METODOLÓGICA DOS ARTIGOS

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos pré-clínicos incluídos na revisão foi realizada por duas pessoas de forma independente, e opiniões divergentes foram resolvidas por um acordo entre elas. Utilizou-se a ferramenta SYRCLE,13 que avalia o risco de viés para estudos em animais. Essa ferramenta contém as seguintes categorias de avaliação: viés de seleção, viés de performance, viés de detecção, viés de atrito, viés de relato e outras fontes de viés. Dez perguntas são aplicadas aos artigos incluídos na revisão sistemática, cujas respostas podem ser "SIM", o que indica baixo risco de viés, "NÃO", o que indica alto risco de viés, e "INCERTO", o que indica risco de viés incerto. Não é recomendado calcular o escore somatório de cada estudo individual por essa ferramenta.13

META-ANÁLISE

Foram incluídos na meta-análise apenas os estudos pré-clínicos que analisaram os mesmos desfechos, utilizaram a mesma técnica para indução do DM nos animais, apresentaram os resultados na forma de média e desvio-padrão, e utilizaram unidades de medida conversíveis entre si. Os estudos que avaliaram os desfechos volume glomerular e TFG foram agrupados de acordo com o tempo de exposição do diabetes para a realização da meta-análise, já que maior duração do diabetes pode resultar em maior comprometimento renal.11 A média, o desvio-padrão e o tamanho amostral do grupo que recebeu peptídeo C e do grupo controle de cada estudo foram utilizados na realização da meta-análise, e a heterogeneidade entre os estudos foi avaliada por meio do teste I.2 Os estudos que apresentaram I2 > 50% e valor p < 0,10 foram considerados heterogêneos. A diferença entre as médias foi calculada utilizando o modelo de efeito randômico, na presença de heterogeneidade, e o modelo de efeito fixo, na presença de homogeneidade. O programa estatístico Review Manager versão 5 foi utilizado na realização das meta-análises.

RESULTADOS

O fluxograma das etapas de seleção dos artigos para esta revisão sistemática é apresentado na Figura 1. Após aplicação dos critérios de elegibilidade, 12 artigos foram incluídos nessa revisão.

Figura 1 Fluxograma da seleção dos artigos a serem incluídos na revisão sistemática segundo os critérios de elegibilidade empregados no estudo. 

Durante a busca dos artigos, foi encontrado apenas um estudo clínico, que avaliou os efeitos da administração do peptídeo C juntamente com insulina em pacientes com DM1 e DRD durante 6 meses.14 A DRD foi definida pela presença de EUA entre 20 e 300 µg/min. A idade dos pacientes com DRD estava compreendida entre 20 e 30 anos. O grupo que recebeu a administração de peptídeo C era constituído por 10 pacientes, e aquele que não recebeu a administração de peptídeo C era constituído por 11 pacientes. O peptídeo C humano foi administrado no tecido subcutâneo abdominal na dose de 600 nmol (dividida em 3 doses em 24 horas) durante 3 meses. O grupo que recebeu peptídeo C apresentou menor EUA (µg/min) após 2 meses (p < 0,05) e 3 meses (p < 0,01) de tratamento, e menor relação albumina/creatinina urinária após 3 meses de tratamento (p < 0,01) em comparação com o grupo controle. Não houve diferença significativa entre os grupos com relação à TFG.

As características dos 11 estudos pré-clínicos selecionados são apresentadas na Tabela 1. Os estudos foram publicados entre o ano de 2001 e 2015, sete9,16,17,18,19,21,22 (64%) destes utilizaram ratos Sprague-Dawley no experimento, dois15,20 (18%) utilizaram ratos Wistar, um8 (9%) utilizou camundongos C57/BI6J e um5 (9%) utilizou ratos Goto-Kakizaki.

Tabela 1 Características dos estudos selecionados 

Autor/Ano Linhagem de roedor/tempo de exposição ao diabetes Método de indução do DM Origem do peptídeo C administrado Dose de peptídeo C administrada/via/local e tempo de administração Tamanho amostral do grupo caso e do grupo controle Parâmetros avaliados
Xuet al.,20155 Ratos Goto-Gakizaki/10 semanas Dieta rica em gordura durante 2 semanas Peptídeo C de rato 50 pmol/kg/min de peptídeo C administrado subcutaneamente por uma microbomba implantada na cavidade abdominal durante 12 semanas Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 8; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 8 Albuminúria, síntese de expressão de fibronectina
Nakamotoet al.,201515 Ratos Wistar/17 a 18 semanas Administração de estreptozotocina 50 mg/kg Não informado 50 pmol/kg/min de peptídeo C administrado subcutaneamente por uma microbomba implantada nas costas durante 24 horas Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 20; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 11 Largura dos espaços entre os processos pediculados dos podócitos
Sunet al.,201016 Ratos Sprague-Dawley/2 semanas Injeção intravenosa de estreptozotocina 50 mg/kg Peptídeo C humano 130 nmol/kg de peptídeo C injetado subcutaneamente duas vezes ao dia durante 8 semanas Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 9; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 9 Razão peso do rim/peso corporal, volume glomerular, razão área matriz extracelular/área glomerular
Kamikawaet al.,200817 Ratos Sprague-Dawley/1 semana Injeção intraperitoneal de estreptozotocina 45 mg/kg Peptídeo C humano 35 pmol/min/kg de peptídeo C administrado subcutaneamente por uma bomba osmótica durante uma semana Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 7; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 11 Expressão de eNOS nos rins e volume glomerular
Nordquistet al.,200718 Ratos Sprague-Dawley/2 semanas Injeção intravenosa de estreptozotocina 55 mg/kg Peptídeo C de rato e fragmento de peptídeo C 50 pmol/kg/min de peptídeo C e 500 pmol/kg/min de fragmento de peptídeo C administrados durante 100 minutos Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 9; grupo com DM que recebeu fragmento de peptídeo C = 9; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 8 TFG determinada por meio do cálculo do clearance da inulina, fluxo urinário, excreção urinária de sódio e potássio
Rebsomen et al.,200619 Ratos Sprague-Dawley/1 semana Injeção intraperitoneal de estreptozotocina 65 mg/kg Peptídeo C de rato 50 pmol/kg/dia de peptídeo C administrado por infusão intraperitoneal contínua por uma minibomba osmótica colocada na cavidade peritoneal durante 28 dias Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 6; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 6 Proteinúria, excreção urinária de sódio e TFG determinada por meio do cálculo do clearance da creatinina
Maezawaet al.,20068 Camundongos C57/Bl6J/2 semanas Injeção intraperitoneal de estreptozotocina 100 mg/kg Peptídeo C de rato e peptídeo C modificado 290 pmol/kg/min de peptídeo C administrados subcutaneamente por uma minibomba osmótica durante 24 horas ou uma semana Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 7; grupo com DM que recebeu peptídeo C modificado = 7; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 7 Albuminúria, expressão de colágeno IV e TFG-β e TFG determinada por meio do cálculo do clearance da creatinina
Samnegard et al.,200520 Ratos Wistar/4 semanas Injeção intravenosa de estreptozotocina 60 mg/kg Peptídeo C de rato 50 pmol/kg/min de peptídeo C administrado por infusão subcutânea contínua por uma bomba osmótica colocada no pescoço durante 4 semanas Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 11; grupo com DM que não recebeu wpeptídeo C = 11 Volume glomerular, volume mesangial, volume da matriz mesangial, albuminúria, excreção urinária de sódio e potássio, TFG determinada por meio do cálculo do clearance da inulina e espessamento da membrana basal glomerular
Samnegard et al.,200421 Ratos Sprague-Dawley/2 semanas Injeção intravenosa de estreptozotocina 55 mg/kg Peptídeo C de rato 50 pmol/kg/min de peptídeo C administrado durante 60 minutos Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 13; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 7 TFG determinada por meio do cálculo do clearance da inulina
Huanget al.,200222 Ratos Sprague-Dawley/2 semanas Administração de estreptozotocina 65 mg/kg Peptídeo C humano Injeção intravenosa em bolus de 0,6; 1,8; 6; 18 e 60 nmol/kg seguida da infusão contínua de 30 nmol/kg/h de peptídeo C Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 11 (dose 0,1x); 10 (dose 0,3x); 7 (dose 1x); 9 (dose 3x); 8 (dose 10x); grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 14 Albuminúria e concentração plasmática de sódio e potássio
Samnegard et al.,20019 Ratos Sprague-Dawley/2 semanas Injeção intravenosa de estreptozotocina 60 mg/kg Peptídeo C de rato 50 pmol/kg/min de peptídeo C administrado por uma infusão intravenosa contínua por uma bomba osmótica colocada no tecido subcutâneo do pescoço anexada a um cateter inserido na veia jugular direita durante 2 semanas Grupo com DM que recebeu peptídeo C = 7; grupo com DM que não recebeu peptídeo C = 7 Volume glomerular, TFG determinada por meio do cálculo do clearance da inulina, albuminúria e excreção urinária de sódio e potássio

DM - Diabetes mellitus; eNOS - expressão da enzima óxido nítrico sintase endotelial; TFG - Taxa de filtração glomerular; TGF-β - Fator de crescimento transformante beta

Dentre os estudos, dez (91%) induziram o DM nos roedores pela administração de estreptozotocina; cinco9,16,18,20,21 (45%) utilizaram a via intravenosa; três8,17,19 (27%), a via intraperitoneal; e dois15,22 (18%) não informaram a via de administração. Apenas um5 (9%) estudo induziu o DM por meio de dieta rica em gordura durante duas semanas. A dose administrada variou de 45 mg/kg a 100 mg/kg. O tempo de exposição do DM foi de duas semanas em seis8,9,16,18,21,22 estudos (55%), uma semana em dois17,19 estudos (18%), quatro semanas em um20 estudo (9%), dez semanas em um5 estudo (9%) e 17 a 18 semanas em um15 estudo (9%).

Quanto à origem do peptídeo C administrado no grupo intervenção, cinco5,9,19,20,21 (45%) estudos administraram somente peptídeo C de rato, três16,17,22 (27%) administraram somente peptídeo C humano, um15 (9%) não informou a origem do peptídeo C administrado, um (9%)18 administrou peptídeo C de rato e fragmento de peptídeo C, e um8 (9%) administrou peptídeo C de rato e peptídeo C modificado. Em relação à via de administração, seis8,15,16,17,20 (55%) estudos administraram o peptídeo C pela via subcutânea, dois18,21 (18%) não informaram a via pela qual o peptídeo C foi administrado, dois9,22 (18%) administraram o peptídeo C pela via intravenosa e um19 (9%) administrou o peptídeo C pela via intraperitoneal. A dose administrada variou de 35 pmol/kg/min a 130 nmol/kg/min, e o tempo de administração variou de 60 minutos a 12 semanas nos estudos selecionados. O tamanho amostral nos estudos variou de 6 a 20, no grupo intervenção, e de 6 a 14, no grupo controle.

Os parâmetros avaliados de cada um dos estudos estão apresentados na Tabela 1. Dentre os estudos incluídos nesta revisão, seis8,9,18,19,20,21 (55%) avaliaram a TFG, cinco5,8,9,20,22 (45%) avaliaram a EUA, quatro9,16,17,20 (36%) avaliaram o volume glomerular e três9,18,20 (27%) avaliaram a excreção urinária de sódio e potássio.

Os resultados dos estudos pré-clínicos estão apresentados na Tabela 2. Três9,18,21 estudos encontraram menor hiperfiltração no grupo que recebeu peptídeo C em relação ao grupo controle, três5,8,9 encontraram menor EUA no grupo que recebeu peptídeo C (mas não no grupo que recebeu peptídeo C modificado), três9,15,19 estudos encontraram menor volume glomerular no grupo que recebeu peptídeo C e nenhum estudo que avaliou a excreção urinária de sódio e potássio encontrou diferença significativa entre os grupos.

Tabela 2 Resultados dos estudos selecionados 

Autor/Ano Resultado obtido
Xu et al., 20155 Grupo peptídeo C apresentou menor albuminúria (p < 0,01) e expressão de fibronectina (p < 0,01) em comparação com o grupo controle.
Nakamoto et al., 201515 Grupo peptídeo C apresentou maior largura dos espaços entre os processos pediculados dos podócitos em comparação com o grupo controle (p < 0,05).
Sun et al., 201016 Grupo peptídeo C apresentou menor razão do peso do rim/peso corporal (p < 0,05), menor volume glomerular (p < 0,01) e menor razão área matriz extracelular/área glomerular (p < 0,01) em comparação com o grupo controle.
Kamikawa et al., 200817 Grupo peptídeo C apresentou menor expressão de eNOS nos rins em comparação com o grupo controle (p < 0,05); não houve diferença significativa entre o grupo peptídeo C e o grupo controle com relação ao volume glomerular.
Nordquist et al., 200718 Grupos peptídeo C e fragmento de peptídeo C apresentaram menor hiperfiltração em comparação com o grupo controle (p < 0,05); não houve diferença significativa entre os grupos peptídeo C e fragmento de peptídeo C e o grupo controle com relação ao fluxo urinário e à excreção urinária de sódio e potássio.
Rebsomen et al., 200619 Grupo peptídeo C apresentou menor proteinúria e excreção urinária de sódio em comparação com o grupo controle (p < 0,05); não houve diferença significativa entre o grupo peptídeo C e o grupo controle com relação à TFG.
Maezawa et al., 20068 Grupo peptídeo C apresentou menor albuminúria (p < 0,01) e expressão de colágeno IV e TGF-β (p < 0,05) em comparação com o grupo controle; não houve diferença significativa entre o grupo peptídeo C modificado e o grupo controle com relação à albuminúria e à expressão de colágeno IV e TGF-β; não houve diferença significativa entre os grupos com relação à TFG.
Samnegard et al., 200520 Grupo peptídeo C apresentou menor volume glomerular (p < 0,001), menor volume mesangial (p < 0,01) e menor volume da matriz mesangial (p < 0.01) em comparação com o grupo controle; não houve diferença significativa entre o grupo peptídeo C e o grupo controle com relação à albuminúria, excreção urinária de sódio e potássio, TFG e espessamento da membrana basal glomerular.
Samnegard et al., 200421 Grupo peptídeo C apresentou menor hiperfiltração em comparação com o grupo controle.
Huang et al., 200222 Não houve diferença significativa entre o grupo peptídeo C e o grupo controle com relação à albuminúria e concentração plasmática de sódio e potássio.

Os resultados sobre a qualidade metodológica dos estudos pré-clínicos estão apresentados na Tabela 3. Todos os artigos podem ser classificados como de baixo risco de viés.

Tabela 3 Avaliação da qualidade dos estudos, segundo a escala SYRCLE 

Autor/Ano Viés de seleção Viés de performance Viés de detecção Viés de atrito Viés de relato Outras fontes de viés
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Xu et al., 20155 S S ? S ? ? ? S S S
Nakamoto et al., 201515 S S ? S ? ? ? S S S
Sun et al., 201016 S S ? S ? ? ? S S S
Kamikawa et al., 200817 S S ? S ? ? ? N S S
Nordquist et al., 200718 S S ? S ? ? ? S S S
Rebsomen et al., 200619 S S ? S ? ? ? S S S
Maezawa et al., 20068 S S ? S ? ? ? S S S
Samnegard et al., 200520 S S ? S ? ? ? S S S
Samnegard et al., 200421 S S ? S ? ? ? S S S
Huang et al., 200222 S S ? S ? ? ? S S S
Samnegard et al., 20019 S S ? S ? ? ? S S S

S - SIM (baixo risco de viés); N - não (alto risco de viés); ? - incerto (risco de viés incerto); 1- Sequência de alocação: Em todos os artigos os grupos caso e controle foram alocados de modo aleatório; 2- Características de base: Em todos os artigos os grupos caso e controle receberam estreptozotocina ou dieta rica em gordura e desenvolveram DM, portanto, ambos apresentavam DM no início do experimento; 3 - Ocultamento da alocação: Nenhum artigo descreveu se houve ocultamento na alocação dos grupos caso e controle; 4 - Alojamento aleatório: Em todos os artigos os grupos caso e controle foram distribuídos aleatoriamente entre os alojamentos estando expostos às mesmas condições; 5 - Cegamento: Nenhum artigo descreveu se o pesquisador tinha conhecimento sobre quais animais recebiam cada tipo de intervenção (salina ou peptídeo C); 6 - Avaliação aleatória do desfecho: Nenhum artigo descreveu se a avaliação do desfecho dos grupos caso e controle foi realizada aleatoriamente; 7 - Cegamento: Nenhum artigo descreveu se o pesquisador tinha conhecimento sobre quais animais haviam recebido cada tipo de intervenção (salina ou peptídeo C) na avaliação do desfecho; 8 - Resultado do desfecho incompleto: Todos os artigos, exceto um, não excluíram nenhum animal na avaliação do desfecho; 9 - Relato seletivo do desfecho: Em todos os estudos não foi realizado relato seletivo de desfechos cujos resultados foram significativos; 10 - Outras fontes de viés: Nenhum artigo apresentou outras fontes de viés.

Nas Figuras 2, 3 e 4 estão presentes os resultados das meta-análises. Os estudos incluídos na realização das meta-análises em que foram avaliados os desfechos volume glomerular e excreção urinária de potássio apresentaram homogeneidade entre si (I2 = 0% para os estudos que avaliaram o volume glomerular com diferentes tempos de exposição do DM, e com o mesmo tempo de exposição do DM e I2 = 10% para os estudos que avaliaram a excreção urinária de potássio). Os estudos incluídos na realização das meta-análises em que foram avaliados os desfechos TFG, albuminúria e excreção urinária de sódio apresentaram heterogeneidade entre si (I2 = 98% e p < 0,001, e I2 = 99% e p < 0,001 para os estudos que avaliaram a TFG com diferentes tempos de exposição do DM e com o mesmo tempo de exposição do DM, respectivamente; I2 = 91% e p < 0,001, e I2 = 83% e p = 0,003 para os estudos que avaliaram a albuminúria e a excreção urinária de sódio, respectivamente).

Figura 2 Meta-análise dos estudos que avaliaram o volume glomerular: A) estudos com diferentes tempos de exposição do diabetes (2 ou 4 semanas); B) estudos com o mesmo tempo de exposição do diabetes (2 semanas). Os valores de média, desvio-padrão, diferença de médias e intervalo de confiança de 95% são elevados a 106 potência. 

Figura 3 Meta-análise dos estudos que avaliaram a taxa de filtração glomerular: A) estudos com diferentes tempos de exposição ao diabetes (2 ou 4 semanas); B) estudos com o mesmo tempo de exposição ao diabetes (2 semanas). 

Figura 4 Meta-análise dos estudos que avaliaram: A) albuminúria; B) excreção urinária de sódio; C) excreção urinária de potássio. 

A meta-análise demonstrou que os animais que receberam peptídeo C apresentaram volume glomerular significativamente menor do que aqueles que não o receberam tanto quando avaliados estudos com diferentes tempos de exposição do DM [diferença entre as médias = -0,33 x 106 (-0,37 x 106 - -0,30 x 106), p < 0,001] quanto quando avaliados estudos com o mesmo tempo de exposição do DM [diferença entre as médias = -0,34 x 106 (-0,37 x 106 - -0,30 x 106), p < 0,001]. Também foi verificado pela meta-análise que os animais que receberam peptídeo C apresentaram excreção urinária de potássio significativamente menor do que aqueles que não o receberam [diferença entre as médias = -0,33 (-0,45 - -0,22), p < 0,001]. Com relação à TFG, não foram encontradas diferenças significativas entre os animais que receberam peptídeo C em comparação com aqueles que não o receberam nem quando foram avaliados estudos com diferentes tempos de exposição do DM [diferença entre as médias = -0,76 (-1,68 - 0,16), p = 0,11] e nem quando foram avaliados estudos com o mesmo tempo de exposição do DM [diferença entre as médias = -0,82 (-2,29 - 0,64), p = 0,27]. Também não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos com relação à albuminúria e à excreção urinária de sódio [diferença entre as médias = -0,03 (-0,20 - 0,15), p = 0,77; 0,14 (-0,29 - 0,57, p = 0,52, respectivamente].

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo avaliar a utilidade do peptídeo C na atenuação dos desfechos da DRD por meio de uma revisão sistemática da literatura e meta-análise.

Um único estudo clínico14 foi incluído nesta revisão sistemática, o qual verificou que o grupo de pacientes com DM1 e DRD que recebeu peptídeo C apresentou menor albuminúria após 3 meses de tratamento em comparação com o grupo controle. Contudo, não foi observada diferença significativa entre os grupos com relação à TFG. Desse modo, é possível concluir que a administração de peptídeo C em pacientes com DM1 e DRD pode contribuir para diminuição da EUA e, portanto, para melhora da DRD.

A TFG e a EUA consistem nos principais parâmetros utilizados para a avaliação da DRD em seres humanos.23 Dentre os estudos pré-clínicos incluídos na revisão, seis avaliaram a TFG e cinco avaliaram a EUA, sendo que três encontraram menor hiperfiltração e três encontraram menor EUA no grupo que recebeu peptídeo C (mas não no grupo que recebeu peptídeo C modificado). Contudo, não foram observadas diferenças significativas entre os animais que receberam peptídeo C e aqueles que não o receberam com relação à TFG e à EUA na meta-análise. Uma possível explicação para esse resultado consiste no fato de que os estudos utilizaram diferentes métodos para determinação da TFG e da EUA. Dentre os estudos incluídos nas meta-análises, dois9,20 determinaram a TFG por meio do cálculo de clearance da inulina e um8 por meio do cálculo de clearance da creatinina. Um8 estudo determinou a albuminúria por meio da técnica de ELISA e outro20 por meio de nefelometria.

Dois possíveis mecanismos explicam a diminuição da hiperfiltração e da EUA nos roedores diabéticos em decorrência da administração do peptídeo C. O peptídeo C constringe a arteríola aferente glomerular havendo ao mesmo tempo uma dilatação da arteríola eferente glomerular, diminuindo a pressão de filtração glomerular e, assim, a TFG e a EUA, sem haver modificação no fluxo sanguíneo renal.24 A constrição da arteríola aferente glomerular pelo peptídeo C pode estar relacionada à inibição da expressão de eNOS proporcionada pelo peptídeo C.17 O peptídeo C também bloqueia a atividade da Na+-K+-ATPase renal (que está aumentada no início do DM), diminuindo a reabsorção de Na+ pelo túbulo contorcido proximal (aumentando a excreção de sódio na urina), diminuindo a pressão de filtração glomerular e, assim, diminuindo a TFG e a EUA.24

Outro possível mecanismo para a redução da EUA consiste no fato de que o peptídeo C torna a barreira de filtração glomerular menos permeável, protegendo sua integridade, já que o peptídeo C previne a diminuição da expressão da proteína podocina nos glomérulos renais. Esse mecanismo também pode estar associado à menor proteinúria observada nos animais que receberam peptídeo C.25

O volume glomerular foi avaliado por quatro estudos, dos quais três encontraram menor volume glomerular no grupo que recebeu peptídeo C, o que foi confirmado pela meta-análise tanto quando foram avaliados estudos com diferentes tempos de exposição do DM (2 e 4 semanas) quanto quando foram avaliados apenas estudos com o mesmo tempo de exposição do DM (2 semanas). Dentre os três estudos que avaliaram a excreção urinária de sódio e potássio, nenhum encontrou diferença significativa entre os grupos. Contudo, a meta-análise demonstrou que, nos animais que receberam peptídeo C, a excreção urinária de potássio foi significativamente menor do que a daqueles que não o receberam.

Os parâmetros largura dos espaços entre os processos pediculados dos podócitos, razão peso do rim/peso corporal, razão área da matriz extracelular/área glomerular, expressão da enzima óxido nítrico sintase endotelial (eNOS) nos rins, fluxo urinário, proteinúria, excreção urinária apenas de sódio, expressão de fibronectina, colágeno IV e fator de crescimento transformante beta (TGF-β), volume mesangial, volume da matriz mesangial, espessamento da membrana basal glomerular e concentração plasmática de sódio e potássio foram cada um deles avaliados por apenas um estudo.

Dentre esses parâmetros, foram encontrados menor razão peso do rim/peso corporal, menor razão da área matriz extracelular/área glomerular, menor expressão de eNOS nos rins, menor proteinúria, menor excreção urinária de sódio, menor expressão de fibronectina, colágeno IV e TGF-β, menor volume mesangial e menor volume da matriz mesangial no grupo que recebeu administração do peptídeo C (mas não no grupo que recebeu peptídeo C modificado em relação à expressão de colágeno IV e TGF-β) em comparação com o grupo controle. O peptídeo C suprime a síntese exagerada dos componentes da matriz extracelular (especialmente o colágeno tipo IV), o que impede sua acumulação, impedindo o espessamento da membrana basal glomerular e a expansão da matriz mensagial, prevenindo assim a hipertrofia glomerular,16 o que pode explicar estes achados. O peptídeo C ainda inibe a expressão de TGF-β, o qual consiste em um indutor da síntese dos componentes da matriz extracelular, o que também pode contribuir para uma menor síntese de colágeno tipo IV e fibronectina.8

Os estudos incluídos nesta revisão empregaram ratos Wistar, ratos Sprague-Dawley, ratos Goto-Kakizaki e camundongos C57/Bl6J. Os ratos Wistars e Sprague-Dawley, os mais utilizados em experimentos de laboratório,26 também foram os mais utilizados nos estudos incluídos na revisão. A maioria dos estudos induziram o DM1 pela administração de estreptozotocina, uma glicosamina-nitrosureia utilizada para produzir o DM experimentalmente,27 provocando a destruição das células beta-pancreáticas.28 Apenas um estudo induziu DM2 por meio de dieta rica em gordura.5

Nos estudos foram administrados peptídeo C humano, peptídeo C de rato, fragmento de peptídeo C e peptídeo C modificado. Existe uma equivalência considerável entre o peptídeo C de rato e o peptídeo C humano, sendo ambos compostos por 31 aminoácidos, porém são necessários maiores níveis de peptídeo C humano para se produzir efeitos no rato do que o peptídeo C de rato, o que pode estar ligado à diferente disposição dos aminoácidos.16 O fragmento de peptídeo C, formado pelo fragmento carboxi-terminal do peptídeo C de rato (EVARQ), é capaz de produzir efeitos semelhantes ao peptídeo íntegro, sendo composto por 5 aminoácidos, o que pode indicar o local de atividade do peptídeo C;29 já o peptídeo C modificado é o peptídeo que possui a mesma composição de aminoácidos que o peptídeo C, porém estes estão organizados de forma aleatória.8 Este peptídeo mostrou não exercer efeitos no estudo que foi utilizado.

O tipo, a dose, o tempo de administração do peptídeo C, o tempo de exposição ao DM e a linhagem do roedor utilizada variaram entre os estudos, o que pode ter contribuído para a divergência entre os resultados encontrados. Nenhum dos estudos informou se foi realizado o cálculo amostral. Contudo, considerando uma diferença de 20% entre as médias do grupo controle e as do grupo que recebe o tratamento, e um coeficiente de variância de 15%, cinco animais por grupo são necessários para atingir uma significância de 0,05,30 o que indica que o tamanho amostral foi adequado em todos os estudos incluídos na revisão sistemática.

Todos os estudos pré-clínicos incluídos na revisão sistemática podem ser classificados como de baixo risco de viés segundo os critérios da escala SYRCLE. Apesar disso, a revisão apresenta algumas limitações. Os estudos selecionados consideraram diferentes parâmetros, sendo que apenas alguns estudos avaliaram a TFG e a albuminúria - os principais parâmetros empregados para avaliação da DRD na clínica. Alguns estudos não apresentaram os valores dos parâmetros avaliados, apenas citaram se os resultados foram significativos ou não, o que impossibilitou empregá-los na realização da meta-análise. Foi encontrado apenas um estudo clínico, o que dificultou a avaliação da utilidade do peptídeo C na atenuação dos desfechos da DRD em seres humanos. Além disso, a não inclusão de outras bases de dados na busca dos artigos e o viés de publicação, já que trabalhos com resultados negativos muitas vezes não são publicados ou são publicados em revistas não indexadas nas bases de dados selecionadas, pode comprometer a generalização dos resultados da revisão.

Além de pouco numerosos, os estudos incluídos nas meta-análises em que foram avaliados os desfechos TFG, albuminúria e excreção urinária de sódio apresentaram heterogeneidade significativa entre si, o que pode ter comprometido o resultado das meta-análises. Essa heterogeneidade é decorrente da variabilidade no delineamento dos estudos, já que houve variação no tipo de camundongo utilizado, no método utilizado para determinação da TFG e da albuminúria, e na dose e no tempo de administração do peptídeo C entre os estudos. Esse achado indica a necessidade de padronização dos futuros estudos pré-clínicos que forem conduzidos com o objetivo de avaliar a utilidade do peptídeo C para atenuação dos desfechos da DRD.

Uma revisão sistemática e meta-análise31 realizada previamente avaliou a utilidade terapêutica do peptídeo C na doença renal. Este estudo verificou que houve redução da proteinúria, do volume glomerular e da TFG nos animais com DM que receberam peptídeo C em comparação com aqueles que não o receberam. Os resultados da meta-análise do presente estudo também demonstraram que houve redução do volume glomerular nos animais tratados com peptídeo C. Esses achados foram observados tanto na avaliação dos estudos com diferentes tempos de exposição do DM (2 e 4 semanas) quanto na avaliação de apenas estudos com o mesmo tempo de exposição do DM (2 semanas), o que sugere que a administração do peptídeo C possa ser efetiva quando é realizada em diferentes tempos ao longo da evolução da doença nos animais.

Apesar dos resultados conflitantes dos estudos incluídos nesta revisão sistemática, a meta-análise demonstrou que os animais que receberam peptídeo C apresentaram menor volume glomerular e menor excreção urinária de potássio em comparação com aqueles que não o receberam, indicando que o peptídeo C pode contribuir para atenuar o desenvolvimento dos desfechos da DRD. Contudo, é fundamental realizar mais estudos pré-clínicos, e também estudos clínicos para uma melhor avaliação da possível utilidade clínica do peptídeo C no DM1 e no DM2.

CONCLUSÃO

Os resultados dos estudos incluídos nesta revisão sistemática foram divergentes. Contudo, a meta-análise demonstrou que a administração do peptídeo C resultou em menor volume glomerular e menor excreção urinária de potássio.

REFERÊNCIAS

1 Wahren J, Larsson C. C-peptide: New findings and therapeutic possibilities. Diabetes Res Clin Pract 2015;107:309-19.
2 Hills CE, Brunskill NJ, Squires PE. C-peptide as a therapeutic tool in diabetic nephropathy. Am J Nephrol 2010;31:389-97.
3 Hills CE, Brunskill NJ. Cellular and physiological effects of C-peptide. Clin Sci (Lond) 2009;116:565-74.
4 Sjöquist M, Huang W, Johansson BL. Effects of C-peptide on renal function at the early stage of experimental diabetes. Kidney Int 1998;54:758-64.
5 Xu S, Jiang Y, Wang H, Wang Z, Liu H, Peng L, et al. C-peptide ameliorates renal injury in type 2 diabetic rats through protein kinase A-mediated inhibition of fibronectin synthesis. Biochem Biophys Res Commun 2015;458:674-80.
6 He Y, Xu Z, Zhou M, Wu M, Chen X, Wang S, et al. Reversal of Early Diabetic Nephropathy by Islet Transplantation under the Kidney Capsule in a Rat Model. J Diabetes Res 2016;2016:4157313.
7 Silveiro SP, Soares AA, Zelmanovitz T, Azevedo MJ. Recomendações atuais para a detecção da nefropatia diabética. Rev HCPA 2010;30:419-25.
8 Maezawa Y, Yokote K, Sonezaki K, Fujimoto M, Kobayashi K, Kawamura H, et al. Influence of C-peptide on early glomerular changes in diabetic mice. Diabetes Metab Res Rev 2006;22:313-22.
9 Samnegård B, Jacobson SH, Jaremko G, Johansson BL, Sjöquist M. Effects of C-peptide on glomerular and renal size and renal function in diabetic rats. Kidney Int 2001;60:1258-65.
10 Fiorina P, Folli F, Zerbini G, Maffi P, Gremizzi C, Di Carlo V, et al. Islet transplantation is associated with improvement of renal function among uremic patients with type I diabetes mellitus and kidney transplants. J Am Soc Nephrol 2003;14:2150-8.
11 Antão CF, Gallego R, Caldeira J. Complicações renais da diabetes Mellitus. Rev Port Clin Geral 2007;23:577-94.
12 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; PRISMA Group. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med 2009;6:e1000097.
13 Hooijmans CR, Rovers MM, de Vries RB, Leenaars M, Ritskes-Hoitinga M, Langendam MW. SYRCLE's risk of bias tool for animal studies. BMC Med Res Methodol 2014;14:43.
14 Johansson BL, Borg K, Fernqvist-Forbes E, Kernell A, Odergren T, Wahren J. Beneficial effects of C-peptide on incipient nephropathy and neuropathy in patients with Type 1 diabetes mellitus. Diabet Med 2000;17:181-9.
15 Nakamoto H, Nakayama K, Emoto N, Kajiya F. The short-term effects of C-peptide on the early diabetes-related ultrastructural changes to the podocyte slit diaphragm of glomeruli in rats. Microcirculation 2015;22:122-32.
16 Sun W, Gao X, Zhao X, Cui D, Xia Q. Beneficial effects of C-peptide on renal morphology in diabetic rats. Acta Biochim Biophys Sin (Shanghai) 2010;42:893-9.
17 Kamikawa A, Ishii T, Shimada K, Makondo K, Inanami O, Sakane N, et al. Proinsulin C-peptide abrogates type-1 diabetes-induced increase of renal endothelial nitric oxide synthase in rats. Diabetes Metab Res Rev 2008;24:331-8.
18 Nordquist L, Moe E, Sjöquist M. The C-peptide fragment EVARQ reduces glomerular hyperfiltration in streptozotocin-induced diabetic rats. Diabetes Metab Res Rev 2007;23:400-5.
19 Rebsomen L, Pitel S, Boubred F, Buffat C, Feuerstein JM, Raccah D, et al. C-peptide replacement improves weight gain and renal function in diabetic rats. Diabetes Metab 2006;32:223-8.
20 Samnegård B, Jacobson SH, Jaremko G, Johansson BL, Ekberg K, Isaksson B, et al. C-peptide prevents glomerular hypertrophy and mesangial matrix expansion in diabetic rats. Nephrol Dial Transplant 2005;20:532-8.
21 Samnegård B, Jacobson SH, Johansson BL, Ekberg K, Isaksson B, Wahren J, et al. C-peptide and captopril are equally effective in lowering glomerular hyperfiltration in diabetic rats. Nephrol Dial Transplant 2004;19:1385-91.
22 Huang DY, Richter K, Breidenbach A, Vallon V. Human C-peptide acutely lowers glomerular hyperfiltration and proteinuria in diabetic rats: a dose-response study. Naunyn Schmiedebergs Arch Pharmacol 2002;365:67-73.
23 Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2015-2016). Rio de Janeiro: A.C. Farmacêutica/Sociedade Brasileira de Diabetes; 2016.
24 Nordquist L, Brown R, Fasching A, Persson P, Palm F. Proinsulin C-peptide reduces diabetes-induced glomerular hyperfiltration via efferent arteriole dilation and inhibition of tubular sodium reabsorption. Am J Physiol Renal Physiol 2009;297:F1265-72.
25 Sawyer RT, Flynn ER, Hutchens ZM Jr, Williams JM, Garrett MR, Maric-Bilkan C. Renoprotective effects of C-peptide in the Dahl salt-sensitive rat. Am J Physiol Renal Physiol 2012;303:F893-9.
26 Andreollo NA, Santos EF, Araújo MR, Lopes LR. Idade dos ratos versus idade humana: qual é a relação? ABCD Arq Bras Cir Dig 2012;25:49-51.
27 Silva M, Lima WG, Silva ME, Pedrosa ML. Efeito da estreptozotocina sobre os perfis glicêmico e lipídico e o estresse oxidativo em hamsters. Arq Bras Endocrinol Metab 2011;55:46-53.
28 Sabbag ARN. Ação da nicotinamida e da estreptozotocina no processo estimulo secreção de insulina em ilhotas pancreáticas isoladas [Dissertação de mestrado]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2000.
29 Ohtomo Y, Bergman T, Johansson BL, Jörnvall H, Wahren J. Differential effects of proinsulin C-peptide fragments on Na+, K+-ATPase activity of renal tubule segments. Diabetologia 1998;41:287-91.
30 Eckelman WC, Kilbourn MR, Joyal JL, Labiris R, Valliant JF. Justifying the number of animals for each experiment. Nucl Med Biol 2007;34:229-32.
31 Shaw JA, Shetty P, Burns KD, Fergusson D, Knoll GA. C-peptide as a therapy for kidney disease: A systematic review and meta-analysis. PLoS One 2015;10:e0127439.