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Emprego do Suporte Circulatório de Curta Duração como Ponte para Transplante Cardíaco Pediátrico

Emprego do Suporte Circulatório de Curta Duração como Ponte para Transplante Cardíaco Pediátrico

Autores:

Luiz Fernando Canêo,
Leonardo Augusto Miana,
Carla Tanamati,
Juliano Gomes Penha,
Monica Satsuki Shimoda,
Estela Azeka,
Nana Miura,
Filomena Regina Barbosa Gomes Galas,
Vanessa Alves Guimarães,
Marcelo Biscegli Jatene

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782X

Arq. Bras. Cardiol. vol.104 no.1 São Paulo jan. 2015 Epub 04-Nov-2014

https://doi.org/10.5935/abc.20140165

RESUMO

Introdução:

O transplante cardíaco é o tratamento de escolha na insuficiência cardíaca terminal, porém a escassez de doadores limita o seu emprego, especialmente na população pediátrica. O implante de dispositivos de assistência circulatória mecânica (ACM) pode aumentar o tempo de espera e contribuir na redução da mortalidade.

Objetivo:

Estudar a evolução dos pacientes pediátricos com diagnóstico de miocardiopatia, com indicação de transplante e que evoluíram em Intermacs1 ou 2, comparando a utilização ou não de algum tipo de ACM de curta duração.

Método:

No período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013, 40 pacientes com idade média de 4,5 anos foram admitidos com diagnóstico de miocardiopatia dilatada. Desses pacientes, 20 evoluíram em Intermacs 1 ou 2. Um faleceu em menos de 24 horas e 19 foram listados para transplante. Os pacientes foram divididos em dois grupos: A, pacientes manejados clinicamente em espera para o transplante; B, pacientes que utilizaram algum tipo de ACM de curta duração durante o tempo de espera em lista.

Resultados:

No grupo A (n=10), oito pacientes evoluíram para óbito aguardando o transplante e dois pacientes (20%) foram transplantados, sendo que nenhum recebeu alta hospitalar. No grupo B (n = 9), seis pacientes (66,7%; p = 0,04) foram transplantados e três receberam alta hospitalar (p = 0,049). As principais complicações foram insuficiência renal e sepse, no grupo A, e complicações neurológicas no grupo B.

Conclusão:

O emprego de ACM de curta duração aumentou a sobrevida dos pacientes priorizados e em fila de espera de transplante cardíaco pediátrico.

Palavras-Chave: Cardiomiopatias; Criança; Transplante de Coração; Circulação Assistida

ABSTRACT

Background:

Heart transplantation is considered the gold standard therapy for the advanced heart failure, but donor shortage, especially in pediatric patients, is the main limitation for this procedure, so most sick patients die while waiting for the procedure.

Objective:

To evaluate the use of short-term circulatory support as a bridge to transplantation in end-stage cardiomyopathy.

Methods:

Retrospective clinical study. Between January 2011 and December 2013, 40 patients with cardiomyopathy were admitted in our Pediatric Intensive Care Unit, with a mean age of 4.5 years. Twenty patients evolved during hospitalization with clinical deterioration and were classified as Intermacs 1 and 2. One patient died within 24 hours and 19 could be stabilized and were listed. They were divided into 2 groups: A, clinical support alone and B, implantation of short-term circulatory support as bridge to transplantation additionally to clinical therapy.

Results:

We used short-term mechanical circulatory support as a bridge to transplantation in 9. In group A (n=10), eight died waiting and 2 patients (20%) were transplanted, but none was discharged. In group B (n=9), 6 patients (66.7%) were transplanted and three were discharged.The mean support time was 21,8 days (6 to 984h). The mean transplant waiting list time was 33,8 days. Renal failure and sepsis were the main complication and causeof death in group A while neurologic complications were more prevalent en group B.

Conclusion:

Mechanical circulatory support increases survival on the pediatric heart transplantation waiting list in patients classified as Intermacs 1 and 2.

Key words: Cardiomyopathies; Child; Heart Transplantation; Assisted Circulation

Introdução

Embora o transplante cardíaco (TX) seja considerado o melhor tratamento na insuficiência cardíaca terminal, a escassez de doadores, especialmente em pediatria, limita o seu emprego.

A dificuldade de identificação da insuficiência cardíaca na criança faz com que muitas se apresentem pela primeira vez em nossas unidades de emergência em estágios bastante avançados da doença. Os pacientes que se apresentam ou evoluem com piora clínica progressiva e necessidade de suporte com drogas vasoativas, suporte ventilatório e disfunção hepática e renal (Intermacs 1 e 2 pela classificação da Interagency Registry for Mechanically Assisted Circulatory Support - Tabela 1) devem ser compensados hemodinamicamente para a reversão das disfunções orgânicas antes de serem submetidos ao TX1. Muitas vezes, medidas clínicas isoladas não são suficientes, e a mortalidade desses pacientes na espera pelo transplante é superior a 90% em 30 dias1.

Tabela 1 Classificação da insuficiência cardíaca avançada proposta pelo Interagency Registry for Mechanically Assisted Circulatory Support (Intermacs) 

Perfil Condições hemodinâmicas
1 choque cardiogênico crítico: hipotensão persistente apesar da rápida escalada de drogas vasotivas, hipoperfusão tecidual critica
2 declínio progressivo: suporte inotrópico endovenoso mantendo niveis pressóricos aceitáveis, deterioração progressiva do estado nutritivo, da função renal ou retenção de fluidos
3 estável na dependência de inotrópicos:estabilidade hemodinâmica dependente de droga vasosativa, não tolerando o desmame devido a hipotensão, piora dos sintomas ou da função renal
 
4 sintomas em repouso: sem drogas vasoativas, mas apresentando piora recorrente dos sintomas e retenção de liquido. Descompensão "recorrente" maior do que "refratária"
 
5 intolerância ao esforço: limitação severa a atividade fisica, confortável em repouso, pequena retenção hídrica e, às vezes, alguma disfunção renal. Vida predominante dentro de casa e vizinhança
6 limitado ao esforço: capaz de fazer algum exercício, porém cansa fácil, com intolerância a sobrecarga hídrica
7 classe III avançada da New York Heart Association: clinicamente estável com razoável conforto às atividades, apesar da historia prévia de descompensação recente
 

Dispositivos de assistência circulatória mecânica (ACM) de curta duração, como ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) e bombas centrífugas (CentriMag e PediMag - Thoratec Corporation, Pleasanton, CA, Estados Unidos, e Rotaflow - Maquet - Getinge Group, Rastatt, Alemanha), têm sido empregados na tentativa de manter o suporte hemodinâmico em condições ideais, melhorando as condições clínicas do paciente em espera pelo TX. Em nosso meio, devido às dificuldades de financiamento pelo sistema de saúde, temos empregado ACM em casos selecionados e esporádicos. A ECMO pode ser utilizada com certa segurança, porém interfere negativamente no resultado do transplante quando empregada em períodos superiores a 15 dias. Já o emprego de bomba centrífuga isolada tem se mostrado uma alternativa à ECMO, permitindo maior tempo de suporte ventricular, maior mobilidade da criança e resultados animadores como os publicados por alguns grupos. No entanto, disfunção biventricular e/ou pulmonar são limitantes para esse método, principalmente em casos de choque circulatório avançado6-8.

No final de 2011, percebendo a péssima evolução desses pacientes, começamos nossa experiência com a instalação de dispositivos de ACM nos pacientes Intermacs 1 e 2. A disponibilidade do uso dos equipamentos foi limitada, porém cada vez mais possível no decorrer do estudo.

O presente estudo visa avaliar o impacto desses dispositivos na sobrevida dos pacientes na fila de espera e após o TX.

Método

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq) sob o número CAAE: 20282113.2.0000.0068.

No período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013, 40 pacientes menores de 18 anos com diagnóstico de miocardiopatia foram internados na unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica de nossa instituição. Destes, 20 evoluíram em Intermacs 1 ou 2, perfazendo a nossa população de estudo. Um deles evoluiu para óbito em 24 horas e 19 permaneceram em tratamento e listados para TX. Os outros 20 mantiveram-se estáveis, em Intermacs 3 ou superior e puderam receber alta da UTI. A evolução desses pacientes pode ser melhor observada na figura 1.

Figura 1 Evolução dos pacientes de acordo com a gravidade que apresentaram na primeira internação (classificados de acordo com Intermacs). 

Dados demográficos e clínicos foram coletados do prontuário eletrônico de cada um desses pacientes. Os pacientes que tiveram alguma internação prévia ao período estudado foram avaliados desde a sua primeira internação. Foram analisados os dados demográficos, diagnósticos, tempos de espera em fila (período de tempo entre a data da entrada do paciente na fila até a realização do transplante ou óbito), tempo de assistência (período de tempo entre o início da assistência circulatória e o transplante ou óbito daqueles que não foram transplantados), incidência de complicações e tempo de internação pós-transplante (período de tempo entre o transplante e a alta ou óbito hospitalar).

Os pacientes que evoluíram em algum tempo da internação em Intermacs 1 e 2 foram divididos em dois grupos: grupo A (sem ACM), que corresponde aos pacientes manejados clinicamente para compensação hemodinâmica; e grupo B (com ACM), que corresponde àqueles que foram submetidos ao implante de algum tipo de ACM de curta duração como ponte para TX. As características clínicas no momento da entrada na lista de transplante de ambos os grupos estão listadas na Tabela 2.

Tabela 2 Características dos pacientes manejados clinicamente (grupo A) e dos que receberam o implante de ACM (grupo B) 

  Grupo A Grupo B Valor p
Variáveis demográficas n = 10 n = 9  
Idade (anos) ± DP 4,9 ± 4,1 4,2 ± 4,5 0,59
Peso (kg) ± DP 3,0 ± 20,6 5,0 ± 19,5 0,59
Sexo feminino n (%) 3 (30%) 4 (44,4%) 0,51
Variáveis clínicas
Intermacs 1 n (%) 3 (30%) 3 (33,3%) 0,87
Diálise peritoneal 5 (50%) 4 (44,4%) 0,80
Parada cardiaca 8 (80%) 7 (77,8%) 0,90
Entubação orotraqueal 4 (40%) 4 (44,4%) 0,84

Como se pode observar na Tabela 2, os grupos são bastante homogêneos, no entanto não houve randomização. A ACM foi utilizada quando se reuniram condições logísticas para tal. No princípio da experiência, por tratar-se de serviço público, dependia-se de doações dos dispositivos e, depois, dependia-se da disponibilidade do equipamento.

Dispositivos utilizados

Como dispositivos de curta duração foram utilizadas a ECMO isolada (um caso), a bomba centrífuga isolada (oito casos), e um paciente recebeu inicialmente ECMO e depois bomba centrífuga associada a dispositivo pneumático para corpóreo (Berlin Heart Excor, Berlim, Alemanha). O circuito de ECMO utilizado foi o PLS Maquet (Getting-Maquet Group, Hastat, Alemanha), composto de oxigenador de membrana oca de polimetilpenteno, bomba centrífuga e tubos tratados com material antiagregante plaquetário, sendo tubos de 3/8 de polegadas sem ponte nos pacientes acima de 10 kg e tubos de 1/4 com ponte naqueles com peso inferior a 10 kg. Foi realizada a canulação periférica (carótida e veia jugular) ou central (átrio direito e aorta) por meio de esternotomia mediana, dependendo do tamanho do paciente e da função cardíaca prévia.

Nos pacientes que utilizaram bomba centrífuga, a canulação mais empregada foi ponta de VE e aorta, em sete dos oito casos, e canulação de átrio esquerdo e aorta em um caso. As bombas centrífugas foram implantadas por esternotomia mediana, com auxílio de circulação extracorpórea nos casos em que a ponta do ventrículo esquerdo (VE) foi canulada. Da mesma forma que o circuito de ECMO, em crianças abaixo de 10 kg utilizou-se tubo de 1/4 de polegada e ponte pré/pós-bomba, mantendo-se fluxos diferenciados no circuito e no paciente, controlados através de um segundo fluxômetro independente. Foram utilizadas bombas centrífugas de dois fabricantes distintos: Rotaflow (Maquet - Getinge Group, Rastatt, Alemanha) e PedMag (Thoratec Corporation, Pleasanton, CA, Estados Unidos).

Análise estatística

Os dados das variáveis contínuas que apresentaram distribuição normal foram apresentados por meio de média e respectivo desvio-padrão (SD). As variáveis categóricas foram representadas como porcentagem, e as variáveis contínuas com sua mediana seguida dos valores mínimo e máximo da amostra. O teste de χ2foi utilizado para a comparação das proporções dos dados categóricos, e o teste t não pareado, para as variáveis contínuas. Foi considerado significativo um valor de p inferior a 0,05. Os dados foram analisados utilizando-se o software IBM SPSS versão 20 (SPSS, Inc., Chicago, IL, Estados Unidos). Cada um dos pacientes submetidos ao suporte circulatório como ponte para transplante foi analisado como sendo um evento isolado, mesmo que tenha sido submetido ao implante de mais de um dispositivo, de tipo diferente ou em momento distinto.

Resultados

Dos 40 pacientes admitidos na UTI com miocardiopatia dilatada, seis apresentaram-se pela primeira vez em Intermacs 1, 10 pacientes em Intermacs 2, 14 em Intermacs 3 e os outros 10 em Intermacs 4 a 6. Estes últimos foram internados por outras causas que não deterioração hemodinâmica, como infecção respiratória, realização de biópsia ou outro procedimento invasivo. Dos 14 pacientes em Intermacs 3, quatro tiveram piora clínica para Intermacs 2 e 10 mantiveram-se em Intermacs 3 ou melhoraram. A Figura 1 resume a evolução dos pacientes, de acordo com a gravidade, que se apresentaram na primeira internação segundo a classificação Intermacs.

No grupo A, dos 10 pacientes que foram manejados clinicamente, apenas dois (20%) puderam ser compensados hemodinamicamente, com reversão das disfunções orgânicas, e submetidos ao TX. Entre os nove pacientes do grupo B, seis (66,7%) puderam ser transplantados (p = 0,04) - Tabela 3.

Tabela 3 Resultado dos pacientes em Intermacs 1 e 2 manejados clinicamente (grupo A) e submetidos ao implante de ACM (grupo B) 

Resultados Grupo A (n = 10) Grupo B (n = 9) Valor p
TX, n (%) 2 (20%) 5 (55,5%) 0,04
Alta, n (%) 0 (0%) 3 (33,3%) 0,049

Alta: número de pacientes que receberam alta hospitalar; grupo A: sem assistência circulatória mecânica: grupo B: com assistência circulatória mecânica; n: número de pacientes; TX: número de pacientes que receberam o transplante.

Nenhum dos pacientes do grupo A recebeu alta (0%), e três pacientes do grupo B receberam alta hospitalar (33,3%; p = 0,049) - Tabela 3.

Os dois pacientes do grupo A transplantados evoluíram para óbito no pós-operatório, no 10.º e no 48.º dia. Os outros oito evoluíram com disfunção orgânica múltipla e óbito, sem possibilidade de serem submetidos ao TX.

No grupo B, três (33,3%) evoluíram para óbito em assistência por bomba centrífuga (dois por complicações relacionadas a acidente vascular encefálico e um por disfunção orgânica múltipla relacionada e coagulopatia de consumo). Dos seis que receberam TX, três evoluíram para óbito no pós-operatório (50%), um por complicações neurológicas e dois por disfunção orgânica múltipla, no 21.º e no 27.º dia de pós-operatório.

O tempo de espera em fila (período de tempo entre a data da entrada do paciente na fila até a realização do transplante ou óbito) foi de 32 dias no grupo A e de 62 no grupo B. Se considerarmos apenas aqueles que foram transplantados, o tempo médio em lista de espera foi de 47 dias (0-149 dias).

O tempo médio de assistência (início da assistência até o transplante ou óbito), considerando todos os pacientes do grupo B, foi de 471 horas (6-960h). Considerando apenas os pacientes transplantados, o tempo de assistência foi de 349 horas (6-984h). O tempo de internação pós-transplante (período de tempo entre o transplante e a alta ou óbito hospitalar) foi de 49 dias (6-115 dias).

Fenômenos embólicos e complicações neurológicas com sequela motora afetaram seis pacientes do grupo B (66,7%), sendo que essas complicações foram diretamente relacionadas ao óbito em três deles.

Discussão

O transplante cardíaco é o tratamento mais efetivo da insuficiência cardíaca terminal, porém limitado pelo número de doadores. A sobrevida após o TX pediátrico no primeiro ano é de aproximadamente 90%, e de 60% aos 10 anos10,11. Esses resultados variam com a idade do receptor, o diagnóstico, o período em que foi realizado e o local. O grande limitador do número de transplantes é o número de doadores. A dificuldade de obtenção de órgão varia com tipo sanguíneo, idade, peso do receptor, distribuição geográfica, entre outras variáveis10,12-15.

É interessante observar que grande número de crianças com diagnóstico de miocardiopatia se apresenta em insuficiência cardíaca, em estágio avançado, com necessidade de drogas vasoativas pela primeira vez na unidade de emergência do hospital especializado. Isso talvez se deva à grande dificuldade de diagnóstico clínico da insuficiência cardíaca nessa faixa etária.

Na insuficiência cardíaca avançada podemos ter desde o paciente restrito ao leito até aqueles em choque cardiogênico, e precisamos diferenciá-los, uma vez que o prognóstico está diretamente relacionado ao grau de descompensação em que o paciente se encontra. A classificação Intermacs, proposta pela Interagency Registry for Mechanically Assisted Circulatory Support (Intermacs), classifica esses pacientes em níveis de 1 a 7, sendo o nível 1 o de maior gravidade.

Os pacientes que se apresentam em Intermacs1 e 2 cursam com máperfusão tecidual e necessidade de aumento de doses de drogas vasoativas. A resposta clínica desses pacientes é pobre e, uma vez instalada a disfunção orgânica múltipla, perde-se a janela terapêutica do TX. O objetivo do emprego de ACM nesses casos éa reversão do quadro de baixo débito, restituindo a perfusão visceral e permitindo ao paciente aguardar por um doador em condições clínicas satisfatórias.

Os dispositivos de ACM podem ser classificados como de curta e de longa duração. No grupo de dispositivos de curta duração, os mais comumente utilizados na população pediátrica são a ECMO e a bomba centrífuga2,16-21, mais empregados em Intermacs 1 ou 2, por algumas semanas. Os de longa duração permitem assistência ventricular em períodos maiores, de alguns meses. Portanto, podem ser utilizados em pacientes em Intermacs 3 ou 4 com bastante segurança. Sua disponibilidade em pediatria é limitada, sobretudo devido ao tamanho desses dispositivos e à necessidade de suporte biventricular em grande parcela dessa população. Dentre esses dispositivos, os pneumáticos paracorpóreos são os mais amplamente utilizados17,21-25. Pelo tempo de espera para a obtenção de um órgão compatível, os dispositivos de maior duração seriam mais recomendados como ponte para transplante, porém a sua pequena disponibilidade em nosso meio, pelo alto custo e ausência de financiamento na maioria de nossos serviços, restringe o seu emprego em nosso país.

Embora possibilite tempo limitado de assistência circulatória, a ECMO ainda é o dispositivo mais utilizado nas crianças menores. Nos últimos anos, observamos número maior de implantes de dispositivos de longa duração, como os DAVs paracorpóreos pneumáticos, na população pediátrica. Isso se deve aos dispositivos recentemente aprovados nos Estados Unidos e à experiência acumulada na Europa, em crianças pequenas, com o Berlin Heart nos últimos cinco anos25. O emprego de ECMO está associado a maior risco de morte após 15 dias de assistência devido às complicações decorrentes, como alterações de coagulação e insuficiência renal, entre outras. O desenvolvimento de insuficiência renal nos pacientes em ECMO é fator isolado de aumento na mortalidade durante a assistência e após o transplante27, podendo ainda estar relacionado com indicação tardia do início da assistência, em pacientes com disfunção sistêmica instalada.

Nos Estados Unidos, apesar de elevado índice de aproveitamento de órgãos ofertados, que chega a ser superior a 98%, observamos nos últimos anos aumento (22% em 2005 e 25% em 2010) da utilização de algum tipo de ACM implantada como ponte para TX na população pediátrica. A utilização isolada de ECMO diminuiu de 9,4% em 2005 para 2,6% em 2010. Os dispositivos de assistência ventricular (VADs), incluindo o coração artificial total, por outro lado, mostram aumento de 12,1% para 20,4% no mesmo período.

A utilização de ACM como ponte para transplante em adultos é muito mais comum e vem aumentando significativamente nos últimos anos. Observamos, ainda, nessa população uma inversão no número de transplantes em relação ao número de dispositivos implantados, em que o número de dispositivos tende a ser maior que o número de transplantes realizados.

Em nossa experiência aqui apresentada, utilizamos a ECMO nos dois primeiros pacientes da experiência e temos reservado esse dispositivo para pacientes mais graves, com disfunção orgânica instalada.O dispositivo paracorpóreo pneumático foi utilizado em apenas um paciente, inicialmente submetido à ECMO para compensação hemodinâmica (Intermacs 1). Após um período superior a 20 dias de ECMO, implantamos um dispositivo pneumático paracorpóreo (Berlin Heart Excor) doado pela empresa isoladamente como suporte ventricular E. Com a necessidade de suporte pulmonar concomitante, fizemos a transição para ECMO à D (canulação do átrio direito com o tronco pulmonar) e depois para bomba centrífuga à D com a melhora da função pulmonar, mantendo o dispositivo pneumático do lado esquerdo durante todo esse período até o transplante cardíaco.

A experiência com bomba centrífuga isolada como ponte para TX érestrita a poucos centros e merece ser mais estudada, em especial pelo fato de ser possível adequado suporte durante 4-8 semanas e, em média, um pouco superior ao observado com a ECMO30-32. Se, por um lado, esses dispositivos permitem um suporte circulatório adequado do paciente em fila de espera para o transplante, a sua utilização pode estar associada a maior mortalidade no período após a realização do mesmo4,11 em decorrência das complicações associadas. Em nossa casuística, utilizamos a bomba centrífuga de forma isolada do lado esquerdo em sete casos e associada a outro dispositivo em um paciente.

A ACM tem demonstrado, além da possibilidade de diminuir a mortalidade na fila de espera do transplante, a oportunidade de recuperação da função cardíaca em casos selecionados. Embora ainda não totalmente compreendido, a recuperação da função cardíaca foi observada com a utilização de suporte circulatório em crianças com diagnóstico de miocardiopatia, resultado talvez de um remodelamento reverso obtido com a diminuição do volume ventricular obtido com ele. Esse fato não ocorreu em nossa limitada experiência.

Apesar de poucos centros brasileiros realizarem TX na população pediátrica, observamos pequeno aumento no número dos mesmos nestes últimos anos. Nosso programa teve início em 1992 e, desde então, realizamos em média seis TX ao ano. Nos últimos três anos, devido às melhorias do sistema de captação do estado e à disponibilidade maior de transporte aéreo para a captação a distância, realizamos uma média de 17 transplantes anuais.

Muito embora o número de doações tenha crescido, as dificuldades atuais do sistema de saúde pública impõem baixa qualidade ao órgão ofertado, gerando um índice de aproveitamento do órgão doado inferior a 10%. Nesse cenário, a mortalidade em fila de espera é ainda bastante elevada. Em nossa experiência pessoal, ela atinge cerca de 37% em 30 dias nos pacientes em prioridade (com droga vasoativa, internados em unidade de terapia intensiva, em ventilação mecânica ou com algum tipo de ACM, de acordo com a definição de prioridade da Secretaria Nacional de Transplante).

O transplante das crianças nessas condições clínicas, realizado em caráter de urgência, passa a ser um desafio. Estudo anterior de nosso serviço mostrou que o transplante realizado nessas condições apresentou mortalidade maior (25%) que nos pacientes que aguardavam o transplante em casa ou internados não priorizados. Quando estratificamos esses pacientes em prioridade utilizando a classificação Intermacs, observamos que, quando a criança se apresenta em Intermacs 1, a mortalidade na espera pelo transplante é superior a 98% em 30 dias, como mostra o presente estudo.

A utilização de dispositivos de curta duração, como ECMO e bomba centrífuga isolada, aumentou o tempo de espera em cerca de 30 dias, considerando o tempo médio de espera entre os grupos (62 dias no grupo B e 31,5 dias no grupo A). Por outro lado, pelo fato de tais dispositivos apresentarem tempo limitado de uso, sua indicação sempre foi postergada. Na maioria dos casos, o implante foi realizado tardiamente, já com comprometimento da função renal e/ou hepática.

A incidência de complicações neurológicas foi bastante elevada nos pacientes submetidos à ACM. Fenômenos embólicos relacionados aos dispositivos foram, provavelmente, os principais responsáveis, e melhorias no protocolo de anticoagulação desses pacientes vêm sendo perseguidas. No entanto, não se pode afastar o fato de que quase 80% desses pacientes tinham apresentado paradas cardíacas reanimadas previamente ao implante da ACM.

O emprego de ACM mostrou, em nossa experiência, ser extremamente eficaz no suporte circulatório desses pacientes, permitindo a redução de drogas vasoativas, melhoria na função hepática e renal, e retirada do suporte ventilatório na maioria dos casos, em especial nos casos de bomba centrífuga isolada (80%). Estimamos que a indicação mais precoce possa fornecer melhores resultados.

Limitações do estudo

Trata-se de estudo realizado em um único centro, retrospectivo e não randomizado. O critério de indicar um ou outro tratamento foi influenciado pela disponibilidade logística dos dispositivos e pela crescente experiência do serviço.

Conclusão

O emprego de ACM em pacientes pediátricos Intermacs 1 e 2 propiciou maior sobrevida ao TX e à alta hospitalar.

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